Cap. 5 – A PROGRESSIVIDADE NO IPTU APÓS A E.C. N.° 29/00
5.1- A nova redação do art. 156, § 1° da Constituição Federal
A emenda constitucional n.° 29 de 2000 modificou a redação do parágrafo 1° do art. 156 da Constituição Federal, que passou a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I - propriedade predial e territorial urbana;
II -...
III -....
§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o artigo 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:
I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e
II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. [31]"
A referida E.C. introduziu sensível modificação na progressividade do IPTU.
Após sua edição não faltou quem a taxasse de inconstitucional. Alegam tais doutrinadores que não poderia o Constituinte derivado instituir a progressividade do IPTU pois estaria ferindo uma garantia individual do cidadão. Tal garantia significa que somente poderá ser qualquer tributo progressivo nos casos do art. 145, § 1°. Como para os defensores dessa tese o IPTU é um imposto real insuscetível de cobrança com alíquota progressiva, a E.C. n.° 29/00 seria inconstitucional por querer alterar uma garantia do contribuinte, tributando de forma mais gravosa (progressividade) os impostos reais.
Outra argumentação que impingia de inconstitucional a referida E.C. era a alegação de que a localização e o uso do imóvel não representavam signo presuntivo de riqueza, logo impossível de serem utilizados como parâmetro para a progressividade do IPTU.
A primeira alegação de inconstitucionalidade sucumbe a menor brisa.
Como já explicitado no capítulo 4, a progressividade fiscal no IPTU é uma exigência do art. 145, § 1° da Constituição Federal. Logo a progressividade em razão do valor do imóvel prevista no inciso I do § 1° do art. 156 da Constituição Federal nada mais é do que uma confirmação do que já estava implícito no art. 145, §1° do mesmo diploma legal.
A progressividade fiscal é corolário do princípio da isonomia e da capacidade contributiva e deve ser aplicada sempre que possível, como é possível no IPTU.
Quem tem um imóvel de maior valor tem um maior custo condominial, um maior custo de vida, maior conforto, e por que não contribuir mais com a sociedade (pagamento IPTU com alíquota progressiva) do que o outro cidadão que vive em modesta casa, sem luxo, longe dos centros urbanos e que não ostenta um signo presuntivo de riqueza tal como o cidadão do imóvel de maior valor ?
Roque Antônio Carrazza com a maestria que lhe é peculiar explica:
"A nosso ver, a só propriedade do imóvel luxuoso constitui-se numa presunção iuris et de iure de existência de capacidade contributiva (pelo menos para fins de tributação por via do IPTU). Estaria inaugurando o império da incerteza se a situação econômica individual do contribuinte tivesse que ser considerada na hora do lançamento deste imposto. [32]"
O segundo argumento volta-se contra a não aferição da capacidade contributiva do requisitos elegidos pela E.C. (uso e localização do imóvel).
Tese tormentosa é aquela que vislumbra como o uso e a localização do imóvel poderiam auferir a capacidade contributiva do contribuinte.
No entanto, esquecem, esses juristas, que existem dois tipos de progressividade, a fiscal e a extra-fiscal. A primeira com fins arrecadatórios e medida da capacidade contributiva do contribuinte e a segunda com fins não fiscais.
A previsão da possibilidade de se instituir alíquotas progressivas em razão do uso e da localização do imóvel foi a grande inovação da E.C. n.° 29 de 2000, pois criou dois tipos de progressividade extra-ficais que não eram previstas no ordenamento antes da publicação da aludida E.C..
A diferença de alíquotas em razão do local e do uso do imóvel, são novos critérios extra-fiscais com o intuito de incentivar o crescimento urbano para determinado local e para incentivar o desenvolvimento de certos tipos de atividades em locais de interesse municipal.
A lei deve tratar os desiguais de forma desigual na medida de sua desigualdade. Impõe-se, que o tributo não possa ser diferente para pessoas na mesma condição: logo, somente com a progressividade extra-fiscal do inciso II §1° do art. 156 da Carta Maior é possível aos Municípios diminuir o IPTU em determinados pontos da cidade como medida de incentivo de ocupação daquele espaço, ou reduzir o IPTU para incentivar determinado uso do imóvel.
Considerando que o inciso II do §1° do art. 156 da Constituição Federal refere-se a progressividade extra-fiscal em razão do uso e da localização do imóvel não vemos por qual ângulo macular a E.C. n.° 29/00, no que tange a modificação do art. 156 da Constituição Federal, de inconstitucional.
Mais uma vez, reportamo-nos as palavras de Carrazza:
"Estamos tentado significar que o princípio da capacidade contributiva, no IPTU, não se revela no inc. II do §1° do art. 156 da Carta Magna. O princípio da capacidade contributiva, no IPTU, revela-se no já mencionado art. 145, § 1° (cuja aplicação a este imposto é declarada no inc. I do §1° do art. 156 da CF), da CF. O IPTU não depende da edição de qualquer plano diretor do Município (art. 182, §§ 1° e 2°, da CF) para poder ter caráter pessoal e ser graduado de acordo com a capacidade econômica do contribuinte."
