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O problema dos limites da prova e sua valoração no moderno estudo do Processo Civil

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Agenda 01/11/2002 às 00:00

5. Raciocínio Judicial. Valoração da Prova. A decisão como argumentação.

A valoração da prova não é tema novo no estudo do processo, pelo contrário, há uma longa história cujas fases não estão inteiramente superadas, posto que subsistem em nosso ordenamento institutos que ainda as refletem.

Basicamente, podemos distinguir duas fases bastante claras no processo de evolução da valoração da prova no direito: a primeira fase, dita, de valoração aleatória; e a Segunda que chamaremos de fase judicial.

Na primeira fase as provas estavam adstritas a uma álea. Essa álea podia se manifestar por uma crença no julgamento de uma divindade ou mesmo nas regras de combate.

Neves e Castro (11), talvez o primeiro estudioso do processo a sistematizar um estudo concentrado da teoria das provas (2ª edição de 1917), já apontava nessa categoria as ordálias e mesmo o duelo judiciário.

Nas ordálias um determinado procedimento era imposto as partes e se constituía como prova absoluta que era seguida rigorosamente pelo julgador. Entre outras, havia a da água fervente (quem tirasse um objeto do fundo de um caldeirão e não estivesse com queimaduras até o terceiro dia era o vencedor), da água fria (quem conseguisse atravessar um rio mais vezes era o vencedor) e a do ferro em brasa (quem conseguisse dar nove passos com um ferro em brasa sem se queimar era o vencedor).

No caso do duelo judiciário a questão era remetida ao combate. O vencedor tinha a prova de "veracidade" ao seu favor, sendo, assim, julgado vencedor do litígio.

Na Segunda fase, a avaliação das provas deixou de ser cometida a um evento qualquer (álea) e passou a ser procedido pelo próprio julgador.

De início o julgador se limitava a tarifar as provas de modo que o consciente final determinasse quem tinha a mais provas a seu favor. Oriundo do direito canônico esse modo de valoração ainda está impregnado em alguns dispositivos do nosso direito em que há determinação de um meio especial de prova, e, portanto, mais importante, do ponto de vista probatório, que outros, como por exemplo a prova de transferência de propriedade imóvel por documento público.

Em um segundo momento, deixou de haver o tarifamento, atribuindo-se ao Juiz a plenitude de avaliação sem qualquer necessidade de demonstração de seu raciocínio. Nesse momento em que a doutrina atribui a denominação de fase da "íntima convicção" a decisão era puramente arbitrária. Esse tipo de julgamento era adotado por uma da mais cruéis e corruptas instituições já criadas pelo homem: a santa inquisição. (12)

Essa forma de avaliação ainda informa em nossos dias o julgamento proferido pelo Tribunal do Júri onde não há exigência de demonstração dos modos de avaliação das provas pelos jurados.

Do temperamento dos dois modelos surgiu o sistema adotado no ordenamento processual brasileiro é que está conformado no art. 131 do Código de Processo Civil Brasileiro.

Esse sistema se estrutura em função da exigência de motivação e racionalidade na apreciação da prova no curso do processo.

Dizer que o Juiz deve apreciar as provas e expor seus motivos de forma racional significa determinar que o Juiz construa uma argumentação que defenda o seu ponto de vista, tanto em relação às partes quanto aos demais atores do processo como também perante a própria sociedade.

A decisão judicial, portanto, nunca é mais que uma argumentação. E essa argumentação somente pode ser entendida como correta e aceitável à medida que o raciocínio que a produziu possa ser testado.

Não pretendemos neste breve ensaio resumir o problema da validação da argumentação jurídica consistente em uma decisão judicial sob todas as teorias que existem a respeito, mas, nos parece necessário fazer uma pequena digressão no sentido de apontar uma alternativa que pode ser sacada para verificar a correção lógica de um raciocínio judicial.

Antes, é de se fazer registrar a idéia de Toulmin de que a lógica não se destina a análise da coisa, mas ao que se diz da coisa. Nesse exato sentido é, por definição, uma ciência crítica. (13)

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Posto deste modo, vemos que a aplicação da lógica nos possibilita verificar o que diz o juiz em sua argumentação – consistente na motivação - acerca dos fatos e do direito que, enfim, fundamentam a sua decisão.

Toulmin, defende um esquema de demonstração complexo, antecipando de antemão a impossibilidade de utilizar no raciocínio jurídico um esquema silogístico simples.

A complexidade do raciocínio jurídico, exige que no processo de sua formulação, o Juiz, ao apreciar o problema (em nosso caso a prova), considere alguns elementos que refogem ao modelo tradicional de Aristóteles.

