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Lei nº 13.003/14 e as regulamentações da ANS: uma visão crítica, prática e jurídica

Parte I – Resolução Normativa 363

Agenda 11/01/2015 às 23:50

Faz-se uma leitura crítica, sob a ótica jurídica e da vida prática, em relação às Resoluções Normativas da ANS que tratam do relacionamento entre profissionais de saúde credenciados e operadoras de planos de saúde.

INTRODUÇÃO

Em 24 de junho de 2014, foi publicada a Lei Federal nº 13.003, alterando a Lei nº 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Tendo a vacatio legis de 180 dias, a novel lei só passou a vigorar em dezembro de 2014, sendo que, nesse período, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) envidou esforços para regulamentá-la, tendo obtido tal desiderato, infelizmente, somente nos dias finais da vacância da lei.

Frutos do trabalho da ANS foram as Resoluções Normativas 363, 364 e 365, bem como a Instrução Normativa 56, que também passaram a viger em 22 de dezembro de 2014, impedindo, desta forma, que a Lei 13.003/14 passasse a vigorar sem as devidas diretrizes de execução proporcionadas pelas resoluções.

A nova lei, bem como sua regulamentação, estão inseridas no contexto das relações existentes entre prestadores de serviços na área de saúde e as operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde, relações estas que causam impacto direto nos usuários, beneficiários diretos dos serviços de saúde.

Podem-se dividir os assuntos tratados nas Resoluções Normativas em três grandes temas:

I) celebração dos contratos escritos firmados entre as operadoras de planos de assistência à saúde e os prestadores de serviços de atenção à saúde;

II) definição de índice de reajuste pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS – a ser aplicado pelas operadoras de planos de assistência à saúde aos seus prestadores de serviços de atenção à saúde em situações específicas;

III) substituição de prestadores de serviços de atenção à saúde não hospitalares.

Embora as novas determinações legais se refiram ao relacionamento entre prestadores de serviços de saúde e operadoras, é tema de grande importância à sociedade, enquanto beneficiária dos serviços de saúde suplementar, pois o usuário dos serviços prestados sofrerá impactos diretos daquela relação estabelecida entre profissional e operadora; quanto mais saudável e harmoniosa a relação entre um e outro, mais satisfatórios serão os serviços prestados ao consumidor.

Há relatos de que as novas Resoluções Normativas teriam frustrado as expectativas de profissionais de saúde e de usuários do sistema, já que teriam sido moldadas somente atendendo aos interesses das operadoras. Por outro lado, operadoras têm se queixado das dificuldades operacionais causadas pelas alterações que deverão promover, bem como das atecnias redacionais, tanto da Lei nº 13.003/14 como das Resoluções Normativas que a regulamentam.

Devem-se esperar efeitos positivos a partir dessas regulamentações, pois, como já asseverava o grande filósofo Habermas, o Direito tem grande função civilizatória, o que é absolutamente desejável na sociedade atual, plural e complexa. Uma nova lei regulando o importante tema da saúde deve ser bem vinda. Vejamo-la com bons olhos, afinal a sociedade não prescinde do Direito; daí a sempre nova lição de um antigo brocardo jurídico: ubi societas, ibi jus (onde está a sociedade está o Direito).

AS RELAÇÕES EXISTENTES ENTRE OS PRESTADORES DE SERVIÇOS E AS OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE

Não se pode olvidar que as relações existentes entre os prestadores dos serviços de saúde e as operadoras de planos e seguros de saúde podem ser explicadas à luz de um enfoque sociológico, antes que passemos a analisá-la sob o enfoque jurídico.

Alguns sociólogos definem organização social como sistema de relações sociais e obrigações entre os diversos grupos que constituem uma determinada sociedade. Organização social pressupõe ação social.  Para o sociólogo alemão Max Weber, a ação social é conduta ou comportamento motivado, que ocorre quando o ator orienta seus atos para outras pessoas e, assim, é influenciado por elas.

Weber diz ser possível encontrar quatro tipos de ação social, sendo a que interessa ao tema em estudo é a denominada ação racional orientada para fins (zweckrational), que nada mais é do que a ação definida de acordo com os objetivos esperados. O cálculo e o planejamento são essenciais como condutores da ação. O exemplo é o contrato de credenciamento estabelecido entre os prestadores dos serviços de saúde e as operadoras de planos e seguros de saúde. Neste caso, a ação zweckrational é definida pelo fato de que cada uma das partes envolvidas concebe claramente o seu objetivo e combina os meios disponíveis para atingi-lo. Perceba-se que, quando duas ou mais pessoas atuam reciprocamente, ocorre o que se denomina de interação social ou relação social. Nesta relação, as ações de cada um têm importância para as ações dos demais, ou seja, cada pessoa é concomitantemente sujeito e objeto. Dentro das organizações sociais ocorrem tais relações sociais.

Há várias organizações sociais apontadas pelos sociólogos, podendo ser citadas a sociedade, as díades, os grupos, as organizações formais e as comunidades. Geralmente as díades (conjunto de dois) tornam-se formais para alcançar um nível de estabilidade mais coeso; é o caso do profissional de saúde e da operadora, que firmam um contrato de credenciamento.

A organização formal é típica da sociedade atual burocratizada, e por tal motivo determinados grupos ou díades são forçados por uma estrutura de regras coletivas (legislação) no sentido de se tornarem organizações formais, sob pena de serem sancionados.

