RESUMO: Este artigo busca desenvolver o raciocínio de configuração criminal nas licitações e contratações da Administração Pública e, especificamente, quanto à prorrogação contratual indevida e suas consequências no processo licitatório originário. Embora tratado como um procedimento comum por grande parte dos gestores públicos, a prorrogação contratual muitas vezes esconde um centro de desvios de recursos públicos e concessão de vantagens indevidas aos contratados. A ausência de uma aplicação mais efetiva da configuração criminal da prorrogação contratual indevida perpetua a sensação de impunidade dos transgressores, legitimando irregularmente a conduta indevida. A nova Lei Anticorrupção, embora ainda sem caso registrado de aplicação em concreto, complementa um sistema de proteção aos fundamentos da Administração Pública, mas que somente terão a eficácia pretendida se houver uma maior atuação do fiscal da lei nas esferas criminal, civil e administrativa.
Palavras-chave: crimes, licitações, corrupção, alterações contratuais, prorrogação de tempo, Lei Federal n. 8666/93.
Sumário: 1 Introdução. 1.1 Os Princípios da Administração Pública e das Licitações. 2 Configuração da Ilegalidade. 2.1. O procedimento de licitação como balizador do futuro contrato. 2.2 A modificação do contrato administrativo. 2.2.1 As alterações unilaterais e bilaterais. 2.2.2 A questão temporal e de execução do contrato. 2.3.2 As hipóteses de prorrogação em espécie. 2.3.3 A configuração da prorrogação irregular. 2.3.4 A configuração de vantagem indevida na prorrogação. 3 O Aspecto Criminal da Prorrogação Contratual. 3.1 O crime em espécie do art. 92 da Lei n. 8666, de 1993. 3.2 A configuração do crime licitatório em virtude da prorrogação contratual indevida. 3.3 A ação penal. 4 Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
A tortuosa relação entre a definição do público e o privado se desenvolve desde a concepção da ideia de Estado, da definição da res publicae que remonta ao início da própria existência do direito romano (CASTRO, 2004, p. 69) – base do ordenamento jurídico brasileiro atual.
O caráter punitivo das desvirtuadas relações entre o público e o privado tem sido objeto do desenvolvimento legislativo e normativo da maioria das organizações sociais estruturadas e não estruturadas, de maneira a manter o equilíbrio, a probidade e a proteção das instituições públicas, do bem comum e da paz social que originaram o “Estado de Direito” contemporâneo.
Esse desenvolvimento estruturado das definições de público, privado e suas relações era indicado pelo direito romano como as Leges Privatae (leis privadas, oriundas dos contratos), das Lex Colegii (leis locais), e, em maior instância, referindo-se às deliberações dos órgãos do Estado, aplicavam-se as Lex Publica (CASTRO, 2004, p. 87).
Como leciona o mestre Mirabete (2002, p. 34), “em Roma, a separação entre delicta publica (crimes contra a segurança das cidades, parricidium, etc.) e delicta privata (infrações menos graves) determinava também a distinção dos órgãos competentes para julgamento”, onde se verifica que os atentados à coletividade eram tratados com maior rigor que os ataques individuais.
A mútua interferência do direito público e do direito penal é observada em diversos sistemas jurídicos, como referencia o próprio Alcorão dando luz ao Direito Islâmico: “(...), e não os empregueis [os bens] para subornar os juízes e apoderar-vos, intencional e injustamente, de bens alheios” (Alcorão, II, 188), de maneira a proteger o sistema de controle e organização social.
A concepção da estrutura pública como hoje se apresenta é oriunda dos pensamentos de Montesquieu (1985, pp.148s) e da tripartição dos poderes do Estado, baseada na ideia de contrato social de Rosseau, onde há a busca do Estado pelo interesse comum, pelo bem de todos, sendo repudiados os atos atentatórios contra a ordem estabelecida.
No Brasil, a estrutura administrativo-pública atual estabelece uma ampla legislação que rege as relações públicas de Estado com o privado, incluindo-se, nesse escopo, o processo de contratação das necessidades da Administração Pública, definido pelo art. 37, inc. XXI da Constituição da República.
Os procedimentos referentes às contratações públicas são regulados pela lei de licitações e contratos da Administração Pública, constituída como norma destinada a regulamentar o preceito constitucional, que se estendeu à incriminação de disfunções administrativas em substituição às disposições anteriores do Código Penal de 1940.
Trata-se do procedimento licitatório em uma visão sistêmica com o contrato subsequente, especialmente em razão do ponto focal do trabalho, no qual se busca estabelecer a íntima relação do certame preliminar à contratação e os atos de execução e modificação do instrumento pactuado, especialmente quanto à prorrogação contratual.
Parte-se da constatação do mestre Hely Lopes Meirelles (2010, p. 30), para quem a:
[…] licitação e contrato administrativo são, pois, temas conexos, porque este depende daquela. Toda licitação conduz a um contrato; todo contrato objetiva uma obra, um serviço, uma compra ou uma alienação de interesse público. Daí por que a licitação e o contrato administrativo aconselham estudo conjunto ou, pelo menos, sucessivo.
