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A inconstitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria dos servidores públicos

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Agenda 28/06/2016 às 10:42

Questiona-se a constitucionalidade penalidade de cassação de aposentadoria do servidor público, em virtude da edição das emendas 03/93 e 20/98. Os tribunais divergem, alguns entendendo que a sanção é incompatível com o sistema contributivo da previdência.

1 INTRODUÇÃO

A finalidade deste trabalho é analisar a situação do servidor público que praticou, durante o exercício de suas funções, infração de natureza grave que seja passível de aplicação da penalidade de demissão, entretanto, a realização do procedimento administrativo disciplinar e a aplicação da pena ao servidor ocorrem quando este já se encontra na inatividade, e, portanto, usufruindo do benefício da aposentadoria.

Assim, após a realização do procedimento administrativo disciplinar que vise apurar o cometimento ou não de uma irregularidade que tenha como consequência a pena de demissão, será imposta ao servidor inativo a penalidade de cassação de aposentadoria.

De acordo com José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 687), a sanção tem natureza de penalidade funcional, devendo ser aplicada diante da ocorrência do cometimento de infração de natureza grave praticada quando o servidor ainda estava no exercício de suas funções.

Ainda segundo o autor, a aplicação da penalidade de cassação de aposentadoria tem como consequência tanto a declaração de invalidade do ato de concessão da aposentadoria e, também, a aplicação de pena semelhante à de demissão.

Inicialmente, a concessão do benefício da aposentadoria ocorria sem a necessidade de qualquer prestação por parte do servidor. O benefício era custeado integralmente pelo Poder Público. A aposentadoria tinha, assim, natureza de prêmio, sendo concedido ao servidor o benefício em razão das atividades prestadas para o Estado.

Entretanto, após a edição das Emendas Constitucionais nos 03/93 e 20/98, o regime próprio de previdência passou a ser obrigatoriamente de natureza contributiva, ou seja, o servidor passou a contribuir para o financiamento da previdência.

Assim sendo, a aposentadoria que era considerada uma benesse do Estado passou a constituir um verdadeiro contrato de seguro. Constituindo um direito retributivo, observando o binômio custeio/benefício, assegurando ao servidor que tenha realizado o recolhimento das contribuições previdenciárias a concessão do benefício da aposentadoria quando presentes os demais requisitos estabelecidos em lei.

Com estas alterações constitucionais o direito à aposentadoria passou a ter natureza de direito subjetivo do servidor, que passa a ter direito adquirido à aquisição do benefício, devendo ser concedido após o cumprimento dos requisitos de tempo e idade previamente estabelecidos pela lei.

Dessa forma, o que se pretende abordar é se a instituição de um regime próprio de previdência para os servidores estatutários de natureza contributiva teria a capacidade de tornar inviável a aplicação da pena de cassação de aposentadoria aos servidores públicos, impedindo, dessa forma, a interrupção do pagamento de seus proventos.

A questão que surge é se, pelo advento das Emendas Constitucionais nº 03/93 e 20/98, a aposentadoria que passou a ser de natureza contributiva, tornando imprescindível o recolhimento das contribuições previdenciárias pelo servidor, pode ou não ser cassada, em razão da prática de atos incompatíveis com a função pública, que tenham sido realizados durante a ativa e tenham como sanção, a pena a demissão.

Apesar do poder-dever que a Administração Pública tem de anular seus próprios atos quando eivados de vícios, será que diante da aplicação da penalidade de cassação de aposentadoria a Administração Pública não estaria violando os princípios do direito adquirido e do ato jurídico perfeito? Ou ainda, a cessação deste benefício não representaria causa de enriquecimento ilícito da Administração Pública, tendo em vista que esta recebe as contribuições, no entanto, se aplicar a penalidade de cassação de aposentadoria não haverá qualquer retribuição ao servidor inativo?

Cumpridos todos os requisitos legais que autorizam a concessão do benefício previdenciário o servidor tem direito adquirido à sua concessão. Para Celso Antônio Bandeira de Melo, o direito adquirido representa uma blindagem, impedindo que mudanças legislativas posteriores provoquem mudanças neste direito, prestigiando desta forma o princípio da segurança jurídica. Ora, se nem mesmo através da superveniência de uma norma jurídica poderá o legislador prejudicar um direito que já tenha sido adquirido pelo servidor, não será, portanto, um ato administrativo que irá retirar um direito adquirido de seu titular.

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Além do mais, a Administração Pública ao homologar o ato de concessão de aposentadoria encerra o ciclo de formação do ato, que passa a ser considerado como perfeito, e neste caso terá a mesma proteção destinada ao ato jurídico perfeito, não podendo ser prejudicado por lei superveniente.

Em virtude do binômio custeio/benefício, assegura-se que o servidor que contribuir para a previdência receberá o seu benefício, representando, desta forma, um contrato de seguro. Ocorre que com aplicação da penalidade de cassação de aposentadoria será negado ao servidor o seu direito de receber o benefício apesar de ter contribuído com a previdência. A Administração Pública não terá nenhum ônus, de forma contrária, terá declarada a extinção de uma obrigação para com o servidor, apesar de este já ter cumprido sua parte, representando verdadeiro enriquecimento ilícito do Poder Público.

