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A eficácia dos direitos econômicos, sociais e culturais.

As perspectivas e dificuldades de implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais no âmbito do sistema internacional de proteção dos direitos humanos

O presente artigo tem por objeto o estudo da eficácia dos direitos ditos de segunda geração, a partir do posicionamento Ocidental adotado, segundo o qual tais direitos têm natureza progressiva, necessitando de recursos disponíveis para a sua concretização

1. INTRODUÇÃO

Sabe-se que o movimento de internacionalização dos Direitos Humanos se deu após a Segunda Guerra Mundial em detrimento às atrocidades e aos abusos cometidos nesse período. Como consequência desse movimento surgiram as primeiras ideias acerca do sistema normativo internacional de proteção dos direitos humanos, com a criação de normas e princípios que assegurassem o respeito à dignidade humana, assim como a responsabilização dos Estados na esfera internacional.

Outrossim, esse movimento deu ensejo à concepção contemporânea dos direitos humanos, esta que foi introduzida no plano internacional pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, trazendo consigo os ideais de universalidade e de indivisibilidade de tais direitos.

Assim, no contexto de um sistema normativo internacional de proteção dos direitos humanos, além da Declaração de 1948, destacam-se o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966, os quais são reflexos da mudança ocorrida na ordem política internacional, cuja principal característica era a bipartição do mundo em um bloco de poder capitalista e outro socialista, liderados respectivamente pelas duas potências da época, Estados Unidos e União Soviética.

A elaboração de dois pactos distintos decorre da adoção do posicionamento da potência política ocidental, a partir da sua natureza liberal-capitalista, com o argumento de que os direitos civis e políticos poderiam ser implementados de imediato, enquanto os direitos econômicos, sociais e culturais teriam uma concretização a longo-prazo.

Assim, com base nessa concepção, os direitos civis e políticos são de natureza obrigatória e ditos negativos, os quais impõem ao Estado o dever de se abster, ou seja, de não interferir indevidamente na esfera individual das pessoas; enquanto os direitos econômicos, sociais e culturais são considerados direitos programáticos, isto é, devem ser realizados de maneira progressiva através da atuação e dos investimentos do Estado, de acordo com as suas possibilidades, devendo este comprometer-se no sentido de alcançar a completa efetivação desses direitos, inclusive por meio da adoção de medidas legislativas cabíveis.

Nesse sentido, para a concretização dos direitos econômicos, sociais e culturais é necessário um mínimo de recursos econômicos disponíveis, e diante da situação socioeconômica mundial, em que a miséria ainda é predominante em muitos países, diversos Estados têm cometido violações contra tais direitos sem que possam ser responsabilizados com base no respectivo tratado.

 Assim, visa o presente trabalho demonstrar as perspectivas e as dificuldades de implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais no cenário internacional, a partir da análise do posicionamento do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, especificamente a ONU e a OEA.

2. MOVIMENTO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Muito embora os primeiros passos em busca de uma internacionalização dos Direitos Humanos tenham sido dados após a Primeira Guerra Mundial, com o surgimento da Liga das Nações e da Organização Internacional do Trabalho, esse objetivo só foi concretizado com o fim da Segunda Guerra Mundial. (HIDAKA, 2002, p. 23)

Assim, no período Pós-Guerra, em detrimento às atrocidades e aos abusos cometidos durante o nazismo, surgiu, de fato, o movimento de internacionalização dos Direitos Humanos, ou seja, “a sua conversão em tema transcendente ao interesse estritamente doméstico dos Estados”. (PIOVESAN, 2000, p.130)

A crueldade e a desconsideração do ser humano foram tamanhas durante esse período, que significaram a ruptura da ordem internacional com os direitos humanos. De forma que com o fim da Segunda Guerra, esse cenário em que o próprio Estado se encontrava na posição de violador, promovendo a descartabilidade dos seres humanos, acobertado por sua soberania absoluta, foi o palco de esforços para a reconstrução dos direitos humanos, como solução a orientar a ordem internacional contemporânea e a restaurar a razoabilidade.

Houve, então, uma mudança na mentalidade da comunidade internacional, passou-se a buscar um novo paradigma em que a soberania estatal não fosse absoluta. Não mais se admitiu que o Estado agisse com total discricionariedade em relação aos seus cidadãos, sem que fosse responsabilizado no âmbito internacional.

