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Ato juridico perfeito, direito adquirido e expectativa de direito: Corolários do princípio da segurança jurídica

Agenda 20/11/2014 às 17:21

Esta breve resenha jurídica almeja aprofundar o conhecimento acerca do tema e superar a maior adversidade dos operadores de direito consistente na escorreita distinção destes institutos.

RESUMO: Os institutos do ato jurídico perfeito, direito adquirido e expectativa de direito objetivam, em ultima análise, resguardar a estabilidade dos direitos subjetivos, frente ao poder do legislador, circunscrevendo os limites dos efeitos da atividade legiferante. Esta breve resenha jurídica almeja aprofundar o conhecimento acerca do tema e superar a maior adversidade dos operadores de direito consistente na escorreita distinção destes institutos, o que, usualmente, gera equivocadas interpretações e, consequentemente, pode aniquilar pretensões legítimas de direitos subjetivos.

Palavras-chave: Direito Constitucional. Direito Adquirido. Ato Jurídico Perfeito. Expectativa de Direito.  Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

SUMÁRIO: 1- INTRODUÇÃO; 2- BREVE HISTORICO DO PRINCIPIO DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS. LEX PROSPICIT, NON RESPICIT; 3- IRRETROATIVIDADE DA NORMA: TEORIAS DOS DIREITOS ADQUIRIDOS DESENVOLVIDAS POR AUTORES EUROPEUS; 4- DISTINCÃO ENTRE ATO JURÍDICO PERFEITO, DIREITO ADQUIRIDO E EXPECTATIVA DE DIREITO; 5- DIREITO ADQUIRIDO EM FACE DE NORMAS DE DIREITO PUBLICO; 6- CONCLUSÃO.

1- INTRODUCÃO

A temática do ato jurídico perfeito, direito adquirido e expectativa de direito, conceitos relacionados à eficácia temporal das espécies normativas, sempre gerou acirradas discussões doutrinárias e jurisprudenciais no meio jurídico.

Em essência, estes institutos agasalham a estabilidade dos direitos subjetivos e, consequentemente, a garantia constitucional da segurança jurídica dessas relações, que desaguam em valores de ordem e pacificação social. A despeito do DNA dinâmico do Direito, não se pode olvidar que as relações constituídas sob o império de uma norma devem ser resguardadas ainda que tal norma seja revogada e, como regra, continuarão a produzir os mesmos efeitos de antes da alteração do respectivo dispositivo legal regulador, sob o qual tais direitos subjetivos se formaram.

Maria Helena Diniz[1] acrescenta que, em última análise, estes preceitos têm por escopo salvaguardar a permanente eficácia dos direitos subjetivos e das relações jurídicas construídas validamente sob a égide de uma lei, frente a futuras alterações legislativas ou contratuais.

Segundo Paulo Bonavides[2], tais institutos podem ser classificados como direitos fundamentais de primeira geração, os quais impõem limites na ingestão do Estado na vida dos cidadãos, delimitando círculos intangíveis frente ao poder estatal.

Nesse velejar, cumpre-se um dos múnus mais elementares do Estado: conferir estabilidade das relações e pacificação social, como corolário da segurança jurídica. Tais premissas geram a previsibilidade das consequências dos atos dos indivíduos, garantindo o passado e o futuro das situações jurídicas, proporcionando a harmonia e regularidade ao convívio social.

Celso Antônio Bandeira de Mello[3] afirma que a segurança jurídica e seus princípios consequentes, em verdade, nem precisariam estar expressos no texto constitucional, eis que decorrem do Estado de Direito, que ao vaticinar as leis, já deve promover a segurança das situações jurídicas quanto ao presente e ao futuro, como decorrência da própria vontade autodeterminante popular, respeitando as situações pretéritas e garantindo a mínima estabilidade ao futuro.

2- BREVE HISTORICO DO PRINCIPIO DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS. LEX PROSPICIT, NON RESPICIT.

