CONCLUSÃO
O presente estudo não pretendeu esgotar o assunto, que pela riqueza de seu tema, ainda é campo pouco explorado na doutrina nacional.
No entanto, a título de síntese das idéias aqui mencionadas propõem-se as seguintes conclusões:
1.No plano sintático, norma jurídica pode ser definida como o juízo hipotético condicional que prevê um fato jurídico e liga a ele uma conseqüência. Sendo assim, em toda norma jurídica há uma hipótese, dentro da qual será identificado o critério material (comportamento humano regulado pela norma), critério espacial (local que deve ocorrer o comportamento humano para que a norma em questão produza seus efeitos), critério temporal (momento em que tal conduta deve se realizar para gerar os efeitos jurídicos descritos na norma).
2. Cuida a regra matriz de incidência tributária do fenômeno da incidência, sendo assim é ela que vai estabelecer o critério material, espacial e temporal presentes obrigatoriamente na hipótese da regra-matriz e, também, o sujeito ativo e passivo, assim como a base de cálculo e o valor da alíquota presentes no conseqüente da norma instituidora do tributo. A regra-matriz de incidência tributária é aquela que define a incidência fiscal. Em outras palavras, é aquela que trata da incidência de um tributo, que normatiza a obrigação principal. É a denominada norma tributária em sentido estrito, se contrapõe à norma tributária em sentido amplo que regula os diversos outros fatores que não a incidência propriamente dita.
3.O legislador infraconstitucional está obrigado a obedecer a divisão rígida de competência tributária traçada pela Constituição Federal, sob pena de macular com o vício da inconstitucionalidade qualquer exação que não respeite a meticulosa divisão de competências tributárias imposta pela Carta Magna.
4. A Constituição, ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu – ainda que por vezes, de modo implícito e com uma certa margem de liberdade para o legislador – a norma-padrão de incidência ( o arquétipo, a regra-matriz) de cada exação. Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma – padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador (federal, estadual, municipal ou distrital), enquanto cria o tributo, não pode fugir deste arquétipo constitucional.
5. Os princípios constitucionais tributários são a base que sustentam o sistema tributário constitucional. Os principais princípios constitucionais tributários são: princípio da capacidade contributiva; princípio da isonomia; princípio da estrita-legalidade; princípio da anterioridade; princípio da irretroatividade da lei tributária; princípio da proibição de tributo com efeito de confisco; princípio da tipologia tributária, princípio da indelegabilidade da competência tributária.
6. O IPTU tem a seguinte regra-matriz de incidência tributária:
Regra – matriz de incidência do IPTU:
Hipótese:
- critério material – ser proprietário, ou ter o domínio útil ou a posse, de bem imóvel urbano por natureza ou por acessão física;
- critério espacial – nas zonas urbanas ou áreas urbanizadas do município (sendo a definição de zonas urbanas e rurais de competência da lei complementar);
- critério temporal – no primeiro dia de cada ano;
Conseqüente:
- critério pessoal
A)sujeito ativo: Município ( Exceções relativas ao Distrito Federal e aos territórios)
B)sujeito passivo: o proprietário, aquele que detêm o domínio útil ou a posse não precária do bem imóvel urbano;
- critério quantitativo
a)base de cálculo: o valor venal do imóvel;
b)alíquota: variada, devendo ser progressiva.
7. A progressividade fiscal é a determinada em função da capacidade econômica do contribuinte, dando assim vida à máxima de tratar os desiguais de forma desigual na medida de suas desigualdades. Em outras palavras, tal progressividade é aplicação pratica do princípio da igualdade e do princípio da isonomia, que confere tratamento equânime somente aqueles que se encontram na mesma situação. A função da progressividade fiscal é meramente abastecer os cofres públicos retirando parcelas no patrimônio do contribuinte, sendo que aquele que pode mais, deve contribuir de forma mais vultosa.
8. A progressividade extra-fiscal usa um parâmetro externo ao direito tributário, assim, utiliza-se uma alíquota maior não com efeitos arrecadatórios mas sim com fins outros, como por exemplo, forçar o adequado uso da propriedade urbana pelo proprietário do imóvel.
9. Como corolário do princípio da isonomia e da capacidade contributiva a progressividade fiscal no IPTU deve existir sob pena de inconstitucionalidade ao tratar desiguais de forma igual.
A jurisprudência e a doutrina acenavam para o outro lado, impedindo a instituição da progressividade fiscal no IPTU. Para resolver essa celeuma o Constituinte Derivado publicou a Emenda Constitucional n.° 29 de 2000 colocando ponto final a essa questão e inovando ao instituir a possibilidade de existência de novas formas de progressividade extra-fiscal.
