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Considerações sobre a relação entre contrato de trabalho de atleta profissional de futebol e contrato de licença de uso de imagem

Agenda 01/11/2002 às 00:00

O desenvolvimento das técnicas e a extensão do poder de alcance da mídia são dois dos fenômenos mais notáveis dos tempos modernos. Dentro desta nova perspectiva, indubitável o fato de o noticiário esportivo ocupar lugar de destaque nos meios de comunicação. Diariamente, é noticiado e discutido em todos os principais jornais e redes de televisão do país. Não raro, o esporte é objeto de inflamadas e exaustivas discussões. Inegável, pois, que os atletas profissionais são personagens ativos nesta era da comunicação digital, marcada pela mercantilização da imagem. Em que pese esta superexposição – tanto de informações quanto dos atletas – a questão que ora se coloca em análise ainda gera inúmeras dúvidas, seja pelo desconhecimento daqueles que a noticiam, seja pela inércia dos estudiosos em atuar de forma mais ativa na consolidação de conceitos.

A falta de produção doutrinária e jurisprudencial acerca dos temas jurídicos associados ao desporto e as repetidas alterações na legislação que o regem contribuem para a multiplicação de entendimentos desencontrados e opiniões infundadas. Tal situação é agravada pelo não reconhecimento do Direito Desportivo como ciência jurídica autônoma – ainda que esta autonomia esteja próxima. Diz-se isto em virtude da dificuldade de aplicação de fatos e conceitos de outros ramos do Direito às situações ligadas ao esporte, principalmente em se tratando do futebol.

Grande confusão tem sido observada quando se colocam em pauta os temas que dão título a este estudo. Por este motivo, imperiosa a análise destes institutos, mormente no que diz respeito aos reflexos na relação de trabalho existente entre atletas profissionais de futebol e associações de prática desportiva.


1. Do Contrato de Trabalho

Inicialmente, cabe-nos tecer alguns comentários relativos ao contrato de trabalho de atleta profissional de futebol para, posteriormente, analisarmos alguns aspectos relevantes do contrato de licença de uso de imagem e, finalmente, da relação entre ambos.

A profissão de atleta de futebol é uma das muitas atividades regidas por legislação específica, pois apresentam características bastante peculiares. Vale ressaltar que o fato de submeterem-se a uma normatização específica não afasta a aplicação de todos os preceitos contidas na Consolidação das Leis do Trabalho. Desta forma, são considerados empregados todos os atletas profissionais de futebol uma vez que estejam presentes os requisitos do artigo 3° da CLT. Conseqüentemente, seus contratos estão submetidos a todas as regras da legislação geral, desde que compatíveis com a legislação especial, isto é, aplica-se a regra geral, mas, em alguns casos, permeado por determinações específicas. Faço esta ressalva porque os contratos de trabalho de atletas profissionais de futebol possuem alguns traços característicos que devem ser observados.

A primeira diferença é observada em relação à forma de celebração do contrato. O artigo 443 da CLT prevê que o contrato de trabalho pode ser firmado de forma tácita ou expressa, inclusive verbalmente. Por outro lado, a regra específica trazida pela Lei 9.615/98 indica, no artigo 28, que o contrato dever ser pactuado formalmente – leia-se, por escrito – com previsão de remuneração e penalidades em caso de rescisão. Esta obrigatoriedade da forma escrita deve-se ao fato de que o atleta não terá regular condição de jogo até que seu contrato seja devidamente registrado na entidade de administração da modalidade (art. 34, I Lei 9.615/98). Todavia, vale lembrar que a ausência do instrumento contratual na forma escrita não impede, de forma alguma, a formação e reconhecimento de vínculo empregatício. Como dito anteriormente, presentes os requisitos do artigo 3° da CLT, o atleta será considerado empregado. A ausência da formalidade gera, contudo, prejuízos tanto ao atleta quanto ao clube. Aquele não poderá disputar competições profissionais por lhe faltar condição de jogo, atestada somente com o registro do contrato na entidade de administração competente. Este, por seu turno, não poderá exigir cláusula penal pela rescisão antecipada do contrato.