Todo esse apanhado de cunho sociológico foi necessário para que se depreenda uma ilação: na relação entre prestadores dos serviços de saúde e as operadoras de planos e seguros de saúde há mútuos interesses, mútuas necessidades, mútuas obrigações e mútuos direitos. Tal qual o fiel da balança indica o ponto de equilíbrio entre duas massas, o contrato de credenciamento deve ser pautado pelo equilíbrio entre os dois lados.

Não pode prevalecer o discurso de que as empresas, maiores detentoras de poderio econômico, estariam a abusar dos prestadores de serviços em saúde, pois almejariam incessantes e vultosos lucros, remunerando de forma aviltante os prestadores de serviço. Partir deste pressuposto é contaminar, ab initio, as relações que surgirão a partir do credenciamento.

Noutro giro, tem-se igualmente como rompedor dos basilares princípios de boa-fé contratual, o pensamento, por parte das operadoras, de que cada credenciado seria somente mais um número, podendo a qualquer momento ser substituído por outro que lhe traga tanto ou mais lucro, prestando a mesma qualidade de serviços.

Sob o enfoque jurídico, é mister que tragamos à baila um dos maiores princípios norteadores do direito contratual: princípio da autonomia da vontade.

Nenhuma das partes, nem prestador nem operadora, sela uma relação contratual contra sua vontade. Nas palavras do civilista Carlos Roberto Gonçalves (in Direito Civil Brasileiro, v. III), “tradicionalmente, desde o direito romano, as pessoas são livres para contratar. Essa liberdade abrange o direito de contratar se quiserem, com quem quiserem, e sobre o que quiserem, ou seja, o direito de contratar e de não contratar, de escolher a pessoa com quem fazê-lo e de estabelecer o conteúdo do contrato”. Uma vez respeitada a vontade, a avença faz lei entre as partes e assegura a qualquer uma delas o direito de exigir seu cumprimento.

Não se pode, por óbvio, esquecer o grande papel divulgador que as operadoras proporcionam aos consultórios e clínicas. Lá aportam consumidores (pacientes) que não apareceriam caso não houvesse relação contratual com uma operadora de saúde; isso aumenta o volume de atendimento, gerando lucros.

A novel lei e sua regulamentação vieram reforçar os elos de simbiose que devem ocorrer entre as partes envolvidas nos contratos de credenciamento, sendo importante enfatizar que, se avençaram um acordo contratual é porque almejavam obter vantagens. A partir do momento em que as partes encaram a relação de forma madura, estando cientes das cláusulas contratuais, certamente colherão bons frutos, obtendo lucros, exercendo dignamente suas profissões, bem como satisfazendo o grande consumidor final desta relação, que é o paciente.

AS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEGISLAÇÃO

A guisa de introdução, insta enfatizar que a Lei nº 13.003/14 é uma lei alteradora, tendo operado efeitos de acordo com o art. 12 da Lei Complementar nº 95/98, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal. Isso significa que, embora se tenha tornado famoso no meio das operadoras e demais stakeholders o uso do termo “a lei 13.003”, certo é que nossa referência será a Lei nº 9.656/98. Isso porque a Lei nº 13.003/14 alterou os caputs dos artigos 17 e 18 e acrescentou a artigo 17-A, todos da Lei nº 9.656/98.

Superada essa explanação inicial, importa ainda esclarecer que o dispositivo alterado deixa bem claro tratar-se de uma norma dependente de complementação. Aduz o art. 17-A, §6º da Lei nº 9.656/98 (incluído, como visto, pela Lei nº 13.003/14):

“A ANS publicará normas regulamentares sobre o disposto neste artigo.”

Na lição de André Franco Montoro (in Introdução à Ciência do Direito), as normas auto-aplicáveis “apresentam todos os requisitos necessários para sua vigência imediata ou no prazo legal”. As normas dependentes de complementação “exigem, para sua vigência, a criação de novas normas complementares ou regulamentares. Essa exigência pode ser expressa ou implícita, quando resulta do sentido da disposição”.

Essas considerações explicam o porquê da elaboração das Resoluções Normativas 363, 364 e 365, além da Instrução Normativa 56, elaboradas para regulamentar a novel legislação federal, todas em vigor a partir de 22 de dezembro de 2014.

A Lei nº 13.003/14 foi publicada em 24 de junho de 2014, mas passou a vigorar somente 180 dias após essa data. Isso devido à vacatio legis prevista no art. 4º da aludida lei. Esse período de vacância da lei é destinado à sua adaptação, por parte dos cidadãos, para que seja melhor compreendida e aplicada, como, aliás, exigido pela Lei Complementar 95/98, em seu art. 8º:

“A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula ‘entra em vigor na data de sua publicação’ para as leis de pequena repercussão.”

Pode-se admitir que o prazo concedido foi razoável, cumprindo os fins a que se propôs. Todavia, não se deve perder de vista que, como visto, tal lei é dependente de complementação, sem a qual, impossível sua eficácia no mundo dos fatos.

A regulamentação chegou tarde, a passos lentos, tendo sido publicadas as Resoluções Normativas somente em 12 de dezembro de 2014, praticamente no fim do período de vacatio legis. Daí o prejuízo aos destinatários da norma: não houve período suficiente para conhecimento, ou seja, o prazo foi extremamente exíguo e insuficiente. Na prática, não existiu vacatio legis, o que prejudicou sobremaneira os processos de adaptação às novas determinações legais.

