RESUMO
O presente trabalho tem como escopo a realização de uma abordagem a respeito de uma das modalidades contratuais previstas no atual Código Civil, a qual consiste na compra e venda. Serão evidenciados os principais caracteres relativos a esse contrato, bem como os efeitos provenientes de sua concretização. Haverá, ainda, a explanação acerca dos direitos e obrigações dos contraentes. Além disso, é fornecido relevante tratamento às cláusulas especiais, uma vez que as mesmas possuem características próprias e são decorrentes do princípio atinente à autonomia de vontade. Resta ressaltar que tal princípio não é absoluto, tendo em vista que deverá haver aquiescência com a boa-fé e a função social, os quais deverão constar no bojo dos contratos. Utilizar-se-á no presente estudo a pesquisa qualitativa e bibliográfica.
Palavras-chave: Compra e venda. Contraentes. Cláusulas especiais. Autonomia de vontade. Contratos.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como precípua finalidade evidenciar o resultado do estudo atinente a determinada modalidade contratual, qual seja a compra e venda. Esse é um contrato nominado, cujas disposições se encontram no Código Civil (arts. 481 a 532).O objeto de pesquisa é provido de peculiaridades, as quais serão elucidadas ao longo do desenvolvimento do respectivo trabalho.
Salienta-se a relevância de dissertar a respeito de suas cláusulas especiais, uma vez que a tais institutos nem sempre é atribuída a importância devida. Somente seis desses pactos providos de particularidade são previstos no ordenamento jurídico, sendo que os outros dois recebiam tratamento pelo Código Civil antigo. No entanto, isso não obsta que eles estejam presentes no contrato celebrado pelas partes, desde que ambas assim estabeleçam.
São tratados nos momentos exordiais alguns temas que exigem conhecimento comum, como por exemplo, o contrato preliminar relativo à promessa de compra e venda; os aspectos conceituais e jurídicos relativos à modalidade contratual já referida alhures, sendo que nesse momento há o enquadramento da compra e venda em várias classificações oriundas da doutrina e do ordenamento jurídico.
Em momento posterior, são especificados os elementos providos de essencialidade para a formação do contrato, quais sejam a coisa, o preço e o consentimento de ambos os contraentes.
Há ainda a exposição das consequências jurídicas advindas da celebração do contrato e são, ainda, citadas e explicadas as restrições quanto às partes ilegítimas para a concretização do referido negócio.
Por fim, há a explanação de normas inerentes a algumas modalidades especiais de venda, pactos especiais sobre os quais já foi feita alusão anteriormente.
2. DA PROMESSA DE COMPRA E VENDA
A promessa de compra e venda pode ser considerada como um contrato preliminar. Lopes (2001, p. 227) evidencia o seguinte conceito para a referida modalidade contratual:
Dá-se o contrato de promessa de compra e venda quando o promitente vendedor promete vender e o comprador comprar uma coisa determinada ou determinável, obrigando-se ambos a outorgar a respectiva escritura definitiva, no tempo e modo previstos no contrato.
A contratação da promessa de compra e venda poderá ocorrer por intermédio de instrumento particular ou público. Salienta-se que deverá ser observado se há forma prescrita em lei, pois caso não haja aquiescência com os elementos descritos no plano de validade, o contrato tornar-se-á inválido.
Em relação à possibilidade de utilização de instrumento particular, a mesma ocorrerá nas seguintes hipóteses, as quais foram elencadas por Machado (p.1, 2013):
(a) Qualquer negócio jurídico envolvendo imóvel de valor igual ou inferior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país, por força da exceção trazida no artigo 108 do Código Civil;
(b) Compromisso de compra e venda de imóveis loteados (Lei nº 6766/79, art. 26 (urbano), e art. 7°, Dec.Lei 2 375187 (rural);
(c) Compromisso de venda e compra de imóvel de qualquer valor com financiamento mediante a contratação da alienação fiduciária em garantia;
(d) Mútuo com alienação fiduciária em garantia imobiliária, nos termos do SFI (Lei nº 9.514/97, art. 38 e parágrafo único do art. 22, com redação dada pela Lei nº 11.076/2004); e
(e) Compra e venda de imóvel de qualquer valor com financiamento do SFH (art. 1° da Lei n 5.049166, que alterou o art. 61 da Lei nº 4.380/64).
Quanto ao instrumento público, a disciplina recebe tratamento pelo art. 108 do Código Civil ao mencionar que:
Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país.
O direito do promitente comprador do imóvel é um direito real, conforme explanado pelo art. 1225 do Código Civil. Ele se concretizará com o registro do instrumento junto ao cartório de registro de imóveis.
É importante ressaltar que existe uma obrigação no contrato preliminar. Sendo assim, pode-se dizer que há um dever em relação à celebração do contrato principal. Trata-se de uma relação provida de certo vínculo, o qual possui exigibilidade consoante denota o art. 463 do referido diploma legal:
Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra parte para que o efetive.
Em consonância com o dispositivo retrotranscrito, não pode haver confusão do contrato preliminar com negociações preliminares. Nesse sentido, assevera Teodoro (2014, p.1):
Ao assegurar a possibilidade de tutela específica da obrigação de fazer, consistente na celebração do contrato principal, o art. 463 deixa claro que o contrato preliminar é um negócio jurídico sério, não se confundindo, dessa maneira, com as negociações preliminares, no curso das quais há apenas a manifestação de intenções desprovidas de juridicidade.
