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Evolução histórica do mandado de segurança

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Agenda 01/11/2002 às 00:00

3. Surgimento e evolução do mandado de segurança no ordenamento jurídico pátrio

Tendo malogrado as tentativas de amparar o indivíduo contra as arbitrariedades provenientes do Estado, voltam-se os juristas da época para a criação de uma medida judicial definitiva e eficaz, de rito sumário.

Muitos projetos surgiram neste sentido. Historicamente, o primeiro que se tem notícia, e que faz referência – ainda que por associação – ao mandado de segurança como ação especial, é devido a ALBERTO TORRES. Ainda em 1914, em seu livro A Organização Nacional, no seu projeto de reforma constitucional, ALBERTO o incluía com o nome de mandado de garantia entre as garantias constitucionais, com as seguintes características:

"é criado o mandado de garantia, destinado a fazer consagrar, respeitar, manter ou restaurar preventivamente, os direitos individuais ou coletivos, públicos ou privados, lesados por ato do poder público, ou de particulares, para os quais não haja outro recurso especial". [31]

Muitas outras foram as contribuições dos juristas da época, não nos cabendo, no entanto, fazer aqui um exame minucioso a respeito do assunto.

Todavia, fica o registro das importantes teses que defenderam EDMUNDO MUNIZ BARRETO, em Congresso Jurídico de 1922, já citado; os parlamentares GUDESTEU PIRES, MATOS PEIXOTO, ODILON BRAGA, BERNARDES SOBRINHO, CLODOMIR CARDOSO e SÉRGIO LORETO, todos com Projetos apresentados à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, em épocas distintas. [32]

Após a Revolução de 1930, os trabalhos legislativos retornaram em 1934, quando voltou o assunto a ser debatido. A Comissão responsável pela elaboração do Anteprojeto Constitucional foi presidida pelo Min. AFRÂNIO DE MELO FRANCO. O relator da parte atinente ao mandado de segurança foi o Sr. JOÃO MANGABEIRA, que procurou tratar da questão nos seguintes termos:

"toda pessoa que tiver um direito incontestável ameaçado ou violado por ato manifestamente ilegal do Poder Executivo, poderá requerer ao Poder Judiciário que a ampare com um mandado de segurança. O Juiz, recebendo o pedido, resolverá, dentro de 72 horas, depois de ouvida a autoridade coatora. E se considerar o pedido legal, expedirá o mandado ou proibindo esta de praticar o ato ou ordenando-lhe de restabelecer integralmente a situação anterior, até que a respeito resolva definitivamente o Poder Judiciário". [33] (grifamos).

Esta redação originária sofreu a emenda parcial que lhe opôs TEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, que era, segundo reconheceu o próprio relator, mais sintética. Porém, restou prevalecendo o chamado Projeto MANGABEIRA, e que constituiu o art. 102, par. 21, do Anteprojeto enviado à Assembléia Nacional, tendo esta derradeiramente aprovado o texto, constante da Constituição de 16 de julho de 1934, em seu art. 113, nº 33:

"dar-se-á mandado de segurança para a defesa de direito certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes".

Após o festejado surgimento do mandado de segurança em 1934, editou-se a Lei nº 191, de 15-01-36, para especificar o seu cabimento, a despeito do texto constitucional haver afirmado que o rito do instituto seria o mesmo do habeas corpus.

A Carta Constitucional de 1937 não tratou em seu bojo do mandado de segurança, retirando do remédio a qualidade de garantia constitucional. Se cogitou, por esta razão, até mesmo da extinção do remédio do ordenamento pátrio. O Decreto-Lei nº 06, de 16-11-1937, evitou dúvidas a respeito. Este diploma normativo, todavia, restringiu a utilização do mandado quanto à legitimação passiva, como podemos observar da redação do seu art. 16, que prescrevia:

"Continua em vigor o remédio do mandado de segurança, nos termos da Lei n. 191, de 16 de janeiro de 1936, exceto, a partir de 10 de novembro de 1937, quanto aos atos do Presidente da República e dos ministros de Estado, Governadores e Interventores".