Todo o procedimento licitatório, desde a sua concepção até a contratação e finalização da execução, é permeado pela determinação da observância de diversos princípios que regem a Administração Pública e, especificamente, primados que orientam as licitações públicas. A inobservância dos preceitos fundamentais que regem os atos da licitação e contratação públicas gera infringência à norma legal, muitas vezes constituindo mera irregularidade administrativa, mas, em muitos casos, sujeitam a aplicação de sanções criminais.
Um ato administrativo em particular desperta especial atenção: a prorrogação do contrato administrativo. Esse procedimento é um dos atos contratuais mais adotados na modificação dos contratos firmados com a administração pública, contudo muitas vezes executado de forma insubsistente e ferindo os preceitos que orientaram todo o processo licitatório.
Pela simplicidade superficial característica da prorrogação contratual, a sua configuração não estabelece uma relação imediata com todo o procedimento que orientou o certame ou o processo de contratação, visto que é realizado com o aspecto de mero ato de expediente no curso da execução do contrato.
Além da configuração da prorrogação contratual como um ilícito penal, com suas respectivas responsabilização cível, criminal e administrativa, busca-se demonstrar a relevância do ato administrativo como interferente em todo o processo e suas implicações acerca dos ditames fundamentais das licitações públicas, concentrando-se no tipo preconizado pelo art. 92 do Estatuto Licitatório, ou seja, nas contratações onde a Administração Pública figura como contratante de bens e serviços, excluindo-se da análise deste trabalho outros tipos de contratações, como as concessões, concursos, convênios, que, mutatis mutandi, obedecem aos mesmos parâmetros de julgamento.
A tutela penal das licitações é disciplinada pela Lei n. 8666, de 21 de junho de 1993, que regulamenta o inc. XXI do art. 37 da Constituição Federal, sendo alvo de inúmeras críticas, enveredando para a incriminação e apresentando defeitos preocupantes de técnica e de conceito (GRECO FILHO, 2007, p. 3) e, apesar de representar um progresso em relação ao Decreto-lei n. 200, de 27 de fevereiro de 1967, e ao Decreto-lei n. 2300, de 21 de novembro de 1986, pecou pelo excesso de ultrapassar os limites constitucionais disciplinando regras específicas e detalhamentos desnecessários (DALLARI, 2006, pp. 10 e 50).
Apesar de pouco comentada e, de certa forma pouco aplicada, verifica-se que uma das inovações significativas estabelecidas pela Lei n. 8666, de 1993, foi a consagração da tutela penal específica relativamente às infrações cometidas nesses procedimentos até a finalização dos compromissos fixados (PELLEGRINO, 2003, pp. 149-154), configurando importante medida saneadora das ações públicas em prol dos interesses da sociedade.
Verifica-se, pois, um novo horizonte de aplicação dos dispositivos atinentes à prorrogação irregular do contrato administrativo, especialmente em razão da entrada em vigor da chamada Lei Anticorrupção (Lei n. 12846, de 1º de agosto de 2013), assumindo o Ministério Público fundamental importância em razão do disposto pelos procedimentos específicos dessa lei e, especialmente, pelo art. 100 da Lei n. 8666, de 1993.
1.1 Os princípios da Administração Pública e das licitações
Para circunstanciar o estudo do ato administrativo indevido como uma transgressão penal licitatória, há necessidade de estabelecer o sistema de primados no qual a Administração Pública está inserida, especialmente sob o prisma das licitações. Essa vinculação da prorrogação aos princípios norteadores da licitação foi anotada pelo Tribunal de Contas do estado de Santa Catarina da seguinte forma[1]:
Prorrogação indevida e desproporcional de prazo para conclusão dos serviços contratados para reforma geral da (…), inicialmente fixado em licitação para 60 (sessenta) dias, sendo prorrogado para 390 (trezentos e noventa) dias, importando em violação ao art. 3º, § 1º, inc. I, art. 8º e art. 65 da Lei n. 8.666/93, que abriga o princípio da competitividade inerente à licitação, ante a previsão de cláusula contendo prazo exíguo para a realização dos serviços.
Como referencia Niebuhr (2008, p. 31), “para compreender a licitação pública, as leis e os decretos que a disciplinam, é fundamental compreender os princípios que a disciplinam, o que, verdadeiramente, está por trás ou na base destas leis e decretos”. Prossegue ainda o autor, ressaltando a importância dos primados para o devido entendimento das regras que as compõe, que “sem recorrer aos princípios, não se alcança à essência da licitação pública e, em razão disso, muitas questões a respeito dela acabam sendo interpretadas de forma equivocada”.
Do prisma administrativo, os princípios conduzem todos os atos da Administração, sendo a sua violação correntemente prevista na norma com a sanção do responsável. Tal importância é referenciada por Bandeira de Mello (2000, p. 748) da seguinte forma:
Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.
