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Evolução histórica do mandado de segurança

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01/11/2002 às 00:00
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1. Antecedentes históricos no Direito Comparado

Um estudo, ainda que breve, a respeito das raízes históricas do mandado de segurança é de toda importância. A uma, para aperfeiçoarmos a compreensão do instituto, fundamental para o entendimento do presente trabalho; a duas, para reforçarmos a sua vocação essencialmente constitucional de proteção aos direitos do homem contra as arbitrariedades e abusos do Poder Público, objetivo comum aos remédios criados pelo Direito Comparado, dos quais inspirou-se o legislador brasileiro.

Podemos afirmar que à institucionalização do Estado Moderno, no plano político, com o conseqüente fortalecimento dos direitos individuais, sociais e, mais hodiernamente, dos direitos difusos, corresponde, no plano jurídico-dogmático, o surgimento do Direito Público, em atenção à efetiva proteção destes direitos. Isto decorre da preocupação jurídica em se limitarem os poderes estatais.

É exatamente neste sentido que se entende o surgimento do mandado de segurança. Esta garantia está ligada filosoficamente à idéia de liberdade contra o Estado, contra o Poder Público.

No plano político-ideológico, devemos sempre apontar a Revolução Francesa (1789-1799) como sendo de inegável importância para significar marco decisivo em favor das liberdades públicas em detrimento do arbítrio reinante no Antigo Regime da época. O Direito europeu, porém, não conferiu aos cidadãos, desde logo, um remédio eficaz contra os abusos estatais.

Contrariamente, foram os Estados Unidos que trataram de traduzir os postulados ideológicos de liberdades públicas em meios práticos e eficazes para tutelar os direitos do homem contra os desmandos do Poder Público. Diferentemente dos europeus, que se caracterizaram por uma evolução mais teórica e menos pragmática, os norte-americanos, desde logo, trataram de criar instrumental próprio para que as aspirações político-filosóficas de liberdades individuais fossem eficazmente observadas. [1]

Do pragmatismo norte-americano surgiram os chamados writs, que possuem, contudo, origem inglesa. Se prestam à proteção de direitos lesados para cuja reparação não haja, na lei, outros meios mais adequados. É de se observar que desempenham papel ainda mais amplo que o mandado de segurança, pois não se opõem tão-somente a atos do Poder Público, mas também a violação de direitos por particulares. [2]

MELCHIADES PICANÇO nos dá idéia da correlação do mandado de segurança com os writs nos Estados Unidos e com o mandamus na Inglaterra, raizes históricas do instituto criado pelo Direito pátrio, afirmando que

"O mandado de segurança do direito brasileiro se aproxima mais do mandamus inglês, instituído para proteger os funcionários demitidos ou removidos ilegalmente. O mandamus visa atos administrativos. O mandado de segurança também, criado pela Constituição brasileira, se dirige contra atos de autoridades. O writ, ao contrário disso, é medida geral de proteção contra atos públicos e particulares. O mandado de segurança poderá equivaler a certo e determinado writ, mas não a qualquer deles. O writ of mandamus não se confunde com o quo warranto, nem com o writ os certioari." [3]

A experiência mexicana, no que diz respeito à tutela de direitos incontestes do homem, muito nos serviu para a construção do mandado de segurança. Nos dá notícia CASTRO NUNES que parte da doutrina nacional já postulava, à época, a criação em nosso ordenamento de ação similar ao juicio de amparo do Direito mexicano. No Congresso Jurídico de 1922, Seção de Direito Judiciário, presidida pelo Ministro MUNIZ BARRETO com tese por ele próprio relatada, teve oportunidade de dizer, naquela ocasião, que necessitávamos "é de um instituto semelhante ao recurso de amparo, criado no México, com rito, porém, mais sumário, e que compreenda tanto a agressão ao direito, partida da autoridade pública, como a proveniente de ato privado." [4]

Ante estas evidências históricas, MELCHIADES PICANÇO, reconhecendo a inegável identidade do mandado de segurança com os instrumentais criados pelos diversos ordenamentos no Direito Comparado para tutelar liberdades públicas, põe termo ao tratamento das raízes do remédio constitucional, arrematando ser o mandado "um instituto que se assemelha ao mandamus dos ingleses, ao writ dos Estados Unidos e ao juízo de amparo do México". [5]

No Direito Português, que, para PONTES DE MIRANDA, é o direito brasileiro antigo [6], encontramos, ainda, a chamada apelação extrajudicial, que podemos também considerar como fonte histórica do mandado de segurança, tendo em vista a similaridade de seu conteúdo. Na apelação extrajudicial, porém, o objeto de exame era feito somente através de meio jurídico recursal.

