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O programa bolsa floresta e os sistemas de pagamento por serviços ambientais

Agenda 16/10/2014 às 18:20

O pagamento por serviços ambientais é um instrumento utilizado para incentivar a adoção de práticas ambientalmente menos nocivas e que forneçam serviços ambientais. A utilização de tal ferramenta é relativamente recente e seus efeitos pouco conhecidos.

INTRODUÇÃO

O meio ambiente natural oferece inúmeros benéficos, como por exemplo, regulação do clima, proteção do ciclo de águas, sequestro de carbono, conservação da biodiversidade e dos solos. Tais benefícios, conhecidos como serviços ambientais proporcionam condições que, de forma direta ou indireta, dão suporte a vida e contribuem para a sobrevivência e sadia qualidade de vida dos seres humanos.

Apesar de essenciais a própria manutenção da vida, o fornecimento de serviços ambientais vem sendo gradativamente ameaçado pelos impactos das atividades humanas, em especial, pela ação nociva e predatória das indústrias, bem como a derrubada de florestas pela expansão das fronteiras agrícolas.

No tocante a expansão das fronteiras agrícolas na Amazônia, esta causa desmatamento, degradação dos solos, poluição do ar e das águas e ameaça a biodiversidade e um equilíbrio muito frágil que sustenta esta floresta tropical, entretanto, a priori existem escassos incentivos, por parte do poder público, que levem as populações a considerarem o impacto de seus atos sobre a qualidade do meio ambiente.

Com base na constante diminuição do fornecimento dos serviço ambientais, e a intensa derrubada de florestas, surgiu a necessidade de mudança nas práticas agrícolas, de forma a conciliar o desenvolvimento econômico e social sem prejudicar o fornecimento dos serviços ambientais, especialmente nas regiões de floresta.

De forma geral, a população não adota práticas ecologicamente corretas, posto que reduzem os lucros líquidos sobre as atividades econômicas e que os benefícios não são imediatos ou aparentes, bem como não existem incentivos do poder público ou fiscalização que inibam as práticas proibidas e nocivas.

Desta forma, a introdução de alternativas menos degradantes nos sistemas produtivos para não utilizar os recursos naturais com potencial de gerar renda as populações, acarreta os custos de oportunidade, que nada mais são, que o valor que se deixa de ganhar quando se opta pelo procedimento ambientalmente mais favorável.

O pagamento por serviços ambientais é um dos instrumentos econômicos que pode compensar as populações das florestas pelos custos de oportunidade, de forma a proporcionar um maior nível de fornecimento de serviços ambientais.

A Amazônia, por sua vez, é fundamental ao equilíbrio climático mundial e influencia diretamente no regime de chuvas da América Latina. Trata-se de uma floresta tropical com 6,9 milhões de quilômetros quadrados distribuídos em nove países sul-americanos (Brasil, Bolívia, Peru, Colômbia, Equador, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa)[1].

Essa floresta abriga metade das espécies terrestres do planeta, são aproximadamente 40 mil espécies de plantas e mais de 400 de mamíferos. Os pássaros somam quase 1.300, e os insetos chegam a milhões. No Brasil, que engloba cerca de 60% da bacia amazônica, o bioma cobre 4,2 milhões de quilômetros quadrados (49% do território nacional) e se distribui por nove estados (Amazonas, Pará, Mato Grosso, Acre, Rondônia, Roraima, Amapá, parte do Tocantins e parte do Maranhão).  Sua cobertura vegetal estoca entre 80 e 120 bilhões de toneladas de carbono (fornecimento de serviços ambientais).

Trata-se da maior bacia hidrográfica do mundo, com cerca de um quinto do volume total de água doce do planeta. Às suas margens, vivem mais de 24 milhões de pessoas, incluindo mais de 342 mil indígenas de 180 etnias distintas, além de ribeirinhos, extrativistas e quilombolas. A floresta é essencial na vida dessa população.

O Programa Bolsa Floresta é um dos maiores programas de pagamento por serviços ambientais do mundo[2], abrangendo uma área de 10 milhões de hectares e atendendo mais de 35 mil pessoas no Estado do Amazonas, parte da Amazônia Brasileira.