Lembramos que, já no passado, Carnelutti chamava a atenção para o inexorável impacto causado pela introdução de uma nova arquitetura processual, afirmando, em tom experiente, que, nestes momentos, gostaria mesmo de estar afastado do foro e das lides forenses.

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Tecidas essas críticas, passemos então à análise pormenorizada das Resoluções Normativas relativas à Lei nº 13.003/14.

A RESOLUÇÃO NORMATIVA (RN) nº 363

Tendo sido publicada no Diário Oficial da União em 12/12/2014, esta normativa dispõe sobre as regras para celebração dos contratos escritos firmados entre as operadoras de planos de assistência à saúde e os prestadores de serviços de atenção à saúde e dá outras providências. Como apresenta vacatio legis, apesar de publicada anteriormente, sua vigência só passou a ser considerada em 22/12/2014, conforme determina seu art. 25. Como visto acima, o verdadeiro período de vacância para adaptação à lei foi este, de 10 dias, e não aquele de 180 dias previsto na Lei nº 13.003/14. O prejuízo é notório.

A legislação foi incisiva ao exigir a existência de contratos escritos entre a Operadora e o Prestador. Neste diapasão, importante analisarmos o art. 107 do Código Civil Brasileiro, in verbis:

“A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.”

Nota-se que, no direito brasileiro, a forma é, em regra, livre. As partes podem celebrar o contrato por escrito, público ou particular, ou verbalmente, exceto nos casos em que a lei exija forma escrita, pública ou particular. No caso da RN 363, o legislador afastou a possibilidade de uso de forma livre, exigindo a formalidade do contrato escrito.

Decorrência do não cumprimento dessa formalidade é a nulidade do negócio jurídico. Segundo a inteligência do art. 166, IV e V do Código Civil, é nulo o negócio jurídico quando “não revestir a forma prescrita em lei”  ou “ for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade”.  Pode-se afirmar que, como a formalidade é exigida apenas para facilitar a prova do negócio, diz-se que ela é ad probationem tantum.

Exemplo analógico pode ser retirado do próprio Código Civil, em seu art. 819, que exige forma escrita no contrato de fiança.

Os arts. 4º e 5º da RN 363 proclamam, respectivamente, cláusulas contratuais que devem obrigatoriamente constar do instrumento e cláusulas vedadas na contratualização.

Dentre as cláusulas obrigatórias que constam no art. 4º, consta que o contrato deve definir sua natureza e seu objeto, com descrição de todos os serviços contratados. Muito provavelmente as operadoras terão de constituir anexos que serão considerados partes integrantes do contrato, dado o grande volume de procedimentos existentes nas diversas áreas da saúde.

Também passa a ser obrigatória a definição dos valores dos serviços contratados, dos critérios, da forma e da periodicidade do seu reajuste e dos prazos e procedimentos para faturamento e pagamento dos serviços prestados. Os arts. 11 a 14, analisados à frente, tratarão esses temas com mais pormenores.

É consabido que, a depender da atividade prestada na área de saúde, pode ser necessário que o prestador, antes de realizar algum procedimento, tenha que solicitar autorização prévia à Operadora, o que geralmente ocorre em casos de maior complexidade técnica, e por conseguinte, de maior custo. É necessário que conste no contrato a identificação desses atos, eventos e procedimentos assistenciais que necessitem de autorização administrativa da Operadora.

Também devem, obrigatoriamente, constar no contrato sua vigência e os critérios e procedimentos para prorrogação, renovação e rescisão, bem como as penalidades para as partes pelo não cumprimento das obrigações estabelecidas. Esse tema será esmiuçado adiante.

É no art. 5º que nos deparamos com práticas e condutas proibidas na contratualização entre Operadoras e Prestadores. Assim, o prestador fica terminantemente proibido de exigir do consumidor (paciente) qualquer comprovante de adimplência de suas prestações para com a Operadora, sob o risco de constrangimento. Esse dispositivo mantém um paralelo com o art. 42, caput, do Código de Defesa do Consumidor, que assim proclama:

“Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.”

A maior parte das profissões da área de saúde tem seus próprios Códigos de Ética. Lógico é que tais códigos devem ser cumpridos à risca pelos profissionais e seria absurdo imaginar que um contrato pudesse prever infrações éticas. Tal proibição é taxativa no inciso II do art. 5º.

Também é vedada a exclusividade na relação contratual, bem como é vedado restringir, por qualquer meio, a liberdade do exercício de atividade profissional do Prestador. Tal dispositivo deve ser interpretado em conjunto com o art. 18, III, da Lei 9.656/98, que aduz:

“A aceitação, por parte de qualquer prestador de serviço ou profissional de saúde, da condição de contratado, referenciado, credenciado ou cooperado de uma operadora de produtos de que tratam o inciso I e o § 1odo art. 1o desta Lei implica as seguintes obrigações e direitos: 

...

III - a manutenção de relacionamento de contratação, credenciamento ou referenciamento com número ilimitado de operadoras, sendo expressamente vedado às operadoras, independente de sua natureza jurídica constitutiva, impor contratos de exclusividade ou de restrição à atividade profissional.”

