Mesmo havendo julgados do próprio Superior Tribunal de Justiça alegando ser firme a posição no sentido do contrato de confissão de dívida constituir título executivo extrajudicial, ao menos em uma das Câmaras da 4ª Turma o posicionamento é no sentido oposto, ou seja, de não considerar o contrato de confissão de dívida como título executivo extrajudicial.
Em que pese a força dos julgados majoritários em sentido contrário, a decisão mais acertada, inclusive por razões de precedentes do próprio Superior Tribunal de Justiça, é a que considera não constituir título executivo judicial o instrumento particular de confissão de dívida oriundo de contrato de abertura de crédito.
Decisões majoritárias:
EDRESP 324109/RN ; EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL (2001/0054416-1)
DJ DATA:27/05/2002 PG:00169
Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (1108)
T3 - TERCEIRA TURMA
Embargos de declaração. Recurso especial. Contrato de confissão de dívida. Título executivo. 1. Não há omissão a ser sanada no Acórdão, assentado na jurisprudência firme deste Tribunal no sentido de que o contrato de confissão de dívida é título executivo extrajudicial, por preencher os requisitos exigidos por lei. Faz referência expressa ao montante do débito, sendo irrelevante a sua origem.
2. Embargos de declaração rejeitados.
RESP 361594/RS ; RECURSO ESPECIAL (2001/0116459-5)
DJ DATA:20/05/2002 PG:00155
REPDJ DATA:17/06/2002 PG:00272
Min. BARROS MONTEIRO (1089)
T4 – QUARTA TURMA
EXECUÇÃO. CONFISSÃO DE DÍVIDA SEQÜENTE A CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. EXECUTIVIDADE. - O instrumento particular de confissão de dívida, ainda que seqüente a contrato de abertura de crédito, constitui título executivo extrajudicial. Precedentes.
Recurso especial conhecido e provido.
As razões que acompanham as decisões majoritárias assentam-se, fundamentalmente, na afirmação de que o contrato de confissão de dívida se constitui título executivo extrajudicial porque (a) não foi elaborado unilateralmente pelo banco e (b) pelo fato do valor originário ter sido expressamente reconhecido pelo devedor:
RESP 432152
Min. NANCY ANDRIGHI
DJ DATA:28/06/2002
3T – Terceira Turma
([V1])
RECURSO ESPECIAL Nº 432.152 - SC (2002/0050871-5)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : IDÍLIO ANTONIO LONGHI E OUTRO
ADVOGADO : ÊNIO EXPEDITO FRANZONI E OUTROS
RECORRIDO : BANCO ITAÚ S/AADVOGADO : NESTOR LODETTI E OUTROS
Processual civil. Recurso especial. Instrumento particular de confissão de dívida oriundo de contrato de abertura de crédito em conta corrente. Título executivo extrajudicial.
O instrumento particular de confissão de dívida, assinado pelas partes na presença de duas testemunhas, no qual os executados comprometem-se a pagar prestações de valor determinado, tem as
características de título executivo, porquanto não foi elaborado unilateralmente pelo banco. Precedentes.
DECISÃO
Cuida-se de recurso especial, interposto por Idílio Antônio Longhi e outro, contra acórdão exarado pelo eg. Tribunal de Justiça de Santa Catarina.O Banco Itaú S/A, ora recorrido, propôs ação de execução em face dos recorrentes, lastreando-a em contrato de abertura de crédito em conta corrente acompanhado de nota promissória e instrumento particular de confissão de dívida.
Devidamente garantido o juízo, os recorrentes opuseram embargos do devedor à execução. Preliminarmente, sustentaram a nulidade da penhora incidente sobre o imóvel garantidor do juízo.
No mérito, afirmaram que o contrato de abertura de crédito em conta corrente, ainda que acompanhado dos extratos bancários e Demonstrativos da evolução do débito, não possui os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade, não sendo, pois, apto à instrução da ação de execução proposta em face deles. Ademais, apontaram a incidência de cláusulas abusivas, em especial as que fixaram as taxas de juros e permitiram a sua capitalização.
O d. Juízo a quo julgou procedente o pedido constante dos embargos para declarar a nulidade do processo de execução, nos termos do art. 614, II, e 618, I, do CPC, diante da ausência dos requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade do título exequendo.