3. ASPECTOS EPISTEMOLÓGICOS
O contrato de compra e venda é nominado, tendo em vista que se encontra expressamente previsto no art. 481 do Código Civil. A compra e venda pode ser definida como “[...] o contrato em que uma pessoa (vendedor) se obriga a transferir a outra (comprador) a propriedade de uma coisa corpórea, mediante o pagamento de certo preço em dinheiro ou valor fiduciário correspondente” (PEREIRA apud DINIZ, 2005, p. 178).
Assim como a locação e a doação, a compra e venda pertence à classe dos contratos que têm por escopo promover a transferência de um bem/objeto de um contraente ao outro.
A outra parte só deterá a propriedade do bem quando houver a tradição, em caso de bem móvel, ou o registro de determinado documento no órgão competente para tal incumbência. Essa modalidade contratual gera efeito obrigacional, qual seja a transferência do domínio.
4. NATUREZA JURÍDICA
Quanto à natureza jurídica a compra e venda pode ser classificada como um contrato consensual ou solene, sinalagmático, oneroso, comutativo ou aleatório e translativo do domínio.
Esse contrato, geralmente, é consensual, tendo em vista que sua formação ocorre pelo acordo de vontades dos contraentes. No entanto, em alguns casos poderá ser solene, característica esta ligada à exigência legal de determinada forma para sua validade. Um exemplo desse último já foi citado alhures, qual seja aquele que tenha por objeto imóvel cujo valor exceda a 30 salários mínimos, pois deverá ocorrer mediante escritura pública.
É sinalagmático ou bilateral “porque envolve prestações recíprocas de ambas as partes: para o comprador, a de entregar o preço; para o vendedor, a de transferir o domínio da coisa vendida. Cada uma das prestações tem como causa e razão de ser a outra prestação” (RODRIGUES, 2004, p.142).
A onerosidade está presente, haja vista que há equivalência de prestações, ou seja, tanto o vendedor como o comprador auferem vantagem econômica. Verifica-se a utilidade jurídica para ambas as partes.
Como regra geral, o contrato de compra e venda será comutativo, “[...] porque havendo objeto determinado, ter-se-á a equivalência das prestações e contraprestações, e certeza quanto ao seu valor no ato da celebração do negócio” (DINIZ, 2005, p. 181). No entanto, poderá em alguns casos ser aleatório.
Em relação à aleatoriedade há duas cláusulas: a emptiospei e emptio rei speratae. A primeira ocorre quando é assumido o risco pelo contratante de não receber a coisa, sendo mesmo assim devido o preço integral (art. 458, CC). Já a segunda estabelece que o contratante assume o risco pelo recebimento por uma quantidade mínima, sendo que se nada for entregue, o alienante possui a obrigação de restituir o preço que lhe foi pago (art. 459, CC).
Acrescenta-se, ainda, que o contrato objeto de estudo é translativo de propriedade, uma vez que:
[...] é instrumento para a transferência e aquisição da propriedade. [...] na compra e venda busca-se o efeito real, o qual, contudo não é seu elemento integrante em nosso sistema. Da compra e venda nasce uma série de obrigações, a principal delas é a transferência da propriedade (VENOSA, 2005, p. 31).
Dessa forma, foram evidenciadas algumas das classificações contratuais nas quais a compra e venda se enquadra.
5. ELEMENTOS DA COMPRA E VENDA
O contrato de compra e venda deve possuir elementos dotados de imprescindibilidade, quais sejam a coisa, o preço e o consentimento.
A coisa deve ser suscetível de venda e em sentido lato afirma-se que pode ser tudo aquilo que esteja inserido no contexto comercial. Excetuam-se, então, as coisas que não são passíveis de apropriação, bem como aquelas cuja inalienabilidade é prescrita na lei.
Nesse sentido, entende-se por coisa suscetível de compra e venda, segundo Lopes (2001, p. 289):
[...] tudo quanto possa integrar o nosso patrimônio e capaz de ser alienado mediante um determinado preço. De ordinário, o objeto da compra e venda é consistente numa coisa corpórea, mas nada obsta a que se estenda aos próprios direitos, desde que não sejam intransmissíveis.
São necessários alguns requisitos para uma coisa poder ser negociada, como por exemplo, a sua individuação, podendo ser determinada ou determinável; a sua real existência ou possibilidade; que não haja vedação quanto à alienação e que se trate de uma coisa disponível, podendo ser objeto de comercialização.
Acrescenta-se que a coisa a ser negociada poderá ser atual ou futura. “Se o contrato de compra e venda não transfere o domínio, mas gera apenas uma obrigação de transferi-lo, nada impede a venda de uma coisa que decerto virá a existir, como por exemplo, os frutos da colheita esperada” (RODRIGUES, 2004, p. 145). No entanto, o art. 483 defende que se a coisa não vier a possuir existência, o contrato tornar-se-á sem efeito, com ressalva se as partes quiseram efetuar contrato aleatório, cujas condições já foram abordadas em momento anterior.
O preço deve apresentar algumas características, como pecuniariedade, seriedade e certeza. Pelo primeiro caractere compreende-se determinada soma em dinheiro que será paga em troca da aquisição da coisa. É de conhecimento comum que o pagamento também poderá ser realizado por coisas redutíveis a dinheiro, como cheque, nota promissória e duplicata. Salienta-se, que não poderá ocorrer adimplemento por outro objeto, pois assim ocorrerá a permuta.
