Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A normatização do método científico e sua imprescindibilidade à eficácia das ações atinentes à assistência social

Agenda 01/07/2015 às 10:49

O presente artigo tem por objeto traçar, em linhas gerais, a imprescindibilidade de normatização do método científico de enfrentamento das questões socioassintenciais como objetivo de racionalização dos recursos e eficiência no combate à exclusão social.

As atividades desenvolvidas pelas entidades e organizações de assistência social devem integrar o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), criado pelo artigo 6.º, da Lei Federal n.º 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social, LOAS), cuja Norma Operacional Básica (NOB/SUAS) foi aprovada por meio da Resolução n.º 33, de 12/12/12, do Conselho Nacional da Assistência Social (CNAS), consoante argumentos a seguir. 

O artigo 204, inciso I, da CF, ao discorrer sobre as ações governamentais na área de assistência social, preconiza o seguinte:

Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:

I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; 

O artigo 3.º, § 1.º, da LOAS, assim dispõe (grifou-se)

Art. 3.º. Consideram-se entidades e organizações de assistência social aquelas sem fins lucrativos que, isolada ou cumulativamente, prestam atendimento e assessoramento aos beneficiários abrangidos por esta Lei, bem como as que atuam na defesa e garantia de direitos. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 1.º. São de atendimento aquelas entidades que, de forma continuada, permanente e planejada, prestam serviços, executam programas ou projetos e concedem benefícios de prestação social básica ou especial, dirigidos às famílias e indivíduos em situações de vulnerabilidade ou risco social e pessoal, nos termos desta Lei, e respeitadas as deliberações do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), de que tratam os incisos I e II do art. 18. (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011)

(...)

O supramencionado artigo 18, da LOAS, com destaque para os dois incisos elencados, está assim redigido (grifou-se):

Art. 18. Compete ao Conselho Nacional de Assistência Social:

I - aprovar a Política Nacional de Assistência Social;

II - normatizar as ações e regular a prestação de serviços de natureza pública e privada no campo da assistência social;

(...)

Nessa mesma linha de raciocínio, os artigos 7.º e 23, caput e § 1.º, da LOAS, possuem a seguinte redação (grifou-se):

Art. 7.º. As ações de assistência social, no âmbito das entidades e organizações de assistência social, observarão as normas expedidas pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), de que trata o art. 17 desta lei.

(...)

Art. 23. Entendem-se por serviços socioassistenciais as atividades continuadas que visem à melhoria de vida da população e cujas ações, voltadas para as necessidades básicas, observem os objetivos, princípios e diretrizes estabelecidos nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 1.º. O regulamento instituirá os serviços socioassistenciais. (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011)

(...) 

Veja-se que o dispositivo constitucional, conjugado com os ditames legais acima colacionados, trata da necessidade de descentralização político-administrativa da prestação de serviços socioassistenciais, incluindo as entidades sociais privadas na qualidade de agentes dessas ações de governo, sem se olvidar da imprescindível coordenação e formulação de normas gerais pela Administração Pública.

Dessa forma, a descentralização político-administrativa das ações governamentais de assistência social pressupõe a existência de uma coordenação centralizada, pois, conforme item 1.1. (Caráter na Norma Operacional Básica do SUAS), letra “c” (Rede Socioassistencial), da antiga NOB/SUAS, a organização da rede socioassistencial não poderá prescindir de alguns parâmetros, dentre os quais se destacam (grifou-se):

b) caráter público de co-responsabilidade e complementariedade entre as ações governamentais e não-governamentais de Assistência Social evitando paralelismo, fragmentação e dispersão de recursos;

(...)

g) referência unitária em todo o território nacional de nomenclatura, conteúdo, padrão de funcionamento, indicadores de resultados de rede de serviços, estratégias e medidas de prevenção quanto à presença ou ao agravamento e superação de vitimizações, riscos e vulnerabilidades sociais. 

Portanto, a coordenação centralizada tem as funções primordiais de racionalização dos recursos, sejam eles públicos ou privados, e de eficiência no combate à pobreza e à exclusão social, por meio da padronização de ações que, por seu turno, culminam em uma padronização das respectivas avaliações no âmbito do SUAS. 

Assim, considerando a necessidade de eficácia das ações governamentais atinentes à assistência social, fez-se imprescindível a normatização do método científico de enfrentamento das questões socioassistenciais, inclusive com o objetivo de tornar eficiente o gasto público nessa seara. Daí o advento da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, no seio da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), aprovada pela Resolução CNAS n.º 145, de 15/10/04.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Em referida tipificação, além da nomenclatura, descrição, objetivos, provisões, aquisições dos usuários, condições de prestação, acessibilidade ao público-alvo etc., destaca-se a existência de uma parametrização essencial do trabalho social a ser empreendido, seja para prevenir situações de vulnerabilidade e risco social (Proteção Social Básica), seja para enfrentar situações de ameaça e/ou efetiva violação de direitos sociais (Proteção Social Especial).