Assim é que, nas Ordenações Afonsinas, Livro III, título LXXX – na esteira do Direito Romano, que admitia apelação contra a nomeação injusta ad numera publica, e do Direito Canônico – cogitaram os portugueses de apelação extrajudicial, prescrevendo que: "(...) delas podem licitamente apelar para seus sobre-Juízes todos aqueles que se sentirem agravados dos autos por eles feitos, salvo se os autos forem tais, que por privilégio d’El-Rei em eles façam determinação final (...)".

As Ordenações Manuelinas e Filipinas contêm disposições que retornam ao assunto, com o mesmo conteúdo. [7]


2. As origens do instituto no Direito brasileiro

Além das fontes históricas no Direito Comparado, de que se valeram os estudiosos da época para construir a teoria que daria vida ao mandado de segurança, de muita importância foi o esforço feito pela doutrina para fazer vingar no ordenamento jurídico brasileiro meio idôneo a ensejar a proteção jurisdicional dos direitos vinculados às liberdades contra o arbítrio do Estado.

Não enseja dúvidas o fato de que os institutos similares adotados, principalmente, na Inglaterra, nos Estados Unidos e no México, foram de substancial valia para o surgimento do mandado de segurança no Brasil.

De fato, muitas vezes, ao se tratar dos antecedentes históricos de qualquer instituto jurídico no Brasil, o que se faz, na verdade, é a descrição do processo de internalização de princípios criados e aperfeiçoados em outros ordenamentos jurígenos. Não fica aqui uma crítica, mas uma constatação histórica. Pois, como explica ARRUDA ALVIM, "os conceitos jurídicos, na realidade, se constituem na cristalização verbal, e, pois, transmissível de uma experiência histórica que em si mesma alberga determinados valores". [8]

O mesmo se sucedeu com o mandado de segurança, "tendo nascido num contexto político-filosófico-social e jurídico que o Brasil simplesmente não experimentou da mesma forma que outros povos" [9]. O que o nosso ordenamento tratou de fazer, e – digamos logo – com inteira razão, foi absorver e incorporar os princípios e postulados jurídicos construídos pelas experiências históricas de outros povos, as quais não nos foi possível vivenciar.

A despeito dessas realidades históricas, todavia, mesmo tendo os nossos estudiosos se servido de legados jurídicos de outros povos para a sua construção – o que inevitável e inegavelmente ocorreu –, o mandado de segurança constitui-se em criação jurídica brasileira, e que "não encontra instrumento absolutamente similar no direito estrangeiro". [10] É que o Direito, "fato social em crise permanente" (11), é ciência que se transforma e se aperfeiçoa, como sentencia MELCHIADES PICANÇO:

"O Direito será sempre a ciência das inovações, e irá até aonde for a inteligência criadora. As bases do Direito são eternas, mas a sua evolução acompanha o desenvolvimento intelectual de toda a humanidade. A inteligência, quanto mais viva, quanto mais penetrante, uma vez que se harmonize com os sentimentos de justiça, mais capaz de espiritualizar o Direito, elevando-o a alturas imprevistas. E, com essa elevação, complica-se, não raro, na prática, a finalidade de certos institutos jurídicos. Uma inteligência explica o Direito, parecendo ter tocado a extremidade máxima dessa ciência; outra inteligência, porém, mais aguda, explana, igualmente, o assunto e logo se tem a impressão de que se alargaram consideravelmente os horizontes jurídicos. O limite da inteligência é a confinação do Direito: vai até ao máximo das concepções de justiça" [12].

Desta forma, ainda que inspirado pelos remédios encontrados no Direito Internacional Comparado, foi o esforço da doutrina e do legislador nacional, atendendo às necessidades práticas da realidade brasileira, que conferiu ao mandado de segurança as feições jurídicas que hoje este instituto possui.

2.1. A doutrina brasileira do Habeas Corpus

A Constituição Federal de 1891, ampliando o conceito que o Código de Processo Criminal de 1832 conferia ao habeas corpus, deu ensejo à chamada "doutrina brasileira do habeas corpus". Em seu art. 72, par. 22, aquela Constituição dispunha: "dar-se-á habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência, ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder".