Tais esforços resultaram em mudanças no Direito Constitucional Ocidental, os Estados passaram a incluir em suas constituições dispositivos que garantissem direitos fundamentais aos indivíduos, com especial atenção à dignidade da pessoa humana. Por outro lado, deram ensejo ao surgimento de um Direito Internacional dos Direitos Humanos e consequentemente as primeiras ideias acerca do sistema normativo internacional de proteção dos direitos humanos, com a criação de normas e princípios que assegurassem o respeito à dignidade humana, assim como a responsabilização dos Estados na esfera internacional.

Segundo Flávia Piovesan (2012, p. 41):

É como se se projetasse a vertente de um constitucionalismo global, vocacionado a proteger direitos fundamentais e a limitar o poder do Estado, mediante a criação de um aparato internacional de proteção de direitos.

Esse sistema normativo internacional de proteção dos direitos humanos e os instrumentos de proteção que o configuram se desenvolveram no âmbito das Nações Unidas, organização criada com inspiração na antiga Liga das Nações, com os mesmos objetivos de promover a paz e de zelar pela segurança mundial.

Nesse sentido, bem afirma Piovesan (2006, p. 116-118):

A necessidade de uma ação internacional mais eficaz para a proteção dos direitos humanos impulsionou o processo de internacionalização desses direitos, culminando na criação da sistemática normativa de proteção internacional, que faz possível a responsabilização do Estado no domínio internacional, quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de proteção aos direitos humanos.

Ainda acerca desse cenário histórico, explica Hidaka (2002, p.24-25):

Entendeu-se com o fim da Segunda Guerra Mundial que, se houvesse um efetivo sistema de proteção internacional dos direitos humanos, capaz de responsabilizar os Estados pelas violações por eles cometidas, ou ocorridas em seus territórios, talvez o mundo não tivesse tido que vivenciar os horrores perpetrados pelos nazistas, ao menos em tão grande escala.

O movimento de internacionalização dos direitos humanos deu ao indivíduo a condição de sujeito de direitos, passando a demandar proteção e atenção da comunidade internacional. Os Estados não mais eram os únicos sujeitos do Direito Internacional, visto que os indivíduos e as Organizações Internacionais também passaram a ser reconhecidos como tal.

Ademais, a ideia de que a proteção dos direitos humanos deve reduzir-se ao domínio Estatal restou enfraquecida, posto que tal tema tornou-se de legítimo interesse internacional. Assim, a concepção tradicional de soberania Estatal absoluta e ilimitada começou a sofrer um processo de relativização, ao passo que se passou a admitir intervenções no âmbito interno dos Estados em prol da proteção dos direitos humanos.

Outro grande avanço no desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos foi a instauração dos tribunais de Nuremberg e de Tóquio, no período entre 1945 e 1949, com o objetivo de julgar os criminosos de guerra, reconhecendo os direitos dos indivíduos ante a comunidade internacional. Pela primeira vez um Estado foi julgado e condenado pelas violações cometidas em seu próprio território, assim se deu com a Alemanha ao ser considerada culpada pelo Tribunal de Nuremberg, por violar o direito costumeiro internacional. (HIDAKA, 2002, p.23)

Nesse sentido, explica Piovesan (1999, p. 135):

O significado do Tribunal de Nuremberg para o processo de internacionalização dos direitos humanos é duplo: não apenas consolida a ideia da necessária limitação da soberania nacional, como também reconhece que os indivíduos têm direitos protegidos pelo Direito Internacional.

Desse modo, o tratamento dado pelos Estados aos seus nacionais deixou de ser concebido como decorrência de sua soberania absoluta e ilimitada, de sua competência doméstica exclusiva, visto que agora estava sujeito a intervenções internacionais por ocasião da violação de direitos humanos em seu âmbito interno.

Nesse sentido, conclui Andrew Hurrell Power (1999, p.277):

O aumento significativo das ambições normativas da sociedade internacional é particularmente visível no campo dos direitos humanos e da democracia, com base na ideia de que as relações entre governantes e governados, Estados e cidadãos, passam a ser suscetíveis de legítima preocupação da comunidade internacional; de que os maus-tratos a cidadãos e a inexistência de regimes democráticos devem demandar ação internacional; e que a legitimidade internacional de um Estado passa crescentemente a depender do modo pelo qual as sociedades domésticas são politicamente ordenadas.