Inconformado, o recorrido apelou ao eg. Tribunal a quo. O v. acórdão restou assim ementado:
"Execução - Embargos - Contrato Credicomp PF (confissão de dívida) - Título executivo extrajudicial - Sentença anulada - Recurso provido.
O contrato de abertura de crédito com reconhecimento e quitação de dívidas e outras avenças é título executivo extrajudicial (Ap. civ. n. 98.015347-6, de Tubarão)."
Irresignados, os recorrentes interpuseram recurso especial, com fulcro no art. 105, inc. III, alínea "c" da Constituição Federal, sob a alegação de dissídio jurisprudencial. Em síntese, sustentam que a jurisprudência assente não considera o contrato de abertura de crédito em conta corrente acompanhado dos extratos bancários e demonstrativo de evolução do débito como título executivo extrajudicial, em razão da ausência dos requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade.
Relatado o processo, decide-se.
De fato, a jurisprudência assente neste Tribunal não considera o contrato de abertura de crédito em conta corrente, acompanhado dos extratos bancários e do demonstrativo de evolução do débito, como título executivo extrajudicial (enunciado 233 da súmula do STJ).
Ademais, nota promissória vinculada a esse tipo de contrato também não pode ser objeto de ação de execução, pois falta à cártula o requisito da autonomia, em função da iliquidez do título que a originou (enunciado 258 da súmula do STJ).
Contudo, o instrumento particular de confissão de dívida, firmado entre as partes de acordo com as formalidades legais exigidas, ainda que oriundo de contrato de abertura de crédito em conta corrente, constitui título executivo extrajudicial.
Nesse sentido estão os seguintes julgados:
"PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE CONFISSÃO DA DÍVIDA. EXECUÇÃO. TÍTULO HÁBIL. CPC, ART. 585, II.
I. O contrato de confissão de dívida, ainda que oriundo de contrato de abertura de crédito, constitui, em princípio, título hábil a Autorizar a cobrança pela via executiva, facultado ao devedor, não obstante, discutir sobre os critérios adotados para a constituição do valor exigido, ainda que remontem ao instrumento originário.
II. Recurso conhecido e parcialmente provido."
(Recurso Especial 408.316, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJ de 27.05.2002)
"Processual civil. Execução. Contrato de abertura de crédito. Conta corrente. Instrumento de confissão de dívida.
I – O contrato de confissão de dívida, assinado pelas partes, na Presença de duas testemunhas, no qual os executados comprometem-se a pagar prestações de valor determinado, tem as características de título executivo, uma vez que não foi elaborado unilateralmente pelo banco.
II – Agravo regimental desprovido."
(Agravo no Recurso Especial 400.156, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 10.06.2002)Na medida em que o eg. Tribunal a quo trilhou a mesma orientação da jurisprudência assente neste Tribunal, o v. acórdão recorrido não merece qualquer reparo.
Forte em tal razão, NEGO SEGUIMENTO ao presente recurso especial.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 21 de junho de 2002.
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
RESP 399973
Min. RUY ROSADO DE AGUIAR
DJ DATA:19/06/2002
4T - Quarta Turma
([V1])
RECURSO ESPECIAL Nº 399.973 - RS (2001/0171705-0)
RELATOR : MINISTRO RUY ROSADO DE AGUIAR
RECORRENTE : BANCO DO BRASIL S/A
ADVOGADO : JAIRO XAVIER DE OLIVEIRA E OUTROS
RECORRIDO : LUIZ MANOEL CONSTANTINO
ADVOGADO : LUIZ OTÁVIO BARBOSA E OUTRO
DECISÃO
Vistos, etc.
1. Luiz Manoel Constantino opôs embargos à execução de contrato de composição de dívida movida pelo Banco do Brasil S/A.
Julgados procedentes os embargos, o Banco apelou e a egrégia Décima Nona Câmara Cível do TJRS extinguiu, de ofício, a execução, conforme a ementa que segue:
"Confissão de dívida. Contrato de abertura de crédito em conta corrente. Execução. Não constitui título executivo extrajudicial o contrato de abertura de crédito em conta corrente, ainda que acompanhado do extrato bancário, subscrito pelo devedor e assinado por duas testemunhas. Se o CAC não é título, tampouco o é o novo pacto que o consolida (´contrato de composição de dívidas´).
Precedente da Câmara. Ausência de liquidez e certeza. Arts. 618, inc. I e 586 do CPC.
Recurso prejudicado para extinguir a execução, de ofício" (fl. 83).