As operadoras trabalham com áreas de auditorias eletrônicas ou técnicas, que visam analisar a existência e a qualidade dos serviços prestados pelos Operadores. Fica vedado à Operadora, no contrato, estabelecer regras que impeçam o acesso do Prestador às rotinas de auditoria técnica ou administrativa, bem como o acesso às justificativas das glosas.

Glosa é o termo que se refere ao não pagamento, por parte das Operadoras, de valores referentes a atendimentos, medicamentos, materiais ou procedimentos cobrados pelos Prestadores (hospitais, clínicas, laboratórios, consultórios entre outros). Ao reconhecer um item glosado, o prestador tem um prazo determinado para recorrer da decisão do convênio. Não se pode obstaculizar o recurso. Dentre as várias razões que justificam a existência de um sistema recursal, estão:

a) falhas e imperfeições humanas;

b) irresignação do ser humano;

c) uniformização da aplicação da auditoria.

Assim, o inciso V do art. 5º deve ser interpretado em conjunto com o parágrafo único do art. 14, que reza:

“O prazo acordado para contestação da glosa deve ser igual ao prazo acordado para resposta da operadora.”

Com isto, se deixa ao arbítrio do contratante estabelecer o prazo para que o Prestador recorra da glosa; a novidade é que a Operadora, ao conceder a resposta, revertendo ou não a glosa aplicada, terá de cumprir o mesmo prazo concedido ao Prestador para recorrer. Busca-se, com isso, a igualdade, algo tão almejado desde o pensamento liberal da época da Revolução Francesa. Notório o anseio da ANS, neste ponto, pela busca da igualdade material, e não simplesmente a formal, consagrada no art. 5º, caput, da Carta Magna de 1988. Considerou o Prestador a parte mais vulnerável no contrato, perante a Operadora. Em outras palavras, impedindo que ficasse ao puro talante da Operadora o prazo que esta teria para responder se reverteria ou não a glosa aplicada, optou por igualar os prazos, promovendo igualdade substancial na relação contratual.

Por se tratar de assunto de crucial importância, o reajuste dos valores estabelecidos em contrato será visto à frente. No momento, importa não olvidar que fica vedado no contrato estabelecer formas de reajuste condicionadas à sinistralidade da operadora e também estabelecer formas de reajuste que mantenham ou reduzam o valor nominal do serviço contratado.

Aduz o art. 7º da RN 363:

“O foro eleito no contrato deverá ser obrigatoriamente o da comarca de prestação de serviço do Prestador.”

Ensina-nos a doutrina processual civil que a competência será relativa, em regra, quando fixada em razão do valor da causa e do território. A competência relativa é firmada dando ênfase ao interesse das partes, por isso pode ser modificada por vontade delas ou nas hipóteses legais. Por tal motivo que assim proclama a Súmula nº 33 do STJ: “A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício”; deve-se aguardar a iniciativa do réu através da apresentação de exceção de incompetência.

Nada obstante, importante lembrar que nem sempre a competência territorial é relativa. Exemplo pode ser haurido do art. 95 do Código de Processo Civil, 1ª parte:

“Nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro da situação da coisa.”

Outras normas também preveem hipóteses de competência territorial absoluta: Lei da Ação Civil Pública, Estatuto do Idoso, dentre outras.

A RN seguiu essa sistemática, determinando competência territorial absoluta, ao prever como foro eleito aquele da comarca de prestação de serviço do Prestador.

O Código de Defesa do Consumidor, facilitando sua defesa em juízo, estabelece, em seu art. 101, I, que na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços a ação pode ser proposta no domicílio do autor. Assim, o consumidor (autor) pode optar por foro eleito em contrato ou por foro de seu domicílio.

Mais uma vez se constata o caráter protetivo ao Prestador, tal qual aquela presente no Código de Defesa do Consumidor, explicitamente declinado na RN 363, erigindo norma em seu benefício, facilitando sua defesa em juízo.

Reiteradamente a RN torna explícito o fato de que os padrões TUSS/TISS devem ser seguidos nas contratualizações, como se depreende dos arts. 6º e 9º, por exemplo.

Lembremos de que, segundo a ANS, a Troca de Informações na Saúde Suplementar - TISS foi estabelecida como um padrão obrigatório para as trocas eletrônicas de dados de atenção à saúde dos beneficiários de planos, entre os agentes da Saúde Suplementar. O objetivo é padronizar as ações administrativas, subsidiar as ações de avaliação e acompanhamento econômico, financeiro e assistencial das operadoras de planos privados de assistência à saúde e compor o Registro Eletrônico de Saúde.

Ainda, de acordo com a mesma ANS, com a finalidade de facilitar a compreensão a respeito das denominações usadas na saúde suplementar para os procedimentos e eventos em saúde, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) elaborou uma tabela em que constam os itens que integram o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde e as denominações equivalentes a esses itens de acordo com a Terminologia Unificada da Saúde (TUSS).

A Seção I do Capítulo II da RN em estudo aborda o objeto e a natureza do contrato, que devem ser expressos, e ainda a descrição dos serviços contratados, que deverão, igualmente, estar explícitos. Provavelmente tal listagem de procedimentos, na prática, se apresentará na forma de adendos contratuais, dada a grande quantidade destes nas diversas áreas da saúde.