Outra peculiaridade dos contratos de atletas profissionais de futebol refere-se à duração da relação de trabalho. A regra geral da CLT é completamente diferente, como veremos a seguir. Em respeito ao princípio da continuidade, a legislação trabalhista estipulou que, via de regra, os contratos de trabalho vigoram por prazo indeterminado, apenas excetuando-se aqueles previstos no artigo 443, § 2°. Mesmo admitindo a fixação de um prazo em casos específicos, a legislação trabalhista limitou a duração em 2 anos, conforme o artigo 445, prevendo, ainda, que o contrato renovado por mais de uma vez passará a vigorar sem qualquer determinação de prazo (art. 451). No caso dos atletas profissionais, a regra é a determinação do prazo de validade dos instrumentos contratuais. Pela letra do artigo 30 da Lei 9.615/98, os contratos terão validade mínima de 3 meses e máxima de 5 anos. O parágrafo único deste mesmo artigo rejeita, expressamente, a aplicabilidade do disposto no artigo 445 da CLT. A determinação de um lapso temporal pelo qual as partes terão obrigações recíprocas é da grande valia no âmbito do futebol. Caso o contrato chegue ao seu final, nenhuma indenização será devida por qualquer das partes. Por outro lado, na hipótese da ocorrência de rescisão antecipada, a parte que deu ensejo ao término da contratualidade deverá arcar com as penalidades previstas na legislação específica, quais sejam o pagamento da cláusula penal, devida pelo atleta ao clube (artigo 28, § 3°), ou da multa rescisória, paga pelo clube ao atleta (artigo 31, § 3°). Cabe salientar algo bastante interessante em relação a estes dois institutos. A cláusula penal, paga pelo atleta em caso de rescisão, conforme o artigo correspondente, é livremente estabelecida pelas partes (esta liberdade é apenas ficta porque o clube sempre estabelece os valores da cláusula penal tomando por base o teto) e está limitada a 100 vezes o valor da remuneração anual pactuada. Por outro lado, a multa rescisória, paga pelo clube ao jogador, é estipulada de acordo com o artigo 479 da CLT e prevê o pagamento de metade da remuneração a que teria o direito o atleta até o fim do contrato. A disparidade é gritante, ainda que o clube tenha um potencial econômico muito maior. A título exemplificativo, suponhamos que o contrato de um atleta termine em 31/12/2002 e que ele receba R$ 5.000,00 mensais. Se o atleta desejasse sair, deveria ao clube a quantia de R$ 500.000,00 (5.000,00 x 100). Caso o clube resolvesse rescindir o contrato, deveria ao atleta tão somente R$ 10.000,00 (5.000,00 x 4 meses que faltam para o fim do contrato).


2. Do Contrato de Licença de Uso de Imagem

Superadas estas considerações elementares sobre o contrato de trabalho de atleta profissional de futebol, debrucemo-nos agora sobre o contrato de licença de uso de imagem para, ao final, estudar a relação entre os contratos e a repercussão prática de alguns casos.

Saliente-se, em primeiro lugar, que esta será a nomenclatura por nós adotada. Explico. Muito se tem observado o emprego errôneo de expressões como "Contrato de Imagem" ou "Contrato de Cessão de Imagem". Nos parece que a expressão correta seja mesmo Contrato de Licença de Uso de Imagem porque o titular apenas concede o exercício do direito de exploração e não o próprio direito. Também, não podemos falar em "Contrato de Imagem" porque ela, a imagem, não é o objeto do contrato, mas, sim, sua licença para uso e, finalmente, não nos parece adequado falar em "cessão" porque o sujeito ativo não está cedendo a imagem a ninguém, apenas está autorizando sua exploração e veiculação. Na cessão, verificamos o abandono – total ou parcial – do direito que pertence a um determinado titular. Na licença, por sua vez, observa-se tão somente a concessão de uma permissão para a exploração da imagem, sem que a titularidade seja turbada.