O programa, implementado há 5 anos, atende em quatro frentes: renda, associação, familiar e social e suas finalidades vão além do assistencialismo governamental. Tratam-se de ações a longo prazo que resultem em mudanças positivas nas comunidades, incentivando as atividades que valorizam a conservação da floresta e promovendo a geração de renda. O artigo pretende analisar os reais resultados dessa inciativa, bem como apontar sugestões de aprimoramentos ao sistema.

DA IMPORTÂNCIA DA PESQUISA

O pagamento por serviços ambientais é uma ferramenta econômica que pressupõe que os agentes tendem a mudar seu comportamento por meio de incentivos e penalidades econômicas, maximizando sua margem de lucro.

O valor do pagamento deve ser baseado no custo de oportunidade de alterar o uso da terra, pelo qual os agentes receberiam uma espécie de compensação. Assim, é essencial a realização de estimativas para mensurar esses custos para dotar de efetividade os programas de pagamentos por serviços ambientais. No caso do Bolsa Floresta, por exemplo, o que restou evidenciado é que os valores atualmente pagos são insuficientes a cobrir os custos de oportunidade, precisando ser adequados.

As experiências de pagamentos por serviços ambientais têm ocorrido em áreas de florestas, especialmente na América Latina. Entretanto, tratando-se de instrumento recente seus efeitos ainda são relativamente desconhecidos acerca do aumento do fornecimento dos serviços ambientais.

Assim, são procurados caminhos para se aproximar do desenvolvimento sustentável, socialmente includente, ambientalmente sustentado e economicamente sustentável[3].

Para avaliar as oportunidades e limites das mudanças dos sistemas produtivos é importante estudar a implantação de um sistema de pagamento por serviços ambientais. Neste sentido, dentro do contexto da Amazônia Brasileira, foi implementado o Bolsa Floresta, política com escopo de estimular as populações locais a auxiliar na manutenção da cobertura vegetal da região, atuando em diversas frentes que contemplam benefícios econômicos e sociais das populações. É preciso avaliar os impactos deste programa no âmbito social e principalmente ambiental.

QUESTÃO DE PESQUISA

Neste artigo, busca-se responder a seguinte questão: “O Bolsa Floresta enquanto programa de pagamento por serviços ambientais foi efetivo no sentido de aumentar o fornecimento dos serviços ambientais?”

Partindo dos aspectos conceituais dos serviços ambientais e do pagamento por serviços ambientais, passando pelo programa bolsa floresta, chegando a uma análise superficial de sua efetividade, posto as limitações de tempo para a pesquisa.

Através da análise dos índices oficiais acerca do desmatamento no Estado, antes e durante a execução do programa Bolsa floresta, será possível dizer, de maneira superficial, se o programa foi eficiente na manutenção da cobertura vegetal no Amazonas, sua finalidade maior.

  1. SERVIÇOS AMBIENTAIS

O meio ambiente natural oferece inúmeros benéficos, como por exemplo, regulação do clima, proteção do ciclo de águas, sequestro de carbono, conservação da biodiversidade e dos solos. Tais benefícios, conhecidos como serviços ambientais proporcionam condições que, de forma direta ou indireta, dão suporte a vida e contribuem para a sobrevivência e sadia qualidade de vida dos seres humanos.

Os numerosos serviços fornecidos pelos ecossistemas, cujos elementos constitutivos não são facilmente passíveis de identificação, recebem o nome de ecossistêmicos. Dentre eles, o subgrupo referido como serviços ambientais distingue-se pela geração de externalidades, que são os impactos (positivos ou negativos) das ações humanas, não traduzida no sistema de preços.

Apesar de essenciais, os serviços ambientais estão sob intensa ameaça, e seu manejo inadequado geram perdas sócio econômicas para toda a sociedade, que não raramente ultrapassam as fronteiras nacionais. Além disso, existem poucos incentivos para que ocorram a proteção desses serviços, contrariamente, o mercado estimula a produção de bens a suas custas, causando a degradação dos ecossistemas.

De maneira peculiar, no caso da agricultura, que inclui o cultivo de espécies vegetais, criações de animais e extração de produtos florestais, ela ameaça o fornecimento dos serviços ambientais, tendo em vista que é fruto do crescimento populacional e econômico e gera poluição dos cursos de água, da qualidade do ar, degradação dos solos, diminuição da biodiversidade e afins.

Essas externalidades, na maior parte das vezes, não possuem reflexo em incentivo as populações para que preservem os serviços ambientais e por isso não levam em consideração os impactos ambientais de suas atividades.

