1 – Introdução
A multa ensejadora da emissão da Certidão de Dívida Ativa (CDA) que embasa a execução fiscal é aplicada em decorrência de infração administrativa prevista em lei, sendo que o prazo prescricional para o ajuizamento da ação executiva só se inicia a partir da notificação do não acolhimento da defesa administrativa ofertada pelo autuado, ou da perda do prazo, em caso de transcurso in albis.
2 – Estudo sobre a prescrição dos créditos decorrentes de aplicação de multa administrativa no exercício do poder de polícia da Administração, de natureza não tributária
A aplicação do art. 1º do Decreto 20.910/32 ao caso em estudo é relativa somente ao prazo prescricional conferido à cobrança da multa por infração administrativa e até a vigência da Lei nº 11.941/2009, a qual incluiu o art. 1º-A à Lei nº 9.873/99. Antes disso, porém, a Administração possuía um período decadencial para constituir definitivamente o crédito.
Com o advento do novo dispositivo referido, a Administração passou a ter cinco anos para apurar (constituir) a infração administrativa, nos termos e condições previstos no art. 1º da Lei nº 9.873/99. Constituído o crédito, possui ela mais cinco anos, a contar do término do processo administrativo, para instaurar a execução fiscal e cobrar a multa, por força do art. 1º-A da mesma Lei nº 9.873/99, instituído pela Lei nº 11.941/2009 (ou, antes disso, por aplicação do princípio da simetria, com base no Decreto 20.910/32), incluindo nesse prazo a inscrição em dívida ativa.
Obviamente, os prazos do art. 1º e do art. 1º-A (ou do D. 20.910, antes do advento deste segundo artigo pela Lei nº 11.941/2009) não tratam de dois prazos de prescrição sucessivos.
É que o art. 1º da Lei nº 9.873/99 trouxe um equívoco de nomenclatura do legislador, que se utilizou do termo prescrição, quando na verdade está tratando de decadência, em razão de estar prevendo, na mencionada regra, um ato potestativo da Administração, que efetua o lançamento de seu crédito independentemente de qualquer manifestação por parte do devedor/administrado.
Sem o lançamento do crédito não-tributário não há qualquer crédito a ser cobrado, ou executado.
Antes disso ainda não nasceu para a entidade pública a pretensão, pois segundo o princípio da “actio nata”, conforme ensina Pontes de Miranda, a prescrição só se inicia com o nascimento da pretensão ou da ação.
Só então, ou seja, a partir da pretensão, pode ter início o prazo prescricional, e este tem previsão no art. 1º-A, da Lei nº 9.873/99, o qual foi introduzido pela Lei nº 11.941, publicada em 28/05/2009.
E antes da Lei nº 11.941/2009, tem a jurisprudência aceitado a aplicação do art. 1º do Decreto nº 20.910/32, em inteligência ao princípio da analogia com os débitos da própria Fazenda, mas isso para a contagem do prazo prescricional, cujo termo inicial – insiste-se – só se inicia a partir da constituição definitiva do crédito não tributário e cuida do direito à pretensão de cobrança do referido valor.
E RESSALTE-SE QUE O MARCO FINAL DA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO É AQUELE DETERMINADO PELO FIM DO PROCESSO ADMINISTRATIVO, OU SEJA, O TRÂNSITO EM JULGADO ADMINISTRATIVO (ARTIGO 1º-A DA LEI Nº 9.873/99).
Sobre o tema cumpre trazer à baila recente posicionamento do Colendo STJ, que assim se pronunciou (in Informativo/STJ nº 428, de 22/3 a 02/4/2010):
“REPETITIVO. PRESCRIÇÃO. MULTA. MEIO AMBIENTE.