A imagem, bem jurídico cuja proteção encontra-se garantida pela Carta Magna em seu artigo 5°, incisos V, X e XXVIII, alínea a, possui algumas características peculiares. Além de direito personalíssimo, é absoluto (oponível erga omnes), insdisponível (não pode dissociar do corpo humano), indissociável (por menos que a pessoa aprecie sua imagem não há como mudá-la) e imprescritível, podendo ser objeto de contrato entre pessoas físicas e jurídicas. Segundo Pontes de Miranda, é "todo tipo de representação da pessoa".

Aqui, o objeto do contrato é a autorização para a exploração da imagem do atleta e o bem jurídico protegido é o limite ao uso da imagem, enquanto que no do contrato de trabalho, o objeto é a prestação de atividade física ou intelectual, sendo a dignidade humana o bem resguardado. Ainda que os objetos sejam diferentes, estes dois contratos encontram-se bastante interligados.

No esporte, a exploração da imagem dos atletas é uma realidade. Isto porque, além de serem pessoas públicas de grande destaque na mídia, há enorme interesse em associar a imagem do clube ou de um evento à imagem do atleta vencedor. Não há dúvida de que os atletas são verdadeiros artistas e, por serem estrelas de um mundo milionário, sua exploração comercial é mais do que natural.

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Financeiramente, a comercialização da imagem de um atleta agrega vantagens e desvantagens. As vantagens podem ser observadas em vários meios. Para o clube, significa a identificação do ídolo com a entidade o que, em longo prazo, pode arrebanhar torcedores. Para o atleta, a comercialização representa nova fonte de grandes receitas. Para os patrocinadores, a imagem do ídolo pode significar um estímulo ao consumo de determinado produto e, finalmente, para terceiros, porque aumenta a oferta de produtos no mercado, pois, com o aumento do interesse na veiculação da imagem, mais produtos serão comercializados. Como desvantagem, pode-se dizer que a simples utilização não autorizada da imagem pode gerar pedidos de reparação de danos morais e patrimoniais.

Na prática, tem-se verificado significativo crescimento do comércio da imagem dos atletas e, em assim sendo, estudo mais pormenorizado se faz necessário.

Os atletas, ao firmarem seus contratos, podem, se assim lhes convier, licenciar o direito de exploração de sua imagem à agremiação para a qual irão atuar. Entretanto, ao contrário do que muitos possam pensar, a imagem do atleta não está, obrigatoriamente, vinculada à do clube. O aumento do interesse econômico sobre este direito personalíssimo permite ao seu titular a maximização de receitas, desde que tomadas as medidas adequadas e escolhido o instrumento contratual apropriado. Em existindo a intenção de permitir a exploração de sua imagem, as partes celebram um contrato, que pode ser a título gratuito ou oneroso, devendo, sempre, respeitar a forma escrita. Ainda, deve, explicitamente, ajustar quais os limites do acordo, estipulando o prazo de validade, a finalidade, a remuneração e a exclusividade. Por ser direito personalíssimo de seu titular – o atleta – o contrato de licença pode ser rescindido a qualquer tempo, sendo as perdas e danos apuradas na esfera cível. O limite de multa a ser aplicada em virtude da rescisão antecipada apenas do contrato de licença de uso de imagem regular-se-á pelo artigo 920 do Código Civil, isto é limita-se ao próprio valor do contrato ("O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder da obrigação principal") Vale lembrar que a entidade de prática desportiva pode pagar o atleta e não utilizar sua imagem para nada, isto é, ao remunerar o profissional, o clube não está automaticamente vinculado à utilização da imagem do jogador em campanhas de publicidade e/ou produtos. Pode simplesmente pagá-lo com o intuito de que outro clube não utilize a imagem do mesmo atleta.


3. Direito de Arena ou Licença de Uso de Imagem?

Importante destacar que a autorização para a exploração da imagem do atleta constitui-se como contrato autônomo, isto é, a legalidade do mesmo depende de instrumento próprio e de expressa autorização deste. Diz-se isto porque muita confusão vem sendo criada pela imprensa especializada acerca do que seja Direito de Arena e Direito à própria imagem (materializado pelo contrato próprio para a exploração da mesma). Em primeiro lugar, lembremos que o fundamento jurídico é diverso: o Direito de Arena vem previsto no artigo 42 da Lei 9.615/98 e, como já visto, o direito à própria imagem é bem jurídico assegurado constitucionalmente. A confusão talvez tenha surgido em virtude da abrangência de cada um dos institutos, isto é, quem compete são as equipes e não o atleta individualmente e, também, pelo fato de os atletas possuírem uma espécie de "imagem coletiva", ou seja, quando o foco é o grupo de jogadores, o time. No entanto, até pelo que mencionamos no início em relação à parca produção jurisprudencial sobre o tema, completamente justificável a não uniformidade de entendimentos.

