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A competência normativa das agências reguladoras

(Limites e possibilidades)

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Agenda 20/10/2014 às 14:36

6 A COMPETÊNCIA NORMATIVA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS6.1 O PROCESSO LEGISLATIVO ORDINÁRIO E O FATO ECONÔMICO

 

O Brasil, assim como outros países, tem o problema do processo legislativo. É bem verdade que tal processo  funciona como uma garantia da democracia, pois cada projeto de lei deve passar por um conjunto de procedimentos específicos a fim de que possa fazer parte de nosso ordenamento jurídico.

O problema é que os representantes da população, eleitos por esta, os quais fazem parte desse processo, em sua grande maioria são pessoas comuns, e que de direito entendem nada ou quase nada. Muitas vezes por esse motivo é que elementos importantes de um projeto de lei são deixados para trás durante esse processo.

Outro fator prejudicial ao processo legislativo é o tempo. Um projeto é encaminhado em determinado período porque visa atender uma série de problemas neste dado momento, mas devido à demora do processo, o fator fático se modifica, os problemas se alteram e as necessidades passam a ser outras, fazendo com que todo o trabalho tenha se prejudicado devido lentidão no andamento do processo.

A estricto seunsu, o problema ganha proporções quando analisado no prisma do Direito Econômico, quando visa a estabelecer regras para a rápida solução de problemas os quais necessitam de imediata normatização.

Torna-se extremamente inviável o trâmite ordinário para tratar de temas relacionados ao Direito Econômico, sem falar do conhecimento técnico específico para produção de normas atinentes a esse setor.16

Portanto, tornou-se necessário que a produção dessas normas fosse ao mesmo tempo célere e emitida por alguém independente de qualquer ideologia política, mas que observasse os critérios técnicos eeconômicos de cada setor.

Neste cenário é que entram as agências reguladoras com sua função normativa.

 

6.2 O EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA NORMATIVA PELO PODER EXECUTIVO

Dentro do esquadro da separação dos poderes, com seus freios e contrapesos, é atribuída ao Poder Executivo a competência normativa.

Porém, não se confunde a competência normativa com a competência legislativa que é própria do Poder Legislativo.A Constituição brasileira, em sua repartição de funções, a fim de estabelecer equilíbrio entre seus titulares, prevê,  expressamente, a possibilidade de emissão de normas primárias com preponderância do Poder Executivo. As hipóteses são veiculadas nos artigos 62 e 68 da Constituição Federal, instituindo a medida provisória e a lei delegada.

Nas hipóteses veiculadas no artigo 62, é permitido ao Poder Executivo, por meio da Medida Provisória, pela pena do Presidente da República, inovar no ordenamento jurídico, sujeita a medida à conversão em lei ou rejeição pelo Congresso Nacional. Tal possibilidade já sofreu limitação pela Emenda Constitucional nº 32, a qual altera o §1º do artigo 62 da Carta Magna, salvaguardando matérias pelas quais o Executivo não poderia inovar, como nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral, direito penal, processual penal e processual civil, organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o artigo 167, §3º, II, que vise à detenção e sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer ativo financeiro.

Como exemplo de limitação exercida sobre a lei delegada, frisamos o artigo 68 da Constituição Federal, que em seu §1º elenca as matérias que não serão objeto de delegação dos atos de competência exclusiva da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal. São eles: organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros, a nacionalidade, a cidadania, os direitos individuais, políticos e eleitorais, os planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.17

Fora das hipóteses previstas nos referidos artigos 62 e 68 da  Constituição Federal, não é expressamente previsto o exercício de poderes normativos de natureza primária ao Poder Executivo, nem a possibilidade de delegação a este pelo Poder Legislativo.

Neste sentido, dispõe o art. 25 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias:                                                                                                             

Art. 25 – Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei. Todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada  pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:                                                                                               

I – ação normativa;

Assim sendo, a doutrina interpreta tal dispositivo como sendo a proibição de delegação de competência normativa ao Poder Executivo, fora das hipóteses supramencionadas.

Sabidamente, a forma de exercício da função normativa pelo Poder Executivo é por excelência, é o regulamento, onde a doutrina vem enfrentando, há tempos, a possibilidade ou não de inovar a ordem jurídica pelos mesmos.