O objeto do contrato é pressuposto de existência, requisito de validade e espraia efeitos no mundo fenomênico do Direito. Deve ser visto como um complexo de obrigações, deveres, direitos, ônus, sujeições, devendo ser encarado como uma unidade. Pode-se dizer que, na visão tripartida que encampa os planos de existência, validade e eficácia do negócio jurídico, o objeto está em todos eles. Pela análise do art. 104 do Código Civil, conclui-se que o objeto terá de ser lícito, possível e determinado ou determinável. Nos casos em estudo, o objeto pode ser, por exemplo, a prestação de serviços médicos ou odontológicos.

A RN 363 deixa claro que deverão ser utilizadas na elaboração dos contratos as normas de teoria geral do contrato, devendo, portanto, os instrumentos serem redigidos com lastro nas diretrizes e previsões do Código Civil Brasileiro, afastando, desta forma, de um modo geral, qualquer relação de emprego, regulada pela Consolidação das Leis Trabalhistas ( CLT ), na contratação de profissionais de saúde credenciados pelas empresas operadoras de planos de saúde.

Não é admissível que o contrato que apresente determinado número de serviços contratados na época de sua celebração não possa, posteriormente, sofrer alterações, incluindo ou excluindo procedimentos executados por parte dos Prestadores; tal desenho engessaria a relação Operadora-Prestador, não traduzindo a realidade observada no dia-a-dia. Daí a previsão, que deve estar expressa no contrato, sobre a possibilidade de exclusão ou inclusão de procedimentos durante a vigência do mesmo (art. 8º, in fine).

O art. 10 aborda questão de alta frequência no cotidiano das Operadoras de saúde. Há, não raramente, casos de consumidores que se queixam de terem recebido cobrança, por parte de certos Prestadores, por procedimentos cobertos por seus planos. A ilegalidade aflora. Não pode o consumidor ser lesado a ponto de sofrer transtorno, tentando-se invadir seu patrimônio financeiro através de cobrança de procedimento que ele tem direito devido à cobertura contratual, estabelecida entre ele ou sua empresa e a operadora. Há até Códigos de Ética profissionais que repelem tal conduta, considerando-a infração ética, como é o caso do art. 20, VI, do Código de Ética Odontológica, aprovado pela Resolução CFO-118/2012:

“Constitui infração ética:

...

VI - receber ou cobrar remuneração adicional de

paciente atendido em instituição pública, ou sob

convênio ou contrato;” (grifos nossos)

Andou bem o legislador regulatório ao elaborar o aludido art. 10, que assim preleciona:

“Deve haver previsão expressa que é vedada a exigência de prestação pecuniária por parte do Prestador ao beneficiário de plano de saúde, por qualquer meio de pagamento, referente aos procedimentos contratados, excetuado os casos previstos na regulamentação da saúde suplementar de Mecanismos de Regulação Financeira.”

O dispositivo comporta exceção, que são aqueles casos previstos na regulamentação da saúde suplementar de Mecanismos de Regulação Financeira. Esse tema encontra supedâneo legal na Resolução do Conselho de Saúde Suplementar – CONSU nº 08 de 03 de novembro de 1998, art. 1º, §2º:

 “As operadoras de seguros privados somente poderão utilizar mecanismos de regulação financeira, assim entendidos, franquia e co-participação, sem que isto implique no desvirtuamento da livre escolha do segurado.”

Esclareça-se, por oportuno, que o mesmo diploma legal acima descrito esclarece o que vem a ser franquia e coparticipação.

Franquia é o valor estabelecido no contrato de plano ou seguro privado de assistência à saúde e/ou odontológico, até o qual a operadora não tem responsabilidade de cobertura, quer nos casos de reembolso ou nos casos de pagamento à rede credenciada ou referenciada.

Coparticipação é a parte efetivamente paga pelo consumidor à operadora de plano ou seguro privado de assistência à saúde e/ou operadora de plano odontológico, referente a realização do procedimento.

Em outras palavras, deverá constar expressamente no contrato a vedação de cobrança, por parte do Prestador, de qualquer valor do beneficiário, desde que se refira a procedimento coberto por seu plano de saúde (exceto nos casos de franquia e de coparticipação). A contrario sensu, não havendo cobertura no plano do paciente, nada obsta que haja cobrança por parte do Prestador.

Os artigos 11 a 13 tratam da temática dos valores e dos reajustes dos procedimentos contratados, tema de indiscutível importância, ao qual maior destaque se dá nos noticiários sobre as novas Resoluções Normativas. Não era para menos, afinal todos os seres humanos almejam por significativas receitas em suas vidas pessoais, contrapondo-se a insignificantes despesas.

Deve-se esclarecer que, apesar de a ementa da RN 364 referir-se ao tema “reajustes”, é na RN 363 que iremos encontrar sua disciplina. A RN 364 abordará casos específicos de reajustes a serem aplicados pela ANS, e não pela Operadora, como se verá oportunamente.

Proclama o art. 11 que os valores dos serviços contratados devem ser expressos em moeda corrente ou tabela de referência. O dispositivo permite que sejam utilizados valores em Reais ou em unidades diversas (ex: US = Unidade de Serviço) a serem transformadas em reais conforme o fator multiplicador. Nada além disso será permitido, como, por exemplo, utilização do dólar.