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Os indivíduos conquistaram seu espaço no cenário mundial, ultrapassando as fronteiras dos Estados e demandando preocupação e proteção internacionais. De forma que os Estados não podem mais alegar ser de sua competência exclusiva a solução do tratamento desumano dado aos seus nacionais.

2.1. A CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA DOS DIREITOS HUMANOS

A partir do movimento de internacionalização dos direitos humanos, surge no plano internacional a concepção contemporânea de tais direitos, introduzida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993.

Segundo Flávia Piovesan (2012, p.43), a mencionada concepção contemporânea dos direitos humanos é marcada pelas ideias de universalidade e indivisibilidade, no seguinte sentido:

Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos, considerando o ser humano um ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e dignidade, esta como valor intrínseco à condição humana. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem, assim, uma unidade indivisível.

Complementando a ideia da universalidade dos direitos humanos, Leonardo Hidaka (2002, p. 27) dispõe que o fato de o indivíduo hoje ser também considerado sujeito em âmbito internacional é condição suficiente para que este seja titular de direitos humanos e para que haja a garantia da proteção universal dos mesmos. Ao que dispõe:

O indivíduo é protegido pelo simples fato de ser um ser humano, portanto sujeito de Direito Internacional. Afinal, antes de ser cidadão de seu país, ele é cidadão do mundo, e dessa condição decorrem direitos universalmente protegidos, que não devem ser violados nem mesmo pelo Estado do qual ele é um nacional, sob pena de responsabilização daquele pelo mal sofrido. Em suma, basta a condição de pessoa para que possua a titularidade desses direitos, pois desde o nascimento todos os homens são livres e iguais em direitos.

Ademais, como consequência da mencionada concepção contemporânea, implantada pela Declaração de 1948, o Direito Internacional dos Direitos Humanos começou a se desenvolver, dando ensejo à criação de diversos instrumentos protetivos dos direitos humanos na esfera internacional.

3. O SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS

Como exposto, a Segunda Guerra Mundial foi palco de atrocidades tremendas e diversos atentados à pessoa humana, tudo em nome da soberania nacional absoluta, através da qual o Estado se tornou o próprio violador dos direitos humanos. Entretanto, diante de uma situação em que o próprio valor da pessoa humana havia sido abolido e em que o caos predominava, a ideia da criação de um sistema internacional de proteção dos direitos humanos surgiu como esperança de reconstrução da paz duradoura no mundo. (LIMA JÚNIOR, 2002, p. 37)

Nesse contexto:

O processo de universalização dos direitos humanos permitiu a formação de um sistema internacional de proteção destes direitos, o qual é composto por tratados internacionais de proteção que refletem a consciência ética contemporânea compartilhada pelos Estados, levando em consideração que instituem um consenso internacional acerca de temas centrais de direitos humanos com o objetivo de salvaguardar parâmetros protetivos mínimos, o chamado “mínimo ético irredutível.” (BELLINHO, 2009)

Outrossim, o sistema internacional de proteção dos direitos humanos é constituído por um sistema a nível global e por alguns sistemas a nível regional, de forma que estes complementam aquele

3.1. O SISTEMA GLOBAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

O Sistema Global, também conhecido como Sistema ONU ou Sistema Universal é constituído por instrumentos normativos de proteção dos direitos humanos gerais, os quais abrangem todos os indivíduos indistintamente; e especiais, os quais são voltados para determinados grupos de pessoas que demandam uma tutela especial por serem considerados vulneráveis; e também é constituído por mecanismos de fiscalização e monitoramento desses direitos. (BORGES, 2011)

Os principais instrumentos gerais são a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966. Por sua vez, os instrumentos especiais são constituídos pelas Convenções Internacionais, estas que não são objeto do presente estudo.

