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Do conceito de “Bloco de constitucionalidade” e sua configuração no direito Brasileiro como forma de interpretação constitucional.

Agenda 27/11/2014 às 12:19

O conceito de bloco de constitucionalidade vem ganhando espaço na jurisprudência constitucional brasileira, merecendo, por conseguinte, um estudo detalhado.

Do conceito de “Bloco de constitucionalidade” e sua configuração no direito Brasileiro como forma de interpretação constitucional.

Bloco de constitucionalidade consiste no conjunto de normas que funcionam como parâmetro para a realização do controle de constitucionalidade, isto é, que servem para o confronto de aferição de constitucionalidade das demais normas que integram o Ordenamento Jurídico.

No conceito de bloco de constitucionalidade inserem-se normas que não estão necessariamente expressas no texto constitucional.

Trata-se de um conceito que permite ao intérprete ampliar o conceito de normas constitucionais para além daquelas previstas expressamente na Constituição, não se restringindo mais àquelas prescritas no ordenamento jurídico.

O conceito de “bloco de constitucionalidade” tem origem na França[1], e no Brasil surgiu a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, que trouxe a preocupação com a garantia dos direitos fundamentais. Evoluiu, em um primeiro momento, com a possibilidade de existência de normas de emendas constitucionais não incorporadas ao seu texto principal, destacando-se, nesse sentido, a seguinte decisão do Supremo Tribunal Federal, a qual reconhece a validade e a aplicação destes dispositivos contidos diretamente nas emendas:

Agravo de instrumento de decisão que negou seguimento a RE, a, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que julgou improcedente o recurso do ora agravante, sob o fundamento de que a Medida Provisória nº2.102-27, ainda está em vigor, apesar das modificações trazidas ao artigo 62 da Constituição pela Emenda Constitucional 32/01, entre as quais a vedação de edição de medidas provisórias sobre processo civil. Alega o RE violação do art. 62, §1º, “b”, na redação da EC 32 de11.09.2001: aduz que o referido dispositivo constitucional teria revogado a Medida Provisoria ora em discussão, uma vez que vedou a edição de medidas provisórias sobre matéria processual civil. Decido. É inviável o RE. O fundamento do agravante é de total impertinência, uma vez que não tem sentido afirmar que a EC 32/01 teria revogado a MP 2.102-27/2001, se o art. 2º da referida emenda resguardou a vigência das medidas provisórias anteriormente editadas. Nego provimento ao agravo. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento nº 534307/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertenece, DJU de 27/04/2006, p. 61).

Ainda, o Superior Tribunal Federal também sinalizou entendimento a respeito de princípios implícitos em nível de direitos fundamentais sendo concebido através dos doutrinadores, bem como de decisões reiteradas, com destaque para os seguintes julgados:

Nem com um grande empenho, envolvido interesse próprio, é dado assentar a infringência à Constituição Federal. Ao contrário, o que decidido pela Corte de origem presta homenagem ao Diploma Maior. Coaduna-se com a razoabilidade a glosa da exigência de esforço físico em concurso voltado a preencher cargo de medico. A atuação deste, embora física, não se faz no campo da força bruta, mas a partir de técnica especifica. Alem dos princípios explícitos, a Carta da Republica abrange também os implícitos, entre os quais estão o da razoabilidade, o da proporcionalidade, aplicáveis ao caso concreto. 3. Por tais razoes, conheço deste agravo, mas desacolho o pedido nele formulado, mantendo integra a decisão que resultou na negativa de transito extraordinário. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento nº 278127/MA, rel. Min. Marco Aurelio. DJU de 26/09/2000, p. 56)