Quanto à seriedade, Diniz (2005, p. 184) traz a seguinte elucidação:
Seriedade, pois deverá ser sério, real e verdadeiro, indicando firme objetivo de se constituir numa contraprestação relativamente ao dever do alienante de entregar a coisa vendida, de modo que não denuncie qualquer simulação absoluta ou relativa. Se for fictício, não se terá venda alguma, porém uma doação dissimulada, suscetível de ser anulada. Se for irrisório, não haverá venda, ante a grande diferença entre o valor da coisa e o preço estipulado.
O outro elemento é a certeza, indicando que o preço deve ser certo ou determinado, pois caso contrário haverá empecilhos para a concretização do adimplemento.
Segundo o art. 482 do diploma cível, o preço, em regra, é fixado pelos contraentes. Não pode, portanto, ser resultado de arbítrio de uma das partes, pois caso assim seja o negócio será provido de nulidade (art. 489, CC).
O estabelecimento do preço também poderá ser feito por um terceiro que será designado pelas partes. No entanto, se essa pessoa não concordar com tal tarefa, o contrato será desprovido de efeitos, com exceção se houver acordo entre os contratantes em relação à indicação de outra pessoa. Tal matéria é disciplinada pelo art. 485 do mencionado diploma.
De acordo com o art. 486 “também se poderá deixar a fixação do preço à taxa de mercado ou de bolsa, em certo e determinado dia e lugar”. Também “é lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação” (art. 487, CC).
Se houver a ausência de aquiescência atinente ao preço, haverá a prevalência do preço utilizado nas vendas habituais do vendedor e caso persista o conflito, aplicar-se-á o termo médio (art. 488 e parágrafo único).
Quanto ao consentimento dos contraentes, estes deverão consentir sobre a coisa, o preço e as outras condições. É cabível ainda, dizer que as partes deverão ser capazes e legítimas e aí residem as limitações atinentes ao contrato, as quais serão abordadas ao longo do presente estudo.
6. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS
Levando em consideração o conhecido preceito de que o vendedor deve fazer boa a coisa vendida, o alienante será responsável pela evicção e por vícios redibitórios. Sendo assim, ele “responde pela perda que o adquirente venha a sofrer ao ser privado da coisa comprada, em virtude de sentença judicial que a atribui a terceiro, como também responde pelos vícios ocultos de que a coisa vendida por acaso seja portadora” (RODRIGUES, 2004, p. 146).
Os gastos com a concretização do negócio jurídico são acessórios do preço e deverão ser pagos por quem foi convencionado. Caso não tenha sido feito acordo nesse sentido, o art. 490 estipula que as despesas atinentes à escritura deverão ser adimplidas pelo adquirente da coisa e aquelas relacionadas à tradição ficarão a cargo do vendedor.
No art. 492 verifica-se a previsão do princípio res peritdomino (a coisa perece para o dono), pois tal dispositivo disciplina que “até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador”. Nesse sentido, é nítido que o contrato em strictu sensu não é provido de suficiência para a transferência do domínio e assim, até que haja a tradição, o objeto continua sendo do vendedor e os riscos correrão sob sua responsabilidade.
Se a coisa já tiver sido entregue ao comprador e se no ato de contar, marcar ou assinalar ocorrer perecimento ou deterioração em virtude de caso fortuito ou força maior, o adquirente sofrerá os prejuízos. Isto está descrito no art. 492, §1º. Salienta-se que os riscos ocorridos durante a mora de receber a coisa também correrão sob a responsabilidade do comprador (art. 492, §2º).
Levando em conta a tradição da coisa, ressalta-se que se não houver convenção expressa, aquela ocorrerá no lugar em que a coisa se encontra no momento da venda (art. 493, CC).
Além dessas duas hipóteses descritas acima, o comprador ainda sofrerá os prejuízos caso exteriorize ordem para que haja a remessa da coisa para lugar diferente do acordado (art. 494, CC). No momento em que despachar ou entregar ao transportador ocorre a tradição.
Como se trata de um contrato bilateral existe a reciprocidade de prestações. Quando não se prevê prazo, as prestações devem ocorrer de forma simultânea, mas como essa situação é difícil de acontecer, o art. 491 deu primazia ao interesse do alienante ao disciplinar que “não sendo a venda a crédito, o vendedor não é obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço”. Pode-se dizer que no caso em tela, há a garantia do direito de retenção.
Quando se tratar de negócio a prazo, o vendedor poderá se abster de efetuar a tradição da coisa se o adquirente se tornar insolvente até a prestação de caução de efetuar o adimplemento no lapso temporal estabelecido. Trata-se de outra garantia conferida ao alienante pelo art. 495, CC.
7. LIMITAÇÕES À COMPRA E VENDA DECORRENTES DA LEGITIMIDADE DA PARTE
A lei estabelece algumas limitações a certas pessoas para efetuar a compra e venda. A primeira vedação diz respeito à venda a descendente, a qual está prevista no art. 496 do diploma estudado. Esse permissivo legal esclarece que:
Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.
