As atividades desenvolvidas pelas entidades e organizações de assistência social devem integrar o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), criado pelo artigo 6.º, da Lei Federal n.º 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social, LOAS), cuja Norma Operacional Básica (NOB/SUAS) foi aprovada por meio da Resolução n.º 33, de 12/12/12, do Conselho Nacional da Assistência Social (CNAS), consoante argumentos a seguir.
O artigo 204, inciso I, da CF, ao discorrer sobre as ações governamentais na área de assistência social, preconiza o seguinte:
Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:
I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;
O artigo 3.º, § 1.º, da LOAS, assim dispõe (grifou-se)
Art. 3.º. Consideram-se entidades e organizações de assistência social aquelas sem fins lucrativos que, isolada ou cumulativamente, prestam atendimento e assessoramento aos beneficiários abrangidos por esta Lei, bem como as que atuam na defesa e garantia de direitos. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1.º. São de atendimento aquelas entidades que, de forma continuada, permanente e planejada, prestam serviços, executam programas ou projetos e concedem benefícios de prestação social básica ou especial, dirigidos às famílias e indivíduos em situações de vulnerabilidade ou risco social e pessoal, nos termos desta Lei, e respeitadas as deliberações do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), de que tratam os incisos I e II do art. 18. (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011)
(...)
O supramencionado artigo 18, da LOAS, com destaque para os dois incisos elencados, está assim redigido (grifou-se):
Art. 18. Compete ao Conselho Nacional de Assistência Social:
I - aprovar a Política Nacional de Assistência Social;
II - normatizar as ações e regular a prestação de serviços de natureza pública e privada no campo da assistência social;
(...)
Nessa mesma linha de raciocínio, os artigos 7.º e 23, caput e § 1.º, da LOAS, possuem a seguinte redação (grifou-se):
Art. 7.º. As ações de assistência social, no âmbito das entidades e organizações de assistência social, observarão as normas expedidas pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), de que trata o art. 17 desta lei.
(...)
Art. 23. Entendem-se por serviços socioassistenciais as atividades continuadas que visem à melhoria de vida da população e cujas ações, voltadas para as necessidades básicas, observem os objetivos, princípios e diretrizes estabelecidos nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1.º. O regulamento instituirá os serviços socioassistenciais. (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011)
(...)
Veja-se que o dispositivo constitucional, conjugado com os ditames legais acima colacionados, trata da necessidade de descentralização político-administrativa da prestação de serviços socioassistenciais, incluindo as entidades sociais privadas na qualidade de agentes dessas ações de governo, sem se olvidar da imprescindível coordenação e formulação de normas gerais pela Administração Pública.
Dessa forma, a descentralização político-administrativa das ações governamentais de assistência social pressupõe a existência de uma coordenação centralizada, pois, conforme item 1.1. (Caráter na Norma Operacional Básica do SUAS), letra “c” (Rede Socioassistencial), da antiga NOB/SUAS, a organização da rede socioassistencial não poderá prescindir de alguns parâmetros, dentre os quais se destacam (grifou-se):
b) caráter público de co-responsabilidade e complementariedade entre as ações governamentais e não-governamentais de Assistência Social evitando paralelismo, fragmentação e dispersão de recursos;
(...)
g) referência unitária em todo o território nacional de nomenclatura, conteúdo, padrão de funcionamento, indicadores de resultados de rede de serviços, estratégias e medidas de prevenção quanto à presença ou ao agravamento e superação de vitimizações, riscos e vulnerabilidades sociais.
Portanto, a coordenação centralizada tem as funções primordiais de racionalização dos recursos, sejam eles públicos ou privados, e de eficiência no combate à pobreza e à exclusão social, por meio da padronização de ações que, por seu turno, culminam em uma padronização das respectivas avaliações no âmbito do SUAS.
Assim, considerando a necessidade de eficácia das ações governamentais atinentes à assistência social, fez-se imprescindível a normatização do método científico de enfrentamento das questões socioassistenciais, inclusive com o objetivo de tornar eficiente o gasto público nessa seara. Daí o advento da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, no seio da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), aprovada pela Resolução CNAS n.º 145, de 15/10/04.
Em referida tipificação, além da nomenclatura, descrição, objetivos, provisões, aquisições dos usuários, condições de prestação, acessibilidade ao público-alvo etc., destaca-se a existência de uma parametrização essencial do trabalho social a ser empreendido, seja para prevenir situações de vulnerabilidade e risco social (Proteção Social Básica), seja para enfrentar situações de ameaça e/ou efetiva violação de direitos sociais (Proteção Social Especial).
Logo, todo o arcabouço regulamentar dos serviços de assistência social, incluindo a publicação de uma Norma Operacional Básica, pautada em face de uma Política Nacional de Assistência Social (PNAS), aprovada por meio da Resolução CNAS n.º 145/04, e uma Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, aprovada por meio da resolução CNAS n.º 109/09, tem propósitos bem definidos, cuja essência, no que tange aos serviços de proteção básica e especial, remete-se à necessidade de o ente federado (grifou-se) “assegurar recursos orçamentários e financeiros próprios para o financiamento dos serviços tipificados e benefícios assistenciais de sua competência, alocando-os no fundo de assistência social” (artigo 12, inciso XII, da NOB/SUAS vigente), prestigiando (grifou-se) ”o financiamento contínuo de benefícios e de serviços socioassistenciais tipificados nacionalmente” (artigo 51, inciso IV, da NOB/SUAS), além da “implantação e oferta qualificada de serviços socioassistenciais nacionalmente tipificados” (artigo 78, inciso I, da NOB/SUAS).