Trata-se de recurso representativo de controvérsia (art. 543-C do CPC e Res. n. 8/2008-STJ) em que a questão em debate resume-se à definição do prazo prescricional para a cobrança de multa administrativa por infração à legislação federal, no caso, a Lei n. 9.873/1999 (com os acréscimos da Lei n. 11.941/2009), nos autos de execução fiscal ajuizada pelo Ibama para cobrança de débito inscrito em dívida ativa. Ressaltou o Min. Relator que a questão já foi debatida no REsp 1.112.577-SP, DJe 8/2/2010, também sob o regime dos recursos repetitivos, mas somente quando a multa administrativa decorria do poder de polícia ambiental exercido por entidade estadual, situação em que não seria pertinente a discussão sob as duas leis federais citadas. Agora, no caso, como a multa foi aplicada pelo Ibama, entidade federal de fiscalização e controle do meio ambiente, é possível discutir a incidência daquelas leis federais, o que foi feito nessa hipótese. Diante disso, a Seção entendeu incidente o prazo de cinco anos (art. 1º da citada lei) para que, no exercício do poder de polícia, a Administração Pública Federal (direta ou indireta) apure o cometimento da infração à legislação do meio ambiente. Esse prazo deve ser contado da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que houver cessado a infração. Observou que o art. 1º da Lei n. 9.873/2009 estabeleceu o prazo para a constituição do crédito, não para a cobrança judicial do crédito inadimplido. Ressaltou, ainda, que, antes da MP n. 1.708/1998, convertida na Lei n. 9.873/1999, não existia prazo decadencial para o exercício do poder de polícia por parte da Administração Pública Federal, por isso a penalidade aplicada, nesses casos, sujeita-se apenas ao prazo prescricional de cinco anos segundo a jurisprudência deste Superior Tribunal, em razão da aplicação analógica do art. 1º do Dec. n. 20.910/1932. Ademais, a jurisprudência também já assentou que, por se tratar de multa administrativa, não é aplicável a regra geral de prescrição do CC, seja o de 1916 ou o de 2002. REsp 1.115.078-RS, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 24/3/2010.”
Por fim, ressalte-se que, independentemente do prazo que se atribua à prescrição, rebate-se a tese da possibilidade da sua decretação de ofício, em sede de execução fiscal, visto que eventual causa extintiva exigiria a produção probatória, através da exibição do processo administrativo de imputação do débito, o que só pode se dar na hipótese de oposição de embargos de devedor, porquanto aquele documento não é exigido para o ajuizamento da ação de execução fiscal.
Confira-se os requisitos da respectiva petição inicial de execução fiscal, que estão elencados no art. 6º da LEF:
“Art. 6º - A petição inicial indicará apenas:
I - o Juiz a quem é dirigida;
II - o pedido; e
III - o requerimento para a citação.
§ 1º - A petição inicial será instruída com a Certidão da Dívida Ativa, que dela fará parte integrante, como se estivesse transcrita.
§ 2º - A petição inicial e a Certidão de Dívida Ativa poderão constituir um único documento, preparado inclusive por processo eletrônico.
§ 3º - A produção de provas pela Fazenda Pública independe de requerimento na petição inicial.
§ 4º - O valor da causa será o da dívida constante da certidão, com os encargos legais.”
E mesmo levando em consideração que o CPC pudesse também ser aplicado à espécie – o que também se contesta, em vista do princípio da especialidade e do tratamento dado à hipótese pela Lei nº 6.830/80 – o fato é que o art. 614 do Código de Processo Civil também não faz essa exigência:
“Art. 614. Cumpre ao credor, ao requerer a execução, pedir a citação do devedor e instruir a petição inicial:
I - com o título executivo extrajudicial; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
II - com o demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação, quando se tratar de execução por quantia certa; (Redação dada pela Lei nº 8.953, de 13.12.1994)
III - com a prova de que se verificou a condição, ou ocorreu o termo (art. 572). (Incluído pela Lei nº 8.953, de 13.12.1994)”
Como se vê, o único documento relativo à origem do crédito, que se faz necessário juntar à peça inaugural do executivo fiscal é a CDA, a qual goza da presunção de certeza e exigibilidade, exigindo do devedor o ônus da prova em contrário.
Nesse sentido:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - IBAMA - COBRANÇA DE MULTA - CONTRADITÓRIO NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO - PRESUNÇÃO LEGAL DE CERTEZA E LIQUIDEZ DA CDA (ART. 3º DA LEI N. 6.830/80 E ART. 204 DO CTN). 1. O art. 3º da Lei n. 6.830/80 dispõe que "a dívida ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez". O art. 6º da Lei n. 6.830/80, por sua vez, traz os requisitos da petição inicial, entre os quais não consta a "comprovação do contraditório administrativo", e, em seu § 2º, dispõe que "a petição inicial e a Certidão de Dívida Ativa poderão constituir um único documento, preparado inclusive por processo eletrônico", o que demonstra a desnecessidade da juntada do processo administrativo. O mesmo entendimento se extrai do art. 202 do CTN e dos §§ 5º e 6º do art. 2º da LEF. 2. Ao juiz é defeso fazer exigências não elencadas em lei, sob pena de ferir o direito constitucional de ação (v.g.: STF, RE n. 97.612, DJU 08 OUT 82, p. 10.191; STF, RE n. 111.765/MG; RSTJ 53/262; STJ, REsp 272.236/SC, DJ 25 JUN 2001, p. 120), ainda mais quando tal exigência toma contornos de defesa do executado, o qual deverá alegar o que entender necessário por meio de defesa própria. 3. Apelação provida. 4. Peças liberadas pelo Relator, em 17/11/2009, para publicação do acórdão. (TRF1, AC 200838030056201, rel. Des. Fed. Luciano Tolentino Amaral, e-DJF1 de 27/11/2009 p. 269).”