6.3 PRODUÇÃO DE NORMAS COMO ATRIBUIÇÃO DAS AGÊNCIAS

O Ponto mais controvertido acerca das competências das agências reguladoras é, sem dúvida, a competência de produzir normas gerais e abstratas de caráter técnico, capaz de inovar, em certa medida, no ordenamento jurídico no âmbito próprio das finalidades das agências reguladoras.

Dessa forma, essas entidades passam a deter competência para ditar normas com força de lei, com base apenas nos conceitos vagos contidos na legislação.

 

Como já evidenciado pelos argumentos acima expostos, a evolução dos mercados e da tecnologia fizeram com que o fato econômico sofresse transformações muito rapidamente de modo que o processo legislativo não conseguia, efetivamente, atingir seus objetivos.

É importante lembrarmos que ao se estabelecer que as agências podem expedir normas específicas sobre seus respectivos setores regulados, está se criando um mecanismo que torna, de fato, o sistema jurídico mais eficiente, quando se busca através dessas normas perseguir os objetivos do Estado, dentre eles o bem-estar social, a justiça, uma concorrência leal, um mercado livre de especulações e abusos, para que os indivíduos, os administrados, possam exercer a autonomia da vontade.

Assim, essas normas poderão ter natureza praeter legem, quando houver omissão de legislador, mas nunca contra legem18 – devido ao princípio da legalidade administrativa.

Para melhor compreendermos essa natureza da norma, é mister a conceituação de ato administrativo normativo, que é o ato geral e abstrato que contém um comando do Poder Executivo, visando a uniformização e correta aplicação da lei. Assim, esclarecemos tais atos normativos não são capazes de formular políticas públicas para seu respectivo setor, pois esta é função do Legislativo. Entretanto, a função normativa das agências dá-lhes certa discricionariedade para atuar com uma aproximação e um tecnicismo maiores do que o legislador ordinário.19

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6.4 DESLEGALIZAÇÃO E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Por deslegalização, entende-se “como a retirada, pelo próprio legislador, de certas matérias do domínio da lei, para atribuí-las à disciplina das agências”.20

Alexandre da Silva Amaral (2008), nos traz vários posicionamentos acerca da “deslegalização”, argumenta que tal fenômeno não encontra acolhida na doutrina desenvolvida por Marçal Neto Filho, para quem “a deslegalização ou delegificação não se afigura como aplicável ao Direito brasileiro”.

Também traz o posicionamento de Di Pietro (2008), que reconhece a existência de função reguladora apenas às agências que têm previsão constitucional, como a ANATEL e a ANP, por força dos artigos 21, XI e 177, § 2º, III, como, por exemplo, aduzindo que a delegação realizada pela lei instituidora da agência padece de inconstitucionalidade, porque nãopodem regular matéria não disciplinada em lei, haja vista a ausência de fundamento constitucional para os regulamentos autônomos no direito brasileiro. Ademais, não poderiam regulamentar leis, porque tal competência é privativa do Chefe do Executivo.21

Com o passar do tempo, o princípio da separação das funções do poder do Estado sofreu modificações e, por conseguinte, flexibilizou-se também o princípio da legalidade, que adquiriu concepção diversa da que se tinha no século XVIII. É importante discutir sobre a evolução do princípio da legalidade, pois se não nos desvencilharmos da antiga e ultrapassadaconcepção, não poderemos trabalhar com a questão das agências reguladoras, e com isso provocaríamos a sua extinção, haja vista que suas normas não são lei.

A Constituição da República do Brasil, ao adotar o princípio da legalidade, o fez nos seguintes termos: art. 5º, II. Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei (CF/88).

 

A expressão “em virtude de lei” dá margem a controvérsias quanto à sua significação. Examinando cláusula semelhante no direito italiano, afirma Massimo Severo Giannini (1977):                                                                                               

Não é necessário que a norma de lei contenha todo o  procedimento e regule todos os elementos do provimento, pois, para alguns atos do procedimento estatuído e para alguns  elementos do provimento pode subsistir discricionariedade.22