Cabe-nos, portanto, esclarecer alguns pontos. No Direito de Arena, a titularidade é da entidade de prática desportiva, enquanto que nos contratos de licença de uso de imagem a titularidade pertence à pessoa natural. De acordo com o artigo 42 da Lei 9.615/98, o clube possui a prerrogativa de negociar, autorizar e proibir a fixação, transmissão ou retransmissão de eventos dos quais participem. Ocorre que, quanto à abrangência, deve-se ter claro que o Direito de Arena alcança o conjunto do espetáculo, ou seja, se estende a todos os participantes somente durante os 90 minutos da partida de futebol. O direito à exploração da imagem é individualizado e se estende enquanto durar o contrato celebrado para tal.

Ao contrário do que muitos possam pensar, ao atleta cabe, além dos lucros pela negociação individual em relação à autorização pela exploração de sua imagem, uma porcentagem sobre os rendimentos auferidos com a exibição pública do espetáculo. Segundo o § 1° do artigo 42 da Lei 9.615/98, salvo disposição em contrário, 20% do total arrecadado com a autorização da transmissão será dividido entre os partícipes da partida. Alguma discussão tem sido observada em relação a tal divisão. Seria o rateio feito igualmente entre os atletas? Teriam todos os atletas a mesma visibilidade dentro da partida? O que dizer, então, dos suplentes que entram no decorrer da partida e cuja participação é menor? A valoração da participação dos atletas não é tarefa das mais simples. Notório o fato de que um atacante, por exemplo, tem muito mais possibilidade de ter sua imagem retransmitida do que a de um zagueiro ou um lateral. Todavia, em nosso entendimento, o percentual deva ser igualmente repartido entre todos os que participarem do espetáculo, pois, durante os 90 minutos regulamentares, inegável o fato de os atletas representarem um clube, um escudo, uma camisa. Mais do que isto, constituem-se como um grupo e, em sendo assim, devem perceber de forma uniforme os mesmos frutos de sua performance. Decorridos os 90 minutos, cada um submete-se ao disposto em negociação individual da licença de uso de imagem.

Um caso clássico de má-interpretação sobre a abrangência dos direitos de arena ocorreu no caso do álbum de figurinhas "Heróis do Tri", que retrava os vitoriosos jogadores da Copa de 1970. Os atletas lesados ajuizaram pedido de reparação de danos em virtude de não terem autorizado a veiculação de sua imagem nos ditos cromos. Tal autorização dependeria de negociação individualizada, o que não ocorreu. Assim decidiu o STJ:

INDENIZAÇÃO. DIREITO À IMAGEM. JOGADOR DE FUTEBOL. ÁLBUM DE FIGURINHAS. ATO ILÍCITO. DIREITO DE ARENA.

-É inadmissível o recurso especial quando não ventilada na decisão recorrida a questão federal suscitada (súmula nº 282-STF).

A exploração indevida da imagem de jogadores de futebol em álbum de figurinhas, com intuito de lucro, sem o consentimento dos atletas, constitui prática ilícita a ensejar a cabal reparação do dano.

O direito de arena, que a lei atribui às entidades desportivas, limita-se à fixação, transmissão e retransmissão de espetáculo esportivo, não alcançando o uso da imagem havido por meio da edição de "álbum de figurinhas"

(STJ – 4ª. Turma – Resp. 67.262-RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 03/12/1998).

Em outro julgado, o STJ também entendeu que a exploração comercial da imagem do atleta depende de autorização expressa, formalizada em acordo próprio e autônomo:

Direito de Arena. Limitação. Direito de Imagem. Divergência jurisprudencial não configurada.