A criação desta nova doutrina muito se atribuiu a uma construção pretoriana, muito embora alguns autores – e, entendemos, com acerto – apontam ter se tratado, principalmente, de uma opção constitucional. [13] Basta, para tanto, compararmos o texto constitucional da época com o art. 340 do Código de Processo Criminal de 1832, que tratava do mesmo assunto: "todo cidadão que ele ou outrem sofre uma prisão ou constrangimento ilegal em, sua liberdade, tem direito de pedir uma ordem de – habeas corpus – em seu favor". Resta claro o caráter mais restritivo que conferia aquele Código ao instituto.

Fica, portanto, de todo evidente que o constituinte percebeu ser oportuno o alargamento da noção de habeas corpus que fornecia o Código de Processo Criminal de 1832 para atender, assim, aos reclamos dos cidadãos de maneira mais ampla, através da utilização daquele mesma garantia. Na linha deste entendimento, não se limitou a Constituição de 1891 a assegurar a aplicação do remédio simplesmente para garantir a liberdade de locomoção [14], mas para tutelar a liberdade individual em sentido mais amplo.

Tendo sido o habeas corpus, historicamente, criado como remédio específico para amparar qualquer indivíduo de detenção ilegal, o esforço feito tanto pelo legislador constituinte de 1891 quanto pela jurisprudência se justifica tendo em vista justamente a ausência de previsão legal pelo ordenamento jurídico brasileiro de outros remédios, específicos para a tutela de direitos de natureza diversa do direito de locomoção.

Este, inclusive, o entendimento, à época, do Supremo Tribunal Federal, sintetizado no voto do Ministro PIZA E ALMEIDA, quando afirmou:

"a doutrina dos povos de onde importamos o nosso instituto, funda-se, pois, na especialização processual de remédios, distingue e designa os meios de ação, segundo as violações do direito, e não isenta nenhuma destas de um remédio reparador. Entre nós, onde não estão criados tais remédios, razão não prevalece, e como a Constituição estende amplamente o habeas corpus a todos os casos de coação ilegal ou violência contra o indivíduo, é forçoso admiti-lo como instrumento próprio para suspender ou prevenir essas infrações pela aplicação do brocardo – ubi ius, remedium – máxima que resulta, tanto do nosso regime político, como das instituições daqueles povos". [15]

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RUI BARBOSA, defensor incansável das liberdades públicas, para afirmar a ampliação dada ao habeas corpus na Carta Republicana, dizia que o remédio não estava apenas "circunscrito aos casos de constrangimento corporal; o habeas corpus hoje se estende a todos os casos em que um direito nosso, qualquer direito, estiver ameaçado, manietado, impossibilitado no seu exercício pela intervenção de um abuso de poder ou de uma ilegalidade".

E continuava em sua explanação, o sempre lembrado jurista baiano:

"desde que a Constituição não particularizou os direitos, que, com o habeas corpus, queria proteger contra a coação ou contra a violência, claro está que o seu propósito era escudar contra a violência e a coação todo e qualquer direito que elas podiam tolher e lesar nas suas manifestações". [16]

Com o tratamento dado pela doutrina brasileira, interpretando extensivamente a sua aplicação a outros direitos, o habeas corpus passou, verdadeiramente, a ser "a única válvula de segurança das liberdades individuais" [17]. O que se justificava, inclusive, pelo fato de que nenhuma outra ação poderia prestar-se a substituí-lo com a mesma rapidez e eficiência.

Os Tribunais, porém, face à intensa demanda dos casos submetidos à apreciação do Judiciário com ampliação do habeas corpus a outros direitos individuais, passaram a enfrentar o assunto com cautela. Sempre que possível, o entendimento pretoriano procurava escorar-se no fundamento seguro da liberdade de locomoção como sendo o objeto da tutela do remédio.

O então Ministro PEDRO LESSA, em voto proferido no Supremo Tribunal Federal, bem caracterizava o conflito que havia entre a disposição permissiva da Carta de 1891 e a excessiva prudência por parte dos Tribunais na aplicação do texto constitucional.