O princípio da irretroatividade da lei é fundado na premissa de que as leis são feitas para vigorar e incidir para o futuro. Esse postulado se coaduna com o princípio da segurança jurídica e, em última análise, tem o desígnio de resguardar os direitos adquiridos na vigência da lei anterior.

Segundo Cláudia Toledo[4], o princípio da irretroatividade das leis consagra que os efeitos da lei nova não podem remontar a período anterior à data de sua entrada em vigor, com fundamento em três argumentos.

Em primeiro lugar, a lei só pode obrigar a partir do momento em que existe, pois antes disso, seu conhecimento é impossível, não podendo, então, ser presumido em relação aos indivíduos a ela submetidos;

Como segundo argumento, a irretroatividade é a regra porque somente com sua garantia se possibilita a certeza e a segurança jurídicas, ou seja, o indivíduo pode contar com a proteção das situações jurídicas já formadas, com sua imutabilidade, porquanto validamente criadas, pelo que passa também a confiar nas disposições do ordenamento jurídico, podendo prever como sua conduta nelas será enquadrada.

Por fim, embora as leis estejam em constante modificação, acompanhando as mudanças e demandas sociais, o ordenamento jurídico apresenta uma unidade e um desenvolvimento no tempo, não podendo sofrer, a cada nova lei elaborada, a desconsideração de todas as situações jurídicas realizadas, bem como de todos os direitos adquiridos sob a vigência da lei revogada.

Jose Frederico Marques[5] dissertando sobre o tema, assevera que o princípio da irretroatividade das leis tem sua gênese no Direito Romano, reverberado pelo adágio “lex prospicit, non respicit”. Posteriormente, no século XVIII o princípio foi vaticinado na América do Norte nas Constituições da Filadélfia (1.774), Virgínia (1.776) e Mariland (1.776).

Paralelamente, foi previsto na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1.789[6], in verbis, “La loi ne peut établir que des peines strictement et évidemment nécessaires et nul ne peut être puni qu’en vertu d’une loi établie et promulguée anterieurement au délit et légalement appliquée”.

Traduzindo para o português, “A lei não pode estabelecer senão as penas estrita e evidentemente necessárias e tampouco se pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito”.

Limongi França[7] traça breve histórico do princípio da irretroatividade nas Constituições do Brasil.

No Período Imperial, o princípio da irretroatividade já era vaticinado na Constituição de 1.824. Ulteriormente, na Constituição da República, de 1.891, era prevista a declaração da irretroatividade ampla. Por sua vez, a Constituição de 1.934 vaticinou a irretroatividade relativa, ou seja, a proibição de prescrever leis retroativas significava apenas a exigência da lei nova respeitar os limites do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, tudo nos termos a seguir transcritos:

 Constituição de 1.824

Art. 179, n. II e III – “Nenhuma lei será estabelecida sem utilidade pública. A sua disposição não terá efeito retroativo”.

Constituição de 1.891

Art. 11, § 3º – “É vedado aos Estados, como à União prescrever leis retroativas”.

Constituição de 1.934

Art. 113, n. 3 – “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Prosseguindo na narrativa histórica, Limongi França[8] afirma que na Constituição de 1.937, reconhecidamente autoritária, outorgada no Estado Novo do governo de Getulio Vargas não havia menção a irretroatividade legal. Já na Constituição de 1.946, a qual sucedeu uma redemocratização, recobrou sua expressa previsão. A Constituição de 1.967, bem como sua Emenda de 1.969, mesmo em pleno regime ditatorial, mantiveram o princípio da irretroatividade:

Constituição de 1.946

Art. 141, § 3º. – “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Constituição de 1967

Art. 149, IX – “A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à vida, à liberdade; ao trabalho e à propriedade, nos seguintes termos: (...) – respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada”.