Como primeira diretriz de atuação da Administração Pública, verifica-se o estabelecimento de princípios administrativos insculpidos na cabeça art. 37 da Constituição da República de 1988, que estabelece que a “administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”[2]. Mais adiante, no inc. XXI do mesmo dispositivo constitucional observa-se o primado central das contratações públicas, ou seja, a contratação realizada por “processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes”, resultando, em regra, na obrigatoriedade da licitação, da competição, e a igualdade entre os concorrentes.
Decorre dos princípios constitucionais a importância da reflexão acerca dos atos administrativos durante todo o processo de licitação e contratação, pois, como leciona Canotilho (1993, p. 199-200):
Os princípios constitucionais fornecem sempre diretivas materiais de interpretação das normas constitucionais. E, mais, os princípios beneficiam de (1) uma objetividade e presencialidade normativa que os dispensa de estarem consagrados expressamente em qualquer preceito particular (por ex., não era pelo fato de CRP em 1976 não ter consagrado o princípio do Estado de Direito que ele deixava de ter presença normativa e valor constitucional, dado que ele podia deduzir-se de vários preceitos constitucionais); (2) os princípios carecem de uma mediação semântica mais intensa, dada a sua idoneidade normativa irradiante ser, em geral, acompanhada por uma menor densidade concretizadora.
Adicionam-se aos princípios gerais da Administração Pública preconizados pela Constituição da República os estabelecidos pelo art. 3º da Lei n. 8666, de 1993, caracterizados pela vinculação ao instrumento convocatório, pela probidade administrativa e pela adjudicação compulsória; além de estabelecer, de início, as vedações aos agentes públicos por força dos fundamentos descritos.
Delineado o aspecto dos princípios gerais e específicos que regem as licitações e contratações públicas, verifica-se que outras fundamentações decorrem da aplicação dos primados: supremacia do interesse público sobre o interesse privado; indisponibilidade dos interesses públicos pela Administração; presunção de legitimidade dos atos administrativos; necessidade de poderes discricionários para o administrador atender ao interesse público (DI PIETRO, 2001, p. 69).
Não se pretende a descrição de todos os princípios, sejam eles primários, secundários, originários ou decorrentes, inclusive diante do fato de que, como bem leciona Niebuhr (2008, p. 31), “atualmente há uma profusão de princípios, de todos os gêneros, de toda sorte. Muitos autores esforçam-se em conceber novos princípios, boa parte deles bem excêntricos e sem muita utilidade prática”.
2 CONFIGURAÇÃO DA ILEGALIDADE
2.1 O procedimento de licitação como balizador do futuro contrato
Um dos primeiros pontos que remetem o contrato administrativo a todo o procedimento licitatório que lho deu origem é a própria determinação legal contida no inc. XI do art. 55 da Lei n. 8666, de 1993, que estabelece como cláusula necessária ao instrumento “a vinculação ao edital de licitação ou ao termo que a dispensou ou a inexigiu, ao convite e à proposta do licitante vencedor”.
Nas palavras de Marçal Justen Filho (2008, p. 633), “o contrato administrativo filia-se ao ato que lhe deu origem”, onde “todo contrato deve ser interpretado em consonância com o ato convocatório da licitação”.
Na lei de regência das contratações públicas, verificamos que a primeira diretriz que vincula o contrato é prestada pela proibição contida no inc. I, do §1º, do art. 3º, estabelecendo que todos os atos vetados aos agentes públicos no início, desenvolvimento e conclusão do processo licitatório deverão considerar o “específico objeto do contrato”. Ou seja, o objeto do futuro contrato, de início, delimita toda a atuação do agente público no decorrer do desenvolvimento do certame licitatório, da dispensa ou da inexigibilidade de licitação.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2001, p. 249) ressalta que, “na redação do termo de contrato ou outro instrumento equivalente deverão ser observadas as condições constantes do instrumento convocatório da licitação (edital ou carta-convite, conforme o caso)”, já que o mesmo é a lei do contrato e da licitação. Nenhuma cláusula poderá ser acrescida ao contrato contendo disposição não prevista na licitação, sob pena de nulidade do acordo, por burla aos demais licitantes e aos primados licitatórios.
Estabelece ainda a Lei de Licitações que o contrato formado a partir da prestação de serviços técnicos, ressalvados os casos de inexigibilidade, está vinculado ao concurso que lho originou. De acordo com o §3º do art. 13 da mesma lei, as empresas contratadas por caracterização de seu corpo técnico durante a licitação, dispensa ou inexigibilidade, deverão manter o compromisso de execução pessoal e direta durante o desenvolvimento contratual.
Da mesma forma cumpre salientar que as hipóteses de contratação direta, via dispensa ou inexigibilidade de licitação, também se coadunam com as determinações de vinculação, todavia, em substituição ao instrumento editalício, encontram-se atreladas ao termo que as orientou, nos termos exatos do §2º do art. 54, da Lei n. 8666, de 1993.