Qualquer abordagem que lide com as externalidades da agricultura, deve reconhecer o papel central desempenhado pelos agricultores, que, através das culturas de subsistência, geram renda e inclusão social, garantindo a própria subsistência das populações tradicionais, assim, devem ser encontrados meios que ofereçam estímulos para a diminuição dos impactos, oferecendo maiores níveis de serviços ambientais.

O conjunto de políticas (econômicas, ambientais e agrícolas) tem influência direta nos incentivos e limites considerados pelos agricultores. Estão sendo utilizados, cada vez mais, instrumentos financeiros para melhorar o fornecimento dos serviços ambientais relacionados as culturas agrícolas de subsistência, sendo instituído pagamento direto a populações que melhoram o nível de fornecimento dos serviços.

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  1. OS SISTEMAS DE PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS

Dentre as políticas públicas, existem os instrumentos comando-e-controle que protegem os recursos de maneira direta, por meio de regras introduzidas por meio de instrumentos legais que induzem, proíbem, limitam ou condicionam o comportamento dos agentes. Tem caráter impositivo e inflexível, caso o agente desobedeça se sujeita a penalidades e por isso dependem da capacidade do poder público em fiscalizar seu cumprimento e punir os infratores.

Ocorre que tais instrumentos, no tocante a matéria ambiental, mostram-se insuficientes a alcançar os resultados esperados, por falta de capacidade do Poder Público de monitorar, fiscalizar e aplicar as penalidades.

Os instrumentos econômicos por sua vez, tais como créditos, incentivos indiretos, isenções e subsídios não são coercitivos, obedecem ao contexto de mercado, induzindo o comportamento social a fim de induzir mudanças no comportamento do agente, para um uso mais racional e eficiente dos recursos. A utilização de tais instrumentos, na seara ambiental é recente, por meio da implementação do pagamento por serviços ambientais.

Para caracterizar os sistemas de pagamento por serviços ambientais é necessário cinco requisitos: 1- ser uma transação voluntária (distingue dos instrumentos comando e controle); 2- ter um serviço ambiental definido ou um uso da terra que assegure o fornecimento de serviço ambiental; 3- existir um comprador ou usuário de serviço ambiental; 4- existir um fornecedor de serviço ambiental; 5- haver a condicionalidade (o serviço só é pago se cumprida as condições pré-estabelecidas, o monitoramento deve ser contínuo).

Atualmente, evidenciam-se quatro tipos de serviços ambientais: 1- o armazenamento e sequestro de carbono (onde se insere o Programa Bolsa Floresta); 2 – a proteção da biodiversidade; 3- proteção dos recursos hidrológicos e 4- proteção da beleza cênica.

De maneira geral, as populações não adotam práticas ecologicamente favoráveis de manejo por que tais práticas reduzem o lucro proveniente das atividades, os esforços adicionais para realizar mudanças favoráveis nos processos produtivos geram os chamados custos de oportunidade, que são o valor que se deixa de ganhar com a mudança do comportamento, é uma compensação. A estimativa dos custos de oportunidade é essencial a efetividade da política e mostra-se como alternativa para determinar o valor do pagamento, já que o valor real do serviço fornecido é de difícil estimativa. Quando os custos de oportunidade são baixos, os sistemas de pagamento por serviços ambientais tem se mostrado efetivos, entretanto, quando os custos são altos, geralmente são necessários outros instrumentos para coibir as práticas nocivas.

Importa mencionar que os fatores envolvidos na escolha dos sistemas de manejo utilizados nas propriedades não se baseiam exclusivamente na geração de renda; são considerados outros como a insegurança alimentar (falta de alimentos ou recursos para a compra de alimentos), o impacto social, a saúde, acesso a informação, falta de acesso ao crédito, a insegurança ou inexistência de título de propriedade, bem como recursos e oportunidades disponíveis.

É importante que os pagamentos por serviços ambientais permitam ao agricultor superar a barreira de investimentos, para facilitar a transição para novos sistemas produtivos que sejam mais lucrativos a longo prazo, e assim, evitem o retorno ao uso da terra anterior, tornando o pagamento por serviços ambientais uma solução temporária que pode ser descontinuada.

A efetividade do programa de pagamento por serviços ambientais, que se traduz no aumento do fornecimento de serviços ambientais, depende de seu desenho e sua implementação dentro do contexto político, social, econômico e ambiental específicos do programa.

