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Prorrogação unilateral do contrato de fiança na locação de imóveis urbanos

Agenda 01/10/2002 às 00:00

"... Também nos processos onde se trata para o litigante de resistir a um ultrajante desprezo do seu direito, ele luta pelo miserável objeto do litígio, mas por um fim ideal: - A defesa da sua própria pessoa e do sentimento do direito." (Rudolf Von IHERING, "in" a Luta pelo Direito)


1. Introdução

Fiança, consoante Marcus Cláudio ACQUAVIVA (1.994), é "contrato acessório pelo qual o fiador garante o cumprimento da obrigação principal pelo afiançado, se este não vier a cumpri-la. A fiança deve ser expressa, devendo seus termos, em caso de dúvida, ser interpretados favoravelmente ao fiador."

A clareza da definição, entretanto, não afasta a o equívoco quase unânime das decisões relativas à fiança, nos contratos regidos pela Lei do Inquilinato, transformando-a no instituto maldito que leva ao desespero quem se arrisca a prestar fiança, mormente, nos casos de locação de imóveis.

É até truísmo lembrar que os contratos benéficos interpretam-se restritivamente.

Confira-se O Código Civil Brasileiro:

Art. 1.483. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva."

A exegese dos arts. 39 e 40 da lei 8.245/91 (LEI DO INQUILINATO), permite concluir que o instituto da fiança está adstrito ao contrato escrito.

Lei 8.245, de 18 de outubro de 1.991.

Art. 39. Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel.

Ao se admitir que QUALQUER das garantias da locação se estenda até a entrega das chaves, a norma alcançou também a fiança, colidindo, destarte, com o disposto no retromencionado art. 1.483, do Código Civil.

A transformação do contrato de prazo determinado em indeterminado, sem a expressa anuência do fiador é outra teratologia que deve ser extirpada da prática forense, posto que basta uma leitura bem intencionada do artigo 40 da lei do inquilinato para perceber que esse fato faz cessar a responsabilidade do fiador por prazo certo.

Por oportuno, registre-se excerto do artigo DA EXONERAÇÃO DE FIANÇA EM CONTRATO DE LOCAÇÃO POR PRAZO INDETERMINADO, publicado no Jornal Síntese nº 20 - OUT/98, pág. 5) por Rafael Höher, Advogado, pós-graduado pela Escola Superior da Magistratura (AJURIS) e especializando em Direito da Empresa e da Economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), verbis:

O contrato de fiança, nominado e abordado pelo direito pátrio, dentre a plêiade de características que revelam sua natureza jurídica, exsurge, de modo destacável, o caráter "intuitu personae", posto que ajustado o contrato em virtude da confiança existente entre as partes, especialmente do lado do fiador" (Arnaldo Rizzardo, pág. 1.077, vol. III, Contratos). Na vertente situação sob estudo, não resta a menor dúvida de que esta característica, a par da interpretação restritiva, já que em geral firmado tendo em mira guarnecer amigo ou parente com o respaldo para aperfeiçoamento de negócio jurídico e dentro de prazo estipulado no corpo da avença, está, no mais das vezes, presente.

De outra banda, a interpretação da fiança, sempre restritiva, leva à certeza de que não há como se pretender subsistir a situação de manutenção do contrato de fiança em situação de prorrogação indeterminada de contrato de locação sem a intervenção dos fiadores; neste sentido cabível, mais uma vez, a lição de Arnaldo Rizzardo. Diz o mestre gaúcho, verbis:

"A fiança não se presume, não admite a celebração tácita e não é reconhecida por indução, sendo expressa a necessidade da forma escrita, a teor do art. 1.483: ‘A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva’" (in opus cit., pág. 1.101)


2. Exoneração em face de prorrogação da locação sem anuência do fiador

Aliás, a própria Lei, no seu artigo 40, V, prevê a substituição do fiador ou até da modalidade de garantia, admitindo, com clareza solar a antinomia apontada.

Lei 8.245/91

Art. 40. O locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia, no seguintes casos:

(...)

V - prorrogação da locação por prazo indeterminado, sendo a fiança ajustada por prazo certo.

Admitir a responsabilidade do fiador pelos alugueres advindos após o vencimento do contrato pelo qual se obrigou, é atentar contra os direitos e garantias fundamentais assegurados pela Lex Fundamentalis.

Vencido o contrato principal que é a locação, tendo o locador Ação de Despejo, prevista na lei de inquilinato por este motivo, inadmissível a prorrogação da fiança por ato unilateral do locador.

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Nesse sentido, o escorreito pensamento de Rafael Höher, no artigo acima noticiado:

Assim, pelo acima expendido, dar continuidade à fiança, ou extensão além da própria declaração de vontade que traz ínsita, é ofender a interpretação restritiva exigida em lei.