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Nova restrição ao instituto lhe impôs o Decreto-Lei nº 96, de 22 de dezembro de 1937, determinando o seu art. 21 não caber mandado de segurança contra atos da Administração do Distrito Federal, hipótese em que seriam admissíveis somente os demais recursos judiciais previstos contra atos da Administração Federal, excluindo o remédio inclusive para impugnar atos de Prefeito, a partir da data da Constituição de 1937.

Dada a ausência de sua previsão constitucional e atendendo às restrições mencionadas pelos referidos diplomas normativos, o Código de Processo Civil de 1939 tratou de atribuir ao mandado de segurança nova disciplina, em seus arts. 319 a 331, relacionando-o entre os processos especiais.

Com o retorno do regime democrático, a Constituição de 1946 restabeleceu o mandado de segurança como garantia constitucional, ampliando o seu alcance e colocando por terra as restrições que lhe impunham o tratamento infraconstitucional do regime anterior. É assim que, em seu art. 141, par. 24, a Carta de 1946 determina que "para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus, conceder-se-á mandado de segurança, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder".

Inspirada pela Constituição democrática de 1946, a vigente Lei 1.533, de 31 de dezembro de 1951, veio a regular o mandado de segurança, sofrendo algumas alterações, principalmente por força da Lei 4.166, de 04-12-62, da Lei 4.348, de 26-06-64 e da Lei 5.021, de 09-06-66. [34]

A Carta Magna de 1967 previu em seu art. 150, par. 21, o mandado de segurança "para proteger direito individual líquido e certo não amparado por habeas corpus, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder". A Emenda Constitucional nº 01, de 1969, no par. 21 de seu art. 153 repetiu exatamente o texto da Constituição de 1967.

O vigente Código de Processo Civil, de 1973, não disciplinou o remédio constitucional, ao contrário do que fizera o Código de 1939. Todavia, a Lei 1.533/51, diploma legal do writ, continua em vigor.

A garantia é prevista na atual Constituição da República, de 05 de outubro de 1988, "para proteger líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público" (art. 5º, LXIX, CR/88). A vigente Lei Fundamental inova ao prever não só o mandado de segurança individual, como também o coletivo, conforme preceitua o seu art. 5º, inciso LXX.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 9ª ed. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2002

GOMES, Orlando. Direitos reais. 17ª ed. Rio de Janeiro : Forense, 2000 (edição atualizada por Humberto Theodoro Júnior).

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11ª ed. São Paulo : Atlas, 2002.

NUNES, José de Castro. Do mandado de segurança. 8a ed. Rio de Janeiro : Forense, 1980 (edição atualizada por José de Aguiar Dias).

OLIVEIRA, Yves de. O pioneirismo de Melchiades Picanço nos pródromos do mandado de segurança. Rio de Janeiro : La Cava, 1984.

OLIVEIRA NETO, Cândido de. Mandado de segurança. In: SANTOS, J. M. de Carvalho. Repertório enciclopédico do direito brasileiro. Rio de Janeiro : Borsoi, v. 32, 1956, p. 252 - 333.

PICANÇO, Melchiades. Mandado de segurança. Rio de Janeiro : Jacintho, 1937

PINTO, Teresa Arruda Alvim. Mandado de segurança contra ato judicial. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1989.

TUCCI, Rogério Lauria. Do mandado de segurança contra ato jurisdicional penal. São Paulo : Saraiva, 1978.


Notas

1. Teresa Arruda Alvim Pinto. Mandado de segurança contra ato judicial. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1989, p. 33.