Constituição de 1967 com a nova redação dada pela Emenda Constitucional de 1969

Art. 153, § 3º. – “A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Em 04/09/1942, com o advento do Decreto-Lei n. 4.657, o princípio teve regulamentação infraconstitucional. Originariamente agnominada de “Lei de Introdução ao Código Civil”, face a sua natureza abranger todos os ramos do Direito, ainda que subsidiariamente, foi redenominada pela Lei Federal n. 12.376, de 30/12/2010, para “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”.

O disposto em seu artigo 6º consagrou a irretroatividade das leis como regra no ordenamento jurídico, versando, também acerca do direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada:

Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

Art. 6º - “A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.

Por fim, a Constituição Cidadã de 1988, trouxe expressa menção a tal princípio sob retina:

Constituição de 1.988

Art. 5º., XXXVI – “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Em epílogo ao exposto, a aplicação da retroatividade da lei como regra em determinado ordenamento jurídico é exceção na História, somente vigendo em momentos de extrema anormalidade social ou rupturas institucionais e colocadas em prática, comumente, por regimes totalitários, a exemplo, no Brasil, da Constituição Federal de 1.937 da Era Vargas, na qual, propositadamente, houve omissão a este princípio.

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Jose Joaquim Gomes Canotilho[9] acrescenta que na Alemanha nazista, lei de 28 de junho de 1935, quatro anos antes do início da 2a guerra mundial,  ab-rogou o § 2º do Código Penal de 1871, devendo o magistrado, ao apreciar o fato delituoso, inspirar-se na “sã consciência do povo germânico”, o que significava observar os ditames e a visão de mundo pelo ditador totalitário, chamado de “o líder”, Der Führer, desprezando até mesmo a irretroatividade das leis.

Assim, considerando todo o exposto, pode-se afirmar, sem hesitação, que a irretroatividade das leis é princípio basilar de um Estado Democrático de Direito.

3- IRRETROATIVIDADE DA NORMA: TEORIAS DOS DIREITOS ADQUIRIDOS DESENVOLVIDAS POR AUTORES EUROPEUS

Como já delineado nos tópicos anteriores, o princípio da irretroatividade da norma tem por escopo resguardar os direitos adquiridos na vigência da lei anterior. O busílis da temática em foco reside fundamentalmente no discernimento da configuração de direito adquirido ou de mera expectativa de direito em relação à aplicação da norma ao caso concreto em que se invoca o direito subjetivo.

Proemiando tal discussão, abordaremos, de forma sucinta, teorias dos direitos adquiridos, doutrinadas por autores europeus, as quais foram sistematizadas por Eduardo Garcia Maynez[10], autor a quem remetemos os fundamentos teóricos a seguir delineados no presente tópico.

3.1. Tese de Baudry-Lacantinerie e Houques-Fourcade

Segundo estes autores, a faculdade legal não exercitada, constitui mera expectativa, ou seja, a existência do direito adquirido pressupõe o exercício da faculdade legal. Exemplificando sua teoria, os autores partem do direito de propriedade. Assim, o adquirente de um imóvel encontra-se facultado, de acordo com a lei, para usar, desfrutar e dispor do bem; mas suas faculdades legais decorrentes do direito de propriedade não se convertem em verdadeiros direitos adquiridos, senão apenas quando seu titular efetivamente as exercita, pelo que se a nova lei as suprime ou restringe, não incorre no vício de retroatividade.

A Crítica à tese de Baudry-Lacantinerie e Houques-Fourcade é que o direito não deriva de seu exercício, nem, consequentemente, pode dele estar condicionado, sob pena das obrigações se condicionarem ao seu cumprimento.

Quanto ao exemplo da propriedade, Eduardo Garcia Maynez sustenta que as faculdades que a lei concede ao proprietário de um bem são direitos por ele adquiridos desde o momento em que se torna proprietário, mesmo quando os exerça posteriormente, ou nunca chegue a exercitá-los.