“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO INDICADO NA CDA. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE. ORIENTAÇÃO CONSOLIDADA PELA EG. PRIMEIRA SEÇÃO NO JULGAMENTO DO RECURSO REPETITIVO 1.104.900/ES. MULTA DO ART. 557, § 2º, do CPC. 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que, constando da CDA o nome do sócio contra quem se pretende direcionar a execução, não é dado ao magistrado exigir outras provas da responsabilidade pelas dívidas tributárias da empresa. 2. Diante da presunção de certeza e liquidez da Certidão de Dívida Ativa, seria gravame incabível a exigência de que o Fisco fizesse prova das hipóteses previstas no art. 135, III, do CTN. 3. Posicionamento consagrado no REsp 1.104.900/ES, Rel. Min. Denise Arruda, DJe 1º.4.2009, submetido ao Colegiado pelo regime da Lei nº 11.672/2008 (Lei dos Recursos Repetitivos). 4. Ao acolher questão de ordem suscitada pela Exma. Senhora Ministra Eliana Calmon nos autos do AgRg no REsp 1.025.220/RS, a Primeira Seção entendeu ser aplicável a multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC, nos casos em que a parte se insurge quanto ao mérito da questão decidida em julgado submetido à sistemática do art. 543-C do CPC. 5. Na espécie, o agravo regimental foi interposto em 26.10.09, mais de 18 (dezoito) meses após a publicação do aresto submetido ao regime dos recursos repetitivos, o que torna impositiva a cominação da referida multa. 6. Agravo regimental não provido com aplicação de multa no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, na forma do art. 557, § 2º, do CPC. (STJ, AgrREsp 1115420, rel. Min. Castro Meira, DJE 27/11/2009)”
“TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO CONTRA OS SÓCIOS-GERENTES. RESPONSABILIDADE PELO DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ART. 13 DA LEI Nº 8.620/93. MATÉRIA DECIDIDA PELO ACÓRDÃO RECORRIDO SOB ENFOQUE CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS INDICADOS NA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE. 1. Não se conhece de recurso especial quando o aresto atacado analisa a matéria sob enfoque eminentemente constitucional. 2. O mero inadimplemento da obrigação de pagar tributos não constitui infração legal capaz de ensejar a responsabilidade prevista no artigo 135, III, do Código Tributário Nacional. Súmula 83/STJ. 3. Diante da presunção de certeza e liquidez da Certidão de Dívida Ativa, não se pode inverter o ônus probatório a fim de excluir os sócios da execução fiscal. 4. Por possuir a CDA presunção juris tantum de liquidez e certeza, seria gravame incabível a exigência de que o Fisco fizesse prova das hipóteses previstas no art. 135 do CTN. 5. Recurso especial conhecido em parte e provido. (STJ, REsp 947063, rel. Min. Castro Meira, DJ 25/09/2007 p. 227)”
Registre-se, ainda, que o artigo 8º, § 2º, da Lei nº 6.830/1980 – LEF – prevê que o despacho do Juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição.
3 – Conclusão
Portanto, diante de todo o exposto, conclui-se que há disciplina específica sobre a prescrição dos créditos decorrentes de aplicação de multa administrativa no exercício do poder de polícia da Administração (natureza não tributária).
4 – Referências
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 6ª edição. SÃO PAULO: Dialética, 2008.
Didier Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. SALVADOR: Editora Juspodivm, 2009.
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Processo Civil. Vol.3. 4ª Edição. SALVADOR: Editora Juspodivm, 2007.
GUERRA, Marcelo Lima. Execução forçada – controle de admissibilidade. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.