Esse instituto é provido de relevância, uma vez que tem o condão de evitar que haja uma simulação. Levando em consideração o escopo do legislador, Rodrigues (2004, p. 151) menciona que “o propósito do legislador é evitar que mediante uma simulação fraudulenta o ascendente altere a igualdade dos quinhões hereditários de seus descendentes, encobertando liberalidades por meio de fingidos negócios onerosos”. Para que isso não ocorra, só é permitida a venda do ascendente ao descendente quando os outros descendentes demonstrarem aquiescência.
Outra restrição está relacionada à compra por pessoa que tem o encargo de zelo pelo interesse do vendedor. Sendo assim, há ausência de legitimação para a concretização do contrato seja em virtude da função já mencionada ou porque devido à posição ocupada, a pessoa poderia obter exacerbada vantagem negocial. Nesse sentido, assim preleciona o art. 497 do Código Civil:
Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública:
I – pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração;
II – pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem, ou que estejam sob sua administração direta ou indireta;
III – pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua autoridade;
IV – pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encarregados.
Em relação à compra e venda entre cônjuges, pode-se dizer que é permitida desde que os bens objetos do contrato não pertençam à comunhão (art. 499, CC).
O condômino, como é proprietário, tem o direito de dispor da coisa. No entanto, se o bem tiver natureza indivisível, haverá restrições conforme denota o art. 504. “Assim sendo, se a coisa for divisível, ampla é a liberdade de alienar do comunheiro; se indivisível, só pode vendê-la a estranhos após havê-la oferecido por igual preço aos consortes” (RODRIGUES, 2004, p. 164). Se houver recusa dos consortes, o condômino poderá vender a coisa a outro, tendo em vista que agiu dentro dos parâmetros legais.
8. REGRAS ESPECIAIS RELATIVAS A ALGUMAS MODALIDADES DE VENDA
Há alguns tipos de venda que recém tratamento especial, como por exemplo, a venda por amostra, venda “ad corpus” e venda “ad mensuram”, vendas imobiliárias, venda de coisas conjuntas.
A venda por amostra é assim definida por Rodrigues (2004, p. 165):
Trata-se de venda ultimada à vista de amostra exibida pelo vendedor, que provocou o assentimento do comprador. O negócio está perfeito e acabado, daí surgindo para esse último o direito de obter entrega de coisa igual à amostra. Assim, se o vendedor se arrepender e propositadamente enviar coisa diversa ao comprador, a este compete enjeitar o objeto ofertado, bem como exigir a mercadoria que adquiriu igual à amostra.
Segundo o art. 484, na venda concretizada a amostras, entende-se que o vendedor assumiu o compromisso de que a coisa tenha as mesmas qualidades daquelas. Se o objeto do negócio possuir distinções dos modelos apresentados o devedor será inadimplente, podendo, não obstante, haver prevalência da amostra ou protótipo.
Na venda “ad mensuram” o preço é dado por medida de extensão, havendo o escopo referente à negociação de uma área determinada. Caso o imóvel não apresente a extensão descrita no contrato, o comprador possui alguns direitos, os quais estão estabelecidos no art. 500. São eles, os pedidos de complementação da área, resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço. Ressalta-se, porém, que apenas na impossibilidade de cumprimento do primeiro, são conferidas as outras alternativas.
Já na venda “ad corpus” há apenas o objetivo de comprar e vender certa coisa, sendo que a medida da extensão é apenas usada para melhor caracterizar a coisa, não constituindo exigência que o tamanho do imóvel seja exatamente igual ao descrito no contrato. Nesse caso, não caberá qualquer direito de ação contra o vendedor caso se verifique que o imóvel não possui a medida constante na escritura. Esse é o entendimento do § 3º do referido dispositivo.
Caso haja dúvida se a venda foi “ad mensuram” ou “ad corpus”, aplicar-se-á o disposto no §1º do art. 500, ou seja, se a diferença encontrada não for superior a um vigésimo da área total presume-se que a venda foi “ad corpus”, com exceção se o comprador provar que não teria realizado o negócio se tivesse conhecimento de tais circunstâncias.
O §2º do dispositivo, em evidência, também confere proteção ao vendedor caso este entregue área maior da convencionada, mas deverá expor os motivos da ignorância a respeito do tamanho da área. Sendo assim, o comprador tem duas alternativas: completar o valor do preço ou devolver o que excedeu. O prazo decadencial para a propositura de tais ações é de um ano, sendo que começa a ser contado a partir do registro do título ou a partir do momento que houver a posse do imóvel caso essa seja atrasada por causa do alienante (art. 501 e parágrafo único).
A respeito das vendas imobiliárias, Rodrigues (2004, p. 170) afirma que o fisco exige “[...] a transcrição das certidões negativas de impostos a que possam estar os mesmos sujeitos. Cumprindo tal requisito, fica o adquirente exonerado de responsabilidade pelos impostos vencidos”.
Quando houver a venda de coisas conjuntas e verificar-se um defeito oculto em uma delas, isso não implicará na possibilidade de rejeição das demais (art. 503). No entanto, a doutrina diz que se tratar de uma coisa que conjuntamente com as outras compõe a coletividade, é necessário saber se o defeito de uma irá trazer contaminação para o todo. Rodrigues (2004, p. 171) traz como exemplos: um par de brincos, uma parelha de cavalos iguais e uma obra literária de três volumes. Nesses casos, o conjunto das coisas forma uma única. Sendo assim, podem ser todas as coisas devolvidas.