 Para Rodrigo Santos Neves (2009), a Constituição da República estabeleceu reservas absolutas e reservas  relativas de lei. São exemplos de reserva absoluta de lei as matérias tributária e penal, quando o Estado somente poderá dispor sobre essas matérias por meio de lei formal. Aqui o legislador deve esgotar o tema, sem deixar margem de discricionariedade para o agente público. Já em se tratando de agências reguladoras, tendo em vista a especialização exigida para se tratar dos ordenamentos setoriais e da evolução tecnológica, seria inconcebível o engessamento do sistema,não se dando liberdade discricionária aos referidos entes reguladores para, efetivamente, regular o mercado respectivo.23

6.5 EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA NORMATIVA PELAS AGÊNCIAS REGULADORAS - POSICIONAMENTOS

O poder normativo das agências é objeto de análise dos mais respeitados juristas do país. Há uma busca para interpretar os dispositivos que atribuem função normativa às agências com o cuidado de não macular a Constituição Federal.

Não há, entretanto, um consenso entre os doutrinadores, muito menos entre estes e a jurisprudência dos Tribunais Superiores. Ribeiro Henrique Cardoso (2006), verifica que há maior discordância entre os estudiosos das agências egressos do Direito Econômico e dos administrativistas. Tal fato se deve, em parte, à gama de atribuições das agências, ora instrumento de regulação econômica, ora intimamente relacionada à prestação de serviços públicos.24

 

Portanto, podemos concluir que algumas agências estão mais voltadas ao Direito Econômico, enquanto outras estão relacionadas, basicamente, ao Direito Administrativo. Enquanto os teóricos administrativistas adotam conduta conservadora, os entusiastas economistas adotam postura tendenciosamente desprendida do Direito Constitucional.

Existem três posicionamentos básicos acerca da natureza do poder de emitir normas por parte das agências com seus respectivos limites. O primeiro nos remete ao entendimento de que as normas das agências são decorrentes da atividade regulatória, com status de lei, o segundo vislumbra espécie de regulamento conferido às agências, e o terceiro, mais restritivo, vislumbra nas agências um ente estatal com poderes normativos inferiores ao regulamento, equiparando seus atos aos demais atos administrativos normativos.

6.5.1 Poder normativo com natureza de direito regulatório

Nesta primeira interpretação, busca-se na Constituição Federal o fundamento para a emissão de normas primárias pelas agências reguladoras, estando estas normas no mesmo patamar que a lei ordinária ou qualquer espécie normativa constante do artigo 59 da Constituição Federal.

Posicionam-se os cultores deste pensamento de que é constitucional a delegação legislativa, relacionada à possibilidade de elaboração de uma lei, em face da delegação do Congresso Nacional ao Presidente da República. A doutrina é pacífica quanto a este posicionamento, tanto que existe expressa previsão constitucional neste sentido, no caso da lei delegada, conforme o artigo 68 da Carta Magna.

 

Cabe lembrar ainda, da possibilidade do Chefe do Executivo editar medida provisória, na forma do artigo 62 da Constituição Federal. Em ambos os casos, é verificada a adoção do sistema de freios e contrapesos, com o exercício de parte da função normativa pelo Poder Executivo.

Verifica-se que os adeptos desta corrente amparam-se na Constituição Federal, em seu artigo 174, para sediar a regulação em geral, e nos que prevêem a criação das agências reguladoras, no caso dos artigos 21, XI e 177, § 2º, III.

  art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. C F / 88.

 art. 21. Compete à União:                      

XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos  termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a  criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; ”                       

C F / 88

art. 177. Constituem monopólio da União:                   

(...)                  

§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais  ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a   IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei.                  

§ 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre:                

(…)                  

III – a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União.” C F / 88

6.5.2 Poder normativo com natureza de direito regulamento

De acordo com esta primeira teoria, o poder normativo das agências reguladoras produz uma espécie de regulamento, semelhante ao editado por Decreto, pelo presidente da República.

Para os adeptos desta corrente, tal delegação de poderes se faz presente nos artigos 21, XI e 177, § 2º, III, em relação às agências com previsão constitucional, e no artigo 174 da Constituição Federal, relativo às agências criadas por lei, sem previsão expressa.

Ribeiro Henrique Cardoso (2006), argumenta que o poder regulamentar não é privativo do chefe do Executivo, podendo ser exercido pelas agências reguladoras nos setores atribuídos às mesmas.