Primeiramente, com bravura, reconhece o Ministro que o habeas corpus, tal qual entendido no art. 72, par. 22, da Constituição da época, representava instituto "amplo, vasto, perfeitamente liberal, mais adiantado (e isto ressalta os seus próprios termos) que o preceito similar dos países mais cultos". Logo após, porém, refletindo o espírito excessivamente cauteloso dos julgadores quanto à controvérsia, finaliza sua exposição para afirmar que "o único direito em favor do qual se pode invocar o habeas corpus é a liberdade de locomoção, e de acordo com este conceito, tenho sempre julgado". [18]

Por toda a timidez da jurisprudência no enfrentamento do assunto, a construção doutrinária brasileira do habeas corpus perdeu fôlego, esvaziando-se na Reforma Constitucional de 1926, que tratou de restringir o campo de ação do instituto, dando-lhe as mesmas feições que ostentava na legislação do Império.

O enfraquecimento do remédio foi muito lamentado pela doutrina. LEVI CARNEIRO, referindo-se à dita Reforma, em discurso proferido no Instituto da Ordem dos Advogados, em 1928, teve oportunidade de dizer que "dos erros cometidos, a expressão mais doméstica, se assim posso me exprimir, foi, a meu ver, a mutilação do habeas corpus". [19]

2.2. A utilização dos interditos possessórios

Ainda antes de firmada a doutrina brasileira dohabeas corpus e após o seu esvaziamento com a Reforma Constitucional de 1926 até o advento do mandado de segurança, em 1934, procurou-se através dos interditos possessórios garantir a tutela dos direitos pessoais contra ilegalidades do Poder Público.

A RUI BARBOSA – mais uma vez – coube representar a doutrina que defendia a extensão da proteção. Exímio argumentador e notabilíssimo advogado, RUI, pela imprensa, defende a tese da aplicação dos interditos à chamada posse dos direitos pessoais, em vários artigos, com resposta do Ministro LUCIO DE MENDONÇA. [20]

Em parecer sobre um caso em que colocava em discussão a proteção de direitos pessoais, datado do ano de 1906, declarava RUI com convicção: "considerando, como considero, por motivos até hoje não refutados, extensiva aos direitos pessoais a proteção possessória, o primeiro remédio legal, a meu ver, para o caso figurado, seria a ação de manutenção". [21]

Ainda RUI BARBOSA, em incansável defesa em favor da tese da adequação dos interditos possessórios à tutela dos direitos pessoais, pontificava:

"Não obstante a sua imaterialidade, pois, isto é, o seu caráter de simples direito, contraposto ao de realidades corpóreas, esses bens são objeto de posse. E, desde que o são, vêm a entrar, pela definição do art. 585, na categoria de coisas.

Não é, logo, de jurisconsultos a inferência que liga à palavra coisas, no texto da Ordenação, o pensamento exclusivo de objetos corpóreos. Ao menos os jurisconsultos portugueses nunca lhe enxergaram este intuito. A opinião geral deles foi sempre que o espírito manifesto do texto era proteger, não só o gozo legítimo da propriedade real, senão os direitos privados ou públicos, inerentes à pessoa". [22]

A polêmica se estendeu após mesmo a vigência do Código Civil tendo-se concluído, obviamente, pela inadmissibilidade da proteção interdital dos direitos pessoais.

Atualmente, a matéria não comporta maiores discussões. Sendo a posse a exteriorização da propriedade [23] e correspondendo esta a um direito eminentemente patrimonial, não se pode, em conseqüência, utilizar-se os interditos possessórios para realizar a pretensão de tutela a direitos pessoais ou obrigacionais, de conteúdo extrapatrimonial. Ademais, caracterizando a posse, antes de mais nada, um fato positivo que vincula o homem ao objeto possuído, é da sua natureza recair sobre coisas tangíveis, porque só assim haverá a exterioridade do domínio. [24] Podemos dizer, assim, ser de todo incondizente com a detenção de coisa corpórea, material, a proteção possessória dos direitos pessoais.

É de tranqüila justificação toda a tentativa da doutrina – e mais notadamente do esforço de RUI BARBOSA – no sentido de se encontrar a solução à falta de remédio idôneo e eficaz para proteger prontamente os direitos do indivíduo dos atos ilegais do Estado Moderno, o que mais tardiamente seria conseguido com o advento do mandado de segurança.

O fato de admitir parte da doutrina e, muitas vezes, até mesmo a jurisprudência, a imprópria utilização de institutos jurídicos históricos, tal como se sucedeu com o habeas corpus e com os interditos possessórios, nos evidencia o sentimento de desamparo que, à época, acometia o operador do Direito e afligia o indivíduo ante ao Estado. Esta vulnerabilidade, de fato, possuía sua razão de ser.