3.2. Tese de Paul Roubier e tese de Ferdinand Planiol

Paul Roubier sustenta que o ponto fulcral do tema está na distinção entre o efeito retroativo e o efeito imediato da lei. As normas legais possuem efeito retroativo quando se aplicam a feitos consumados sob o império de uma lei anterior e às situações jurídicas em curso, em razão dos efeitos realizados antes do início da vigência da nova lei.

Nesta senda, Roubier distingue os efeitos realizados antes do início da vigência da segunda lei, dos que ainda não se realizaram. O princípio geral estabelecido sustenta que a lei antiga deve se aplicar a todos os efeitos realizados até o início da vigência da lei nova, enquanto esta deve reger os posteriores.

Para Marcel Ferdinand Planiol, as leis são retroativas quando se referem ao passado, seja para apreciar as condições de legalidade de um ato, seja para modificar ou suprimir os efeitos já realizados de um direito. Fora destes casos, não pode haver retroatividade e a lei pode modificar os efeitos futuros de atos anteriores, sem ser retroativa.

A crítica a esta tese é que se incorre em equívoco, quanto ao conceito de retroatividade, pois considera que uma lei é retroativa apenas quando modifica consequências de direito realizadas sob o império da lei anterior. Assim, os efeitos realizados após a entrada em vigor da nova disposição estão, necessariamente, a ela submetidos, sem que se possa falar de aplicação retroativa. Ou seja, as consequências de um direito existem desde o momento de seu surgimento, mesmo quando a realização efetiva de tais consequências dependa da produção de outros feitos jurídicos. A circunstância de tais direitos e obrigações poderem ser exercitadas e cumpridas imediatamente ou em data posterior é independente da existência dos mesmos.

3.3. Tese de Bonnecase.

Segundo Julien Bonnecase, a teoria dos direitos adquiridos se baseia na distinção entre situações jurídicas abstratas e concretas. Uma lei padece de retroatividade quando pretende modificar ou extinguir uma situação jurídica concreta; não é, ao contrário, quando simplesmente limita ou extingue uma situação abstrata, criada pela lei anterior. Exemplo: uma lei diminui para dezoito anos a maioridade. Todos os menores de dezoito anos se encontram, relativamente à nova lei, em uma situação jurídica abstrata. Mas, ao completar essa idade, a situação jurídica abstrata se transforma em concreta.

As situações jurídicas concretas devem ser respeitadas pela nova lei somente quando sua aplicação retroativa não lesione o interesse dos sujeitos postos em tais situações. Se não há lesão de interesses, a nova lei deve aplicar-se, mesmo quando sua aplicação seja retroativa.

A Crítica à tese de Bonnecase, segundo Eduardo Garcia Maynez é que não haveria situações jurídicas abstratas. Toda situação jurídica nasce da aplicação de um preceito de direito e, neste sentido, é sempre concreta. Abstrata é a regra legal, não a situação jurídica. Os direitos e deveres expressados pela disposição da lei nascem no momento em que surge o direito, mesmo quando sejam posteriormente exercitados e cumpridos ou não cheguem nunca a exercitar-se, nem a cumprir-se.

Portanto, os direitos não derivam de seu exercício, nem a ele estão condicionados, assim como a existência das obrigações não está condicionada ao seu cumprimento. As consequências existem desde o momento do surgimento do direito, que pode ser exercido ou não, por seu detentor.

4- DISTINCÃO ENTRE ATO JUIDICO PERFEITO, DIREITO ADQUIRIDO E EXPECTATIVA DE DIREITO

A maior adversidade dos operadores de direito acerca do tema em estudo reside na escorreita distinção do ato jurídico perfeito, direito adquirido e expectativa de direito, o que, usualmente, gera equivocadas interpretações e, consequentemente, pode aniquilar pretensões legítimas de direitos subjetivos.