Entretanto, há discordância quanto à espécie de regulamento, seu fundamento, e a possibilidade de inovação no ordenamento. Sobre a possibilidade de inovação, os posicionamentos são os seguintes: existir tal possibilidade, dentro dos standarts (termo adotado pela doutrina norte-americana para evocar os parâmetros veiculados nas leis para direcionar a atividade normativa da agência) definidos em lei; não haver tal possibilidade, em razão tal possibilidade, em razão da fixação dos standarts por lei; não haver autorização para inovação, em razão de extenso regramento feito por lei; ou ainda, permitir tal possibilidade, desde que haja consulta popular e respeito a procedimentos administrativos da norma.

Neste contexto, o Poder Executivo, ao agir por meio de suas agências, encontraria limites na fixação dos padrões nas leis instituidoras da cada agência. Tais atos normativos estariam sob o controle da legalidade, pois estas normas de baixa densidade encontrariam na lei uma espécie de bloqueio, caso as contrariassem.

6.5.3 Poder normativo com natureza de ato administrativo geral e abstrato

Para Manuel Gonçalves Ferreira Filho (2000), a atividade normativa exercida pelas agências reguladoras é tipicamente uma atividade de execução, configurando atos normativos inferiores ao regulamento, relacionando-se ao poder normativo do Estado.25

A atuação é balizada pela lei e pelo regulamento, decorrendo sua atividade da discricionariedade administrativa. Em contrapartida, para outra parte da doutrina, a discricionariedade envolvida é unicamente técnica.

Para o exercício de atividade tipicamente administrativa, as normas estariam no mesmo patamar de resoluções, portarias ou instruções, emitidas pela administração pública, nada podendo inovar, sem a possibilidade de contrariar leis ou regulamentos baixados pelo chefe do Executivo.

Embora os adeptos desta corrente concordem quanto à natureza das normas das agências, como atos administrativos abstratos inferiores à lei e ao regulamento, discordam quanto ao seu fundamento. Variam entre discricionariedade técnica e poder hierárquico. Concordam, entretanto, quanto à impossibilidade de inovar no ordenamento jurídico, a fim de estabelecer direitos e obrigações não previstas em lei.

6.6 MECANISMOS DE CONTROLE6.6.1 Princípio da separação dos poderes

O princípio angular que rege o Estado Democrático de Direito é , ao lado do princípio da legalidade, o princípio da separação dos poderes que, com a Revolução Francesa, tornou-se um dogma constitucional, de referência obrigatória nas constituições modernas, sendo garantidor dos direitos do Homem.

Difundido através da obra de Montesquieu, De L'Espirit des Lois, de 1748, a teoria da separação dos poderes foi concebida para assegurar as liberdades individuais, como um mecanismo eficaz de evitar governos absolutistas. Sua influência mais remota dista de Aristóteles, mas sua concepção moderna foi construída moldada partir dos grandes conflitossociais.

A obra de John Locke, Dois Tratados sobre o Governo, publicada em 1690, imprime a primeira sistematização doutrinária de separação depoderes, no século XVIII, elencando a existência de quatro funções fundamentais, exercidas por dois órgãos do poder, mas foi com Montesquieu que a teoria de separação dos poderes foi concebida com um sistema na forma de três poderes independentes e harmônicos entre si: um Executivo, um Legislativo e um Judiciário.

 

Com a ampliação das funções do Estado contemporâneo, impõe-se uma nova visão de teoria da separação dos poderes, preferindo-se substituí-la, atualmente, pela expressão colaboração de poderes no parlamentarismo e, no presidencialismo, independência orgânica e harmônica dos poderes.

Desta forma, verifica-se que não há uma independência absoluta entre os poderes, mas sim uma interferência recíproca, em um sistema de freios e contrapesos, mantendo assim o equilíbrio a fim de evitar-se arbítrios.Nesse esquadro, a independência das agências reguladoras não afasta a necessidade de controle. Tanto que a legitimidade de suas decisões deve ser aferida de forma constante pelos diversos meios de controle, não apenas do Legislativo, do Judiciário e do Legislativo, mas principalmente do controle social.

Alexandra da Silva Amaral (2008), norteada pela exposição de Alexandre Aragão, acredita que a complexidade e a autonomia das agências reguladoras não contrariam o princípio da divisão de funções estabelecido pelas constituições contemporâneas, devendo ser entendido sem o caráter mítico e absoluto da idéia clássica de separação dos poderes.26

 

 

Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2008), adverte que a independência das agências reguladoras deve ser entendida em termoscompatíveis com o regime constitucional brasileiro. Nesse sentido, salienta que a independência em relação ao Poder  Judiciário praticamente não existe, na medida em que suas decisões estarão sempre submetidas à apreciação do seu controle, por força do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal.