O termo de contrato ou instrumento equivalente deverá ser juntado ao processo licitatório em atendimento ao disposto pelo inc. X do art. 38 da Lei n. 8666, de 1993, devendo sua minuta ser previamente analisada e aprovada pela assessoria jurídica do órgão licitante.
As próprias condições de execução do contrato e de entrega do objeto deverão ser explicitadas pelo instrumento convocatório, nos termos do inc. II do art. 40 da Lei de Licitações, assim como a minuta do futuro instrumento a ser pactuado deverá integrar a parte anexa do edital, de acordo com o inc. III do §2º do mesmo artigo e do §1º do art. 62 da mesma lei.
Tais são a interferência e a vinculação do instrumento convocatório ao contrato que a lei, por mais das vezes, estabelece determinações características do contrato em dispositivos inerentes ao edital, como no caso do §3º do art. 40 da Lei n. 8666, de 1993:
Art. 40. (…)
§ 3º Para efeito do disposto nesta Lei, considera-se como adimplemento da obrigação contratual a prestação do serviço, a realização da obra, a entrega do bem ou de parcela destes, bem como qualquer outro evento contratual a cuja ocorrência esteja vinculada à emissão de documento de cobrança.
A determinação legal de vinculação do contrato ao instrumento convocatório é estabelecida pelo inc. XII do art. 55 do Estatuto Licitatório, implicando na inclusão de cláusula necessária a ser estabelecida no termo de contratação. Ressalta Jessé Torres Pereira Júnior (2007, p. 439) que a divergência entre o edital e a minuta do contrato a ele anexada é, destarte, vício grave no ato convocatório, porquanto afeta a formulação das propostas na medida em que, “descurando do dever de bem especificar o objeto, cria dúvida entre os licitantes acerca de qual comando atender – se ao do corpo do edital ou se ao da minuta de contrato, que a integra.” Nesses casos, assevera o mesmo autor que a “Administração deve invalidar o edital, corrigi-lo e reabrir o prazo integral da licitação”.
Extrema a vinculação dos procedimentos anteriores à contratação que o desfazimento do edital de licitação por vício gera o do contrato, nas palavras de Marçal Justen Filho (2008, p. 634):
Há vínculo lógico-jurídico entre a licitação e o contrato. Portanto, a tardia revelação do vício da licitação produz reflexos sobre o contrato já firmado. A proclamação do vício em momento posterior à assinatura do contrato não impede o desfazimento deste último. Anulada a licitação, a consequência lógica será a anulação do contrato.
Em comentário ao art. 59 da Lei n. 8666, de 1993, Marçal Justen Filho (2008, p. 634) pondera que:
[...] há dificuldade na aplicação desses princípios ao direito público, inclusive porque a questão da nulidade do ato administrativo tem que ser harmonizada com os princípios norteadores da responsabilidade civil do Estado. Os efeitos da invalidade do ato administrativo são muito mais extensos do que os constantes do parágrafo único do art. 59. Sob o prisma do direito público, cabe um aprofundamento do exame da questão.
Hely Lopes Meirelles (2010, p. 222) vincula o edital como “matriz do contrato”, ressaltando que não seria compreensível que a Administração formulasse seu desejo no edital e contratasse em condições diversas do pedido na licitação, sendo permitido, porem, que as necessárias adequações sejam procedidas em conformidade à condição mais vantajosa à Administração, sendo vedadas as clausulas que a prejudiquem.
Em síntese, “a vinculação ao instrumento convocatório é princípio do procedimento licitatório e, ao mesmo tempo, cláusula necessária no contrato” (BAZILLI, 1996, p. 66), não permitindo ao administrador público o desvirtuamento de todo o processo formal estabelecido pela lei.
2.2 A modificação do contrato administrativo
2.2.1 As alterações unilaterais e bilaterais
As alterações unilaterais do contrato administrativo constituem uma das prerrogativas conferidas à Administração pelas cláusulas exorbitantes.
Segundo Joel de Menezes Niebuhr (2008, pp. 511-512):
[…] o princípio da supremacia do interesse público outorga à Administração série de vantagens e prerrogativas, que a colocam em posição de superioridade em relação aos particulares, a fim de evitar que o interesse público gerido por ela seja prejudicado ou sacrificado em contraste com os interesses particulares. […]
A prerrogativa da Administração de alterar unilateralmente contrato administrativo provoca repercussão, haja vista que destoa da própria essência da figura contratual concebida em teoria geral, que pressupõe o acordo de vontades e a igualdade entre as partes. Ou seja, as artes contratam, definem, por consequência, o objeto do contrato, e a Administração altera o objeto da avença sozinha, ainda que o contratado não queira ou se oponha a ela. Trata-se, a bem da verdade, da expressão máxima da supremacia do interesse público na esfera dos contratos administrativos, que rompe, como dito, o acordo de vontades que lhe é pressuposto, fazendo prevalecer o interesse público sobre a vontade do particular.