Muitas vezes esses programas funcionam como prêmio para populações rurais pobres que cuidam do ambiente e têm fornecido serviços ambiental de maneira gratuita e continuada, contudo, para que sejam eficientes, só podem ser pagos se houverem ameaças a seu fornecimento e se houver monitoramento no sentido de atestar dos serviços terem sido prestados. Tais programas devem ser pagos a populações que efetivamente utilizam a terra, ameaçando o fornecimento dos serviços ambientais e que vão arcar com os custos de oportunidade derivados da adequação de suas atividades.

Precisam ser levados em consideração e mensurados os custos de transação, que são aqueles que decorrem da atração de compradores e fornecedores, dos programas públicos, do monitoramento dos serviços, do estabelecimento de parcerias, dos custos com os contratos e demais custos legais.  Devem ser levados em conta ainda, os riscos associados com fatos imprevistos ou incontroláveis que afetam o fornecimento dos serviços, como por exemplo, a ocorrência de enchentes ou incêndios. Para diminuir os custos, devem ser simplificadas as regras, facilitadas as trocas entre compradores e fornecedores e exploradas as economias de larga escala. Tais custos são determinantes na sustentabilidade e replicabilidade dos programas, e os programas mal elaborados, podem ter custos de transação tão altos que os inviabilizem.

  1. O PROGRAMA BOLSA FLORESTA

       3.1 O pagamento por serviços ambientais na Amazônia

No Brasil, como é típico dos países em desenvolvimento, há abundância de recursos naturais, onde vivem populações carentes, com pouco acesso a mercados e a informação. As fronteiras agrícolas tem avançado sobre a cobertura vegetal, tendo em vista o retorno econômico das atividades.

Na Amazônia, sua cobertura florestal resta ameaçada pelo potencial madeireiro, pela expansão da agropecuária extensiva e ainda pela agricultura de subsistência.

A compensação financeira apresenta-se como alternativa de evitar o avanço do desmatamento, gerando ainda renda as populações locais. Existem vários programas de pagamento por serviços ambientais na Amazônia, podemos citar: bolsa verde, programa Proambiente e ainda o Bolsa Floresta, que será abordado a seguir.

  1. Bolsa Floresta: contexto

As unidades de conservação aparecem atualmente como estratégias para experiências de implementação de sistemas de pagamentos por serviços ambientais. A partir de 2004 foram criadas muitas delas no Estado através da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Não obstante, o Governo Federal, desde a década de 60, vinha implementado essas unidades no Amazonas. A politica ambiental no Estado foi conduzida a partir de um discurso socioambiental, favorável a presença de população nessas áreas, desde que as comunidades se comprometessem a não degradar o ambiente onde vivem.

Entre 2003 e 2007 a Secretaria de Meio Ambiente e desenvolvimento sustentável do Estado do Amazonas formulou e coordenou uma serie de politicas publicas voltadas para a promoção do desenvolvimento sustentável, com ênfase na conservação ambiental, combate a pobreza e mudanças climáticas, este conjunto de politicas foi denominado como Zona Franca Verde, programa de geração de emprego e renda a partir do uso sustentável dos recursos naturais, valorizando a floresta em pé. Uma das inovações da Zona Franca Verde foi a criação do Programa Bolsa Floresta. A implementação de tais medidas justifica-se no contexto ambiental mundial atual.

O ritmo acelerado de desmatamento e queimadas somado ao alto volume de queima de combustíveis fosseis, geram grandes impactos sobre o clima, com consequências irreversíveis aos ecossistemas e a vida humana. A conservação das florestas mostra-se imperativa em tal contexto.

A floresta amazônica, em particular, influencia no regime de chuvas de todo o Brasil, o que traz reflexo no abastecimento nas residências, no desenvolvimento da agricultura e pecuária, na geração de energia elétrica, impactando diretamente na economia. Assim, a conservação da floresta Amazônia torna-se de interesse nacional e mundial. Ademais a floresta é essencial a subsistência das populações indígenas, tradicionais e ribeirinhas.

Torna-se imperioso estabelecer diferentes estratégias para cada sub-região da Amazônia, posto que possuem características heterogêneas, o programa Bolsa Floresta foca na parte mais conservada da região, a chamada Amazônia profunda. Essa região se caracteriza por pequena taxa de desmatamento (inferior a 2%), elevada proporção de terras protegidas (terras indígenas ou unidades de conservação), presença de populações tradicionais ou indígenas e de difícil acesso por estradas.