3.1.1. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS DE 1948

Em meio à necessidade de reconstrução dos direitos humanos no pós-guerra, nasceu a Organização das Nações Unidas, dentre outras organizações internacionais, inaugurando uma nova ordem internacional que visava além da manutenção da paz, a garantia dos direitos humanos em nível universal. (HIDAKA, 2002, p. 27)

Nesse contexto de implementação de uma nova ordem internacional, foi adotada e proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, o primeiro instrumento geral de proteção de direitos humanos no âmbito de uma organização internacional. Nesse sentindo, dispõe Leonardo Hidaka (2002, p. 27):

Esse instrumento é considerado o marco inicial do Direito Internacional dos Direitos Humanos, e consequentemente da tutela universal dos direitos humanos, que visa à proteção de todos os seres humanos, independente de quaisquer condições.

Ademais, a Declaração de 1948 reuniu direitos e liberdades que se complementam, traduzindo o ideal de dignidade da pessoa humana; além de ter se tornado o fundamento essencial de proteção aos direitos humanos, e de demandar a observância de todos os outros instrumentos protetivos do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Corroborando com essa ideia, Leonardo Hidaka (2002, p. 28-29) dispõe que:

A Declaração Universal ganhou força, tanto no campo legal como no político, sob a forma de direito costumeiro; tanto no âmbito internacional, servindo de norte à elaboração dos tratados sobre direitos humanos, como no âmbito interno, pois muitos de seus dispositivos vieram a ser incorporados por Constituições de diversos Estados e invocados por tribunais nacionais com a força de direito costumeiro e fonte de interpretação de dispositivos sobre a matéria.

Entretanto, é válida a ressalva de que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não é um tratado internacional, mas uma resolução da Assembleia Geral da ONU e, portanto, não possui natureza obrigatória. No entanto, a Declaração tornou-se o reflexo do que são os direitos humanos perante a comunidade internacional, sendo aceita como instrumento de referência na proteção internacional de tais direitos, e em decorrência disso, passou a ser reconhecida como obrigatória, não em virtude da sua natureza jurídica, mas por representar o interesse e a vontade da comunidade internacional. (GONDINHO, 2006, p. 13)

3.1.2. PACTO INTERNACIONAL DE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS – 1966

Um dos marcos do período Pós-Guerra foi o fato de o mundo está dividido em dois blocos de poder, um capitalista e outro socialista, liderados pelas duas potências da época, Estados Unidos e União Soviética, respectivamente. De forma que essa divisão e a guerra entre tais potências refletiram na elaboração dos instrumentos de proteção internacional dos direitos humanos, mais especificamente na elaboração dos Pactos Internacionais referentes a tais direitos.

Nesse sentido, Leonardo Hidaka (2002, p.29) explica que:

Foram elaborados dois Pactos, um para os direitos humanos civis e políticos, e outro para os direitos econômicos, sociais e culturais, em decorrência do maior poder político das nações ocidentais, que, conforme a sua natureza capitalista e liberal, alegavam que deveriam se elaborados dois Pactos distintos, visto que a implementação dos direitos humanos civis e políticos poderia ocorrer de imediato, enquanto os direitos humanos econômicos, sociais e culturais só poderiam ser concretizados a longo prazo. Por outro lado, as nações socialistas, tradicionalmente regidas pelo forte intervencionismo estatal, como forma de garantir os direitos sociais, defendiam uma posição exatamente contrária quanto à auto-aplicação e à implementação a longo prazo dos direitos.

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos reafirmou alguns dos princípios contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, dentre os quais a universalidade e indivisibilidade, já mencionadas no presente estudo.

O foco desse Pacto é os direitos voltados para os indivíduos, dentre os quais, alguns já eram previstos na Declaração de 1948, como: o direito à vida, o direito a não ser submetido à escravidão ou à servidão, o direito de não ser submetido à tortura, dentre outros.

Entretanto, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos inovou e também trouxe em seu bojo um rol de direitos não contidos na Declaração de 1948, quais sejam, o direito à autodeterminação, o direito das minorias à identidade cultural, religiosa e linguística e o direito de não ser preso por descumprimento de obrigação contratual; restando demonstrada a relevância desse Pacto.