Convém ressaltar que a primazia administrativa na alteração unilateral dos contratos não é absoluta, uma vez que a regra é a manutenção do pacto tal como foi concebido no procedimento anterior, seja a licitação, a dispensa ou a inexigibilidade, devendo a modificação, necessariamente, estar prevista em lei. Para melhor entendimento, Marçal Justen Filho (2008, p. 653) alerta:
A distinção entre alterações unilaterais e consensuais pode conduzir a uma conclusão incorreta. Não significa que a alteração convencional seja facultativa, enquanto a unilateral seria compulsória. É certo que a alteração unilateral imposta pela Administração tem que ser acatada pelo particular. Mas não é correto que a alteração convencional seja, em todos os casos, meramente facultativa (podendo ou não ser aceita pelas partes). Há casos em que a alteração faz-se por acordo entre as partes, mas é obrigatória, na acepção de que a Lei determina que não pode deixar de ser realizada sempre que ocorrerem certos pressupostos. O conteúdo da modificação dependerá do acordo entre as partes, mas sua produção será obrigatória, na acepção de que a lei determina seus pressupostos. Uma vez verificados, deverá produzir-se seu aperfeiçoamento.
As alterações contratuais estão expressamente previstas pelo art. 65 da Lei n. 8666, de 1993, onde Jessé Torres Pereira Júnior (2007, p. 649) ressalta que “a cabeça do art. 65 traz advertência importante para a Administração, qual seja a de que os atos autorizadores de alterações em seus contratos são necessariamente motivados”, vinculando o ato do administrador público a todos os preceitos que regem a Administração na busca do atendimento do interesse público, onde o mesmo autor descreve que “a justificativa a que a lei se refere englobará as razões de fato e de direito que hajam resultado demonstradas no respectivo processo administrativo”, logo não basta a existência do fato, ele deverá taxativamente previsto pela lei e reconhecido pela Administração na motivação do Administrador.
Há necessidade de especial cuidado no entendimento da questão, uma vez que as alterações, sejam elas unilaterais ou bilaterais, não poderão interferir em critérios que estavam expressamente previstos no edital ou na proposta, visto que poderão impactar diretamente sobre os critérios de competitividade do certame, maculando todo o procedimento, como, por exemplo, o estabelecimento de prazos especialmente curtos de execução, para depois serem estendidos a rigor do cumprimento necessário do objeto.
Reside na alteração contratual, tanto unilateral quanto bilateral, o principal fator de análise observado sob a ótica de incidente criminal, com a instrumentalização proporcionada pelo fator tempo. Nesse sentido, interessante trazer os comentários de Niebuhr (2008, p. 512), que pode sintetizar a questão da alteração contratual como disfunção do sistema licitatório:
Infelizmente os contratos administrativos são alterados com muita frequência para criar vantagens indevidas ao contratado, tudo em detrimento do interesse público. Ocorre que a majoração dos encargos do contratado implica majoração dos valores devidos a ele por obséquio ao direito constitucional dos contratantes ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Então, muitos agentes administrativos alteram os contratos administrativos, por vezes sem qualquer justificativa, apenas para majorar os valores a serem pagos ao contratado. Em meio a isso, infelizmente, é usual que o contratado ofereça percentagem disso ganhos ao agente administrativo que autorizou a alteração ou ao partido dele por ocasião das eleições. Essa praxe alimenta ciclo vicioso de corrupção, bastante arraigado no cenário político nacional.
É também comum que agentes administrativos utilizem-se do poder de alterar os contratos administrativos como forma para direcionar a licitação pública que os antecede. Costuma haver um acerto prévio entre empresa e agente administrativo, em razão do qual ela, por ocasião da licitação, subestima os preços cotados para a administração, oferecendo-os por vezes em valores abaixo dos praticados no mercado. Assim a empresa vence a licitação e assina o contrato. Depois disso, para que a empresa não opere em prejuízo, promovem-se sucessivas alterações contratuais, majorando os ganhos do contratado.
Em síntese, lamentavelmente as alterações dos contratos administrativos têm sido utilizadas como instrumentos para o direcionamento das licitações, para o superfaturamento de contratos administrativos e para todo o tipo de corrupção, em afronta aberta ao princípio da moralidade administrativa. Por isso, antes de tudo, os órgãos de controle devem averiguar os aditivos com bastante rigor e cautela, para o efeito de identificar tais desvirtuamentos.
Da mesma forma verificamos o desvirtuamento da alteração contratual indevida em relação aos aspectos temporais do contrato, tanto de vigência, quanto de execução das obrigações, notadamente em virtude das imprevisões e deficiência de planejamento das ações público-administrativas, que acabam por orientar condições nem sempre favoráveis ao adequado desenvolvimento contratual, gerando situações de vantagem indevida ou modificação não admitida em lei, sujeitando os responsáveis às sanções previstas. Na tradução mais adequada para a consideração do tempo como valoração do ilícito na alteração contratual, as palavras de Benjamin Franklin (1702-1790): “time is Money”.
2.2.2 A questão temporal e de execução do contrato
É necessária, para uma adequada análise dos fatores que determinam regularidades ou irregularidades do cumprimento contratual, a localização do contrato em relação ao decurso de tempo de sua execução.