Rejeitados os embargos de declaração, o Banco interpôs recurso especial (art. 105, III, a e c, da CF).
Alega nulidade do acórdão, por negativa de prestação jurisdicional;
violação aos arts. 2º, 128, 264, 458, II, 460, 512 e 515, CPC, 82 e 928 do CCB e divergência jurisprudencial.
Afirma que, ao extinguir a execução, a egrégia Câmara julgou extra petita e em reformatio in pejus, bem como contrariou o art. 585, II, do CPC. Sustenta que teria ocorrido novação.
Com as contra-razões, vieram-me os autos.
2. Inocorreu a nulidade do acórdão, por negativa de prestação jurisdicional, vez que todas as questões postas pelas partes foram examinadas. Além disso, o recorrente limitou-se a alegar omissão do acórdão sem especificar os pontos sobre os quais a egrégia Câmara teria deixado de se pronunciar.
Também não houve julgamento extra petita, porque a executoriedade do título podia ser examinada de ofício.
E aqui o recurso prospera: o termo de renegociação de dívida constituída em razão de contrato de abertura de crédito, em princípio, é título hábil para a execução, conforme os nossos precedentes:
"Processo civil. Execução. Título executivo. A circunstância de que a confissão de dívida tem origem em contrato de abertura de crédito não a desqualifica como título executivo; ao contrário deste, em que o montante do débito só é conhecido por extratos feitos unilateralmente pelo credor, naquela o valor originário da dívida é expressamente reconhecido pelo devedor.
Recurso especial conhecido e provido" (REsp nº 293668/PR, 3ª Turma, rel. o em. Min. Ari Pargendler, DJ 04/06/2001).
"Processual civil. Contrato de renegociação da dívida. Execução. Título hábil. CPC, art. 585, II.
I. O contrato de renegociação de dívida, ainda que oriundo de contrato de abertura de crédito, constitui, em princípio, título hábil a autorizar a cobrança pela via executiva, facultado ao devedor, não obstante, discutir sobre os critérios adotados para a constituição do valor exigido, ainda que remontem ao instrumento originário.
II. Recurso especial não conhecido" (REsp nº 242527/PR, 4ª Turma, rel. o em. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 12/03/2001).
"Execução. Título executivo. Termo de renegociação de dívida.
O termo de renegociação de dívida constituída em razão de contrato de abertura de crédito não está imune ao exame dos critérios adotados para a formação do débito nele expresso, mas tem as características de título executivo, ensejando processo de execução, cabendo ao devedor defender-se através de embargos.
Recurso conhecido e provido em parte" (REsp nº 216042/RS, 4ª Turma, de minha relatoria, DJ 14.02.2000).Isso posto, conheço do recurso e lhe dou provimento, para afastar a extinção da execução e permitir a continuidade do julgamento da apelação.
Intimem-se. Publique-se.
Brasília (DF), 11 de junho de 2002.
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Relator
Por seu turno, o fundamento do entendimento atual e minoritário, no sentido do contrato de confissão de dívida derivada de contrato de abertura de crédito em conta corrente não se constituir título executivo extrajudicial, repousa na iliquidez e incerteza do contrato primitivo em virtude da inclusão de encargos abusivos e ilegais:
AG 320016
Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR
DJ DATA:05/06/2002
4T - Quarta Turma
([V1])
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 320.016 - PR (2000/0069715-0)
RELATOR : MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR
AGRAVANTE : BANCO DO ESTADO DO PARANÁ S/A
ADVOGADO : LUIZ CARLOS BELLINETTI E OUTROS
AGRAVADO : HERBERT SCHIMIDT
ADVOGADO : JOSÉ ROBERTO SAPATEIRO
DESPACHO
Vistos.
Trata-se de agravo de instrumento manifestado pelo Banco do Estado do Paraná S/A contra decisão que inadmitiu recurso especial, no qual se alega negativa de vigência aos arts. 535 e 585, do CPC, em questão resumida nesta ementa (fl. 69):
"EMBARGOS À EXECUÇÃO - INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO, COMPOSIÇÃO DE DÍVIDA, FORMA DE PAGAMENTO E OUTRAS AVENÇAS – GARANTIA DE NOTA PROMISSÓRIA - AUSÊNCIA DE PLANILHA DEMONSTRATIVA DE EVOLUÇÃO DO DÉBITO - EMBARGOS ACOLHIDOS - EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO – RECURSO IMPROVIDO.