Os institutos em analise mereceram destacada proteção do legislador constituinte, razão pela qual estão no rol de direitos e garantias fundamentais da Carta Magna de 1988, mais precisamente, no artigo 5º, inciso, XXXVI, in verbis:

Artigo 5º, XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Em patamar infraconstitucional, seus mandamentos foram delineados, destacadamente, na Lei de Introdução do Código Civil (LICC), atualmente denominada de Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), em seu art. 6º:

Artigo 6º - A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba mais recurso.

A doutrina de Maria Helena Diniz[11] destaca alguns aspectos relevantes em relação à etimologia de alguns termos utilizados nos dispositivos acima transcritos. Destaca a célebre civilista que o termo "consumado" mencionado no artigo 6º, § 1º, da LICC deve ser entendido como se referindo aos elementos necessários, à existência do ato, e não à execução ou aos seus efeitos materiais. Assim, ato consumado é ato existente, em que se acham "consumados" todos os requisitos para a sua formação, ainda que pendentes ou não "consumados" os seus efeitos.

Já no que diz respeito ao direito adquirido, menciona Hely Lopes Meireles[12] que a segunda parte do dispositivo legal trata dos direitos cujo exercício está condicionado, não se confundindo tais direitos com as chamadas expectativas de direito. Os direitos condicionados seriam direitos já existentes, estando sobrestado apenas o seu exercício. De outra senda, as chamadas expectativas de direito seriam situações em que não há direito algum, já que pendentes de consumação os requisitos básicos à sua existência.

Por sua vez o art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) prescreve:

Artigo 2º - Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência".

A leitura dos dispositivos acima transcritos revela que os institutos do direito adquirido e do ato jurídico perfeito tem, em essência, o escopo da defesa dos direitos subjetivos, frente ao poder do legislador, circunscrevendo os limites dos efeitos da atividade legiferante.

Tais dispositivos desembocam no princípio da irretroatividade da lei, que é um princípio geral de direito, fundamentado na premissa de que as leis são feitas para vigorar e incidir para o futuro. Tal postura é coerente com o princípio da segurança jurídica e do valor de ordem inerente ao direito.

Nessa toada, as leis só poderão surtir efeitos retroativos excepcionalmente, quando a própria lei assim o estabeleça, restando, ainda nessa exceção, resguardados o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Nas lições de Maia Helena Diniz[13], o direito adquirido é uma espécie de direito subjetivo definitivamente incorporado ao patrimônio jurídico do titular, apesar de ainda não consumado, o que tona possível sua exigibilidade na via jurisdicional, se não cumprido pelo obrigado voluntariamente. Seu titular está protegido de futuras mudanças legislativas que regulem a matéria em questão, porque tal direito já se encontra incorporado ao patrimônio jurídico do titular, a despeito de não ter sido exercitado, o que lhe preserva seus direitos, mesmo que surja nova lei contrária a seus interesses.

Celso Ribeiro Bastos[14] acrescenta ainda:

 O direito adquirido constitui-se num dos recursos de que se vale a Constituição Federal de 1988 para limitar a retroatividade da lei. Com efeito, o ordenamento jurídico está em constante mutação e o Estado cumpre o seu papel exatamente na medida em que atualiza as suas leis. No entanto, a utilização da lei em caráter retroativo, em muitos casos, repugna porque fere situações jurídicas que já tinham por consolidadas no tempo, e esta é uma das fontes principais da segurança do homem na terra.

José Afonso da Silva[15], ao dissertar sobre o tema, assevera que o direito adquirido emana diretamente da lei em favor de um titular, enquanto que o ato jurídico perfeito é negócio fundado na lei. Ou seja, o direito adquirido é uma espécie de direito subjetivo, ao passo que o ato jurídico perfeito é um negócio jurídico ou o ato jurídico stricto sensu segundo a visão civilista.

É curial ressaltar que só surgirá direito adquirido quando houver a completude dos seus requisitos e fatores de eficácia, elencados pelo regime jurídico peculiar do direito positivo que rege o ato, incidindo por completo o direito objetivo fazendo assim nascer o direito subjetivo, que passa a ser adquirido.