I – O direito de arena é uma exceção ao direito de imagem e deve ser interpretado restritivamente. A utilização com intuito comercial da imagem do atleta fora do contexto do evento esportivo não está por ele autorizada. Dever de indenizar que se impõe.

II – Para a caracterização da divergência é necessário que, partindo de base fática idêntica, dois ou mais Tribunais vislumbrem conseqüências jurídicas diversas

(STJ – 3ª. Turma – AI 141987-SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 15/12/1997).

Destaque-se, aqui, a menção à interpretação restritiva que deve ser feita nos contratos de licença de uso de imagem. Como o interesse comercial sobre a exploração da imagem dos atletas cresce a olhos vistos, a importância de uma negociação e um contrato bem feitos é essencial tanto para o plano mercadológico dos clubes quanto para a segurança dos atletas. Como o direito à própria imagem é personalíssimo, de titularidade somente da pessoa natural, é óbvio que ninguém gostaria de ter sua imagem publicamente exposta sem autorização ou veiculada de forma diversa da acordada contratualmente. Desta forma, diz-se que a interpretação dos contratos de licença de uso de imagem é restritiva, ou seja, tudo o que não estiver expressamente disposto é proibido. Caso as partes, em virtude do mercado, sintam a necessidade de mudanças no approach da exploração, nova negociação deverá ser feita. Caso contrário, como visto acima, as violações serão objeto de análise na esfera cível.

Indagar-se-ia, então, quais as técnicas utilizadas para a mensuração econômica da imagem de um atleta. Este assunto será objeto de tópico a seguir. Antes de falarmos em valores, analisemos o cerne da questão relativa a relação entre contrato de trabalho e contrato de licença de uso de imagem.


4. Licença de Uso de Imagem é salário?

De antemão, diga-se que os contratos de trabalho e de licença de uso de imagem são completamente autônomos. Nos primeiros, como visto anteriormente, temos como objeto a relação de emprego e são aplicáveis à tal as normas da legislação trabalhista, que disciplina as condições de trabalho, remuneração, carga horária, obrigações. Nos outros, a relação é de natureza civil e o objeto é a limitação da exploração da imagem do atleta.

Mesmo não restando dúvidas acerca da independência dos dois contratos, é prática bastante comum dos clubes de futebol a vinculação dos pagamentos relativos a exploração da imagem do atleta aos que decorrem do contrato de trabalho, isto é, da prestação de serviços.

O fenômeno começou a ser analisado com mais minúcia após a sentença do Juiz Glener Pimenta Stroppa, Titular da XX Vara do Trabalho de São Paulo no caso do jogador Luizão. Antes de passarmos à análise do caso concreto, alguns comentários sobre o assunto são necessários.

Com a intenção de reduzir a base de incidência para a aplicação de tributos e contribuições sociais na relação de trabalho, não só os clubes, mas também os atletas – porque nada é feito sem a anuência destes – adotam a postura de justificar (grande) parte da remuneração como sendo relativa a licença de uso de imagem.

Como visto à exaustão, os contratos são totalmente desvinculados e, desta forma, o valor pago a título de licença de uso de imagem não constitui salário, ficando, portanto, excluído da base de cálculo para a incidência de INSS, FGTS, Férias e 13° Salário. Da mesma forma, tais valores não podem ser utilizados para o cálculo do total da remuneração anual quando da aplicação da cláusula penal pela dissolução antecipada do contrato de trabalho.

Assim, fica fácil compreender que os valores dos salários constantes nas Carteiras de Trabalho e Previdência Social (CTPS) dos atletas raramente refletem seus ganhos reais. Fica fácil compreender, portanto, que a redução do valor nominal do salário – e conseqüente aumento das parcelas relativas à exploração de imagem do atleta – é benéfica a ambas as partes: tanto o clube como jogador recolhem menos impostos ao Fisco. O ardil fica mais evidente pela simples leitura de tais contratos. Normalmente, os atletas constituem uma empresa (pessoa jurídica) com a finalidade específica de negociar a exploração da imagem do atleta e que, via de regra, contam com um único cliente, o clube empregador.