- Em que pese a falta de apresentação do demonstrativo de evolução do débito, não atualizado, não preencher os requisitos do inciso II, do artigo 614 do Código de Processo Civil, esta Câmara tem entendido que a Confissão de Dívida derivada de Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente, não é título executivo extrajudicial, por conter o débito, elaborado unilateralmente pelo Credor, a inclusão de encargos abusivos e ilegais, provenientes do contrato primitivo, maculando a dívida de iliquidez e incerteza. Precedentes do STJ. "
O acórdão está correto, visto que encontra-se de acordo com a Súmula 233 do STJ.
Ademais, a questão exige o reexame reflexo da prova, com óbice na Súmula n. 7 do STJ.
Pelo exposto, nego provimento ao agravo.
Publique-se.
Brasília (DF), 27 de maio de 2001.
MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR
Relator
As razões do entendimento minoritário dever prevalecer encontra respaldo no entendimento sumular do próprio Superior Tribunal de Justiça:
Súmula 233: O contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta-corrente, não é título executivo.
Súmula 258: A nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquidez do título que a originou.
A ratio essendi da posição sumular é absolutamente idêntica a do melhor entendimento quanto a divergência ora apresentada. Entretanto, a razão desta permanecer como entendimento minoritário, juridicamente, é bastante estranhável. Vejamos:
a) Atendidos os requisitos do artigo 585, II do Código de Processo Civil, o contrato de abertura de crédito deveria ser título executivo extrajudicial. E acertadamente não são, com fundamento na própria iliqüidez do título que a originou. E qual o título que o originou? Contrato de Abertura de Crédito:
AGRESP 221658/SP ; AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL (1999/0059125-9)
DJ DATA:19/02/2001 PG:00164
Min. NANCY ANDRIGHI (1118)
T3 - TERCEIRA TURMA
AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL - PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO – CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO - NOTA PROMISSÓRIA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - ART. 20, §4º, DO CPC. I - O contrato de abertura de crédito não constitui título executivo, ainda que subscrito pelo devedor e por duas testemunhas e acompanhado dos demonstrativos de evolução do débito. A nota promissória vinculada ao contrato de abertura de crédito não goza de autonomia, em face da própria iliqüidez do título que a originou. II - Mantém-se a decisão agravada no ponto em que, nos termos do art. 20, §4º, do CPC, arbitrou os honorários advocatícios em dez por cento sobre o valor do débito monetariamente corrigido.
RESP 97816/MG ; RECURSO ESPECIAL (1996/0036081-2)
DJ DATA:10/05/1999 PG:00176 JSTJ VOL.:00015 PG:00330 LEXSTJ VOL.:00129 PG:00077
RSTJ VOL.:00131 PG:00290
Min. CESAR ASFOR ROCHA (1098)
T4 - QUARTA TURMA
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. TÍTULO EXECUTIVO. INEXISTÊNCIA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 585, II, E 586 DO CPC.
Mesmo subscrito pelo eventual devedor e assinado por duas testemunhas, o contrato de abertura de crédito não é título executivo extrajudicial, ainda que a execução seja instruída com extrato e que os lançamentos fiquem devidamente esclarecidos, com explicitação dos cálculos, dos índices e dos critérios adotados para a definição e a evolução do débito, pois esses são documentos unilaterais de cuja formação não participou o devedor.
Precedente da Segunda Seção.
Recurso especial conhecido e provido.
b) Da mesma forma, atendidos os requisitos do artigo 585, I do Código de Processo Civil, a nota promissória deveria ser título executivo extrajudicial. E acertadamente não são, com fundamento na própria iliqüidez do título que a originou. E qual o título que o originou? Contrato de Abertura de Crédito:
RESP 329933/SP ; RECURSO ESPECIAL (2001/0071517-2)
DJ DATA:06/05/2002 PG:00287
Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (1108)
T3 - TERCEIRA TURMA
Execução. Embargos à execução. Contrato de abertura de crédito. Nota promissória. Súmulas n° 233 e n° 258 da Corte. Transação descartada. 1. Descartando a sentença a transação, feita após o ajuizamento da ação, porque não homologada judicialmente, considerando assim como títulos em execução o contrato de abertura de crédito e a nota promissória ao mesmo vinculada, ausente a apelação do Banco ora recorrente, correta é a decisão do Tribunal de origem que extinguiu a execução por ausência de título executivo. Súmulas nº 233 e nº 258 da Corte. 2. Recurso especial não conhecido.