Logo, todo o arcabouço regulamentar dos serviços de assistência social, incluindo a publicação de uma Norma Operacional Básica, pautada em face de uma Política Nacional de Assistência Social (PNAS), aprovada por meio da Resolução CNAS n.º 145/04, e uma Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, aprovada por meio da resolução CNAS n.º 109/09, tem propósitos bem definidos, cuja essência, no que tange aos serviços de proteção básica e especial,  remete-se à necessidade de o ente federado (grifou-se) “assegurar recursos orçamentários e financeiros próprios para o financiamento dos serviços tipificados e benefícios assistenciais de sua competência, alocando-os no fundo de assistência social” (artigo 12, inciso XII, da NOB/SUAS vigente), prestigiando (grifou-se) ”o financiamento contínuo de benefícios e de serviços socioassistenciais tipificados nacionalmente” (artigo 51, inciso IV, da NOB/SUAS), além da “implantação e oferta qualificada de serviços socioassistenciais nacionalmente tipificados” (artigo 78, inciso I, da NOB/SUAS). 

Impende destacar que a descentralização político-administrativa, preconizada na CF, tem lastro financeiro no próprio orçamento da Seguridade Social (artigo 204, caput, CF), razão pela qual a realização de ações governamentais de assistência social, por entidades sociais de natureza privada, deve ater-se à PNAS, com estrita observância da NOB/SUAS, o que implica atuação nos moldes da Tipificação Nacionais dos Serviços Socioassistenciais, a fim de que tais atividades possam ser qualificadas no âmbito do SUAS.

O item 3.1.4, da PNAS, que trata do financiamento das ações governamentais de assistência social, reflete bem esse entendimento em um de seus excertos. Senão, veja-se:

Assim, o propósito é o de respeitar as instâncias de gestão compartilhada e de deliberação da política nas definições afetas ao financiamento dos serviços, programas, projetos e benefícios componentes do Sistema Único de Assistência Social.

No mesmo diapasão, vislumbra-se o § 3.º, do artigo 6.º-B, da LOAS, que exige a vinculação ao SUAS para a prestação de serviços socioassistenciais, inclusive com menção do financiamento público dessas ações (grifou-se):

Art. 6.º-B. As proteções sociais básica e especial serão ofertadas pela rede socioassistencial, de forma integrada, diretamente pelos entes públicos e/ou pelas entidades e organizações de assistência social vinculadas ao Suas, respeitadas as especificidades de cada ação. (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011)

(...)

§ 3.º. As entidades e organizações de assistência social vinculadas ao Suas celebrarão convênios, contratos, acordos ou ajustes com o poder público para a execução, garantido financiamento integral, pelo Estado, de serviços, programas, projetos e ações de assistência social, nos limites da capacidade instalada, aos beneficiários abrangidos por esta Lei, observando-se as disponibilidades orçamentárias. (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011) 

A propósito do tema, a Resolução CNAS n.º 191/05, ao instituir orientação para regulamentação do artigo 3.º, da LOAS, acerca dos caracteres essenciais das entidades e organizações de assistência social, apontou ser imperioso que a entidade tenha “expresso, em seu relatório de atividades, seus objetivos, sua natureza, missão e público conforme delineado pela LOAS, pela PNAS e suas normas operacionais” e que garanta “o acesso gratuito do usuário a serviços, programas, projetos, benefícios e á defesa e garantia de direitos, previstos na PNAS, sendo vedada a cobrança de qualquer espécie” (grifou-se).

Ainda mais específico é o artigo 2.º, de referida Resolução CNAS, que afirma ser de atendimento as entidades

quando realizam de forma continuada, permanente e planejada, serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e/ou especial e de defesa de direitos sócio-assistenciais, dirigidos as famílias e indivíduos em situações de vulnerabilidades e risco social e pessoal, conforme preconizado na LOAS, na PNAS, portarias do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS e normas operacionais. (grifou-se)

A fim de não restar qualquer sombra de dúvida, o § 1.º, do artigo 6.º, da Resolução CNAS n.º 16, de 05/05/10, é categórico no sentido de que (grifou-se) “[o]s serviços de atendimento deverão estar de acordo com a Resolução CNAS nº 109, de 11 de novembro de 2009, que trata da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, e com o Decreto nº 6.308, de 14 de dezembro de 2007.” 

É nesse compêndio regulamentar que reside a tão comentada diferença entre assistência social e assistencialismo, porquanto o primeiro, seja o serviço prestado no âmbito privado ou no âmbito público, tem natureza de política pública de altíssima relevância, com objetivos claros e precisos a serem alcançados por meio do manejo de serviços tipificados nacionalmente, sempre com vista à inclusão social do indivíduo, sendo ele protagonista de sua própria vida; enquanto o segundo apenas retrata uma ação paliativa, com a finalidade imediata de remediar, em dado momento, uma situação indigna. É fundamental ter em mente que a Assistência Social não tem mais o caráter residual de outrora, antes limitada a diagnosticar e atender, transitoriamente, a uma demanda de vulnerabilidade ou risco social. Trata-se, atualmente, de um método estatal de possibilitar, aos usuários, amplo acesso ao Sistema de Garantia de Direitos.

À vista das considerações supra, resta claro que a descentralização político-administrativo da prestação de serviços socioassistenciais, incluindo as atividades sociais privadas na qualidade de agentes dessas ações de governo, pressupõe a existência de uma coordenação centralizada, calcada na necessidade de eficácia das ações governamentais atinentes à assistência social, a partir da normatização do método científico, com funções primordiais de racionalização dos recursos, sejam eles públicos ou privados, e de eficiência no combate à pobreza e à exclusão social.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Evander Oliveira. A normatização do método científico e sua imprescindibilidade à eficácia das ações atinentes à assistência social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4382, 1 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33091. Acesso em: 19 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!