Além do mais, a aposentadoria têm natureza alimentar e a cassação deste benefício deixa o servidor em situação de indigência, retirando os recursos necessários à sua sobrevivência em um momento em que, geralmente, não demonstra ter plenas condições de trabalho. Tal atitude do Poder Público viola ainda o princípio da dignidade da pessoa humana.

A metodologia utilizada no presente trabalho é do tipo bibliográfica e jurisprudencial. A pesquisa bibliográfica foi realizada por meio de livros, revistas e publicações, leis, normas, resoluções, pesquisas online que envolvem o tema em análise. E a pesquisa jurisprudencial foi realizada através da jurisprudência de diversos Tribunais.


2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS

A previdência social é um mecanismo de amparo que visa estabelecer ações capazes de afastar as dificuldades derivadas de contingências sociais, que diminuem ou mesmo impossibilitam a propensão do auto sustento dos trabalhadores ou de seus dependentes.

De acordo com Marisa Ferreira dos Santos, no que se refere ao desenvolvimento desse ramo do direito, observa-se que os servidores públicos sempre tiveram a aplicação de um regime diferenciado dos demais trabalhadores.

Analisando o histórico do regime previdenciário dos servidores públicos é possível observar que ele antecedeu ao regime aplicado aos trabalhadores da iniciativa privada. Tal motivo encontra justificativa na qualificação que lhe era destinada, pois, o servidor era considerado um bem do Estado, e, portanto, deveria ser amparado pelo próprio Estado.

No ano de 1795 foi criado o Plano de Benefícios dos Órfãos e Viúvas dos Oficiais da Marinha. O referido benefício consistia no pagamento de uma pensão, que tinha por finalidade providenciar o sustento dos dependentes dos oficiais da marinha.

Posteriormente, para proteger outras categorias de servidores públicos foram criados: o Montepio do Exército, em 1827, e o Montepio Geral da Economia, em 1835. 

Esses benefícios destinados aos dependentes exigiam filiação prévia, bem como o pagamento de contribuições.

Em 1923, com a edição da Lei Eloy Chaves, foram criadas as Caixas de Aposentadorias e Pensões.

A primeira constituição brasileira a fazer menção ao termo aposentadoria foi a de 1981, que concedeu esse benefício aos funcionários públicos que fossem considerados inválidos em decorrência de acidentes ocorridos durante a prestação de serviços a Nação.

A constituição de 1934 dedicou título próprio destinado a regulamentar o regime jurídico dos funcionários públicos. A aposentadoria por invalidez foi mantida e foi estabelecida a aposentadoria compulsória ao trabalhador que contasse com 68 anos de idade.

A constituição de 1937 não trouxe nenhuma inovação ao regime previdenciário dos servidores públicos, mantendo os mesmos benefícios trazidos pela constituição anterior.

Com a entrada em vigor da constituição de 1946, os funcionários públicos passaram a se aposentar compulsoriamente aos 70 anos de idade. A nova constituição também trouxe o benefício da aposentadoria voluntária, ao funcionário que o requeresse, desde que contasse com 35 anos de serviço. Ainda, para efeitos de aposentadoria, foi assegurado que o tempo de serviço público federal, estadual e municipal seriam contados integralmente.

Na vigência da constituição de 1937 foi editada a Lei nº 1.711/1952, que tratava sobre o Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União. Essa lei trouxe em seu art. 80, normas acerca da contagem do tempo de serviço para efeitos do benefício da aposentadoria, que tinha a seguinte redação:       

Art. 80. Para efeito da aposentadoria e disponibilidade, computar-se-á integralmente:

I – o tempo de serviço público federal, estadual ou municipal;

II – o período de serviço ativo nas Forças Armadas, prestado durante a paz, computando-se peIo dobro o tempo em operações de guerra;

III – o tempo de serviço prestado como extranumerário ou sob qualquer outra forma de admissão, desde que remunerado pelos cofres públicos;

IV – o tempo de serviço prestado em autarquia;

V – o período de trabalho prestado a instituição de caráter privado que cimento de serviço público; tiver sido transformada em estabelecimento.

VI – o tempo em que o funcionário esteve em disponibilidade ou aposentado.

VII - o tempo em que o funcionário esteve afastado em licença para tratamento da própria saúde.

Estabeleceu, ainda, a vedação ao acúmulo de tempo de serviço prestados simultaneamente em mais de um cargo público.

Foram criados os institutos do salário-família e o auxílio doença. O primeiro era concedido ao funcionário em atividade ou não, em virtude da existência de filho menor de 21 anos, filho inválido, filha solteira sem economia própria e filho estudante que frequentasse curso secundário ou superior em estabelecimento de ensino oficial ou particular, e que não exerça atividade lucrativa, até a idade de 24 anos.

O auxílio doença, por sua vez, garantia ao trabalhador um mês de sua remuneração, quando em gozo de licença para tratamento de saúde por mais de 12 meses seguidos, em decorrência de tuberculose ativa, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia ou cardiopatia grave.