O quesito temporal estabelecido pela Administração assume vital importância para a própria existência e obrigatoriedade do instrumento, consoante se depreende do disposto pelo §4º do art. 62 da Lei n. 8666, de 1993.
A duração dos contratos administrativos, especificamente em relação aos seus prazos, é tratada pelo art. 57 da Lei de Licitações e Contratações da administração pública, versando sobre matérias diversas e distintas (JUSTEN FILHO, 2008, p 665), como se observou, é, na visão de Joel de Menezes Niebuhr (2008, p. 451), “um dos piores artigos da referida lei. Para tentar apreendê-lo é necessário determinar alguns conceitos operacionais introdutórios”.
Em inúmeros casos se observa certa confusão entre os prazos de vigência e os prazos de execução da prestação assumida. A diferenciação é de fundamental importância para as definições de analise temporal dos contratos administrativos, pois neste ponto reside um dos principais quesitos de equívocos cometidos pela Administração. Assim, Marçal Justen Filho (2008, p. 665) enfatiza:
A questão de duração dos contratos não se confunde com a prorrogação dos prazos neles previstos para execução das prestações. O prazo de vigência dos contratos é questão enfrentada no momento da elaboração do ato convocatório; a prorrogação do prazo para execução das prestações é tema relativo á execução do contrato. Portanto, lógica e cronologicamente as questões são inconfundíveis.
O prazo de execução possui diversidade de ocorrência num mesmo contrato administrativo, podendo ser configurados os prazos de “início, o das etapas de execução, o de conclusão, o de entrega, o de observação, [o de recebimento provisório], o de recebimento definitivo. Esses prazos não estão necessária e concomitantemente presentes em todos os contratos administrativos” (BAZILLI, 1996, p. 63).
As questões de vigência envolvem a definição do próprio ciclo de vida do contrato, em que as partes podem executar seus atos validamente sob cobertura contratual. Nesse aspecto, salientam-se os ensinamentos de Niebuhr (2008, p. 451):
O contrato é valido a partir do momento em que ocorre o acordo de vontades entre as partes, o que se opera, em relação aos contratos escritos, com a assinatura das partes no instrumento contratual. Além disso, para que o contrato seja válido, é necessário que ele tenha sido produzido formal e substancialmente de acordo com as normas jurídicas. Então, os contratos administrativo, via de regra, são válidos a partir do momento em que o instrumento é assinado pelas partes e desde que ele não se oponha à legalidade.
Contrato vigente é aquele que está apto a produzir efeitos. Não significa que ele produza efeitos; apenas que está apto, que pode produzir efeitos. Enquanto o contrato estiver apto a produzir efeitos ele permanece vigente. Em relação aos contratos administrativos, via de regra, a vigência inicia-se com a publicação do extrato do contrato na Imprensa Oficial, a teor do parágrafo único do artigo 60 da Lei n. 8666/93, e estende-se até o momento em que as partes cumprirem integralmente suas obrigações. Enquanto houver obrigações pendentes, o contrato permanece vigente.
Contrato eficaz é aquele que produz efeitos, isto é, que é cumprido pelas partes. Ao contrário, contrato ineficaz é aquele que não produz efeitos, ignorado pelas partes. A eficácia não é um conceito eminentemente jurídico, mas sociológico. A rigor, é um conceito sociológico que repercute no Direito. Isso porque para saber se o contrato é eficaz ou ineficaz o interlocutor não deve empreender raciocínio jurídico; ele deve analisar os fatos, o que acontece concretamente, se as partes cumprem ou não as suas obrigações, repercute no Direito, porquanto ela caracteriza o adimplemento ou o inadimplemento e, por corolário, dela advém inúmeras consequências jurídicas.
2.3.2 As hipóteses de prorrogação em espécie
As possibilidades de prorrogação dos prazos de vigência e execução estão taxativamente estabelecidas pela legislação, notadamente em relação ao previsto pelo art. 57 da Lei de Licitações.
A compatibilidade da previsão legal para a alteração de prazos dos contratos com a conduta dos agentes envolvidos na prorrogação configura o principal fator de enquadramento no tipo penal previsto pelo art. 92 do Estatuto Licitatório, sendo que o art. 57 reflete a disciplina constitucional prevista pelo art. 167 da Constituição da República (JUSTEN FILHO, 2008, p. 667).
Marçal Justen Filho (2008, p. 667) ressalta que “deve-se insistir em que as exceções consagradas nos incisos não se relacionam propriamente à natureza ou à importância do objeto da contratação”. A disciplina adotada se relaciona com questões orçamentárias, pura e exclusivamente.