Em suma, para se averiguar se há ou não direito adquirido, deve-se analisar se houve a incorporação do direito ao patrimônio jurídico do beneficiário e se essa incorporação foi completa e não apenas parcial.

Portanto, entende-se incorporado o direito no patrimônio jurídico do beneficiado quando esse puder exercer a qualquer momento o referido direito que a norma lhe faculta independentemente de qualquer condição alheia à sua vontade.

Em relação ao ato jurídico perfeito, vaticina o artigo 6º, parágrafo 2º, da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, in verbis:

Artigo 6º § 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

Nos ensinamentos de Diogenes Gasparini[16], ato jurídico perfeito é aquele que sob o regime de determinada lei tornou-se apto para produzir os seus efeitos pela verificação de todos os requisitos a isso indispensável. Assim, o ato jurídico perfeito deve ser analisado sob a ótica de forma.

Assim, ato jurídico perfeito é aquele ato já realizado, nos termos da lei vigente ao tempo em que ocorreu que satisfez todos os requisitos formais para a geração dos seus efeitos, tornando-se completo ou acabado. Sua relevância é a garantia da imutabilidade da situação jurídica realizada dentro das exigências legais, no caso de superveniência de lei nova.

Possui o mesmo escopo do direito adquirido e algumas vezes pode precedê-lo, entretanto com aquele não se confunde. Citamos dois clássicos exemplos do Direito Civil: o testamento válido, lavrado e assinado, mas ainda vivo o testador; e o negócio jurídico sujeito a condição suspensiva. Nesses exemplos há ato jurídico perfeito, pois tais atos foram constituídos validamente sob a égide de uma lei válida, porém em ambos inexiste direito adquirido, vez que, respectivamente, o testador ainda vive, e, a condição suspensiva ainda não ocorreu, logo não houve a completude do fato concreto gerador do direito subjetivo.

5 - DIREITO ADQUIRIDO EM FACE DE NORMAS DE DIREITO PUBLICO

Nos tópicos anteriores tecemos considerações acerca do direito adquirido e do ato jurídico perfeito em sede de teoria geral, em destaque na seara do direito privado.

Em epílogo a este breve estudo, é importante velejarmos acerca daqueles institutos sob a óptica publicista. Curiosamente, é comum generalizar-se a afirmação que não há direito adquirido em face de normas de direito público ou de lei de ordem pública. Tal assertiva merece ressalvas, evitando intepretações equivocadas ou pragmáticas.

Em que pese não ser o objeto central deste estudo, é interessante fazer breve paralelo com o Direito Penal e Direito Tributário, ramos jurídicos do Direito Público que vedam expressamente a irretroatividade das normas, salvo para beneficiar o réu ou o contribuinte (artigo 5º, XL, Constituição Federal de 1.988 e artigo 106, II, do Código Tributário Nacional).

A CF/88, em seu artigo 5º, XXXIX e o Código Penal, em seu artigo 1º, prenunciam acerca da irretroatividade das normas:

Art. 5º, XL – A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

Código Penal - art. 1º: Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.

Código Penal - Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

Neste sentido, se não há crime sem lei anterior, a lei não pode retroagir para alcançar condutas, que, antes de sua vigência, eram considerados fatos lícitos; a não ser nas hipóteses em que a lei posterior seja mais benéfica ao réu.

Já na seara do Direito Tributário, Hugo de Brito Machado[17] destaca os princípios da anterioridade e da irretroatividade, garantias dos contribuintes contra a instituição ou majoração de tributo retroativo ou simultâneo à ocorrência do fato gerador. O princípio da irretroatividade traz consigo a vedação da cobrança de tributo sem prévia cominação legal.