9. DAS CLÁUSULAS ESPECIAIS À COMPRA E VENDA
Levando em consideração o acordo realizado entre as partes, poderá ocorrer a inserção de cláusulas especiais no contrato de compra e venda. Embora as mesmas não causem a alteração da essência desse contrato, há certa subordinação dos efeitos contratuais a condições.
As cláusulas providas de maior relevância estão previstas no Código Civil, quais sejam a retrovenda, a venda a contento e a sujeita à prova, a preempção ou preferência, a venda com reserva de domínio e a venda sobre documentos. Salienta-se, entretanto, que no presente estudo haverá a abordagem destes pactos bem como dos demais elencados por lei esparsa e Código Civil de 1916, como por exemplo, a preferência do inquilino, o pacto de melhor comprador e o pacto comissório.
9.1 Pacto de retrovenda
O instituto é retratado pelo art. 505 do Código Civil, o qual aduz que:
O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá-la no prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate se efetuaram com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias.
Em consonância com a descrição retro, nota-se que tal cláusula tem aplicabilidade apenas no caso da venda de imóveis. Ela mantém o contrato passível de resolução durante um lapso temporal de três anos. Portanto, aí estão os pressupostos essenciais para que tal pacto se torne provido de efeitos.
A inconveniência desse instituto se mostra evidente na lição de Venosa (2005, p. 80) ao dispor que:
Sabendo-se da importância das vendas imobiliárias para o patrimônio dos contratantes, resulta extremamente inconveniente essa cláusula, cuja franca utilidade facilmente percebida é mascarar empréstimos onzenários ou camuflar negócios não perfeitamente transparentes. Geralmente, a inserção desse pacto de venda de imóvel procura atender a dificuldades econômicas do vendedor, que as entende passageiras.
Deve ser ressaltado que o referido pacto deve estar presente no mesmo instrumento no qual se consubstanciou a venda, pois caso contrário poderá ser considerado como uma simples promessa de contratar. Essa determinação é importante para a cognição do terceiro adquirente.
Portanto, o referido pacto possui a função de reconduzir as partes ao estado anterior (statu quo ante). A condição é resolutiva, uma vez que implementada o negócio será desfeito.
Em relação aos frutos percebidos durante a posse do imóvel pelo comprador, aqueles não deverão ser restituídos. “É opinião generalizada na doutrina que os frutos produzidos pela coisa, bem como os juros do preço pago pelo comprador, não têm que ser restituídos, podendo cada um dos contraentes retê-los” (VASCONCELOS apud GUERRA, 2013a, p. 1).
Embora alguns doutrinadores atribuam irrelevância ao instituto, em questão, ele tem utilidade, como já foi dito alhures, para aquele vendedor que não queria dispor do bem, mas o fez devido às condições econômicas. Com o estabelecimento da cláusula, ele poderá reaver o bem se para si for conveniente.
Salienta-se que o contrato não poderá ser utilizado para a prática de usura, pois possui o vício da simulação. Nessa situação, a usura poderia ocorrer da seguinte forma: o vendedor, visando a obtenção de um valor desejado, efetua a venda do bem por uma quantia ínfima ou inferior ao valor real do bem. Em seguida estabelece que caso haja resolução, o comprador deverá efetuar o adimplemento de um montante muito maior. Dessa forma, com a resolução o vendedor receberia muito mais do que no momento da concretização do contrato.
O art.506 e parágrafo único do Código Civil disciplina que caso haja a recusa do comprador em receber as quantias que lhe são conferidas por direito, o vendedor deverá depositá-las judicialmente. Se esse depósito for insuficiente, não haverá a restituição do domínio da coisa até que haja o pagamento integral.
O art. 508 do referido diploma dispõe que “se a duas ou mais pessoas couber o direito de retrato sobre o mesmo imóvel, e só uma o exercer, poderá o comprador intimar as outras para nele acordarem, prevalecendo o pacto em favor de quem haja efetuado o depósito, contanto que seja integral”. De acordo com esse permissivo legal, entende-se que mesmo que o direito de retrato seja atribuído a mais de uma pessoa, a propriedade do imóvel pertencerá àquela que pagou o montante em sua integralidade ao proprietário resolúvel. A esse respeito Diniz (2005, p. 210) acrescenta:
Se houver resgate conjunto pelos titulares das frações ideias, cada um só poderá readquirir a sua quota alienada. Se o imóvel for divisível, livre será a venda das quotas de cada condômino, e se feita com cláusula de retrato, cada vendedor poderá resgatar o que veio a transferir resoluvelmente.
Para conferir término ao assunto em evidência, cabe ser mencionado que o direito de resgate é personalíssimo, não podendo ser transferido a outrem durante a vida. No entanto, com a morte é passado para os herdeiros. Além disso, ressalta-se que não há vedação no sentido de o referido direito ser exercido em face do terceiro adquirente, pois se presume que esse teve conhecimento das condições sobre as quais a venda estava submetida. Tais alegações encontram-se fundamentadas pelo permissivo legal de nº 507.
9.2 Da venda a contento e Venda sujeita à prova
A venda a contento e a venda sujeita à prova são institutos providos de diferenciação, não devendo assim, receber tratamento igualitário.