A regra geral preconizada pelo art. 57 é que a duração dos contratos fica vinculada à vigência dos respectivos créditos orçamentários, sendo vedado o contrato com vigência indeterminada. Hely Lopes Meirelles (2010, pp. 241-242) ressalta que “o legislador procurou atender preceitos anteriores da lei, que proíbem a licitação e a contratação sem previsão de recursos”. Como os créditos orçamentários normalmente vigoram durante um exercício financeiro, a duração dos contratos ficaria, em princípio, limitada até 12 meses. Anota ainda o autor (GASPARINI, 2006, pp. 513-514. Apud MEIRELLES, 2010, p. 241-424), que “os contratos celebrados no último quadrimestre do ano (por exemplo, em setembro) poderão durar até o fim do exercício seguinte, porque até aquele momento vigorará o crédito orçamentário correspondente”.
As exceções quanto à alteração de prazo estão capituladas pelos inc. I a IV do caput do art. 57 da Lei n. 8666, de 1993, que somente poderão ser validamente utilizadas se previstas no ato convocatório e no contrato; já as alterações previstas pelo §1º do mesmo artigo independem de menção contratual, exatamente por atenderem situações excepcionais, que independem de previsão (DI PIETRO, 2001, pp. 249-251).
A prorrogação propriamente dita dos contratos (JUSTEN FILHO, 2008, p. 674), ou seja, do seu iter de execução, está especifica e taxativamente prevista segundo os dispositivos do rol enunciado pelo parágrafo único do art. 57 da Lei n. 8666, de 1993, podendo ser organizado em duas categorias: eventos causados pela Administração; e causas de força maior ou caso fortuito.
Como eventos da Administração se observam a alteração do projeto ou especificações (art. 57, §1º, I); a interrupção ou retardamento do ritmo de trabalho (art. 57, §1º, III); o aumento das quantidades previstas inicialmente (art. 57, §1º, IV); e o atraso ou omissão nas providências a cargo da Administração (art. 57, §1º, VI). Por outro lado, as decorrentes de força maior ou caso fortuito estão previstas pelos incisos II e V do parágrafo primeiro do art. 57 do Estatuto Licitatório.
2.3.3 A configuração da prorrogação irregular
A prorrogação irregular ocorre toda vez que se admite a alteração de qualquer prazo previsto no contrato sem a devida e expressa previsão legal. Configura também a prorrogação indevida quando os prazos previstos no contrato não são cumpridos e a Administração permanece inerte em relação a tais ocorrências, não adotando medidas corretivas, ou que compactua com os atrasos sem a devida fundamentação legal.
Marçal Justen Filho (2008, p. 674), acerca do tema, ensina que:
Os prazos previstos nos contratos devem ser cumpridos fielmente pelas partes. Seja pelo princípio da obrigatoriedade das convenções, seja pela indisponibilidade dos interesses atribuídos ao Estado, seja pela isonomia, os termos contratuais devem ser respeitados. O ato convocatório define os prazos para execução das prestações. As propostas são formuladas tendo em vista tais exigências. Se a execução de certa prestação poderia fazer-se em prazo mais longo, assim deveria constar do próprio ato convocatório. Afinal, a exiguidade do prazo pode ser fator que desincentive a participação de eventuais interessados. A alteração dos prazos contratuais ofende os princípios fundamentais que norteiam as licitações e contratos administrativos. A prorrogação dos prazos contratuais somente pode ser admitida como exceção se verificados eventos supervenientes realmente graves e relevantes, que justifiquem o não atendimento aos prazos inicialmente previstos.
Para configuração de irregularidades nas prorrogações contratuais basta o não atendimento de quaisquer dos quesitos legais impostos, mesmo estando presente o interesse público, como alerta Bazilli (1996, p. 72), ressaltando que “a prorrogação é vinculada aos motivos expressamente consagrados no estatuto”. Acrescenta ainda o autor que:
[…] a Administração não pode agir discricionariamente, mesmo que haja eventual interesse público na prorrogação; é preciso, para prorrogar os prazos estipulados contratualmente, que ocorra um ou vários dos motivos arrolados no estatuto, aos quais a decisão da Administração está vinculada.
Quanto à irregularidade configurada pela omissão da Administração, especialmente quanto à conivência com ocorrências que importem em prorrogação contratual indevida, que implicaria em caso de rescisão. Todavia, como explica Justen Filho (2008, p. 676) pode “ocorrer situação em que, não obstante o atraso derive de ato culposo imputável ao particular, caberá a manutenção do contrato – ainda que acompanhada da imposição de sanções de outra ordem ao faltoso”.
A implicação da prorrogação indevida do contrato administrativo nos fundamentos que regem todo o processo de contratação pública também é enfatizada por Baltazar Júnior (2011, p. 577), utilizando-se da teoria do potencial licitante, da seguinte forma:
A alteração no curso da execução do contrato pode frustrar a competitividade e a isonomia na medida em que outros podem ter deixado de concorrer ou perdido, por conta do maior preço, vindo a modificação posterior a alterar as condições da competição e favorecer, irregularmente, o contratado.