O hermeneuta do Direito, ao fazer uma interpretação sistemática do ordenamento, se aperceberá, imediatamente, que a Lei de Locações de Imóveis Urbanos (Lei nº 8.245/91), apesar de bem mais antiga, foi mais precisa no assunto pertinente a valores contratuais de aluguel. Aduz o art. 17:

“É livre a convenção do aluguel, vedada a sua estipulação em moeda estrangeira e a sua vinculação à variação cambial ou ao salário mínimo”

A temática do reajuste em si está prevista no art. 12 e seus parágrafos.

Não se permite que o contrato omita de que maneira serão efetuados os reajustes, já que a lei exige forma expressa, de modo claro e objetivo.

É importante que o Prestador saiba que, quanto melhor a qualidade dos serviços prestados, mais oportunidades ele poderá ter ao selar contrato com uma Operadora. Isso porque a novel legislação prevê que “é admitida a utilização de indicadores ou critérios de qualidade e desempenho da assistência e serviços prestados, previamente discutidos e aceitos pelas partes, na composição do reajuste, desde que não infrinja o disposto na Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, e demais regulamentações da ANS em vigor”.

Nada obsta, segundo nosso entendimento, que o próprio QUALISS seja utilizado como um norte para aplicação prática deste dispositivo legal.

O QUALISS é um programa desenvolvido pela ANS em parceria com os representantes dos prestadores, dos consumidores, das operadoras, das instituições de ensino e pesquisa, da Anvisa e do Ministério da Saúde. Visa estimular a qualificação dos prestadores de serviços na saúde suplementar e aumentar a disponibilidade de informações. O intuito é ampliar o poder de avaliação e escolha de prestadores de serviços por parte das operadoras e dos beneficiários de planos de saúde.

O art. 12, §2º estatui que o reajuste deve ser aplicado anualmente na data de aniversário do contrato escrito. Estatuir-se data certa pode auxiliar nos planejamentos de ambas as partes da relação contratual. A um, impede que o Prestador deixe de programar investimentos profissionais e pessoais, pois tem certeza da época em que receberá reajuste. A dois, facilita o setor de contabilidade da Operadora, que saberá, de antemão, quanto deverá disponibilizar e reservar como gasto, e em que período.

Sistemas operacionais das Operadoras devem estar preparados para localizar datas de aniversários de Prestadores, proceder aos cálculos de forma célere e eficaz, bem como cadastrar os novos valores. Ademais, não será difícil encontrar contratos assinados em determinada data, porém com inserção em sistema – o que efetiva o credenciamento – em data posterior ou anterior. A redação do dispositivo não é clara o suficiente para que se aponte a data real de aniversário. Trata-se de questão que será tratada nas rotinas diárias, e talvez cada operadora acabe adotando uma sistemática, o que não prejudica o intuito do legislador; afinal, se houver discrepância de datas, o interregno não será significativo de forma a prejudicar qualquer das partes. Porém, é assunto de importância nas decisões intra-muros das Operadoras.

De se notar que a RN não exige que seja fixado determinado índice econômico de reajuste, podendo estar prevista a livre negociação. Neste aspecto, muito se assemelha a novel legislação à já citada Lei de Locações de Imóveis Urbanos (Lei nº 8.245/91), já que nestes contratos o reajuste é calculado pelo índice livremente escolhido pelas partes (geralmente, são utilizados o INPC, o IGP-M e o IPCA). Se prevista a forma de livre negociação, determina o §3º do art. 12 que o período de negociação será de 90 (noventa) dias corridos, improrrogáveis, contados a partir de 1º (primeiro) de janeiro de cada ano. Surge momento para crítica ao legislador.

Ora, qual seria a implicação prática de se restringir o período de livre negociação para os noventa primeiros dias do ano? Além de não encontrarmos justificativa plausível, entendemos ser deveras prejudicial tal imposição. Imagine-se, a título de exemplificação, que determinado contrato preveja livre negociação e que tenha data de aniversário em novembro. Tendo a negociação ocorrido nos primeiros 90 dias (até o final do mês de março), muitas alterações no cenário econômico poderão ocorrer até que efetivamente se conceda o reajuste. Ilógica a determinação deste dispositivo.

Os Prestadores, ao executarem os procedimentos, deverão apresentar documentos comprobatórios da realização dos mesmos, e não é justo que assim o façam sem que tenham previsão da data em que perceberão os valores devidos. A Resolução determina que os prazos e procedimentos para faturamento e pagamento dos serviços prestados devem ser expressos no contrato.

A Agência Reguladora preocupou-se em exigir que os contratos expressem as rotinas técnicas e administrativas de auditoria, no art. 14. Jamais o Prestador poderá receber glosa em algum procedimento se não sabia, de antemão, que estaria sujeito à glosa. Trata-se de exigência vaga e abstrata, já que praticamente todo procedimento pode estar sujeito à glosa. Contudo, sabe-se que todas as palavras contidas na lei são lei, e todas têm força obrigatória. Nenhum conteúdo da norma legal pode ser esquecido, ignorado ou tido como sem efeito, sem importância ou supérfluo. A lei não contém palavras inúteis. Como ensinava Carlos Maximiliano, “devem-se compreender as palavras (da lei) como tendo alguma eficácia”. Só é adequada a interpretação que encontrar um significado útil e efetivo para cada expressão contida na norma. Assim, é prudente que os contratos explicitem quais procedimentos estarão sujeitos à glosa para que evitem eivarem-se de nulidade.