Comparativamente, se em matéria penal ecoa o adágio nullum crimen nulla poena sine praevia lege; os princípios da legalidade e da irretroatividade reverberaram em matéria tributária no axioma nullum vectigal sine praevia lege, ou seja, só é permitido ao Estado tributar um fato posterior a sua criação por lei, nos termos previstos na CF/88, art. 150, inciso III, alínea a:

CF/88 - Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

III – cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

Sob o enfoque mais específico do Direito Administrativo, a questão do direito adquirido na seara pública deve ser analisada considerando a forma de incorporação desse direito ao patrimônio do cidadão e tomando como ponto de partida a supremacia do interesse público sobe o particular. O momento crucial desta análise é estabelecer quando é possível essa incorporação, já que na maioria das vezes, os bens e interesses públicos que dão ensejo ao direito do particular são indisponíveis.

 José Afonso da Silva[18] afiança que só surgirá direito adquirido quando a própria lei vaticinar esta incorporação, ou usar terminologia que conduza tal entendimento. Com base no isolamento de tais fatos pela norma, contrapõe-se ao interesse de perdurabilidade do direito do particular e do próprio Estado ao legislar, concedendo um direito ao cidadão se ele preencher determinados requisitos elencados na lei, denotando franco propósito de permanência e solidez daquele direito.

Assim, é imprescindível conhecer a fundo o regime jurídico que rege o ato administrativo. Em se tratando de um ato precário, dotado de discricionariedade, portanto fundamentado por critérios de conveniência e oportunidade, como regra, inexiste qualquer direito de permanência daquela situação pelo particular, nem direito á indenização se cassado o ato, desde que o administrador esteja em eufonia com o interesse público.

Já em relação aos atos vinculados, o agente administrativo atua subordinado aos critérios legais, sem margem de liberdade na escolha dos atos, pois a lei o vincula se presentes tais critérios. Nesses atos se o particular gozar regularmente de determinada vantagem chancelada pela Administração, esta só poderá cassá-la se houver motivos legítimos, isto é, se provier mudança no interesse público, quer seja por alteração fática, social ou até mesmo política, sendo permitida indenização ao particular, como forma de recompor eventuais prejuízos.

Celso Antônio Bandeira de Melo[19], discorrendo acerca da invalidação dos atos administrativos, distingue, com plenitude, revogação e anulação realizadas pela Administração Pública. Assevera o autor que revoga-se por motivos de conveniência e oportunidade, produzindo efeitos ex nunc, preserva-se, pois, os efeitos do ato. Já a anulação surge quando o ato adveio com vício em sua validade, contrário às normas superiores ou aos princípios administrativos, produzindo efeitos ex tunc, portanto retroativos e, diante da ilegalidade do ato, não gera direito adquirido.

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 473, compilando o tema:

"A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada em todos os casos, a apreciação judicial".

Ressalte-se, ainda na temática das normas de Direito Público, que doutrina e jurisprudência são uníssonas em dizer que inexiste direito adquirido a determinado regime jurídico, a exemplo das alterações no estatuto de servidores públicos. Destarte, a incidência da nova lei será imediata, e alcançará situações jurídicas não aperfeiçoadas na vigência da lei anterior.

Questão que ainda gera controvérsias, acerca do tema sob retina, embora mais relacionada  ao Direito Constitucional, consiste em saber se o art. 5º, XXXVI, da C.F., in verbis: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada", dirige-se somente ao legislador, ou condiciona também o Poder Constituinte Derivado. Tal ilação impediria que emendas constitucionais afrontassem o direito adquirido, sob o fundamento de que direitos e garantias individuais são cláusulas pétreas, insuscetíveis de alteração constitucional, art. 60, § 4º, IV, da C.F.

 A despeito de entendimentos dissonantes, tem prevalecido o entendimento de que tal garantia é dirigida tão somente ao legislador ordinário, não alcançando o Poder Constituinte Derivado. O que não se admitiria seria uma emenda constitucional com o propósito de abolir essa garantia dirigida ao legislador ordinário.

Nesse sentido, é ilustrativa a alteração do artigo 17 da ADCT da CF/88 promovida com a Emenda Constitucional 41 de 2003:

Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título. (Vide Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

§ 1º - É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de médico que estejam sendo exercidos por médico militar na administração pública direta ou indireta.