         3.3 Bolsa Floresta: conceito

Trata-se de um dos maiores programas de pagamento por serviços ambientais do mundo, abrangendo uma área de dez mil hectares e atendendo mais de 35 mil pessoas, espalhadas em 569 comunidades.

Foi instituído pelo Governo do Estado do Amazonas por meio da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável em setembro de 2007, com o escopo de promover a conservação do meio ambiente, por meio do desenvolvimento econômico e social sustentável.

O fito do programa é transformar as populações tradicionais em guardiões da floresta. Seu foco é desenvolver cadeias produtivas dos serviços e produtos ambientais de base florestal, o fortalecer as comunidades, e atender a população que vivem em situação de vulnerabilidade social.

Implementado pela Lei 3.135, sobre Mudanças Climáticas, Conservação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas, e pela Lei Complementar 53, sobre o Sistema Estadual de Unidades de Conservação (SEUC), ambas promulgadas pelo executivo em 5 de junho de 2007.

Por ser um tipo de programa de pagamento de serviços ambientais, logo, de implementação recente, o Bolsa Floresta sofreu alguns aprimoramentos metodológicos e adaptações.

Uma das principais alterações do foi o desdobramento do Plano de Investimento Comunitário (PIC) em Bolsa Floresta Renda e Bolsa Floresta Social e se justificou na necessidade de dotar de maior clareza os objetivos de cada componente, além de reforçar a imagem de programa de Pagamento por Serviços Ambientais e não meramente assistencialista.

Os beneficiários do Programa participam obrigatoriamente de uma oficina de formação sobre mudanças climáticas, sustentabilidade e direitos sociais. Ao final desta capacitação aqueles interessados assinam, voluntariamente, um termo de compromisso de desmatamento zero (de mata nativa), uso de praticas de prevenção a queimada e participação na associação de moradores, pré-requisito para ser fornecedor de serviços ambientais neste programa.

Trata-se do primeiro programa brasileiro certificado internacionalmente para apoio e fomento as populações tradicionais para conservação ambiental e melhoria da qualidade de vida. O programa enfrenta populações com vulnerabilidade social e implementa ações de conservação do meio ambiente.

Importa destacar que a metodologia de calculo de carbono e validade e certificada por uma instituição independente, de credibilidade internacional (TUV-SUD) com base na contribuição de um comitê cientifico composto por pesquisadores de instituições de pesquisa e organizações não governamentais de destaque internacional.

A implementação do programa envolve um comitê cientifico, um grupo de acompanhamento e grupos de trabalho (saúde, educação e renda) do qual participam vinte e sete instituições governamentais e não governamentais do Estado. Assim, as estratégias de implantação estão em constante avaliação e aprimoramento.

3.4 Bolsa Floresta: componentes

   A estruturação do programa em quatro componentes resultou num sistema mais completo de concessão dos benefícios. São componentes do programa:

Além desses componentes existem os programas de apoio que tem o objetivo de realizar ações estruturantes de médio e longo prazo, ações voltadas a saúde e educação, apoio a produção sustentável, apoio a fiscalização e monitoramento do desmatamento na UC envolvida no programa, apoio a gestão das UCs, apoio ao desenvolvimento cientifico.

Resta claro que o programa enxerga as comunidades rurais como também responsáveis pelo desmatamento, com a inclusão do programa, essas populações tornam-se corresponsáveis na manutenção da floresta, desobrigando o Estado de ações de sua competência como fiscalização ambiental e de fronteira, transferindo tal responsabilidade a população tradicional.

3.5 Fundação Amazônia Sustentável

Visando a concretização da proteção ao meio ambiente prevista na Constituição Federal e do Estado do Amazonas, o Governo do Estado em parceria com o Banco Bradesco e a Coca-cola, instituiu a Fundação Amazonas Sustentável (FAS), no dia 20 de dezembro de 2007, como entidade publico-privada, sem fins lucrativos, não governamental e sem vínculos políticos.