Também afasta a idéia de independência do Poder Legislativo, na medida em que os atos normativos das agências não podem contrapor-se com as normas constitucionais ou legais, estando sujeitas, inclusive, ao controle financeiro, contábil e orçamentário exercido com o auxílio do Tribunal de Contas.

Concluindo, considera que a independência é maior em relação ao Poder Executivo, em função de sua natureza  especial, que lhe confere autonomia funcional e administrativa.27

6.6.2 Discricionariedade

Quando se trata de controle da administração pública, em especial, dos atos administrativos, a questão que se coloca diante do estudioso do direito é quanto à discricionariedade dos atos administrativos.

Em relação à liberdade de decisão do administrador, pode-se dizer que existem atos administrativos que são provenientes de uma certa margem de liberdade, ao menos em abstrato, na apreciação do mérito do ato. Também há atos produzidos que não dão essa margem de liberdade na sua apreciação, devendo o administrador executar exatamente o queestá estabelecido na lei. No primeiro caso, verifica-se que o administrador agiu com um poder discricionário, no segundo, entretanto, o administrador agiu com poder vinculado.

Segundo Rodrigo Santos Neves (2009), a discricionariedade surge como uma consequência do princípio da legalidade administrativa, isto é, a administração somente pode agir em virtude de lei. No entanto, o âmbito da  legalidade é muito inferior ao da legitimidade, isto é, a administração pública sempre que perseguir o interesse público estaráagindo com legitimidade.28

 

Entretanto, algumas a legalidade e a legitimidade não são coincidentes. A administração pode muito bem atuar com legitimidade, mas com ilegalidade, no caso de agir no interesse público mas não estar devidamente autorizada para isso. Bem como pode atuar com legalidade, mas ilegitimamente – quando o ato é praticado conforme a lei, mas é contra o interesse público, ou contrário ao objetivo legal.

A discricionariedade surge como a solução para o legislador, o qual torna-se impotente para prever todas as hipóteses fáticas a fim de trazê-las a solução. Ou também, muitas vezes o legislador se omite, para que o administrador encontre a solução mais adequada diante do caso concreto. Ao dar uma certa liberdade na apreciação do caso concreto aoadministrador, o legislador não estabelece uma liberdade absoluta à administração pública, e assim o faz para proteger o interesse público, preservando-se a finalidade do Estado.

Cingindo neste mesmo princípio, Marcelo Alexandrino e Paulo Vicente (2007) disciplinam que a discricionariedade poderá ser utilizada sempre que a lei der expressamente liberdade à Administração para assim atuar, dentro de limites bem definidos; quando a lei utiliza conceitos jurídicos indeterminados, no caso concreto, a Administração depara-se com situações em que não existe possibilidade de determinar, com certeza, a ocorrência ou não do enquadramento do fato no conteúdo da norma; nessas situações, a Administração, dentre as possibilidades de atuação juridicamente legítimas, determinará a que mais adequadamente se conforma ao interesse público, não sendo possível ao Judiciário substituí-lanesse juízo valorativo.29

A doutrina e a jurisprudência modernas enfatizam a tendência de limitação ao poder discricionário da administração, a fim de possibilitar um maior controle judicial dos atos administrativos. Essa imposição de limites ao poder discricionário visa a evitar o indevido uso da discricionariedade administrativa, como manto protetor de atos que, embora praticados sob o fundamento da discricionariedade, revestem-se, em verdade, de arbitrariedade. Nesse aspecto, assumem relevância os princípios implícitos da razoabilidade e da proporcionalidade apontados pela doutrina, sem exceção, com as maiores limitações impostas ao poder discricionário da Administração.

Sobre o autor
Alessandro Portella da Silva

1º Sargento do Exército, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Pará, Especialista em Gestão Pública, Especialista em Direito do Trabalho

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT) SILVA, Alessandro Portella da. A Competência Normativa das Agências Reguladoras (Limites e possibilidades). Sítio Jus Navigandi, Bagé, RS, 16 nov. 2009. Disponível em:

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