Não mais se admite que contratos existam sem prazos para contestação da glosa, para resposta da operadora e para pagamento dos serviços em caso de revogação da glosa aplicada. Não se pode deixar ao alvedrio de qualquer das partes o prazo para tomada de ações, sob pena de tornarem-se inúteis; necessário é que se estipulem prazos, afinal “dormientibus non succurit jus” (o Direito não socorre os que dormem).

Imprescindível estarem as rotinas de auditoria em conformidade com a legislação específica dos conselhos profissionais sobre o exercício da função de auditor. O Conselho Federal de Odontologia, por exemplo, editou a Resolução CFO 20/2001, que normatiza Perícias e Auditorias Odontológicas em Sede Administrativa.

Como já é de conhecimento, muitos procedimentos necessitam de autorização prévia. A RN tratou de exigir que se declare explicitamente nos contratos qual a rotina operacional para a autorização (ex: via Internet), qual a responsabilidade das partes nessa rotina e qual o prazo de resposta para concessão da autorização ou negativa, sempre seguindo o padrão TISS. Mais uma vez, não quis deixar que haja poder de manipulação das Operadoras sobre os Prestadores, buscando uma abordagem de igualdade de tratamento.

A Seção IV trata de temas como prazo de vigência do contrato e de critérios para prorrogação, renovação e rescisão, estabelecendo que devem todos eles ser expressos.

Nota-se mais uma atecnia legislativa. Ora, entre nós, na linguagem trivial, o termo “rescisão” é usado como sinônimo de resolução e de resilição. O fato de serem termos utilizados indistintamente na vida prática não autoriza o legislador a deixar de seguir a boa técnica jurídico-doutrinária. Sabe-se que o termo “rescisão” deve ser empregado nas hipóteses de dissolução de determinados contratos, como aqueles em que ocorreu lesão ou que foram celebrados em estado de perigo. Logo, melhor que o termo utilizado fosse “extinção”, por abarcar as várias causas que levam ao rompimento do vínculo contratual. Afinal de contas, os contratos, assim como os negócios jurídicos em geral, têm também um ciclo vital: nascem do acordo de vontades, produzem os efeitos que lhes são próprios e extinguem-se.

Vale atermo-nos mais detidamente no inciso II do art. 16 da RN em estudo, visto que o dispositivo cuida de casos de extinção contratual no decorrer de tratamentos continuados. O contrato estabelecido entre Prestador e Operadora deve prever a obrigação de identificação formal pelo Prestador, pessoa física ou jurídica, ao responsável técnico da operadora dos pacientes que se encontrem em tratamento continuado, pré-natal, pré-operatório ou que necessitem de atenção especial, acompanhada de laudo com as informações necessárias à continuidade do tratamento com outro Prestador, respeitado o sigilo profissional.

Tem-se aqui uma notória proteção ao consumidor, que não poderá, sob nenhuma hipótese, ficar desamparado, sem atendimento, em situações específicas de necessidade de procedimentos ou consultas ao longo do tempo.

O inciso II do art. 16 deve ser analisado em conjunto com o art. 19, das disposições finais, que atribui à Operadora a responsabilidade por garantir o atendimento a esses pacientes que necessitem de cuidados contínuos, encaminhando-os a outros Prestadores, os quais devem possuir os recursos assistenciais necessários à continuidade da sua assistência. Jamais deve se perder de vista que, mesmo nestes casos, aplicam-se os prazos previstos na Resolução Normativa nº 259, também da Agência Nacional de Saúde Suplementar.

Merece encômios o legislador em relação a esta disposição legal, porquanto deveras numerosos são os casos do cotidiano que se amoldam ao dispositivo citado.

Imagine-se uma gestante em pré-natal ou um paciente em tratamento ortodôntico. Em havendo desfazimento contratual, decerto sofreria o consumidor as maléficas consequências desse acontecimento. O Prestador, nesse caso, deverá informar ao responsável técnico da Operadora quantos e quais são os casos, sob sua responsabilidade, que se enquadrem nessa situação. Adicionalmente, faz-se necessário que elabore um laudo técnico que servirá de guia ao profissional que dará continuidade aos atendimentos. Não basta essa conduta por parte do Prestador; necessário se faz que formalmente, de preferência por forma escrita, comunique aos pacientes acerca da descontinuidade do atendimento.

É oportuno recordar que o descumprimento dessa cláusula, não somente dela, mas qualquer descumprimento contratual, enseja a aplicação do art. 475 do Código Civil, que assim determina:

“A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.”

Ainda em relação à extinção contratual, nada obsta seja inseridas cláusulas resolutivas expressas, de acordo com o art. 474 do supra mencionado diploma legal, verbis:

“A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.”

A cláusula resolutiva põe fim à avença. Constando do instrumento produzirá efeitos ipso iure, a partir do inadimplemento. Em não havendo tal avença, todo contrato sinalagmático trará a vinculação de seu fim caso ocorra o inadimplemento.

Partindo-se dessas premissas, pode-se analisar o art. 17 com uma interpretação extensiva. Embora aduza tal dispositivo que as penalidades pelo não cumprimento das obrigações estabelecidas para ambas as partes devem ser expressas, ficou demonstrado que não somente haverá penalidades para os casos expressamente previstos no contrato, mas, acima de tudo, deve-se levar em conta todas as condições gerais do direito contratual. Em outras palavras, as penalidades poderão ocorrer de acordo com aquilo que foi contratualmente previsto, porém outras penalidades poderão advir, decorrentes de inadimplementos obrigacionais previstos na legislação civilista pátria.