O objetivo da FAS é promover o desenvolvimento sustentável, a conservação ambiental e a melhoria da qualidade de vida das comunidades moradoras nas unidades de conservação do Amazonas.  Foi constituído um fundo patrimonial de sessenta milhões de reais que custeiam o bolsa floresta familiar, outros recursos provem de projetos complementares de saúde, educação e desenvolvimento econômico.

Importa mencionar que a FAS tem direito de comercializar os serviços ambientais, como créditos de carbono, para serem negociados nos mercados privados, pelo período de 20 anos, exercendo uma espécie de mercado da natureza.

Como gestora principal do programa, a fundação se articula com o centro de estudos da unidade de conservação e outras instituições como IDAM e ITEAM, incentivando atividades econômicas de baixo impacto ambiental.

3.6 Bolsa Floresta x Bolsa Verde

O Bolsa Floresta, conforme, já mencionado, foi uma iniciativa do Governo do Amazonas implementada em 2007, já o Bolsa Verde, por sua vez, e um programa nacional lançado pelo Governo Federal em 2011. Ambos são programas de pagamento por serviços ambientais voltados a moradores de Unidades de Conservação, o Bolsa Verde, todavia,  engloba moradores de assentamentos de reforma agraria localizados em áreas de grande valor ambiental onde prevalecem atividades extrativistas e agricultura familiar.

 Enquanto o Bolsa Floresta requer participação em oficina e assinatura de termo de compromisso de desmatamento zero, uso de praticas de prevenção a queimada e participação na associação de moradores, o Bolsa Verde requer atendimento aos critérios do programa bolsa família e respeito ao plano de manejo ou uso da área.

Ambos são programas de combate a pobreza com pagamentos diferenciados, enquanto no bolsa verde o pagamento e trimestral, no Bolsa Floresta o pagamento se divide dentre seus quatro componentes.

O Bolsa Verde prevê pagamento por dois anos, renováveis por igual período, enquanto que o bolsa floresta funciona por tempo indeterminado, enquanto forem fornecidos os serviços ambientais, para isso os recursos provem de um fundo do qual somente são extraídos os dividendos anuais.

Para participar do Bolsa Floresta a família precisa residir a mais de dois anos nas UCs, o Bolsa Verde não possui tal condicionante. O BV e financiado por recursos da união enquanto o BF e financiado por uma parceria publico-privada.

Ambos são programas de pagamento por serviços ambientais com fito de erradicar a miséria e promover a conservação ambiental de implementação recente e que possuem uma serie de desafios a serem superados mas que já apresentam resultados positivos tanto no âmbito social quanto ambiental.

3.6 Resultados e Perspectivas

Implantado há mais de cinco anos, o Programa já atendeu mais de oito mil famílias divididas em 15 unidades de conservação no Estado do Amazonas.

Os resultados se dividem em cada uma das modalidades do programa[4]:

Somente em 2011, a FAS investiu R$ 5,31 milhões no Programa Bolsa Floresta mais R$ 4,79 milhões para o Bolsa Floresta Familiar, totalizando R$ 10,10 milhões.

Um dos principais resultados do Bolsa Floresta Renda que incentiva as atividades que não produzam desmatamento, sejam legalizadas e valorizem a floresta em pé, é o trabalho para fomentar atividades de geração de renda. Com a parceria de uma cooperativa local, do Governo do Estado e com investimentos em infraestrutura das comunidades, as atividades fizeram o preço da lata de dez quilos de castanha do Brasil subir de R$ 4,00 para 18,00, por exemplo. Outro exemplo marcante foi o trabalho feito com manejo do pescado nas reservas de Mamirauá e Anamã. Entre os benefícios oferecidos estão flutuantes para o manejo do peixe pirarucu e kits de pesca.

As cantinas comunitárias na Reserva Uacari também exemplos de sucesso. Em parceria com a Associação de Moradores Agroextrativistas da RDS Uacari (AMARU) e a Associação dos Produtores Rurais de Carauari (ASPROC), a FAS apoiou a ampliação do projeto de cantinas comunitárias. Há ainda diversos exemplos de agregação de valor nas cadeias produtivas de guaraná, piscicultura, artesanato, manejo madeireiro, dentre outros.

No tocante a melhoria social, os resultados demonstram melhoria da qualidade de vida dos moradores das UCs atendidas pelo programa, entre as principais iniciativas estão a construção de vilas comunitárias em regiões isoladas, como por exemplo, a vila comunitária do Cojubim, as famílias que viviam no local antes viviam em extremo isolamento, com alto índice de analfabetismo e grande incidência de malária. Foram construídas 24 casas, escola, casa do professor, base de pesquisa da FAS, base de apoio aos agentes de saúde, centro comunitário para reuniões.