E acrescenta:
"São coisa diferentes, que, portanto, não podem ser coligadas. Na verdade, o IPTU deve: a) ter alíquotas progressivas, em razão do valor do imóvel; e b) ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel, o que, a nosso ver, depende – agora, sim- da edição do plano diretor do Município, que efetuará a ordenação da cidade." [33]
Em resumo, o IPTU, após a E.C. n.° 29/00, pode, ou melhor, deve ter alíquotas progressivas em razão do valor do imóvel (progressividade fiscal) independente do plano diretor, e também pode ter alíquotas progressivas em razão do uso e da localização do imóvel (progressividade extra-fiscal) porém na pendência da existência do plano diretor.
5.2 - Requisitos para a instituição da progressividade extra-fiscal no IPTU.
Como acentuado no item acima, para a instituição do IPTU com alíquota progressiva em razão do uso e da localização do imóvel, mister se faz a existência de plano diretor prevendo tal progressão de alíquotas.
A lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade) regula a política urbana nos termos dos arts. 182 [34] e 183 da Constituição Federal.
Nesse texto legal encontra-se parâmetros e limites para a progressividade extra-fiscal do IPTU.
Nesse sentido, dispõe a referida lei:
"Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
IV - planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;
DOS INSTRUMENTOS DA POLÍTICA URBANA
Seção I
Dos instrumentos em geral
Art. 4º Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:
III - planejamento municipal, em especial:
a) plano diretor;
IV - institutos tributários e financeiros:
a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU;
Seção III
Do IPTU progressivo no tempo
Art. 7º Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5º desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5º do art. 5º desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.
§ 1º O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5º desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.
§ 2º Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8º.
§ 3º É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata este artigo.
Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades:
I - com mais de vinte mil habitantes;
II - integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;
III - onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da Constituição Federal;
Art. 47. Os tributos sobre imóveis urbanos, assim como as tarifas relativas a serviços públicos urbanos, serão diferenciados em função do interesse social.
O referido texto legal acentua, por diversas vezes, a necessidade de cumprimento da função social da propriedade nas cidades.
Para que a função social da propriedade seja cumprida, o legislador federal arma os municípios com a competência de instituírem planos diretores que definam, no âmbito municipal, qual o melhor futuro para o crescimento da cidade.
Traçados, através de lei (plano diretor), quais devem ser os caminhos do desenvolvimento da cidade, o legislador municipal tem novas armas para incentivar ou até impelir o cidadão a contribuir para o crescimento da cidade nos moldes do plano diretor – o IPTU progressivo.
A progressividade extra-fiscal utilizada para incentivar o cidadão a seguir o plano diretor pode ser utilizada em três hipótese:
- em razão do uso do imóvel (art. 156, §1°, II, da CF/88);
- em razão da localização do imóvel (art. 156, §1°, I, da CF/88);
- para imóvel urbano não edificado, progressividade no tempo para determinar o seu adequado aproveitamento (art. 182, § 4°, II, da CF/88).
Dessa forma, possibilita-se que o Município, através de lei, incentive a construção de hospitais em bairros carentes desse tipo de estabelecimento; que determine a edificação de terrenos antes utilizados por especuladores que não fazem cumprir a função social da propriedade; que incentive a construção de creches; que conduza o crescimento da cidade para determinado setor; que incentive a construção de novas industriais; entre outros infindos atos que possam auxiliar no cumprimento da função social da propriedade e na melhor forma de ordenação da cidade. [35]
Ressalta-se que a progressividade no tempo prevista no art. 182, § 4° da Constituição Federal, está adstrita ao disposto no referido § 4°:
"§ 4º. É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais."
Logo, necessário que se proceda a todas as etapas precedentes (edificação compulsória e IPTU progressivo no tempo) para que haja a posterior desapropriação.
Quanto à progressividade do art. 156, § 1°, inciso II, basta que conste no plano diretor da cidade quais os locais e quais os usos a serem incentivados para que possa-se cobrar o IPTU progressivo.
5.3 – Síntese da progressividade no IPTU após a E.C. n° 29/00
De todo o exposto, conclui-se que são as seguintes formas de progressividade no IPTU após a E.C. n° 29/00:
- Progressividade fiscal – para implementar o princípio da isonomia (arts. 5°, I 150, II, da CF/88);
- Progressividade fiscal – pela graduação do ônus da tributação segundo a capacidade contributiva do contribuinte. (art. 145, § 1°, da CF/88);
- Progressividade fiscal – em razão do valor do imóvel (ratifica as progressividades acima explicitadas);
- Progressividade extra-fiscal – em razão do uso do imóvel (art. 156, §1°, II, da CF/88);
- Progressividade extra-fiscal – em razão da localização do imóvel (art. 156, §1°, I, da CF/88);
- Progressividade extra-fiscal – para imóvel urbano não edificado, progressividade no tempo para determinar o seu adequado aproveitamento (art. 182, § 4°, II, da CF/88).
Ressalta-se que as três primeiras progressividades apresentadas são manifestações de uma única progressividade, a progressividade fiscal, sendo que as demais apresentam características especiais e depende de expressa autorização constitucional para serem instituídas.