A Lei nº 1.711/1952 estabeleceu que o tratamento dos funcionários que sofressem algum acidente durante a prestação dos serviços seriam inteiramente custeados pelo Estado ou por entidades de assistência social.

O benefício da licença maternidade também encontrou previsão na lei, que garantiu a gestante licença por quatro meses, sem prejuízo de sua remuneração.

A constituição de 1967 manteve a aposentadoria por invalidez e a aposentadoria compulsória aos 70 anos. A aposentadoria voluntária teve seu prazo reduzido para 30 anos para as mulheres, mas manteve o prazo de 35 anos para os homens.

O texto original da constituição de 1969 não trouxe alterações no regime dos servidores públicos. Entretanto, a emenda n° 18/1981 assegurou aos professores, a aposentadoria voluntária com redução de cinco anos. Dessa forma, o professor se aposentaria ao completar 30 anos de serviço e a professora após 25 anos de serviço.

A constituição de 1988 acolheu o conceito de seguridade social que representa um conjunto de medidas que tem por finalidade a redução dos desequilíbrios sociais e econômicos, proporcionando o bem estar de todos. É uma forma de proteção social que atua em três áreas distintas: a saúde, a previdência e a assistência social.

A atual constituição adotou, no § 3° do art. 39, medidas voltadas para a diminuição das diferenças existentes entre o regime próprio e o privado, assegurando a aplicação do art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX aos servidores públicos.

O texto original do art. 40 da CRFB/88, que trata das formas de aposentadorias e pensões trazia a seguinte redação:

  Art. 40. O servidor será aposentado:

      I - por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando decorrentes de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificadas em lei, e proporcionais nos demais casos;

       II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de serviço;

       III - voluntariamente:

       a) aos trinta e cinco anos de serviço, se homem, e aos trinta, se mulher, com proventos integrais;

       b) aos trinta anos de efetivo exercício em funções de magistério, se professor, e vinte e cinco, se professora, com proventos integrais;

       c) aos trinta anos de serviço, se homem, e aos vinte e cinco, se mulher, com proventos proporcionais a esse tempo;

       d) aos sessenta e cinco anos de idade, se homem, e aos sessenta, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de serviço.

       § 1º - Lei complementar poderá estabelecer exceções ao disposto no inciso III, "a" e "c", no caso de exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas.

       § 2º - A lei disporá sobre a aposentadoria em cargos ou empregos temporários.

       § 3º - O tempo de serviço público federal, estadual ou municipal será computado integralmente para os efeitos de aposentadoria e de disponibilidade.

       § 4º - Os proventos da aposentadoria serão revistos, na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos inativos quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria, na forma da lei.

       § 5º - O benefício da pensão por morte corresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido, até o limite estabelecido em lei, observado o disposto no parágrafo anterior.

De acordo com esse artigo os benefícios eram custeados integralmente pelos cofres públicos, sem a necessidade de contribuições previdenciárias por parte dos servidores estatutários. Não se tratava de um regime de natureza retributiva, que determinasse o cumprimento de uma prestação com o propósito de perceber um benefício, ele simplesmente era destinado ao servidor representando um verdadeiro prêmio pelos serviços prestados ao Estado.

A Lei n° 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, estabeleceu em seu art. 185 os benefícios que o servidor e os seus dependentes tem direito.

Segundo Marisa Ferreira dos Santos, diante dessa natureza de bonificação, os benefícios, que eram custeados apenas pelo Estado, estavam saindo muito oneroso aos cofres públicos, exigindo uma mudança na forma de financiamento desses benefícios.

Pretendendo alterar esse sistema, foi promulgada a emenda constitucional nº 3/93, estabelecendo que as aposentadorias e pensões dos servidores públicos federais seriam custeados com recursos provenientes da União e dos servidores públicos federais, na forma da lei. No entanto, as alterações realizadas pela emenda não tiveram muita utilidade prática. A introdução do parágrafo 6º ao artigo 40 da Constituição, trouxe a possibilidade do regime contributivo, entretanto, tratava-se de norma de eficácia limitada, pois exigia a edição de lei para regulamentar as formas de contribuição dos servidores.

Com a edição da emenda constitucional nº 20/98, foram definidas novas regras acerca do regime próprio de previdência. A alteração significativa realizada no art. 40 da CRFB/88 instituiu o regime contributivo de previdência para os servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como para suas autarquias e fundações.

A partir da emenda n° 20/98, o art. 40 passou a vigorar com o seguinte texto:    

Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.                                                     

Com a entrada em vigor da referida emenda, os benefícios concedidos deixaram de ter a característica de prêmio, pois exigiam a participação do servidor no financiamento do sistema, através do pagamento das contribuições previdenciárias. Os benefícios previdenciários somente seriam concedidos aos trabalhadores que efetuassem o recolhimento das contribuições.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Tamires Paulino Cesar. A inconstitucionalidade da pena de cassação de aposentadoria dos servidores públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4745, 28 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35130. Acesso em: 27 dez. 2024.

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