Ainda, são oferecidas lanchas para o atendimento emergencial, recursos para educação, comunicação (através de instalação de rádios comunicadores) e transporte para as comunidades beneficiadas pelo programa.

São realizadas ainda oficinas com a população para que entendam os benefícios não apenas financeiros de fazer parte do programa, mas para que desenvolvam a consciência da importância da conservação ambiental e desenvolvimento sustentável.

Além disso, são desenvolvidos programas de suporte ao bolsa floresta, que colaboram para a criação dos núcleos de conservação e sustentabilidade (NCS) centros de educação. Já existem seis núcleos deste tipo (reservas do Juma, Uatumã, Rio Negro, Mamiraua, Poranga Conquista e  Cujubim). Outros dois já estão sendo construídos na Reserva Uacari. Juntos, esses núcleos  atendem mais de quinhentas pessoas que passaram a ter acesso à educação formal com professores da rede pública, além de agentes locais da saúde, agentes locais ambientais, energia elétrica,  entre outros.

No tocante a saúde, importa mencionar que malária, diarreia, gripe e verminose compõe 95% das doenças observadas nas unidades de conservação do programa, assim, as principais atividades do Bolsa Floresta na área de saúde envolvem capacitação de agentes comunitários e enfermeiros, oficinas de planejamento participativo, Planos de ações prioritárias de saúde para cada UC, monitoramento e avaliação desses planos.

A consultora do Projeto no Amazonas, Danielle Mamed, em entrevista[5] publicada no site Amazônia, dia  05 de setembro de 2013, afirmou que por meio de pesquisa de campo, percebeu-se pagamento correto dos recursos, embora haja pouca satisfação dos beneficiários com o valor pago no Bolsa Floresta Familiar, além disso restou evidenciado um alto nível de conscientização ecológica entre os comunitários e a inclusão desses atores nas politicas ambientais estaduais. O programa tem se mostrado inibidor de infrações ambientais com adoção de posturas mais sustentáveis pelos beneficiados, mitigando mudanças climáticas, combatendo o desmatamento e mantendo a floresta e os seus serviços ambientais.

Por sua vez, Virgílio Viana (VIANA 2010) percebe com otimismo os resultados do programa, especialmente por considerar grande interesse e participação das comunidades envolvidas. Para ele, o principal gargalo e a articulação entre o grande numero de instituições, o que pode ser superado pelas ações dos grupos de acompanhamento e grupo de trabalho.

Para Cardenes e Scherer[6], alguns desafios ainda precisam ser superados, tais como:

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O programa Bolsa Floresta é um sistema inovador e que até o momento demonstra grande potencial para a promoção da conservação de florestas e do desenvolvimento sustentável na região.

Os resultados, embora escassos e pouco divulgados, demonstram certa capacidade de manutenção da cobertura vegetal e desenvolvimento social e econômico as populações atendidas.

O programa foi concebido para uma realidade local de populações indígenas e tradicionais da Amazônia profunda, mas o conceito de sistema de pagamento por serviços ambientais é aplicável em outras regiões do Brasil e do Mundo.

O que se espera é a manutenção do acompanhamento de resultados e que eles sigam positivos para o meio ambiente e para as populações envolvidas. E ainda, que sejam implementados novos programas no sentido de abranger as áreas externas as Unidades de Conservação da ação de agricultores, grileiros e madeireiros.

O conceito do programa carrega perspectivas animadoras de multiplicação, especialmente no tocante a inserção dos créditos de carbono como indicador de redução de desmatamento que tendem a ser incorporados nos acordos internacionais na área do meio ambiente e mudanças climáticas.

Uma critica importante trata-se de que as populações tradicionais não são os principais responsáveis pelo desmatamento da floresta, e que, nenhuma politica publica ampla foi implementada ate o momento para evitar a ação de grileiros, madeireiras e do agronegócio, que são os principais agressores do ecossistema regional. Ademais, a questão social deve ser priorizada nas comunidades atendidas, posto que e ponto fundamental na manutenção dos resultados positivos do programa.