Impende destacar que a descentralização político-administrativa, preconizada na CF, tem lastro financeiro no próprio orçamento da Seguridade Social (artigo 204, caput, CF), razão pela qual a realização de ações governamentais de assistência social, por entidades sociais de natureza privada, deve ater-se à PNAS, com estrita observância da NOB/SUAS, o que implica atuação nos moldes da Tipificação Nacionais dos Serviços Socioassistenciais, a fim de que tais atividades possam ser qualificadas no âmbito do SUAS.
O item 3.1.4, da PNAS, que trata do financiamento das ações governamentais de assistência social, reflete bem esse entendimento em um de seus excertos. Senão, veja-se:
Assim, o propósito é o de respeitar as instâncias de gestão compartilhada e de deliberação da política nas definições afetas ao financiamento dos serviços, programas, projetos e benefícios componentes do Sistema Único de Assistência Social.
No mesmo diapasão, vislumbra-se o § 3.º, do artigo 6.º-B, da LOAS, que exige a vinculação ao SUAS para a prestação de serviços socioassistenciais, inclusive com menção do financiamento público dessas ações (grifou-se):
Art. 6.º-B. As proteções sociais básica e especial serão ofertadas pela rede socioassistencial, de forma integrada, diretamente pelos entes públicos e/ou pelas entidades e organizações de assistência social vinculadas ao Suas, respeitadas as especificidades de cada ação. (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011)
(...)
§ 3.º. As entidades e organizações de assistência social vinculadas ao Suas celebrarão convênios, contratos, acordos ou ajustes com o poder público para a execução, garantido financiamento integral, pelo Estado, de serviços, programas, projetos e ações de assistência social, nos limites da capacidade instalada, aos beneficiários abrangidos por esta Lei, observando-se as disponibilidades orçamentárias. (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011)
A propósito do tema, a Resolução CNAS n.º 191/05, ao instituir orientação para regulamentação do artigo 3.º, da LOAS, acerca dos caracteres essenciais das entidades e organizações de assistência social, apontou ser imperioso que a entidade tenha “expresso, em seu relatório de atividades, seus objetivos, sua natureza, missão e público conforme delineado pela LOAS, pela PNAS e suas normas operacionais” e que garanta “o acesso gratuito do usuário a serviços, programas, projetos, benefícios e á defesa e garantia de direitos, previstos na PNAS, sendo vedada a cobrança de qualquer espécie” (grifou-se).
Ainda mais específico é o artigo 2.º, de referida Resolução CNAS, que afirma ser de atendimento as entidades
quando realizam de forma continuada, permanente e planejada, serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e/ou especial e de defesa de direitos sócio-assistenciais, dirigidos as famílias e indivíduos em situações de vulnerabilidades e risco social e pessoal, conforme preconizado na LOAS, na PNAS, portarias do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS e normas operacionais. (grifou-se)
A fim de não restar qualquer sombra de dúvida, o § 1.º, do artigo 6.º, da Resolução CNAS n.º 16, de 05/05/10, é categórico no sentido de que (grifou-se) “[o]s serviços de atendimento deverão estar de acordo com a Resolução CNAS nº 109, de 11 de novembro de 2009, que trata da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, e com o Decreto nº 6.308, de 14 de dezembro de 2007.”
É nesse compêndio regulamentar que reside a tão comentada diferença entre assistência social e assistencialismo, porquanto o primeiro, seja o serviço prestado no âmbito privado ou no âmbito público, tem natureza de política pública de altíssima relevância, com objetivos claros e precisos a serem alcançados por meio do manejo de serviços tipificados nacionalmente, sempre com vista à inclusão social do indivíduo, sendo ele protagonista de sua própria vida; enquanto o segundo apenas retrata uma ação paliativa, com a finalidade imediata de remediar, em dado momento, uma situação indigna. É fundamental ter em mente que a Assistência Social não tem mais o caráter residual de outrora, antes limitada a diagnosticar e atender, transitoriamente, a uma demanda de vulnerabilidade ou risco social. Trata-se, atualmente, de um método estatal de possibilitar, aos usuários, amplo acesso ao Sistema de Garantia de Direitos.
À vista das considerações supra, resta claro que a descentralização político-administrativo da prestação de serviços socioassistenciais, incluindo as atividades sociais privadas na qualidade de agentes dessas ações de governo, pressupõe a existência de uma coordenação centralizada, calcada na necessidade de eficácia das ações governamentais atinentes à assistência social, a partir da normatização do método científico, com funções primordiais de racionalização dos recursos, sejam eles públicos ou privados, e de eficiência no combate à pobreza e à exclusão social.