A primeira se encontra prevista no art. 509 do Código Civil, o qual preleciona que “a venda feita a contento do comprador entende-se realizada sob condição suspensiva, ainda que a coisa lhe tenha sido entregue; e não se reputará perfeita, enquanto o adquirente não manifestar seu agrado”. Sendo assim, sua finalização só ocorre quando o comprador se manifesta favoravelmente ao recebimento da coisa.
O comprador teria assim, um direito potestativo. Venosa (2005, p. 84) assim, elucida a referida questão:
Se não houver disposição contrária ao contrato, a cláusula atribui direito potestativo ao comprador que não necessita justificar a eventual recusa. Como regra geral, não pode o vendedor opor-se ao desagrado manifestado pelo comprador. A rejeição pelo comprador não decorre de vício na coisa ou de sua má qualidade.
Então, a vontade do comprador não recebe nenhum juízo de valor. O contrário ocorre com a venda sujeita à prova, pois nesta a concretização do contrato ocorrerá se o bem for condizente com a declaração do vendedor.
Segundo Martinez apudGuerra (2013b, p. 1), a venda sujeita à prova consiste em uma condição de cunho suspensivo, pois os efeitos contratuais são suspensos até a apresentação do bem, o qual corresponderá ou não à amostra ou ao padrão indicados.
O Código Civil é aquiescente com o posicionamento acima ao preceituar em seu art. 510 que “também a venda sujeita à prova presume-se feita sob condição suspensiva de que a coisa tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor e seja idônea para o fim a que se destina”.
A natureza da posse do comprador está prevista no art. 511 do referido diploma legal, o qual menciona que ele é apenas mero comodatário enquanto não manifestar acerca da aceitação da coisa.
O exame atinente à coisa deverá ocorrer no prazo estabelecido no contrato. Se não houver estipulação a respeito far-se-á o uso dos costumes e ainda persistindo obscurecimento, o vendedor deverá promover a interpelação do comprador por meio judicial ou extrajudicial. Tal afirmação é fundamentada pelo art. 512 da Lei 10406/2002.
9.3 Da preempção ou preferência
A preempção ou preferência consiste em outra cláusula especial da compra e venda e recebe tratamento pelo art. 513 e s/s, sendo então conceituada da seguinte forma:
Art. 513. A preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto.
Parágrafo único. O prazo para exercer o direito de preferência não poderá exceder a cento e oitenta dias, se a coisa for móvel, ou a dois anos, se imóvel.
Torna-se, importante que o preferente seja cientificado quando o comprador pretender vender a coisa. O único direito existente do vendedor é o de recomprar a coisa, mas não se trata de obrigação. Quanto ao prazo para o exercício desse direito, é feita uma distinção entre bens móveis e imóveis, sendo que no caso dos primeiros o lapso temporal não poderá exceder a cento e oitenta dias e nos segundos a dois anos. Isso quer dizer que se houver um prazo convencional, este não poderá ultrapassar os limites legais.
O Direito Civil brasileiro não prevê uma forma específica da notificação de quem tem do direito de preferência, a qual poderá ser judicial ou extrajudicial. Além disso, o art. 514, CC dispõe acerca da possibilidade de o vendedor intimar o comprador quando tiver conhecimento atinente à alienação do bem.
O pacto de preferência tem eficácia pessoal, não podendo esse direito, portanto, ser oposto a terceiros. Nesse sentido, o comprador não poderá vender a coisa sem ter notificado ao vendedor. Desse modo, “[...] caso o bem seja vendido a outro sem que o vendedor original seja notificado não acarretaria o desfazimento da venda. Como se trata de uma relação obrigacional, o detentor da preferência terá direito somente a perdas e danos” (GUERRA, 2013c, p.1).
Como a cláusula é provida de eficácia pessoal, o direito não pode ser cedido ou transmitido. Tal disposição se encontra expressamente prevista no art. 520, do Código Civil.
Se não houver prazo estabelecido para exercer o direito, os contraentes seguirão o estabelecido pelo art. 516, o qual aduz que na ausência de prazo estipulado, o prazo para que o direito de preempção caduque é de três dias se a coisa for móvel e de sessenta dias se a coisa for imóvel. Ressalta-se que esses prazos são contados da data em que houve a notificação do vendedor.
Após ter recebido a notificação, a pessoa detentora do direito de preempção poderá efetuar a aquisição da coisa se o preço oferecido for igual ao ajustado por terceiro. Assim, somente haverá obrigação do vendedor em vender ao preferente se este promover o oferecimento da mesma quantia e benefícios (GUERRA, 2013c, p.1). Tais alegações também estão descritas no art. 515 do CC.
Quando o direito de preferência for conferido a mais de uma pessoa, só poderá ocorrer o exercício do direito em relação à coisa no seu todo, ou seja, deverá ser exercido de forma integral, sendo a coisa adquirida em sua totalidade. Se alguns não quiserem exercer o direito, o preço ajustado com terceiro deverá ser dividido pelos preferentes. Isso se encontra disposto no art. 517.
Há ainda a obrigação de preferência quando houver desapropriação, “obrigando o Poder Público oferecer imóvel desapropriado ao ex-proprietário, pelo preço da expropriação, caso não lhe tenha dado o destino para o qual se expropriou” (VENOSA, 2005, p. 90). Então, essa obrigação inexistirá se foi conferida finalidade ao bem desapropriado. Essas afirmações também estão dispostas em um permissivo legal, qual seja o art. 519.