2. Melchiades Picanço. Mandado de segurança. Rio de Janeiro : Jacintho, 1937, p. 19.

3. Op.cit., p. 19-20.

4. José de Castro Nunes. Do mandado de segurança. 8ª. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1980 (edição atualizada por José de Aguiar Dias), p. 2-3.

5. Op.cit., p. 21.

6. Cândido de Oliveira Neto. Mandado de segurança. In: SANTOS, J. M. de Carvalho. Repertório enciclopédico do direito brasileiro. Rio de Janeiro : Borsoi, v. 32, 1956, p. 255.

7. Ibid. loc. cit..

8. Do mandado de segurança. In Direito Administrativo. São Paulo : Ed. Res. Universitária, 1979, p. 17.

9. Teresa Arruda Alvim Pinto. Op. cit., p. 34.

10. Alexandre de Moraes. Direito constitucional. 11ª. ed. São Paulo : Atlas, 2002, p. 163.

11. Yves de Oliveira. O pioneirismo de Melchiades Picanço nos pródromos do mandado de segurança. Rio de Janeiro : La Cava, 1984, p.7.

12. Ob. cit., p. 23.

13. Cândido de Oliveira Neto. Op. cit., p. 258.

14. A proteção à liberdade de locomoção, diga-se logo, não ficou, de nenhuma maneira, tolhida com o tratamento dado ao habeas corpus pela Constituição de 1891. A tutela garantida pelo remédio, ao contrário, teve o seu alcance ampliado por aquela Carta Republicana.

15. Cândido de Oliveira Neto. Op. cit., p. 259.

16. Melchiades Picanço. Op. cit., p. 8-9.

17. Lemos Brito. Nova constituição brasileira. Rio de Janeiro, 1934, p. 31, apud Rogério Lauria Tucci. Do mandado de segurança contra ato jurisdicional penal. São Paulo : Saraiva, 1978, p. 12.

18. Cândido de Oliveira Neto. Op. cit., p. 259.

19. Melchiades Picanço. Op. cit., p. 10.

20. Cândido de Oliveira Neto. Op. cit., p. 261.

21. Melchiades Picanço. Op. cit., p.7.

22. Rui Barbosa. Posse de direitos pessoais. 2ª. ed. Rio de Janeiro, 1959, p. 19-20, apud Rogério Lauria Tucci. Op. cit., p. 13.

23. Esta a conhecida doutrina preconizada por Ihering, a qual se filiou o nosso Código Civil de 1916 (art.485).

24. Orlando Gomes. Direitos reais. 17ª. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2000 (edição atualizada por Humberto Theodoro Júnior), p. 33-36.

25. Op. cit.,, p. 34.

26. Cândido de Oliveira Neto. Op. cit., p. 257.

27. Possibilidade esta que, digamos logo, já há algum tempo, não comporta maiores digressões doutrinárias. Hodiernamente, o controle da legalidade dos atos da Administração pode ser feito tanto interna quanto externamente, vale dizer, por qualquer um dos Poderes. O controle de mérito, porém, "é privativo da Administração Pública e, logicamente, não se submete à sindicabilidade no Poder Judiciário" (José dos Santos Carvalho Filho, Manual de direito administrativo. 9ª. ed. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2002, p. 749).

28. Cândido de Oliveira Neto. Op. cit., p. 258.

29. Rogério Lauria Tucci. Op. cit.,, p. 11-12.

30. Op. cit., p.258.

31. Cândido de Oliveira Neto. Op. cit., p. 261.

32. Rogério Lauria Tucci. Op. cit., p. 16-20.

33. Rogério Lauria Tucci. Op. cit., p. 19.

34. Sérgio Pinto Martins. Direito processual do trabalho. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 457.

Sobre o autor
Lucio Picanço Facci

advogado no Rio de Janeiro (RJ), membro do escritório de advocacia Fontes, Oliveira, Gonçalves & Navega

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FACCI, Lucio Picanço. Evolução histórica do mandado de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3461. Acesso em: 23 dez. 2024.

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