Desta forma o atleta, pessoa física, terá rendimento nominalmente menor, ou seja, o Imposto de Renda, cuja alíquota é de 27,5% sobre salários acima de R$ 2.115,00, incidirá sobre menor base de cálculo. Traduzindo: na carteira, recebe apenas um salário "simbólico" que, muitas vezes, não chega nem a metade dos seus rendimentos reais. O clube, por sua vez, força o atleta a formar uma empresa para que a negociação seja feita entre pessoas jurídicas, o que reduz a carga tributária para cerca de 12%.

Claro, portanto, que os atuais contratos de licença de uso de imagem nada mais são do que meios de mascarar os salários dos atletas.

Esta situação toma proporções ainda mais graves, além de sua evidente ilegalidade, quando se percebe a verdadeira fortuna que os clubes deixam de recolher aos cofres do INSS. A existência de relação de trabalho é fato gerador para a incidência da contribuição à Seguridade Social e os percentuais incidem sobre o valor dos salários dos empregados. Ora, se o salário é menor, a contribuição também o é. O problema, portanto, não restringe-se apenas à relação atleta-clube (empregado-empregador), pois, como visto, possui reflexos muito maiores.

O artifício utilizado pelos clubes, ao nosso ver, constitui-se como clara evasão fiscal, uma vez que os envolvidos utilizam-se de uma manobra jurídica com o simples objetivo de infringir a legislação fiscal após a verificação da hipótese de incidência.

Há que se discutir, com urgência, não somente a ilegalidade da prática, mas, também, as conseqüências diante do ponto de vista do Direito tributário e trabalhista, uma vez que os clubes destinam quase que a totalidade dos rendimentos ao acordo de natureza civil (licença de uso de imagem), deixando percentual irrisório à parte relativa aos salários. A discrepância entre os valores de natureza salarial e os de natureza civil infringe, além do bom senso, o interesse de terceiros e, desta forma, fiscalização mais efetiva da sociedade se faz necessária – inclusive por ser o desporto nacional considerado de elevado interesse social (Artigo 4°, § 2° da Lei 9.615/98, com acréscimo da MP 39/2002).

4.1. O Caso Luizão

O caso do centroavante Luizão é um dos mais emblemáticos. O atleta ajuizou pedido perante a Justiça do Trabalho de São Paulo pleiteando o reconhecimento dos valores pagos sob a rubrica "contrato de imagem" como sendo de natureza salarial e, em virtude do atraso do pagamento de tal parcela por período superior a três meses (Artigo 31 da Lei 9.615/98), requeria a rescisão antecipada de seu compromisso com o clube. Requer, também o pagamento das parcelas relativas ao FGTS.

O atleta e o Sport Club Corinthians Paulista haviam celebrado contrato de trabalho que se estendia de julho de 2001 até junho de 2004, pactuando salário registrado em CTPS de R$ 40 mil.

Por outro lado, foram firmados três contratos de licença de uso de imagem, marcadamente de caráter civil. Coincidentemente, todos foram assinados no mesmo dia e o prazo destes contratos era o mesmo do contrato de trabalho. O primeiro deles foi celebrado entre o clube e uma empresa formada pelo atleta (Goulart Consultoria de Negócios S/C Ltda.), seguindo a prática que havíamos descrito anteriormente. Neste, Luizão receberia a inimaginável quantia de R$ 2.888.000,00 (Dois milhões oitocentos e oitenta e oito mil reais), divididos em 36 parcelas, iguais e consecutivas, de R$ 80 mil. O segundo contrato de licença foi celebrado entre a Corinthians Licenciamentos e a empresa do atleta. O clube não se preocupou nem mesmo em modificar os termos do instrumento. A única diferença encontra-se nos valores: por esta segunda "licença", o atleta iria receber R$ 3.281.652,00 (Três milhões duzentos e oitenta e um mil seiscentos e cinqüenta e dois reais), divididos em 36 parcelas de R$ 91.157,00. O terceiro e último contrato de licença de uso de imagem, novamente acordado entre a Goulart Consultoria de Negócios S/C Ltda. e a Corinthians Licenciamentos, previa o pagamento de uma parcela de US$ 900.000,00 (Novecentos mil dólares) e 23 parcelas subseqüentes de US$ 71.770,00 que, à época, importavam em R$ 172.170,00. Pelos valores apresentados, a diferença mensal entre o salário constante em sua CTPS e sua real remuneração, chegava à casa dos R$ 350.507,00.

