1. O desenvolvimento do processo penal no mundo
1.1 Processo Penal na Grécia
Assim como os romanos, os gregos distinguiam os crimes públicos como sendo aqueles que prejudicavam a coletividade, e os crimes privados, que produziam pouca lesão para o Estado. Os primeiros, sendo mais graves, não poderiam ficar a mercê do ofendido, ao contrario do segundo que dependia exclusivamente da iniciativa da parte. Os cidadãos gregos participavam diretamente no exercício da acusação e da jurisdição através da oralidade e da publicidade dos atos.
A Assembleia do Povo e o Senado recebiam as denúncias dos delitos graves cometidos contra a cidade. Depois de recebida a denúncia, um cidadão era escolhido para proceder com a acusação. Posta a acusação, as provas e o juramento, seria estabelecido o Tribunal competente para o julgamento além das pessoas que o iriam compor. Curioso o fato de que o juiz procederia como mero árbitro de uma luta entre as partes, pois votavam sem ao menos deliberarem a respeito. Se houvesse empate, o acusado seria absolvido.
1.1.1 Importantes Tribunais gregos
Os principais e mais importantes Tribunais gregos eram os da Assembleia do Povo, o Areópago, o Tribunal dos Éfetas e o Tribunal dos Heliastas.
A Assembleia do Povo recebia a competência de julgar crimes políticos gravíssimos, não havendo nenhuma espécie de garantia para o acusado. O Areópago julgava os crimes de homicídio premeditados, incêndios, traição e os que culminassem em pena capital. O Tribunal dos Éfetas compunha-se de cinquenta e um Juízes, dentre membros do Senado, e recebia a competência de julgar os homicídios involuntários e não premeditados. Por fim, o Tribunal dos Heliastas exercia a jurisdição comum.
Não raro, compunham um só julgamento, 100, 500, 1.000 e até mesmo 6.000 juízes, devido ao fato de acreditarem que quanto maior o numero de cabeças, mas próximo de ser feita justiça.
1.2 Processo Penal em Roma
Como exposto anteriormente, os romanos faziam distinção entre os delicta publica e os delicta privata e assim, havia o Processo Penal Público e o Privado (que logo foi abandonado quase totalmente). No Processo Público o Estado participava como sujeito de repressão enquanto que no Privado ele assumia apenas o papel de árbitro para solução do litígio entre as partes.
No período monárquico não havia nenhum tipo de limitação ao poder de julgar. O próprio magistrado iniciava as investigações, após receber a notitia criminis, e impunha a pena sem nenhuma garantia para o acusado. Para frear o arbítrio do juiz, surge uma espécie de apelação intitulada de provocatio ad populum. Com ela, o acusado poderia recorrer da decisão para o povo reunido em comício.
No período republicano surge a accusatio. Estabelecia que qualquer cidadão possuía o direito de acusar, exceto os Magistrados, mulheres, os menores e pessoas que não possuíssem “garantias de honorabilidade”.
O processo iniciava-se com a postulatio. Verificava-se se o fato alegado constituía crime e se havia algum tipo de obstáculo para se seguir com o processo. Se fosse admitida, iniciava-se a inscriptio. Era então a postulatio inscrita no Tribunal, e, uma vez assim feita, o acusador não poderia mais desistir da demanda. Caso apresentasse fatos falsos na acusação, incorreria no crime de calunia e seria punido.
O Tribunal era primeiramente composto por membros do Senado e depois por cidadãos com elevadas condições morais, sociais e econômicas. No inicio, a votação era feita oralmente. Depois passou a ser secreta, recebendo cada juiz uma tabua na qual deveria escrever A (absolvo) , C (condeno) ou N.L (non liquet / abstenho-me).
Com o Império, surgiu uma nova forma de processo: a cognitio extra ordinem. Nela, o poder dos magistrados foi de tal forma exacerbado que em determinado período as funções do Ministério Público e do Juiz reuniram-se em um mesmo órgão do Estado. Com o tempo a accusatio tornou-se um problema, pois um instrumento de justiça e a garantia de acusar tornaram-se meio de despotismo e opressão. Os delatores ficaram sendo mal vistos perante a sociedade.