[...] Cabe ressaltar, de outro lado, que, no julgamento plenário do RE 201.465-MG, esta Corte – considerados os termos do debate suscitado no contexto da Lei nº 8.200/91 – firmou não assistir, às empresas contribuintes, direito à indexação real fundado em bases constitucionais, reconhececendo-se, em consequência, ao legislador, a possibilidade de determinar a atualização de valores segundo elementos, critérios e fatores definidos em sede meramente legal, desde que respeitado, no processo de produção normativa, tratando-se, ou não, de matéria tributaria, o necessário coeficiente de razoabilidade, pois, como se sabe, todas as normas emanadas do Poder Publico devem ajustar-se à clausula que consagra, em sua dimensão material, o principio do “substantive due processo of law” (CF, art. 5º, LIV), eis que, no tema em questão, o postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais (RTJ 160/140-145 – ADI 1.063 – DF, Rel. Min.CELSO DE MELLO, v.g.), consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de  diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no principio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Publico. O principio da proporcionalidade – que extrai a sua justificação dogmática de diversas clausulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do substantive due processo f law – acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Publico no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obsequio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o principio do substantive due process of law (CF, art. 5º, LIV). Essa clausula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstração instauração normativa possa repousar em juízo meramente politico ou discricionário do legislador.” (RTJ 176/578- 580, Rel. Min. CELSO DE MELO, Pleno).

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Mais recentemente surgiu a possibilidade, com a Emenda Constitucional n.º 45/2004, dos tratados internacionais sobre direitos humanos também gozarem de status constitucional. Com efeito, prescreve o art. 3º do referido diploma que “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Assim, os tratados internacionais que tratem de matéria relacionada aos direitos humanos, aprovado com o quórum previsto, adquiriram força constitucional, passando a ser incluídos no conceito de bloco de constitucionalidade.

Importante ressaltar que, a respeito dos tratados desta natureza, porém anteriores à Emenda Constitucional n.º 45/2004, o Supremo Tribunal Federal posicionou-se no sentido de que os mesmos se encontram em um status intermediário entre a Constituição Federal e as demais normas, gozando, portanto, de status supralegal. Senão, vejamos:

PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5O DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva  lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002). ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DECRETO-LEI N° 911/69. EQUIPAÇÃO DO DEVEDOR-FIDUCIANTE AO DEPOSITÁRIO. PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR-FIDUCIANTE EM FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. A prisão civil do devedor-fiduciante no âmbito do contrato de alienação fiduciária em garantia 11 viola o princípio da proporcionalidade, visto que: a) o ordenamento jurídico prevê outros meios processuais-executórios postos à disposição do credorfiduciário para a garantia do crédito, de forma que a prisão civil, como medida extrema de coerção do devedor inadimplente, não passa no exame da proporcionalidade como proibição de excesso, em sua tríplice configuração: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; e b) o Decreto-Lei n° 911/69, ao instituir uma ficção jurídica, equiparando o devedor-fiduciante ao depositário, para todos os efeitos previstos nas leis civis e penais, criou uma figura atípica de depósito, transbordando os limites do conteúdo semântico da expressão "depositário infiel" insculpida no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição e, dessa forma, desfigurando o instituto do depósito em sua conformação constitucional, o que perfaz a violação ao princípio da reserva legal proporcional. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.  (STF, RE nº 349703/RS, Pleno, rel. Min. Carlos Brito, DJe 104, publicado em 05/06/2009)

Diante do exposto, conclui-se que a figura do bloco de constitucionalidade no Brasil é composta pelas normas expressamente constantes da Constituição Federal, além daquelas previstas nos tratados internacionais sobre direitos humanos – aprovados com quórum exigido –, dos princípios e dos direitos fundamentais implícitos, sendo certo que podemos afirmar que há alargamento do paradigma do controle de constitucionalidade.


[1] A partir de decisão do Conselho Constitucional Francês, proferida em 16 de julho de 1971, sobre liberdade de associação.

Sobre a autora
Roberta Callijão Boareto

Procuradora do Estado de São Paulo.

Informações sobre o texto

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Texto anterior de minha autoria: http://jus.com.br/artigos/28393/controle-social-das-agencias-reguladoras

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