§ 2º - É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde que estejam sendo exercidos na administração pública direta ou indireta.

A doutrina que intercede no sentido oposto, advoga que toda interpretação de garantias constitucionais deve ser a mais ampla possível, e, tanto o legislador como o Poder Constituinte Derivado devem obediência irrestrita ao texto constitucional, não podendo modificar dispositivos que asseguram o espírito e a tônica do Poder Constituinte Originário, o qual teria poder ilimitado e incontrastável, inaugurando uma nova ordem jurídica.

6- CONCLUSÃO

Os institutos do ato jurídico perfeito, direito adquirido e expectativa de direito objetivam, em ultima análise, resguardar a estabilidade dos direitos subjetivos, frente ao poder do legislador, circunscrevendo os limites dos efeitos da atividade legiferante. Em consequência, abriga-se a garantia constitucional da segurança jurídica dessas relações, que desaguam em valores de ordem e pacificação social.

Tais dispositivos consagram a da irretroatividade da lei, princípio geral do direito, fundamentado na premissa de que as leis são feitas para vigorar e incidir para o futuro. Nessa toada, as leis só poderão surtir efeitos retroativos excepcionalmente, quando a própria lei assim o estabeleça, restando ainda nessa exceção resguardados o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Em síntese conclusiva, sem olvidar da dinamicidade do Direito, as relações constituídas sob o império de uma norma devem ser resguardadas, ainda que tal norma seja revogada e, como regra, serão resguardados os direitos adquiridos anteriores a alterações dos textos legais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


[1] DINIZ, Maria Helena, Lei de Introdução ao Código Civil Interpretada. 13 ed. São Paulo. Ed.: Saraiva, 2007, p. 93

[2]  BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional. 27ª Ed. São Paulo : Malheiros, 2012 .

[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008.

[4] TOLEDO, Cláudia. Direito Adquirido e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Landy, 2003. p.193.

[5] MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, Campinas, 1997, p. 69.

[6] “La loi ne peut établir que des peines strictement et évidemment nécessaires et nul ne peut être puni qu’en vertu d’une loi établie et promulguée anterieurement au délit et légalement appliquée”. In FRANÇA. Assembléia Nacional. Declaração Universal dos direitos do homem e do cidadão. Paris, 23 de agosto de 1789. In. BRASIL. USP – Universidade de São Paulo. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos.

[7] FRANÇA, R. Limongi. A irretroatividade das leis e o direito adquirido. 4ª. Ed. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais. 1994. p. 205.

[8] FRANÇA, R. Limongi. A irretroatividade das leis e o direito adquirido. 4ª. Ed. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais. 1994. p. 205.

[9] CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: lmedina, 2002.

[10] GARCIA MAYNEZ, Eduardo, Introducción al Estudio del Derecho, 50ª ed., Porrúa, México, 2000.

[11] DINIZ, Maria Helena, Lei de Introdução ao Código Civil Interpretada. 13 ed. São Paulo. Ed.: Saraiva, 2007.

[12] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 22ª ed., Malheiros, São Paulo, 1997.

[13] DINIZ, Maria Helena, Lei de Introdução ao Código Civil Interpretada. 13 ed. São Paulo. Ed.: Saraiva, 2007, p. 93

[14] BASTOS, Celso Ribeiro. Dicionário de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994. p.43.

[15] SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, 10ª edição, São Paulo, Malheiros, 1995.

[16] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

[17] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31 ed. Malheiros: São Paulo. 2010. P. 42.

[18] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 5 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001

[19] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008

Sobre o autor
Paulo Henrique Carneiro Fontenele

Procurador Federal. Ex-Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Ex-Procurador Autárquico da Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Estado do Ceará (SEMACE). Pós-graduado em Direito do Estado. Pós-graduando em Direito Administrativo. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC)<br>

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