O Juiz da 12ª. Vara do Trabalho de São Paulo, Dr. Glener Pimenta Stroppa, decidiu o caso com irretocável precisão jurídica. Entendeu o magistrado que não seria razoável o pagamento de cerca de R$ 350 mil mensais, somando-se os três contratos, simplesmente para a exploração da imagem do atleta. Indaga, com inteligência ímpar, se efetivamente existiria o contrato de licença de uso de imagem se não existisse o contrato de trabalho e se a mesma licença existiria se o atleta não fosse um dos melhores atacantes do país. Pontuou a discrepância dos valores pactuados e as coincidências dos prazos de validade, além da continuidade do pagamento das parcelas. Concluiu o Dr. Stroppa por reconhecer a natureza salarial das parcelas recolhidas sob o título de licença de uso de imagem, determinando a incidência do artigo 9° da CLT em virtude de a feitura dos contratos de licença externaram o claro objetivo de desvirtuar a aplicação das normas consolidadas, sobretudo no que diz respeito à incidência em férias, 13° Salário, FGTS e tributos aplicáveis.


5. Critérios para a valoração do contrato de licença de uso de imagem

Nenhum critério de valoração é aceito de forma unânime. O valor atribuído à licença de uso de imagem deve estar de acordo com a realidade, justamente de modo a evitar fraudes anteriormente mencionadas. Se considerássemos tão somente os dividendos que a correta exploração da imagem de uma estrela do esporte traz a uma entidade, justificar-se-ia a super valorização da imagem sobre o salário, por vezes superior a 80% dos salários. Ocorre, todavia, que a questão não se coloca com tanta simplicidade.

Algumas teorias já foram aventadas, destacando-se três delas. A primeira delas sugere a fixação de limites e valores em lei. Duas críticas são feitas a esta hipótese: impossibilidade de se estabelecer um modelo único em face da abundância de casos concretos, isto é, nem todos os atletas estão no mesmo patamar e pelo fato de que os valores relativos ao uso da imagem dependem diretamente da performance dos profissionais. A imagem não é um valor fundamental, mas, sim, a prestação do serviço e do êxito desta depende aquela.

A segunda teoria toma por base o grau de atividade do atleta, isto é, se ele é famoso ou não, o tempo de exposição, a exclusividade, entre outros. Este modelo até nos parece justo, porém, sua aplicação prática seria dificultada em virtude da ausência de meios de aferição de tais critérios.

Finalmente, a terceira teoria – que nos parece mais justa e racional – leva em consideração o critério econômico, ou seja, uma análise de mercado seria capaz de determinar o valor que o uso da imagem de algum atleta agrega a determinado produto. Pode-se medir, por exemplo, quanto vendia um produto antes da associação do atleta e quanto passou a vender posteriormente. A diferença seria o valor agregado, que é passível de mensuração econômica.

Independentemente dos valores, certo é que os valores referentes a licença de uso de imagem devem refletir corretamente os valores de mercado e, mais importante, passíveis de serem demonstrados pelo clube.

O tema ainda não está esgotado. Com as recentes modificações na legislação e com o cerco do Fisco – juntamente com outras que virão – muito há que se discutir acerca da relação entre os contratos e, neste âmbito, desempenhamos papel importante na orientação de futuros entendimentos.

Sobre o autor
Luiz Antonio Grisard

advogado, aluno dos cursos de Especialização em Administração Esportiva pela Universidade do Esporte e Direito do Teabalho pelas Faculdades Integradas Curitiba, Procurador do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paranaense de Futebol, Auditor da Federação Paranaense de Futsal, debatedor no fórum esportivo virtual CevLeis e membro do IBDD.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GRISARD, Luiz Antonio. Considerações sobre a relação entre contrato de trabalho de atleta profissional de futebol e contrato de licença de uso de imagem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3490. Acesso em: 27 dez. 2024.

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