AGA 395963/SP ; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO (2001/0078845-7)
DJ DATA:18/02/2002 PG:00464
Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR (1110)
T4 - QUARTA TURMA
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE. NATUREZA DEFINIDA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. REEXAME FÁTICO. IMPOSSIBILIDADE. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. NOTA PROMISSÓRIA VINCULADA AO CONTRATO. AUSÊNCIA DE AUTONOMIA COMO TÍTULO. SÚMULAS
NS. 5, 7 E 233-STJ.
I. "A simples interpretação de cláusula contratual não enseja recurso especial" – Súmula n. 5-STJ.
II. "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial" - Súmula n. 7-STJ.
III. "O contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta-corrente, não é título executivo" - Súmula n. 233-STJ.
IV. Nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não constitui título executivo.
c) Pela mesma ratio essendi, atendidos os requisitos do artigo 585, II do Código de Processo Civil, o contrato de confissão de dívida deveria ser título executivo extrajudicial. Mas, acertadamente, não pode ser, com fundamento na própria iliqüidez do título que o originou. E qual o título que o originou? O IGUALMENTE Contrato de Abertura de Crédito.
De forma geral, os muitos e respeitáveis Ministros que entendem em sentido contrário (decisão majoritária dentro do Superior Tribunal de Justiça), o fazem alegando haver uma convergência de vontades na Confissão de Dívida, justificadora do título executivo. Ocorre que esta vontade é viciada por parte do devedor que se não aceitar e confessar, além de perder o que lhe resta de crédito, está na "iminência" de perder seus bens que, invariavelmente, garantem o Contrato de Abertura de Crédito (artigo 1.518 do Código Civil). Esta confissão, então, NOTORIAMENTE, é imposta ao devedor (que acaba aceitando-a para tentar continuar tendo a possibilidade de exercer suas atividades e a manter seus bens) de forma abusiva e contrária ao direito de ordem pública e interesse social:
Lei 8.078/90
Art. 1.º O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5.º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.
Art. 4.º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I- o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
III- harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
VI- coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo...
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I- condicionar o fornecimento de produtos ou de serviços ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
(...)
IV- prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor (...);
V- exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I- impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos (...);
VI- estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
(...)
§ 1.º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
II- restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual.
(...)
§ 2.º A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.
É evidente que a manifestação de vontade do contratante reconhecidamente vulnerável no mercado de consumo (pessoa física ou jurídica diferente do estabelecimento de crédito) ao assinar o contrato de abertura de crédito, ou a nota promissória vinculada ao contrato de abertura de crédito, ou, finalmente, o contrato de confissão de dívida, encontra-se em equivalência de situação. Pior, se anteriormente não sabia o que estava por vir, mas encontrava-se em condições de "assinar ou não o contrato ou a nota promissória" (se é que, modernamente, seja possível viver sem as imposições dos estabelecimentos de crédito), nesta oportunidade (ou seja, quando assinou o contrato de confissão de dívida), devido a "iminência de perder seus bens (inclusive moral – "Serasa", etc.) e o restante de seus créditos", não restaria outra alternativa ao consumidor dos serviços bancários senão a de assinar o famigerado Contrato de Confissão de Dívida, MESMO DISPONDO SOBRE UM DÉBITO, SE EXISTENTE, ILÍQUIDO E INCERTO.
Assim, em qualquer das situações (Súmulas 233 e 258 e, atual, entendimento minoritário do STJ), há a mesma ratio essendi por absoluta equivalência de razões fáticas e jurídicas. Não há situação fática em uma destas situações que não se encontre nas outras duas; e nem diferença de "situação ou posição" jurídica. A natureza é a mesma. Por isso, em princípio, todos os três casos tratam de títulos executivos extrajudiciais [1]; somente perdendo esta qualidade em razão da iliquidez da quantia que obrigam.
Possibilidades como esta podem ter influenciado o Legislador a normatizar, após definir os títulos executivos judiciais e os títulos executivos extrajudiciais (respectivamente, arts. 584 e 585 do Código de Processo Civil), que "A execução para cobrança de crédito, fundar-se-á sempre em título líquido, certo e exigível" (art. 586, Código de Processo Civil).