9.4 Preferência do inquilino
O direito de preferência do inquilino está previsto no art. 27 da Lei 8245/91, o qual dispõe que:
Art. 27. No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições, com terceiros, devendo o locador dar-lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca.
Parágrafo único. A comunicação deverá conter todas as condições do negócio e, em especial o preço, a forma de pagamento, a existência de ônus reais, bem como o local e horário em que pode ser examinada a documentação pertinente.
Resta salientar que o prazo decadencial para a aceitação da proposta pelo locatário é de trinta dias (art. 28 da Lei 8245/91). Se o imóvel estiver sublocado, a preferência será do sublocatário e depois do locatário. Se houver mais de um sublocatário, o direito de preempção será atribuído a todos ou se houve apenas um interessado, caberá a este. Havendo ainda vários pretendentes, deverá ser conferida preferência ao locatário que reside há mais tempo no imóvel e ainda persistindo dúvida, ao com maior idade (art. 30).
Em relação a tal direito, o art. 34 preleciona que “havendo condomínio no imóvel, a preferência do condômino terá prioridade sobre a do locatário”. Quando se tratar de venda de imóvel provido de indivisibilidade, a solução é encontrada no contexto do direito real. Nesse sentido, Venosa (2005, 94) aduz:
[...] Os locatários, com mero direito obrigacional, não terão direito de preferência, salvo se todos os condôminos expressamente dele abrirem mão. A prioridade primeira é dos condôminos. Não se aplica, evidentemente, ao condomínio constituído de unidades autônomas. Não havendo interesse dos condôminos na aquisição do imóvel, deve ele ser oferecido aos locatários.
9. 5 Pacto de melhor comprador
O pacto de melhor comprador segundo a lição de Rodrigues (2004, p. 195) pode ser entendido como “[...] a cláusula que estipula que a venda de um bem imóvel ficará desfeita se, dentro de certo prazo, não superior a um ano, apresentar-se outro comprador, oferecendo maiores vantagens”.
É uma condição de cunho resolutivo, uma vez que o negócio produzirá efeitos de forma imediata e sua resolução ocorrerá caso apareça alguém que forneça uma oferta melhor. É evidente, que caso isso não ocorra, o contrato se tornará definitivo. Deve ser esclarecido, também, que mesmo que surja alguém que se comprometa a pagar um valor maior, o comprador primário pode afastar a resolução contratual, oferecendo a mesma vantagem que o outro.
Esse era um instituto regulado pelo Código Civil de 1916, não recebendo tratamento pelo atual Código. Não obstante, como há o princípio da autonomia da vontade, nada impede que as partes realizem uma convenção fundada em tal pacto.
9.6 Pacto comissório
Esse pacto era previsto no art. 1163 do Código Civil de 1916, o qual possuía a seguinte redação:
Art. 1163. Ajustado que se desfaça a venda, não se pagando o preço até certo dia, poderá o vendedor, não pago, desfazer o contrato, ou pedir o preço.
Parágrafo único. Se, em 10 (dez) dias de vencido o prazo, o vendedor, em tal caso, não reclamar o preço, ficará de pleno direito desfeita a venda.
Trata-se, portanto, de uma cláusula de caráter resolutivo presente no contrato de compra e venda a prazo ou referente à execução diferida, conferindo ao vendedor o poder de promover o desfazimento do contrato, caso o pagamento não seja efetuado pelo comprador no termo estabelecido. Nesse caso, não é correto dizer que o contrato é provido de nulidade, mas que foi resolvido. Com o desfazimento do contrato, a coisa que foi negociada, irá retornar para as mãos do vendedor.
Esse pacto possui praticidade, tendo em vista que não se torna necessária a interpelação judicial para a desconstituição do contrato. No entanto, quanto aos efeitos materiais é preciso recorrer ao Judiciário, pois tal ação é imprescindível, por exemplo, para obter indenização por perdas e danos ou para que haja a reintegração na posse do bem que fora vendido.
9.7 Venda com reserva de domínio
A cláusula referente à reserva de domínio tem por escopo fornecer a garantia ao devedor atinente ao domínio do bem até o momento em que o comprador cumprir com a obrigação de forma integral. Depois disso, haverá a transferência do bem. Tal disposição possui consonância com o conteúdo do art. 521 do Código Civil.
Ressalta-se que para a cláusula de reserva ter validade, torna-se imprescindível que o bem seja provido de características peculiares, tornando possível distingui-lo dos demais. Tal exigência é feita pelo art. 523, o qual reza que “não pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa insuscetível de caracterização perfeita, para estremá-la de outras congêneres. Na dúvida, decide-se a favor do terceiro adquirente de boa-fé”.
O Direito brasileiro impõe uma formalidade para a cláusula de reserva de domínio, uma vez que sua estipulação deverá ocorrer na forma escrita e para que tenha validade em relação a terceiros torna-se necessário seu registro no domicílio do comprador (art. 522). Essa exigência é relevante, uma vez que tem por objetivo conferir publicidade diante das outras pessoas, protegendo, dessa forma, a aquisição de um terceiro de boa-fé que não tinha conhecimento da referida cláusula.
Em relação à posse e a propriedade da coisa, Guerra (2013d, p.1) dispõe que:
Normalmente o risco e a propriedade caminham juntos, ou seja, quem é dono da coisa responde pelos riscos do seu perecimento ou da diminuição do seu valor. Na reserva de domínio, o comprador mantém a posse do bem, mas a propriedade conserva-se com o vendedor.