Essa espécie de processo, a cognitio extra ordinem, introduziu a tortura como forma de obtenção de confissões que eram utilizadas não apenas no réu, mas também nas testemunhas para que não mentissem.
1.3 Processo Penal entre os germânicos
Assim como na Grécia e em Roma, os germânicos diferenciavam os crimes públicos e os privados. A justiça publica era administrada por Assembleia formada pelo rei, príncipe, duque ou conde.
A confissão era tida como condenação absoluta. Se o réu confessasse, seria condenado. O ônus da prova cabia ao réu e não ao autor, ou seja, o réu deveria provar sua inocência sob pena de ser condenado.
Os principais tipos de provas eram os ordálios, ou Juízos de Deus, e o juramento. Caso o acusado jurasse que não havia praticado o crime e esse juramento fosse reforçado pelos juízes que declaravam sob juramento que o réu era incapaz de afirmar algo falso, tal era a forca da crença de que Deus castigaria quem jurasse em falso.
Havia outros Juízos de Deus como as purgationes vulgares, como o da água fria e o da água fervente. No primeiro, jogava-se o acusado na água e caso submergisse, era inocente; se permanecesse na superfície, era culpado. No segundo, fazia-se o réu colocar o braço na água fervente, caso não sofresse nenhuma lesão, era inocente.
1.4 Processo Penal na justiça eclesiástica
A jurisdição eclesiástica aparece como ferramenta para defender os interesses da Igreja e livrar os clérigos da jurisdição secular. Até o século XII o sistema acusatório estava em voga, ou seja, não havia juízo sem acusação. O acusador deveria apresentar a acusação por escrito e provas a um dos membros do clero competente para tal função.
A partir do século XIII, o sistema mudou de acusatório para inquisitório. Dessa mudança resultou a abolição da acusação em crimes de ação pública, bem como a publicidade do processo. Assim, o juiz procedia ex oficio e em segredo. Não se admitia defesa, vez que esta poderia interferir na busca da verdade. Qualquer denúncia era o bastante para que o processo fosse iniciado.
Tal sistema foi, paulatinamente, transformando-se em um instrumento de dominação política. O processo poderia partir de uma denúncia anônima ou do próprio julgador, ou seja, em muitos casos era iniciado de ofício e o acusado torturado até que confessasse o crime que teoricamente havia cometido.
No século XVIII, protagonizado por Montesquieu, surgia um movimento contra o sistema inquisitório, baseado na proibição da tortura e no direito à defesa. Por fim, em 1789 com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, tais ideias iluministas foram acatadas e a Inquisição chegou ao fim.
1.5 Processo Penal na Revolução Francesa e seus efeitos
No período pós revolucionário foram adotadas três jurisdições distintas. Tribunal municipal para delitos, tribunal correcional para contraversões e o tribunal penal para crimes.
A ação penal era sempre pública e exercida pelo Ministério Público, assim, o ofendido só poderia ajuizar uma ação para ter o seu dano ressarcido.
Sucedeu essa época, no campo do Processo Penal, uma mistura entre o sistema acusatório e inquisitivo. O processo era composto por três fases: Polícia Judiciária, instrução e julgamento. Os princípios do sistema inquisitivo poderiam ser encontrados na fase de instrução. O processo desenvolvia-se em segredo e sem contraditório. Na sessão de julgamento tornava-se acusatório o processo: oral, público e contraditório.
No século XIX, a partir de um movimento com o objetivo de extinguir o sistema inquisitivo do Processo Penal, surgiram alguns mecanismos processuais que permitiam o direito à defesa na fase de instrução.
De 1930 para cá o liberalismo exerceu tal influencia na França que o caráter inquisitivo voltou a ter lugar na instrução criminal.
1.6 Conclusão
Pelo panorama apresentado podemos concluir que, no desenvolvimento histórico do processo penal, vigoraram três sistemas: o acusatório, o inquisitivo e o misto.