10.A emenda constitucional n.° 29 de 2000 modificou a redação do parágrafo 1° do art. 156 da Constituição Federal, que passou a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I - propriedade predial e territorial urbana;
II -...
III -....
§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o artigo 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:
I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e
II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel."
11. O IPTU, após a E.C. n.° 29/00, pode, ou melhor, deve ter alíquotas progressivas em razão do valor do imóvel (progressividade fiscal) independente do plano diretor, e também pode ter alíquotas progressivas em razão do uso e da localização do imóvel (progressividade extra-fiscal) porém na pendência da existência do plano diretor.
12.Para que a função social da propriedade seja cumprida, o legislador federal arma os municípios com a competência de instituírem planos diretores que definam, no âmbito municipal, qual o melhor futuro para o crescimento da cidade.
13.Traçados, através de lei (plano diretor), quais devem ser os caminhos do desenvolvimento da cidade, o legislador municipal tem novas armas para incentivar ou até impelir que o cidadão contribua para o crescimento da cidade nos moldes do plano diretor – o IPTU progressivo.
14.Para a progressividade no tempo do art. 182, § 4° da Constituição Federal necessário que se proceda a todas as etapas precedentes (edificação compulsória e IPTU progressivo no tempo) para que haja a posterior desapropriação.
15.Quanto à progressividade do art. 156, § 1°, inciso II, basta que conste no plano diretor da cidade quais os locais e quais os usos a serem incentivados para que possa-se cobrar o IPTU progressivo.
16.Conclui-se que são as seguintes formas de progressividade no IPTU após a E.C. n° 29/00:
- Progressividade fiscal – para implementar o princípio da isonomia (arts. 5°, I 150, II, da CF/88);
- Progressividade fiscal – pela graduação do ônus da tributação segundo a capacidade contributiva do contribuinte. (art. 145, § 1°, da CF/88);
- Progressividade fiscal – em razão do valor do imóvel (ratifica as progressividades acima explicitadas);
- Progressividade extra-fiscal – em razão do uso do imóvel (art. 156, §1°, II, da CF/88);
- Progressividade extra-fiscal – em razão da localização do imóvel (art. 156, §1°, I, da CF/88);
- Progressividade extra-fiscal – para imóvel urbano não edificado, progressividade no tempo para determinar o seu adequado aproveitamento (art. 182, § 4°, II, da CF/88).
Ressalta-se que as três primeiras progressividades apresentadas são manifestações de uma única progressividade, a progressividade fiscal, sendo que as demais apresentam características especiais e depende de expressa autorização constitucional para serem instituídas.
BIBLIOGRAFIA
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª edição, 2° tiragem, São Paulo: Malheiros, 2001.
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3ª edição, São Paulo: Lejus, 1998.
CARRAZZA, Roque Antonio Carrazza. Curso de direito constitucional tributário. 17ª edição, São Paulo: Malheiros, 2002.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 13ª edição, São Paulo: Saraiva, 2000.
________. Direito tributário – Fundamentos jurídicos da incidência. 2ª edição, São Paulo: Saraiva, 1999.
FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação 3ª edição, São Paulo: Atlas, 2001.
FURLAN, Valéria C. P.. Imposto predial e territorial urbano. 1ª edição, São Paulo: Malheiros, 1998.
ICHIHARA, Yoshiaki. O Princípio da Progressividade e suas implicações no IPTU, Imposto sobre Doações, "Causa Mortis" e "Inter Vivos" – Revista de Direito Tributário n.° 81- Malheiros, 2000
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução: João Baptista Machado, 4ª edição, São Paulo: Martins Fontes, 1994.
MARTINS, Ives Gandra da Silva (coordenador). Curso de direito tributário. 2ª edição, Belém: CEJUP, 1993.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 17ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2000.
Notas
1. Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, Martins Fontes, 1994, 4ª edição, p. 5.
2. Paulo de Barros Carvalho, Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência, Saraiva, 2ª edição, 1999, p.18.
3. Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, Martins Fontes, 1994, 4ª edição, p. 37.
4. Hans Kelsen atribuiu maior valor à norma sancionadora classificando-a de primária. Sendo as normas de conduta secundárias, não entraremos no mérito dessa classificação pois não é o objeto do presente estudo.
5. Tercio Sampaio Ferraz Jr., no livro Introdução ao Estudo do Direito explica a função da hermenêutica nos seguintes termos: "Ao se utilizar seus métodos, a hermenêutica identifica o sentido da norma, dizendo como ele deve-ser (dever-ser ideal). Ao fazê-lo, porém, não cria sinônimo, para o símbolo normativo, mas realiza uma paráfrase, isto é, uma reformulação de um texto cujo resultado é um substituto mais persuasivo, pois exarado em termos mais convincentes. Assim, a paráfrase interpretativa não elimina o texto, pondo outro em seu lugr, mas o mantém de uma forma mais conveniente, reforça-o, dando-lhe por base de referência o dver-ser ideal do legislador racional, para um efetivo controle de conotação e da denotação."