A discussão da utilização dos interditos possessórios para a proteção de direitos pessoais, neste sentido, muito menos se tratou de uma questão meramente de dogmática jurídica do que de uma busca legítima para munir o cidadão de garantias – que este não encontrava no ordenamento – contra possíveis desmandos do Poder Público. Dessa maneira, a simples criação do mandado de segurança, pela Carta de 1934, veio pôr termo à polêmica. Pois, como informa ORLANDO GOMES,

"o interesse da questão resume-se, praticamente, à possibilidade de extensão dos interditos possessórios à defesa de direitos pessoais inerentes ao exercício de função pública, e à tutela possessória dos interesses individuais lesados por atos da Administração Pública. Para este fim é que se fala em posse dos direitos pessoais. Restrita a expressão a este significado, o problema da proteção de tais direitos perde muito de seu interesse, pois que outros remédios processuais, de eficácia igual, têm sido adotados com a mesma finalidade. Entre nós, a defesa dos direitos pessoais dessa ordem, que tenham sido lesados por ato de autoridade, processa-se através do mandado de segurança, que substitui, com vantagens, os interditos possessórios." [25] (grifamos).

2.3. O insucesso da ação sumária especial

Outra nítida tentativa do legislador em municionar o indivíduo de tutela específica de liberdades públicas, de maneira mais ampla, podemos encontrar na chamada ação sumária especial. Prescrevia o art. 13 da Lei 221, de 1894: "os juízes e tribunais federais processarão e julgarão as causas que se fundarem na lesão de direitos individuais por atos ou decisão das autoridades administrativas da União".

A medida, na verdade, representou muito em progresso, tendo, por isso mesmo, a própria doutrina assimilado com dificuldades muitos de seus aspectos. Neste sentido, GASTÃO DA CUNHA, dizia que "a competência definida no art. 13, par. 9º, ofende flagrantemente o princípio básico da divisão de poderes, que o art. 15 da Constituição quer harmônicos e independentes entra si", [26] ao protestar contra a possibilidade de anulação do ato de autoridade administrativa tido como ilegal. [27]

A doutrina entendia, que o citado dispositivo legal traduzia-se em verdadeiro excesso de competência outorgado ao Judiciário. Uma afronta ao princípio da tripartição de Poderes. O pensamento dos estudiosos da época, é bem retratado na opinião de VIVEIROS DE CASTRO, quando afirmava que "a doutrina jurídica condena formalmente essa competência conferida ao Poder Judiciário para anular os atos administrativos". [28]

Somando-se aos óbices que lhe impunham a doutrina – ainda pouco corajosa para admitir a natureza mandamental de sua sentença – a ação sumária especial tinha como adversário a própria lentidão que a caracterizava. Ocorria que, mesmo tendo adotado o rito do processo sumário, seu julgamento era demasiado longo, em inconveniente descompasso com a suspensão imediata que se fazia do ato ilegal da autoridade. [29]

É bem verdade, ainda, que o fato de se restringir excessivamente aos atos puramente administrativos, fez com que a ação não lograsse êxito na aceitação popular, tendo simplesmente desaparecido do ordenamento. Como assim endossa CÂNDIDO DE OLIVEIRA NETO, a ação sumária especial "não teve nunca muita aceitação do povo, apesar de suas excelências, para a época, e sumiu, por assim dizer, do cenário jurídico, de modo misterioso pois ainda há forte dúvida sobre se teria sido ab-rogada pelo Código do processo civil de 1940 ". [30]

Hoje, reconhece-se a importância da ação sumária especial para a construção doutrinária que, mais tardiamente, se realizaria em sede de controle jurisdicional de atos de autoridade.

O procedimento criado pelo legislador nos dá idéia do grau de vigor com que se pretendia a proteção do indivíduo diante do Poder Público. Esta forma de proteção, contudo, deveria dar-se com presteza, de pronto, e contra atos de autoridades mais amplamente considerados. Daí cair por terra a criação legislativa da ação sumária especial.

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Sobre o autor
Lucio Picanço Facci

advogado no Rio de Janeiro (RJ), membro do escritório de advocacia Fontes, Oliveira, Gonçalves & Navega

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FACCI, Lucio Picanço. Evolução histórica do mandado de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3461. Acesso em: 24 abr. 2024.

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