Mister se faz esclarecer, ainda, que a conveniência dos próprios fiadores há que preponderar, tal qual explícito em regra jurídica específica. Interpretando a norma contida na lei, resulta imprescindível a lição do insuperável Arnaldo Rizzardo. Vejamos:

"Admite-se a ação para aqueles contratos que se prorrogam automaticamente, como nos de locação, embora formados contendo prazo determinado. O bom senso está a mostrar que não é normal, com respeito a uma avença de locação, ou de fornecimento, que o fiador se obrigue indefinidamente, ou pelo período de quinze ou vinte anos. Esta orientação emana da jurisprudência: ‘A perpetuação da fiança não se coaduna com sua própria natureza. Assim, poderá exonerar-se da respectiva obrigação o fiador de contrato de locação, de tempo indeterminado, mas sob os favores de seguidas leis do inquilinato, embora a garantia inicialmente dada, houver de prevalecer até a entrega das respectivas chaves’" (in opus cit., pág. 1.111).

Aplica-se, mutatis mutandis – fazendo coro com a jurisprudência local –, o seguinte decisum do Superior Tribunal de Justiça. Vale a pena conferir:

"Civil. Locação. Fiança. 1. Sendo a fiança (contrato) que não admite interpretação extensiva, o fiador não pode ser responsabilizado por obrigação resultante de pacto adicional ajustado entre locador e locatário sem a sua anuência. 2. Recurso não conhecido" (Ac. un. da 5ª T. do STJ, REsp 61.947-SP, Rel. Min. Edson Vidigal, j. 02.04.96, Recte.: Eduardo Salim Saliba, Recdos.: Artur Duarte da Silva e s/m, DJU 06.05.96, pág. 14.437, ementa oficial).

Aliás, o art. 1.503 do C.Ci, determina que "O fiador, ainda que solidário... ficará desobrigado:.... II - Se, por fato do credor, for impossível a sub-rogação nos direitos e preferências.

Que fato melhor FATO DO CREDOR poderá haver do que a DEMORA por ele promovida no exercício do seu direito?

Oportuno o aresto citado por Maximilianus Cláudio Américo Führer, no seu Resumo das Obrigações e Contratos (Civis e Comerciais) 19a.ed. 2.000, p. 70:

"Se o credor, por ato bilateral, expresso, conceder moratória ao devedor, sem consentimento do fiador, fica desobrigado da fiança (art. 1.508, I, Cci) (RT 366/304, 463/137, 466/130, 515/198)."


Conclusão

O art. 39 da Lei do Inquilinato é uma ofensa ao princípio da liberdade contratual que, na distinção de Arnoldo Wald, citado por Carlos Alberto Costa Dias, "importa na fixação das modalidades de uma realização."

"Quando a fiança é por prazo certo, o fiador não pode pedir exoneração durante o prazo contratual, mas, descabe sua responsabilidade por dívida posterior ao seu vencimento. Na verdade, se a fiança foi dada como garantia por período determinado, não se admite responsabilização do fiador após o seu vencimento, pois, como se sabe, tratando-se de fiança de contrato gratuito e benéfico, não comporta interpretação extensiva (RT 623/128, Rel. Gildo dos Santos)"

"O contrato de fiança deve ser interpretado restritivamente e sempre no sentido mais favorável ao fiador, especialmente se se tratar de fiança gratuita (Art. 1.483, I, Cci) (RT 366/304, 463/137, 466/130, 515/198)."

A jurisprudência majoritária infelizmente não considera moratória a simples inércia ou a tolerância unilateral do credor, mas como assevera o autor retro citado, "Melhor interpretação, porém, equipara a inércia à moratória (RT 519/259), pois repugna a cortesia com o chapéu alheio, ou seja, a tolerância folgada do credor às custas do fiador."


BIBLIOGRAFIA

1. BARROS, Francisco Carlos Rocha de. Comentários à Lei do Inquilinato. São Paulo: Saraiva, 1.995.

2. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1.996

3. DINIZ, Maria Helena. Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada. 2a. ed. São Paulo: Saraiva, 1.992.

4. FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de Obrigações e Contratos (Civis e Comerciais). 19a. ed. São Paulo: Malheiros, 2.000.

5. HÖHER, Rafael. DA EXONERAÇÃO DE FIANÇA EM CONTRATO DE LOCAÇÃO POR PRAZO INDETERMINADO, Jornal Síntese, Porto Alegre, nº 20 - p.5-6,OUT/98.

6. IHERING, Rudfolf Von. A Luta pelo Direito. Rio de Janeiro: Forense. 1.972.

7. SANTOS, Gildo. Locação e despejo - comentários à Lei 8.245/91. 2a. ed. São Paulo: RT, 1.992.

Sobre o autor
Osvaldo de Oliveira

bacharel em Direito, servidor público estadual em Dourados (MS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Osvaldo. Prorrogação unilateral do contrato de fiança na locação de imóveis urbanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3297. Acesso em: 22 dez. 2024.

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