Ainda, é necessário dotar de maiores informações as comunidades atendidas, bem como devem ser feitos mais investimentos em saúde e educação, além da apresentação de alternativas viáveis de substituição dos processos produtivos.

A ideia de envolver a população para que se tornem corresponsáveis pela manutenção da floresta é importante para a manutenção de uma consciência socioambiental, mas não se pode imputar um poder disciplinar a estas pessoas, e desobrigar o Estado na sua função de promover a manutenção das florestas e a segurança das fronteiras.

É preciso um melhor acompanhamento dos resultados do programa, e a este respeito são escassas as informações fornecidas Se torna imperioso maior transparência nos recursos arrecadados e aplicados pela FAS. Além disso,  não se pode atribuir única e exclusivamente a responsabilidade pelo desmatamento as populações tradicionais, bem como deve ser ofertada uma assessoria técnica as populações com sugestões de substituição dos sistemas produtivos tradicionais, a fim de que se atinjam as metas do milênio e a tão falada sustentabilidade ambiental.

Referências bibliográficas

AMAZONAS. Lei Estadual Nº3.135 de 05/06/2007. Institui a Lei de mudanças Climáticas do Estado do Amazonas. Diário Oficial do Estado do Amazonas de 05 de dez. 2007, Disponível em <http://www.segov.am.gov.br/programas> Acesso em 08/09/2014.

____________. Seminário “mercado de Oportunidades para o Conhecimento das Unidades de Conservação Estaduais do Amazonas”. Manaus: SDS\CPMA. 2008.

BERCKER, Becker K. Serviços ambientais e possibilidades de inserção da Amazônia no século XXI, Revista T&C Amazônia, Ano VI, Número 14, Junho de 2008, p.2.

BRASIL, Decreto nº 6.263 de 21/ 11/ 2007. Plano Nacional de Mudança do Clima(PNMC).

FEARNSIDE, M. Philip. Serviços Ambientais como base para o uso sustentável de florestas tropicais na Amazônia Brasileira. 2006.

FUNDAÇÃO AMAZONAS SUSTENTÁVEL MANAUS. Relatório de Gestão. 2013.

FUNDAÇAO AMAZONAS SUSTENTÁVEL . Manaus. Relatório de Pesquisa de Opinião: Programa Bolsa Floresta RDS Rio Negro, Uatuma e Juma. (www.fas.com.br, acessado em 09.08.2014)

NASCIMENTO, Isaura Rodrigues, A Estadualização das Políticas Públicas no Amazonas, Dissertação de Mestrado.UFAM, 2000.

ONU. Comissão Econômica para América Latina e o Caribe. Santiago, Cepal, 2007.

_____. Painel Intergovernamental sobre mudanças climáticas. Disponível em http;www.ipcc.ch acesso em 03 de setembro de 2014.

SILVA, M.C. Metamorfoses da Amazônia. Manaus: Universidade do Amazonas, 2000.

VIANA, Virgílio. Bolsa Floresta: um instrumento inovador para a promoção da saúde em comunidades tradicionais na Amazônia. São Paulo/USP- Estudos Avançados 22 (64),2008.

..................... . As florestas e o desenvolvimento sustentável na Amazônia. Manaus: Editora Valer, 2007.

...................... Amazônia e Desenvolvimento Sustentável. IN: FREITAS, Marcílio (org.) Amazônia: a natureza dos problemas e os problemas da natureza. Manaus: Edua. 2005.

http://www.fas-amazonas.org/pt/secao/programa-bolsa-floresta, acesso em 09/09/2014.


[1] Fonte: GREENPEACE.

[2] Fonte: Fundação Amazonas Sustentável.

[3] SACHS, 2008.

[4] Fonte: Fundação Amazônia Sustentável.

[5] entrevista disponivel em http://amazonia.org.br/2013/09/bolsa-floresta-gera-bons-resultados-para-comunidades-do-amazonas/

[6] CARDENES, Jander & SCHERER, Elenise. PROGRAMA BOLSA FLORESTA RECOMPENSA FINANCEIRA AOS GUARDIOES DAS FLORESTAS NAS UNIDADES DE CONSERVACAO DO ESTADO DO AMAZONAS. DISSERTACAO DE MESTRADO. MESTRADO DO PROGRAMA CASA - UFAM - 2010

Sobre a autora
Karen Leite Rodrigues

Advogada, mestranda em direito ambiental, pós graduada em gestão de cooperativas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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