3.1.3. PACTO INTERNACIONAL DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS – 1966

Assim como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais reafirma a universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos, como também reforça em seu bojo diversos direitos afirmados na Declaração de 1948, como o direito ao trabalho e à justa remuneração, o direito à saúde, o direito à educação e o direito a um nível de vida adequado quanto à moradia, à vestimenta e à alimentação. Mas também inovou ao prever direitos não constantes na Declaração Universal. (HIDAKA, 2002, p. 30)

Sobre esse Pacto, Leonardo Hidaka (2002, p. 31) ensina que:

Os direitos nele incluídos devem ser realizado progressivamente e a longo prazo, mediante a autuação e o investimento dos Estados (sujeitos destes deveres), inclusive com a adoção das medidas legislativas cabíveis, comprometendo-se a investir no sentido de progredir em direção à sua completa realização. Observa-se, portanto, que em relação à implementação destes direitos o pensamento ocidental, capitalista e liberal realmente prevaleceu, uma vez que, enquanto os direitos humanos econômicos, sociais e culturais só alcançariam esta condição em sua plenitude a longo prazo.

Outro problema é que para concretização dos direitos previstos neste Pacto, se faz necessário um mínimo de recursos econômicos disponíveis. E diante da situação de miséria extrema ainda observada em diversos países, as violações a tais direitos não têm sido, muitas vezes, responsabilizadas com base no supracitado Pacto. (HIDAKA, 2002, p. 31)

3.2. SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Ao analisar o sistema interamericano deve-se levar em conta, além do contexto histórico em meio ao qual surgiu esse sistema, as características peculiares dessa região, visto que sujeita a um grau de exclusão e de desigualdade sociais bastante elevado, além do problema das democracias em fase de consolidação. Os resíduos dos regimes ditatoriais passados, regados de violência e impunidade, com a precária tradição de respeito aos direitos humanos, ainda são observados nessa região. (PIOVESAN, 2012, p. 211)

A preocupação com a proteção dos direitos humanos no âmbito interamericano é anterior ao sistema protetivo atual, que tem como base a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. Em 1948, estabeleceu-se a Organização dos Estados Americanos (OEA), trazendo as ideias de respeito e garantia dos direitos humanos como seus princípios básicos, além da ideia de que a solidariedade humana só é possível dentro de “um regime de liberdade individual e justiça social, fundado no respeito dos direitos fundamentais do homem”. (GONDINHO, 2006, p. 89)

Ainda em 1948, foi aprovada a Declaração America de Direitos Humanos, esta que não tem cunho obrigatório, mas de recomendação, e abrange tanto direitos civis e políticos, quanto econômicos, sociais e culturais, como também direitos judiciais, tais quais o direito de petição, direito ao devido processo legal, direito de não ser detido arbitrariamente. Há também a previsão de deveres de assistência na Declaração, como o de não realizar atividades políticas em países estrangeiros e o de servir à comunidade e à nação.

O Pacto de San José da Costa Rica ou Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 é a base do sistema atual de proteção dos direitos humanos nas Américas e, diferentemente da Declaração Americana, possui caráter obrigatório, vinculando juridicamente os Estados que a ratificam.

O sistema interamericano possui dois órgãos a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos que, apesar de possuírem funções distintas, se complementam.

No que tange à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ensina Fabiana Gorenstein (LIMA JÚNIOR, 2002, p.84):

A Comissão, na versão atual, exerce duplo papel no Sistema Interamericano: é o órgão que recebe as petições individuais, relatando a violação a algum dos artigos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou de outros tratados de alcance regional de conteúdo específico; além de elaborar relatórios diversos sobre a situação dos direitos humanos nos países signatários.

A Corte, por sua vez, é o órgão jurisdicional do Sistema Interamericano, cujas decisões são sentenças obrigatórias, as quais os Estados não podem esquivar-se de cumprir. Apenas os Estados-partes da Convenção e a Comissão Interamericana podem submeter um caso à Corte, os indivíduos não detêm tal legitimidade.

É válida a ressalva de que a competência jurisdicional da Corte deve ser reconhecida expressamente por cada Estado signatário, através de documento depositado na sede da OEA.

Além da função jurisdicional, a Corte Interamericana detém competência consultiva, ao produzir os chamados Pareceres Consultivos, através dos quais a interpretação da Corte torna-se pública e obrigatória.