Nessa teoria, o sujeito da argumentação deve demonstrá-la, apontando de forma estruturada o seguinte:

  1. Dados – Quais foram as informações que foram tomadas por base para construir o raciocínio, inclusive, demonstrando a credibilidade dos mesmos, apoiando o seu juízo nos dados mais confiáveis.
  2. Relação – Como os dados foram tomados na construção do Juízo, isto é, como foi estruturada a relação entre as informações e as conclusões. Define o modelo de análise dos dados empregados.
  3. Conclusões – É o juízo que decorre da subsunção dos dados ao modelo de relação utilizada.
  4. Proposições Garantidoras – São proposições que afirmam a validade da relação adotada entre os dados e a conclusão que se pretendem defender. No caso da argumentação jurídica consistem nas regras de Direito (em sentido amplo) que podem ser invocadas para sustentar a modalidade de relação utilizada.
  5. Qualificações Modais – São as variáveis que determinam o grau de aplicabilidade das nossas proposições garantidoras.
  6. Condições de Exceção ou refutação – Aponta em que situações específicas a qualificação modal determina uma exceção às proposições garantidoras ou há uma possível refutação à conclusão obtida.

É evidente que não pretendemos esgotar a teoria em questão, mas o aspecto operacional, pode ser resumido ao seguinte esquema:

A forma de aplicação desse modelo importa em elaborar uma argumentação muito mais sólida e teoricamente mais justificável à medida em que a decisão judicial possa contemplar um raciocínio logicamente mais estruturado.

No campo das provas o modelo sob estudo permite ao Juiz trabalhar com as incertezas decorrente do reconhecimento da probabilidade comum única finalidade possível à produção de provas, mediante um juízo lógico que tende a aperfeiçoar sua construção intelectual acerca dos fatos.

Como os fatos "provados" na instrução são "dados", eles mesmo acabam por integrar o mesmo modelo quando se buscar a análise da argumentação integral contida na decisão judicial.

Com isso podemos afirmar que se os fatos forem analisado sob a forma de um esquema lógico nos moldes do proposto, por exemplo, por Toulmin, a valoração da prova manifestada na motivação tenderá a ser mais justificável-menos insegura que numa análise puramente silogística. (14)

Nesse sentido a lógica pode ser uma forma eficaz de validação do raciocínio judicial quanto a valoração do conjunto probatório.

Pode-se argumentar que no Ordenamento brasileiro não há exigência de que a decisão judicial seja racional, apenas exige que seja motivada.

Ora, motivar é exatamente expor o raciocínio, é em essência uma atividade racional , e como veiculadora de uma argumentação jurídica comporta uma análise lógica no modelo antes proposto.

A decisão judicial, mais que tudo, encerra a atividade persuasiva do juiz sobre si próprio, sobre as partes e sobre a sociedade, e essa persuasão não ocorre senão quando a decisão em si é justificável resistindo à crítica lógica.

Aliás Perelman sobre esse aspecto aponta: "A sentença motivada substitui a afirmação por um raciocínio e o simples exercício da autoridade por uma tentativa de persuasão. Desempenha, desta forma, no que poderíamos chamar de equilíbrio jurídico e moral " (15)

Nesse exato sentido somente é motivada a decisão quando efetivamente há a exposição dos meios racionais de produção da decisão. E a conclusão somente poder ser considerada correta quando resistir a uma crítica lógica.


6. Conclusões

À guisa de notas conclusivas podemos reafirmar:

  1. A instrução probatória, ao contrário do que expressa o sentido literal da Lei, não se destina a busca da verdade, simplesmente porque esta é inalcançável por meio do processo, nem tampouco busca a certeza ( convencimento pleno) do juiz, sendo sua função oferecer uma probabilidade dos fatos;
  2. Exatamente pela natureza da prova, para trabalhar com a incerteza a atividade cognitiva do juiz deve necessariamente ser livre racional;
  3. Por ser exigida racionalidade pode ser toda decisão criticada por meio de um procedimento lógico que permita demonstrar a coerência entre os dados do processo, a atividade estimativa e as conclusões obtidas;
  4. Nesse sentido, qualquer conceito de prova deve levar em consideração a sua finalidade real e a sua aptidão exclusivamente probabilística de representar os fatos que ensejaram a lide
Sobre o autor
Jean Carlos Dias

advogado, professor de Direito, pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá (RJ), mestre em Instituições Jurídico-Políticas e doutorando em Direitos Fundamentais e Relações Sociais pela Universidade Federal do Pará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Jean Carlos. O problema dos limites da prova e sua valoração no moderno estudo do Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3418. Acesso em: 27 dez. 2024.

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