Com irretorquível acerto, leciona o Professor Humberto Theodoro Júnior:
"Na ordem cronológica, a declaração de certeza há de preceder à mesma relação jurídica tornada litigiosa. É que, enquanto a declaração se posta apenas no plano das idéias e palavras, a execução entra na área da coação, atingindo a parte devedora em sua esfera privada, no que diz respeito a seu patrimônio.
Assim, a gravidade da atuação executiva e de suas conseqüências práticas reclama, por si só, a preeminência da cognição sobre a existência do direito do credor, o que, de ordinário, se faz através do processo de conhecimento. Somente com a observância dessa prioridade é que se pode evitar o risco de se chegar a agressão patrimonial executiva sem controle da efetiva existência da relação que se há de fazer atuar." – fls. 04.
(...)
"Não há, por isso mesmo, execução sem título, isto é, sem o documento de que resulte certificada, ou legalmente acertada, a tutela que o direito concede ao interesse do credor.
O título executivo, portanto, é figura complexa, como quer Micheli, que engloba em seu conteúdo elementos formais e substanciais, e cuja eficácia precípua é a de constituir para o credor o direito subjetivo à execução forçada (direito de ação).
Mas, para que o título tenha essa força não basta a sua denominação legal. É indispensável que, por seu conteúdo, se revele um título certo, líquido e exigível, como dispõe textualmente o artigo 586 do nosso Código de Processo Civil. Só assim terá o órgão judicial elementos prévios que lhe assegurem a abertura da atividade executiva, em situação de completa definição da existência e dos limites objetivos e subjetivos do direito a realizar." – fls. 33 (Curso de Direito Processual Civil – Vol. II – 16ª Edição – 1996 – Forense – folhas citadas). [2]
Conforme já citado, não se pode olvidar das inafastáveis normas de ordem pública e de interesse social que abarcam as situações ora sob estudo, por traduzirem as mesmas prestações de serviços afetas ao Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90): [3]
"Em decorrência do estabelecido no art. 1.º, a normatização tratada no presente Código do Consumidor é de ordem pública e interesse social, de onde se infere que os comandos dele constantes são de natureza cogente, ou seja, não é facultado às partes a possibilidade de optar pela aplicação ou não de seus dispositivos, que, portanto, não podem ser afastados pela simples convenção dos interessados, exceto havendo autorização legal expressa.
Tais normas de ordem pública, em função de sua inerente cogência [4], portanto, ‘incidirão até mesmo e apesar da vontade contrária dos interessados." (ARRUDA ALVIM – THEREZA ALVIM – EDUARDO ARRUDA ALVIM – JAMES MARINS – Código do Consumidor Comentado – 2ª Edição – 2ª Tiragem – 1995 – Editora Revista dos Tribunais – fls. 16).
Permitir a execução da confissão de dívida originária de contrato de abertura de crédito é o mesmo que conferir ao "credor", aleatoriamente, a possibilidade de tornar líquido e certo o crédito que almeja (mesmo que na prática possa até não existir), em franco prejuízo do pretenso consumidor "devedor" (em evidente afronta aos relacionados artigos da Lei 8.078/90), que naquele momento não tem condições de saber até onde vai a liquidez e certeza do valor apresentado. Para contratar confissão de dívida o banco não presta contas de forma a permitir a visualização ordinariamente detalhada e inteligível das operações bancárias, das fórmulas de cálculo, dos índices e acréscimos utilizados, muito menos demonstrando a exata correlação destes com o contrato original. Apenas apresenta a condição que deseja com seus números e valores tidos, por si, como "bom negócio".
Professor ALCIDES DE MENDONÇA LIMA:
"890. Generalidade. – Pela própria finalidade da execução, o seu ingresso em juízo somente pode ser autorizado se o título – judicial ou extrajudicial – não oferecer dúvida prima facie quanto ao direito do credor. (...)"
891. O título apresenta duas ordens de condições especiais de execução: a) formais, relativas ao título como documento; b) substanciais, relativas ao título como declaração." – fls. 401.
(...)