4. DA EFICÁCIA DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS

Como já visto, o Pacto de Direitos Civis e Políticos e o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais são reflexos da mudança ocorrida na ordem política internacional, cuja principal característica era a bipartição do mundo em um bloco de poder capitalista e outro socialista, liderados respectivamente pelas duas potências da época, Estados Unidos e União Soviética.

Ademais, a elaboração de dois pactos distintos decorre da adoção do posicionamento da potência política ocidental e do seu ideal liberal-capitalista, com o argumento de que os direitos civis e políticos não deveriam constar em um mesmo pacto que os direitos econômicos, sociais e culturais, visto que os primeiros poderiam ser implementados de imediato, enquanto segundos teriam uma concretização a longo-prazo.

Assim, a partir do supracitado posicionamento, tem-se que os direitos civis e políticos são de natureza obrigatória, são direitos ditos negativos, os quais impõem ao Estado o dever de se abster, ou seja, de não interferir indevidamente na esfera individual das pessoas.

Enquanto os direitos econômicos, sociais e culturais são considerados direitos programáticos, ou seja, devem ser realizados de maneira progressiva através da atuação e dos investimentos do Estado, de acordo com as suas possibilidades. O que se exige do Estado é o comprometimento no sentido de agir para alcançar a completa efetivação desses direitos, inclusive por meio da adoção de medidas legislativas cabíveis.

A mencionada progressividade dos direitos econômicos, sociais e culturais é preconizada tanto no âmbito da ONU, através do supracitado Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, quanto no âmbito do Sistema Interamericano, sendo também explícita na Convenção Americana dos Direitos Humanos.

No que tange à Convenção Americana, os direitos em questão, ditos de segunda geração, são previstos apenas no artigo 26 e como mencionado, com as reservas da progressividade e da capacidade econômica de implementação, a partir das possibilidades de cada Estado. Senão veja-se:

Capítulo III - DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS

Artigo 26 - Desenvolvimento progressivo - Os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados. (CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS – 1948)

Ou seja, como é necessário um mínimo de recursos econômicos disponíveis, diante da situação socioeconômica mundial, em que a miséria ainda é predominante em muitos países, diversos Estados têm cometido violações contra tais direitos sem que possam ser responsabilizados com base no respectivo tratado. (HIDAKA, 2002, p. 31)

Ademais, para sanar a omissão da Convenção Americana, foi elaborado o Protocolo de San Salvador, o qual dispõe acerca de direitos econômicos, sociais e culturais no âmbito do Sistema Interamericano.

Ocorre que, o supracitado protocolo não conseguiu equalizar a matéria de forma ideal, visto que prevê apenas a possibilidade de denúncia ao Sistema Interamericano para os direitos relativos à educação e para os direitos sindicais (arts. 8º e 13). (HIDAKA, 2002).

Ademais, algumas estratégias têm sido traçadas no sentido de forçar os órgãos do Sistema a conhecer as violações a os direitos humanos em sua interdependência e indivisibilidade. Nesse sentido, destaca-se: a tentativa de estabelecer uma ponte argumentativa entre os direitos civis e políticos da Convenção Americana e os direitos econômicos, sociais e culturais previstos no Protocolo de San Salvador. Como por exemplo, uma violação ao direito à saúde poder ser impetrada e interpretada como uma violação ao próprio direito à vida ou à integridade física. (HIDAKA, 2002)

Outrossim, o Protocolo de San Salvador não veda expressamente a denúncia dos demais direitos classificados como de segunda geração à Comissão Interamericana, tão somente prevê a possibilidade de denúncia dos direitos relativos à educação e dos direitos sindicais. (HIDAKA, 2002)

Por fim, observa-se na jurisprudência da Corte Interamericana uma ampliação no conceito de direitos humanos por ela aceito, no sentido de que vem proferindo sentenças utilizando-se das mencionadas estratégias, especialmente da “ponte argumentativa entre os direitos”.

CONCLUSÃO

Antes de adentrar na temática principal do presente artigo, qual seja, a Eficácia dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais no âmbito do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, foi necessária a exposição do cenário histórico em que fora instituído este sistema.

Nesse sentido, inicialmente foi abordado o movimento de internacionalização dos direitos humanos, ou seja, a transcendência de tais direitos para além das fronteiras e dos interesses dos Estados. Como visto, esse movimento só se concretizou após a Segunda Guerra Mundial, em detrimento às atrocidades cometidas nesse período.