Alerta ainda Justen Filho (2008, p. 676) que “será imperioso promover a readequação dos prazos contratuais, o que se fará segundo a disciplina dos §§1º e 2º do art. 57 quando da ocorrência da inadimplência com culpa do contratado e que não implique, necessariamente, em rescisão contratual, contudo, inexiste margem discricionária para a aplicação ou não de sanções, sob pena de configurar a vantagem indevida.
A irregularidade da prorrogação pode, adicionalmente, ser configurada pela falta de observância aos requisitos legais de forma exigidos. Como exemplifica Niebuhr (2008, p. 468) “a prorrogação deve ser formalizada por meio aditivo, por ser uma espécie de alteração contratual”.
Para configurar a irregularidade (ou ilegalidade, já que as situações são expressamente previstas em lei), basta a prorrogação indevida realizada fora das hipóteses taxativamente e legalmente estabelecidas, onde o professor Diógenes Gasparini (2011, p. 85) explica que “a palavra lei nesse texto significa lei federal, já que a prorrogação é a exceção à regra de licitar e as ressalvas somente podem ser indicadas em lei da União, como é essa ou outra que venha a ser editada por ela”.
2.3.4 A configuração de vantagem indevida na prorrogação
A configuração da vantagem indevida diante da prorrogação contratual é notória quando ocorrida da forma direta, ou seja, não obedecidas as formalidade legais que determinam as possibilidades de se estender a contratação, em quaisquer de seus prazos estabelecidos, uma vez que o contratado terá, indevidamente, a vantagem de obter prazo superior para as suas obrigações em relação às disposições do edital de seleção, ferindo, gravemente, o princípio da isonomia.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2001, p. 773) ainda enfatiza que a conduta do administrador que atua ou permite a prorrogação indevida gera desvantagem à Administração, capitulada pela Lei de Improbidade Administrativa como ilícito penal, civil e administrativo, uma vez que a incidência se presta pela “ocorrência de fato danoso descrito na lei, causador de enriquecimento ilícito pra o sujeito ativo, prejuízo para o erário ou atentado contra os princípios da administração pública; o enquadramento do ato pode dar-se isoladamente, em uma das três hipóteses, ou, cumulativamente, em duas ou nas três”, as quais estão previstas pelos artigos 9º, 10 e 11 da Lei n. 8429, de 1992.
No mesmo sentido, a prorrogação indevida configurada pode ter origem em um ato de improbidade que corresponda a um ato administrativo, a uma omissão ou uma conduta do administrador; não se exigindo a “efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público”, mas, “ao menos, o dano moral por violação aos princípios da Administração Pública” (DI PIETRO, 2001, p. 780). Essa é a regra, e o desvio do Administrador configura irregularidade prescrita pela lei.
O descumprimento do ajuste, especialmente em relação ao quesito “prazo”, dá ensejo à aplicação de penalidades por parte da Administração e pode resultar numa rescisão contratual (BATISTA DOS SANTOS et al, 2000, p. 296).
A configuração de vantagem indevida indireta em relação à prorrogação pode ser configurada por uma omissão do agente público, uma vez que pode permitir a mora do contratado, autorizando “tacitamente” a prorrogação da execução e não aplicando as penalidades que são devidas. Conforme leciona Lúcia Valle Figueiredo (2004, pp.514-515), a aplicação de sanções, unilateralmente, pela Administração também não é prerrogativa à disposição do administrador, algo a ser desfrutado pelo administrador. Bem ao contrário, entende-se a imposição de sanções como dever administrativo. Logo, além de descumprimento funcional, deve responder o agente público pela prorrogação indevida indireta do prazo contratual, diante da ausência de aplicação das penalidades cabíveis, consistindo em vantagem indevida concedida ao contratado.
Márcia Walquiria Batista dos Santos (2000, p. 297) explica a relação causal da prorrogação de prazo contratual levantando a hipótese de que algum licitante que participara da licitação poderia intentar alguma medida sob o argumento de que a prorrogação de prazo feriu o princípio da igualdade. Alerta a mesma autora que não devem ser admitidos motivos banais, ou previsíveis à época da contratação, ou mesmo empresas que se comprometeram com prazos exíguos de forma insipiente.
De fato, se um prazo maior estivesse disponível no instrumento convocatório, o preço das propostas poderia ser menor[3], ou mesmo outros licitantes poderiam se interessar em participar do certame – fator que determina o extremo cuidado do administrador ao analisar as justificativas de atraso dos contratados (BATISTA DOS SANTOS, 2000, p. 297).
Logo, a irregularidade reside no ato concessivo do Administrador Público, seja ele permitindo formalmente prorrogação não prevista pela lei, seja concedendo dilatação de prazo “tacitamente”, não adotando as medidas coercitivas estabelecidas pela lei e pelo contrato, como bem ressalta Roberto Ribeiro Bazilli (1996, p. 66), “as penalidades decorrentes da inadimplência do contratado devem limitar-se às previstas no instrumento contratual, que, por sua vez, se fundamenta no estatuto, afastadas quaisquer outras sanções não previstas” – isto reflete o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade objetivamente, excluindo a possibilidade discricionária que determinaria a possível infração penal.