911. Entretanto, a situação será diferente se se trata de título extrajudicial. Ainda que o mesmo assegure ao credor o ingresso da execução, o devedor, por via de embargos, poderá provar e convencer que o título, mesmo com a aparência de ‘líquido, certo e exigível’, nem é nem líquido, nem certo e nem exigível, ou que falta, no mínimo, um requisito. O aspecto formal, que, normalmente, deve exteriorizar o conteúdo, pode ser destruído, de modo que a forte presunção do mesmo decorrente desaparece. No julgamento dos embargos do devedor, a defesa pode ser julgada procedente, pela ‘inexigibilidade do título’ (art. 741, II). Tal requisito está empregado, porém, em sentido amplo e não apenas estritamente da própria ‘exigibilidade’. Se o título for considerado ilíquido, embora certo; ou incerto e, conseqüentemente, ilíquido; ou ainda não exigível – em qualquer das hipóteses, tem aplicação aquele dispositivo. Seria melhor a expressão ‘inexeqüibilidade do título’, sem necessitar de termo com acepção lata, quando a lei lhe reserva um caráter específico. Mas nem por ser considerada ilíquida; ou incerta ou inexigível (ou um só; ou os dois ou os três requisitos), o credor perde o direito de cobrar a obrigação: apenas lhe foi negada a via executiva, restando-lhe ainda o processo de conhecimento para tentar a sentença que possa ser, então, executada." – fls. 410. (Comentários ao Código de Processo Civil – Vol. VI – Tomo II – Das Execuções – 1ª Edição – 1974 – Forense – folhas citadas).
Professor MOACYR AMARAL SANTOS:
"b) Os títulos executivos extrajudiciais devem traduzir a presunção da coexistência dos requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade, suscetíveis de impugnação pelo devedor por via de embargos." (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil – 3.º Volume – 4ª Edição – Saraiva – 1981 – fls. 205).
Professor JOSÉ FREDERICO MARQUES
"O título executivo, como vem sendo exposto e esclarecido, tem eficácia processualmente abstrata, uma vez que serve de pressuposto da execução forçada, independentemente da legitimidade ou existência real do vínculo obrigacional de que se deriva a prestação. Desde que esta se configure segundo o modelo que lhe dá a lei, há fato típico e base suficiente para o processo executivo.
Mas, se a realidade for diversa daquilo que o título apresenta, pode ser impugnado e tornado sem efeito, pelo devedor, através de embargos do executado, que constituem ação de conhecimento cujo fim é o de tirar eficácia ao título e, em conseqüência, fazer findar o processo executivo." (Manual de Direito Processual Civil – Vol. IV – 1976 – Saraiva – fls. 21).
Por tais motivos, afirma-se o acerto do atual entendimento minoritário do Colendo Superior Tribunal de Justiça no sentido de igualar [5] o direito de tornar o crédito líquido e certo antes da sua execução por eventual "credor", razão pela qual o contrato de confissão de dívida originário de contrato de abertura de conta corrente não pode ser considerado título executivo extrajudicial, a teor dos citados artigos da Lei 8.078/90 e, inclusive, da ratio essendi das Súmulas 233 e 258 do próprio STJ.
Entendimento contrário exigiria injustificável sacrifício [6] da parte legal e contratualmente vulnerável (art. 4.º, I, Lei 8.078/90), detentora de direito constitucional fundamental [7] (art. 5.º, XXXII, CF) que, via de conseqüência, lhe resguardou por lei (a) a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, como especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, (b) a segurança, (c) a proteção contra métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços, (d) a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais e (e) a irredutível facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, (e.1) for verossímil a alegação ou (e.2) quando for ele hipossuficiente, segundo as regaras ordinárias de experiência (art. 6.º, I, III, IV, V, VI e VIII, da Lei 8.078/90).
Assim, mesmo que em princípio o título seja recebido como executivo, desde que nos embargos haja o impugnação da sua liquidez e certeza, pelas razões apresentadas, deve haver o acolhimento dos embargos com a conseqüente extinção da ação de execução.
Mais, como os embargos são ação autônoma [8], devido, ainda, aos princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual [9], dado a precariedade do título levado à execução, uma vez que se firmado em contrato originário de abertura de crédito (com conteúdo ilíquido e incerto – Súmulas 233 e 258), em virtude do inafastável direito à facilitação da defesa (art. 6.º, VIII, primeira parte, Lei 8.078/98) do consumidor de serviços bancários, deveria ser aceita sua defesa mesmo sem embargos do devedor (onde haveria de ter oferecimento de bens à penhora – art. 737, I do Código de Processo Civil) por meio da exceção de pré-executividade, ou seja, por simples petição na própria ação executiva sem a necessidade de garantia do juízo [10].