O próprio Estado se encontrava na posição de violador e, acobertado por sua soberania absoluta, promovia a desconsideração e a descartabilidade da pessoa humana. Até que houve uma mudança na mentalidade da comunidade internacional e passou-se a busca um novo paradigma em que a soberania estatal não fosse absoluta, não mais se admitiu os atos discricionários do Estado em relação aos cidadãos, sem que fosse responsabilizado na esfera internacional.

Esses esforços resultaram na transformação do Direito Constitucional Ocidental, no sentido de que as constituições dos Estados passaram a conter dispositivos que garantissem direitos fundamentais para os indivíduos. E, por outro lado, deram ensejo ao surgimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos e consequentemente às primeiras ideias acerca do sistema normativo internacional de proteção a esses direitos.

Ademais, a internacionalização dos direitos humanos deu ao indivíduo o status de sujeito do direito internacional, ao lado dos Estados e das Organizações Internacionais.

Outro resultado do supracitado movimento de internacionalização foi a concepção contemporânea dos direitos humanos, introduzida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, e marcada pelas ideias de universalidade e indivisibilidade. Como consequência dessa concepção contemporânea, o Direito Internacional dos Direitos Humanos começou a se desenvolver, dando ensejo à criação do Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos.

Como visto, o mencionado Sistema Internacional de Proteção é formado pelo Sistema Global (ou Sistema ONU), composto pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 e pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966; e é também formado pelos Sistemas Regionais, dentre os quais se destacou o Sistema Interamericano.

Em seguida, foi abordada a eficácia dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ressaltando-se que no momento da elaboração do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais a principal característica político-econômica mundial era a bipartição do mundo em dois blocos de poder, um capitalista e outro socialista, liderados respectivamente pelos EUA e pela União Soviética.

Ademais, a elaboração de dois pactos distintos é decorrência da adoção do posicionamento liberal da potência capitalista, segundo o qual os direitos civis e políticos não poderiam constar em um mesmo documento que os direitos econômicos, sociais e culturais, visto que os primeiros seriam de aplicação imediata, enquanto os últimos teriam a concretização a longo-prazo.

Ou seja, de acordo com esse posicionamento os direitos civis e políticos são direitos obrigatórios, impondo ao Estado o dever de se abster, de não interferir indevidamente na esfera individual, enquanto os direitos econômicos, sociais e culturais são direitos programáticos, cuja concretização é de maneira progressiva, através da atuação e dos investimentos do Estado, de acordo com as suas possibilidades.

Por fim, no âmbito do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, algumas estratégias têm sido traçadas no sentido de buscar uma concreta eficácia para os direitos sociais, econômicos e culturais, tal qual a “ponte argumentativa entre os direitos”.

REFERÊNCIAS

BELINHO, Lilith Abrantes. Uma Evolução Histórica dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.unibrasil.com.br/arquivos/direito/20092/lilith-abrantes-bellinho.pdf> Acesso em 26/09/2013, às 09:10.

GONDINHO, Fabiana de Oliveira. A Proteção Internacional dos Direitos Humanos. Belo Horizonte: Edições Del Rey, 2006. Coleção Para Entender.

HIDAKA, Leonardo Jun Ferreira. Introdução ao Direito Internacional dos Direitos Humanos. In: LIMA JUNIOR, Jayme Benvenuto (org.). Manual de Direitos Humanos Internacionais: Acesso aos Sistemas Global e Regional de Proteção aos Direitos Humanos. 2ª Ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

LIMA JUNIOR, Jayme Benvenuto (org.). Manual de Direitos Humanos Internacionais: Acesso aos Sistemas Global e Regional de Proteção aos Direitos Humanos. 2ª Ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional. 3ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2012.

______.  Convenção Americana de Direitos Humanos. Disponível em: < http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em 12/12/2014.

______. Protocolo de San Salvador. Disponível em: <http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/e.Protocolo_de_San_Salvador.htm>. Acesso em: 12/12/2014.

Sobre os autores
Paula Tatiany Galeno Pinheiro de Morais

Advogada, recém graduada pela Universidade Católica de Pernambuco.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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