6. Paulo de Barros Carvalho Curso de Direito Tributário, Saraiva, 13ª edição, 2000, São Paulo, p. 8.
7. Roque Antonio Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, 17ª edição, Malheiros, 2002, p. 427 e 428.
8. Idem, p. 429.
9. Ibidem, p. 440 e 441.
10. Paulo de Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário, Saraiva, 13ª edição, 2000, p. 155 e 156.
11. Idem, p. 158.
12. Alfredo Augusto Becker, Teoria Geral do Direito Tributário, Lejus, 3ª edição, 1998, p. 329 e 330.
13. Paulo de Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário, 13ª edição, Saraiva, 2000, p. 253.
14. Valéria C.P. Furlan, Imposto Predial e Territorial Urbano, 1ª edição, Malheiros, 1998, p. 59.
15. De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 17ª edição, Forense, 2000, p. 650.
16 Faz-se aqui uma diferenciação entre imposto territorial e imposto predial urbano, o primeiro refere-se ao terreno, o segundo a construções sobre o terreno.
17. Ives Gandra da Silva Martins (coordenador), Curso de Direito Tributário, volume 2, 2ª edição, CEJUP, 1993, p. 714.
18. Geraldo Ataliba, Hipótese de incidência Tributária, 6ª edição, Malheiros, 2001, p. 104.
19. Ives Gandra da Silva Martins (coordenador), Curso de Direito Tributário, volume 2, 2ª edição, CEJUP, 1993, p. 725.
20. A posse a que se faz alusão é a posse que seja apta para gerar o usucapião, por via de conseqüência, será apta para revelar a capacidade econômica do possuidor para fins de IPTU. Nesse sentido Valéra C.P. Furlan, na obra citada, p. 66.
21. Deve-se distinguir o termo "progressividade" do termo "proporcionalidade". No primeiro há um aumento da alíquota na medida que se aumenta a base de cálculo, no segundo a alíquota mantém-se constante enquanto aumenta a base de cálculo.
22. Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
§ 4º. É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
23. A classificação dos impostos em "reais" e "pessoais" é criticada pela doutrina, nesse sentido, explica Valéria C.P. Furlan, na obra citada, p. 32: "Doutra parte, não existem, juridicamente falando, impostos reais, pois, se entendermos que a relação jurídica só pode acontecer entre duas pessoas, entre dois sujeitos – teoria kelseniana-, o imposto também, com toda relação jurídica, sempre será pessoal; até porque o imóvel não paga imposto, quem paga imposto é o proprietário do imóvel ou seu possuidor, no caso do IPTU."
24. Yoshiaki Ichihara, O Princípio da Progressividade e suas implicações no IPTU, Imposto sobre Doações, "Causa Mortis" e "Inter Vivos" – Revista de Direito Tributário n.° 81- Malheiros, 2000, p. 316.
25. Art. 60...
§ 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
26. Yoshiaki Ichihara, O Princípio da Progressividade e suas implicações no IPTU, Imposto sobre Doações, "Causa Mortis" e "Inter Vivos" – Revista de Direito Tributário n.° 81- Malheiros, 2000, p. 317
27. Geraldo Ataliba, Hipótese de Incidência Tributária, 6ª edição, Malheiros, 2000, p. 141.
28. Entende-se aqui, a expressão "capacidade financeira" como a condição de ter numerário, dinheiro "vivo" para saldar a dívida oriunda do IPTU. Já a expressão "capacidade econômica" está empregado no sentido de apresentar um signo presuntivo de riqueza, é o simples fato se ser proprietário de um imóvel.
29. Valéria C.P. Furlan, IPTU, 1ª edição, Malheiros, 2000, p. 129.
30. Assim dispunha o parágrafo alterado:
"§ 1º. O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade."
31. Roque Antonio Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, 17ª edição, Malheiros, 2002, p. 92.
32. Idem, p. 93 e 94.
33. Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
§ 1º. O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
§ 3º. As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4º. É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
34. Hans Kelsen, no livro Teoria Pura do Direito, p. 28, aponta a existência de dois tipos de sanções: a punitiva e a premial. "O prêmio e a pena são estabelecidos a fim de transformar o desejo do prêmio e o receio da pena em motivo da conduta socialmente desejada." E arremata: "O sentido do ordenamento (jurídico) traduz-se pela afirmação de que, na hipótese de uma determinada conduta – quaisquer que sejam os motivos que efetivamente a determinaram -, deve ser aplicada uma sanção (no sentido amplo de prêmio ou de pena)."