Nesse sentido, surge a dúvida de quem responde pelos riscos da coisa. No entanto, sua solução é dada pelo art. 524, o qual menciona que “a transferência de propriedade ao comprador dá-se no momento em que o preço esteja integralmente pago. Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de quando lhe foi entregue”.
A execução da cláusula pelo vendedor só poderá ocorrer depois da constituição do devedor em mora por intermédio de protesto ou interpelação judicial (art. 525). O dispositivo seguinte ainda confere ao vendedor, depois de constatada a mora do comprador, a possibilidade de entrar com uma ação de cobrança das prestações devidas ou optar pela recuperação da coisa.
Em relação ao art. 527 do Código Civil, Venosa (2005. p. 102) dispõe que:
Optando pela recuperação da coisa, o vendedor poderá reter as parcelas recebidas até o montante suficiente para cobrir a depreciação do valor da coisa. O excedente será devolvido ao comprador;o que faltar poderá ser cobrado na forma da lei processual.
Por fim, o art. 528 diz respeito à hipótese de sub-rogação de uma instituição financeira no lugar do devedor, o qual deverá efetuar o pagamento àquela do valor integral atinente ao bem. Dessa forma, a mencionada instituição terá legitimidade quanto ao exercício dos direitos e ações provenientes do contrato. É cabível, ainda, afirmar que deverão ser constadas no registro contratual a referida operação, bem como a assinatura do comprador demonstrando ter conhecimento a respeito assunto.
9.8 Venda sobre documentos
Essa modalidade de venda recebe tratamento pelo Código Civil, em seus arts. 529 e ss. É baseada na confiança, sendo que o risco maior é assumido pelo comprador, uma vez que nem sempre o bem é analisado. O conceito do referido instituto é fornecido pelo art. 529, ao afirmar que “na venda sobre documentos, a tradição da coisa é substituída pela entrega do seu título representativo e dos outros documentos exigidos pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos”. Salienta-se, ainda, que o parágrafo único desse dispositivo veda a recusa do pagamento pelo devedor fundamentada na alegação de que a coisa vendida está com defeito, com exceção com a ocorrência de sua anterior comprovação.
No momento da conclusão do contrato, o negócio é provido de nulidade se o bem descrito no documento não possui existência. Isso ocorre porque um dos requisitos essenciais do negócio jurídico é ausente, qual seja o objeto.
Se não houver convenção quanto ao tempo e local do adimplemento, este deverá ocorrer na data e no lugar em que se concretizar a entrega dos documentos (art. 530). Esse dispositivo é relevante para evitar prováveis conflitos, uma vez que o comprador poderia alegar que só efetuaria o pagamento com a tradição do bem negociado.
Se o vendedor tinha conhecimento ou deveria ter do perecimento ou deterioração do bem, há ofensa ao princípio da boa-fé e assim ele deve ressarcir as perdas e danos sofridos pelo comprador. Se a perda ou avaria ocorrer depois da entrega ao transportador e houver seguro sobre os riscos advindos do transporte, estes correrão por conta do comprador, salvo se o seguro for parcial, caso este em que haverá proteção apenas em relação à parte que foi segurada. Essas alegações explicam o conteúdo do art. 531.
Se houver estipulação estabelecendo que o pagamento ocorrerá por meio de instituição bancária, esta deverá o efetuar mediante a entrega dos documentos pela outra parte. Salientar-se-á que o estabelecimento não é obrigado a proceder à verificação do bem vendido, uma vez que não tem responsabilidade sobre este. Caso a instituição se negue a efetuar o adimplemento, o vendedor poderá exigi-lo diretamente do comprador. Trata-se de uma exposição detalhada do art. 532.
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho foi provido de vários aspectos positivos, uma vez que sua realização conferiu a possibilidade de uma melhor compreensão a respeito do contrato de compra e venda.
Durante sua desenvoltura não foi encontrado um número significativo de empecilhos, tendo em vista que há várias obras que tratam do assunto. Todavia, não se pode dizer o mesmo quanto às cláusulas especiais, uma vez que as mesmas não constituem objeto de estudo de todas as doutrinas.
Como pode ser constatado com a leitura do presente texto, houve o escopo de fornecer uma abordagem geral a respeito de todos os institutos que se relacionam com a modalidade contratual retratada. Além disso, houve uma explanação acerca dos dispositivos legais que abordam o assunto.
Verificou-se a existência de vários aspectos peculiares inerentes à compra e venda, os quais deverão ser observados e discutidos no momento da celebração contratual, sempre visando evitar a ocorrência de prejuízos e/ou vantagem excessiva para um dos contraentes
Torna-se evidente, portanto, que o contrato de compra e venda é provido de extrema relevância e é muito utilizado nos dias de hoje. Sendo assim, é imprescindível que todas as pessoas obtenham uma cognição, mesmo que sucinta, a seu respeito. Dessa forma, não se pretendeu esgotar o tema, mas objetivou-se a aquisição e o fornecimento de esclarecimentos sobre o mesmo.
11. REFERÊNCIAS
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GUERRA, André. Da retrovenda. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3786, [12] nov. [2013]a. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25816>. Acesso em: 06/09/2014.
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