O art. 18, recebendo a denominação de disposição transitória, apresenta-se daqueles cuja redação mais gera dúvidas do que elucida. O dispositivo delimita um período de noventa dias, a partir de 1 de janeiro, para que os contratos com data de aniversário compreendidos nesse período tenham o valor de reajuste proporcionalmente estabelecido, considerando este período. Dúvidas surgem. A que se refere a proporcionalidade? O aniversariante de um dia após – 1 de abril, por exemplo – teria tratamento diferenciado com qual justificativa? E mais: não se encontra lógica em se estabelecer como dies a quo a data de 1 de janeiro de 2015, pois a RN entrou em vigor a partir de 22 de dezembro de 2014, devendo todos os contratos que a partir dessa data aniversariem, receber reajuste.

Muitas formas de interpretação ocorrerão para que se aplique tal artigo nos casos práticos. Não obstante, talvez não haja tempo para uniformização hermenêutica, pois, tratando-se de disposição transitória, tão logo transcorrido o tempo citado, deixará de produzir efeitos.

Não se encontrarão atualmente, por óbvio, contratos avençados entre Prestadores e Operadoras que estejam em plena sintonia com as determinações da RN 363. Os que existem deverão ser refeitos ou ajustados em até doze meses, a contar do início da vigência dessa Resolução, ou seja, até 22 de dezembro de 2015. Trata-se de tarefa trabalhosa, de difícil execução. A experiência mostra que, além da operacionalização interna das Operadoras, envidando esforços para redação e envio dos contratos aos Prestadores, o que se observa é que muitos não os devolvem devidamente assinados à Operadora.

Há quem defenda que, se o Prestador não devolveu o contrato assinado, mas realizou atendimentos e procedimentos nos beneficiários da respectiva Operadora, tacitamente o aceitou. Contudo, a falta de aposição de firma decerto compromete a formalidade contratual, gerando discussão jurídica acerca de sua validade. De qualquer forma, a contratualização necessária não é novidade, e de certo a simbiose permanecerá, satisfazendo os dois polos da relação de credenciamento.

Espera-se que as Operadoras, mesmo que não possuam contratos de acordo com as diretrizes da RN 363, ao menos possuam contrato escrito com seus Prestadores. A sanção é imediata: se mantiverem contrato não escrito com prestadores de serviço, permanecem em situação de irregularidade, sujeitas à aplicação das penalidades cabíveis.

A RN 363 não se aplica à relação entre o profissional de saúde cooperado, submetido ao regime jurídico das sociedades cooperativas na forma da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, e a operadora classificada na modalidade de cooperativa, médica ou odontológica, a qual está associado. Também não se aplica a profissionais de saúde com vínculo empregatício com as Operadoras e tampouco a administradoras de benefícios. São regimes jurídicos distintos, merecendo tratamentos diferenciados.

As Operadoras de planos de saúde deverão, portanto, redigir novos contratos para que se alinhem com as novas diretrizes da ANS.

Os Prestadores, a par de se sentirem mais amparados, também absorvem deveres a ser cumpridos, profissionalizando a relação, com ética, tecnicismo e transparência.

O consumidor de serviços de saúde é o grande beneficiado por tudo que aqui foi discutido, já que as Resoluções surgem em prol destas pessoas, que certamente se sentirão mais seguras e protegidas.

REFERÊNCIAS:

ARON, Raymond. As etapas dos pensamento sociológico. 6ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

COSTA, Marcos da e CRUZ E TUCCI, José Rogério. Vacatio legis do novo CPC é insuficiente para o desafio imposto. Disponível no site: www.conjur.com.br.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol III. 2ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.

MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 21ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993.

MOUZALAS, Rinaldo. Processo Civil, vol único. 6ª Ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2013.

Sobre o autor
Marco Aurelio Fernandes dos Santos

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da USP (2009). Advogado - OAB/SP. <br>Graduado em Odontologia pela Faculdade de Odontologia da USP - SP (1989). <br>Mestrado em Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Faciais pela Faculdade de Odontologia da USP - SP (2002). Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Faciais. Cirurgião Buco Maxilo Facial da Prefeitura de São Paulo.<br>Experiência na área administrativa, nos cargos de Auditor, Coordenador de Auditoria Externa e Coordenador de Credenciamento.<br>Experiência em advocacia cível, com ênfase na área da saúde.<br>Ex-Professor no Curso de Especialização em Odontologia Legal, coordenado pelo Prof. Moacyr da Silva - APCD.<br>Professor no Curso de Especialização em Odontologia Legal no SOESP (Sindicato dos Odontologistas do Estado de São Paulo).<br>Professor no Curso de Atualização em Auditoria Odontológica no SOESP (Sindicato dos Odontologistas do Estado de São Paulo).<br>Preceptor de Residência Hospitalar junto ao MEC.<br>Parecerista em Odontologia.<br><br>Especializações: Mestre em Cirurgia <br>Pós-Graduando em Direito Aplicado aos Serviços de Saúde

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Trata-se de uma visão crítica da novel legislação, e não puramente uma interpretação gramatical, das Resoluções Normativas editadas pela ANS, ao final de 2014.

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