Resumo: Este trabalho aborda a questão dos principais entraves da Lei de Inovação Tecnológica (Lei n.º 10.973/2004) quanto às contratações públicas para transferência de tecnologia realizadas por instituições científicas e tecnológicas. Traz, outrossim, discussão acerca da importância da inovação tecnológica para o desenvolvimento do País. Não obstante, apresenta, de forma sumarizada, aspectos relevantes da Lei de Inovação Tecnológica. Assim como faz uma comparação sobre a Lei de Licitações e Contratos (Lei n.º 8.666/1993) e a Lei de Inovação Tecnológica (Lei n.º 10.973/2004), no sentido de identificar possíveis impasses e suas consequências em relação às contratações públicas que envolvam transferência de tecnologia. Por fim, propõe, sugestivamente, medidas que possam contribuir em viabilizar, de maneira eficaz, as contratações aqui estudadas.
Palavras-chave: Inovação Tecnológica. Contratações Públicas. Transferência de Tecnologia.
Abstract: This paper addresses the issue of the main obstacles of Technological Innovation Law (Law No. 10,973 / 2004) with regard to public contracts for technology transfer activities for scientific and technological institutions. Brings, instead, discussion about the importance of technological innovation for the development of the country. Nevertheless, presents, in summary form, relevant aspects of the innovation law. Just as a comparison on the Law of Tenders and Contracts (Law No. 8,666 / 1993) and the Technological Innovation Law (Law No. 10,973 / 2004), to identify possible deadlocks and its consequences for the public contracts involving technology transfer. Finally, it proposes, suggestively, measures that can contribute to enabling, effectively, contracts studied here.
Keywords: Technological Innovation. Public Contracting. Technology Transfer.
1. Introdução
Um passo relevante para a consecução das metas na área de ciência e tecnologia é a formulação de sistema legal cujo conteúdo possa dinamizar a relação entre instituições de ciência e tecnologia, institutos de pesquisa e o setor produtivo nacional.
Tanto mais ao se considerar que a produção científica, especialmente aquela proveniente das Instituições Científicas e Tecnológicas/ICTs – que constituem significativa parte da produção nacional – evidencia um contraste marcante entre um país que produz ciência de fronteira, mas que não interage como poderia e deveria, com o setor produtivo. Como consequência, incorpora-se pouca tecnologia de ponta diretamente nos produtos, tornando-os pouco competitivos, seja no mercado interno como externo.
Diante disso, o desafio de preparar, viabilizar e consolidar o salto tecnológico indispensável ao País se torna um caminho árduo para a mudança não somente institucional ou econômica, mas, sobretudo, cultural. Porquanto, não é crível admitir que, em pleno século XXI, ainda pairem olhares desconfiados para a união de esforços em um ambiente de interação entre iniciativa pública e iniciativa privada.
O primeiro passo, portanto, para o aumento consistente da produção científica e tecnológica no País é a criação de mecanismos reguladores dessa relação.
Para tanto, tem-se a Lei de Inovação Tecnológica (Lei n.º 10.973/2004, com regulamento dado pelo Decreto n.º 5.563/2005) que, segundo Marçal Justen Filho (2009), visa
Incentivar o surgimento de pólos de desenvolvimento de criações e novas tecnologias aplicáveis especialmente no setor produtivo. A finalidade é fomentar atividade de pesquisa aplicada, apta a gerar resultados econômicos, especialmente no setor industrial.
Dentro deste contexto, o presente artigo se ocupará de estudar as contratações públicas para transferência de tecnologia realizadas por instituições científicas e tecnológicas de que trata a lei em questão, no sentido de trazer a relevo os principais entraves existentes quando da realização destas contratações.
Com efeito, a primeira seção apresenta, de forma sumarizada, aspectos relevantes da Lei de Inovação Tecnológica. Ao passo que, a segunda seção faz uma comparação sobre a Lei de Licitações e Contratos (Lei n.º 8.666/1993) e a Lei de Inovação Tecnológica (Lei n.º 10.973/2004), a fim de identificar possíveis impasses e suas consequências em relação às contratações públicas que envolvam transferência de tecnologia. A terceira seção propõe, sugestivamente, medidas que possam contribuir em viabilizar, de maneira eficaz, as contratações aqui estudadas. Por fim, a última seção apresenta as considerações finais do artigo.
2. Aspectos Relevantes da Lei de Inovação Tecnológica
A Lei cogitou da definição de agências de fomento, expressão que indica uma instituição pública ou privada cuja atuação seja orientada ao financiamento de atividades de pesquisa, tais como: Capes, CNPq e FAPEMAT.
Ademais disso, dispôs sobre o regime jurídico das ICTs, conceituadas como órgão ou entidade da Administração Pública que se dedique a atividades de pesquisa básica ou aplicada, de caráter científico e tecnológico, em que importa destacar: as Universidades, os Institutos Federais, a EMBRAPA, entre outras entidades de pesquisa.
Não obstante, introduziu diversas medidas de incentivo à atividade pública e privada de pesquisa, orientadas para: a criação de um ambiente propício a parcerias estratégicas entre universidades, institutos tecnológicos e empresas; o estímulo à participação de instituições de ciência e tecnologia no processo de inovação; e o incentivo à inovação na empresa. Ela também possibilita autorizações para a incubação de empresas no espaço público e a possibilidade de compartilhamento de infra-estrutura, equipamentos e recursos humanos, públicos e privados, para o desenvolvimento tecnológico e a geração de processos e produtos inovadores.
São também instrumentos desta lei a encomenda tecnológica, a participação estatal em sociedade de propósito específico e os fundos de investimentos.
Para o governo federal, a Lei de Inovação Tecnológica, ao estimular a inovação no setor produtivo, propiciará a mudança do quadro atual, em que, segundo estudos realizados pelos pesquisadores José Matias-Pereira e Isak Kruglianskas (2005), 73% dos cientistas estão atuando nas instituições públicas e apenas 11% nas empresas privadas.
É bem verdade que o presente texto legal, por si só, não terá o condão de transformar a realidade da produção científica e tecnológica nacional, mas é elemento relevante para a garantia do ambiente propício ao desenvolvimento de cultura de inovação e emancipação tecnológica do País.
No contexto de estímulo à participação das entidades públicas de pesquisa no processo de inovação, o Capítulo III da Lei de Inovação Tecnológica traz mecanismo de suma relevância. Trata-se da transferência e o licenciamento de tecnologia de universidades, institutos federais e entidades de pesquisa para o setor produtivo nacional.
O texto apresentado estabelece duas formas de tratamento à questão. Inicialmente, em se tratando de contratação com cláusula de exclusividade para exploração da criação, a Lei determina que esta seja precedida da publicação de edital com o objetivo de dispor de critérios para qualificação e escolha do contratado. Em outra hipótese, havendo fundamento para contratar sem exclusividade de exploração, as entidades públicas de pesquisa poderão fazê-lo diretamente com os interessados do setor produtivo, sem necessidade de publicação de edital, sendo exigida, no entanto, a comprovação da regularidade jurídica e fiscal do contratado, bem como a sua qualificação técnica e econômico-financeira.
É importante ressaltar que as instituições científicas e tecnológicas não exercem atividade de exploração econômica, tal como previsto no art. 173, da Constituição da República. Isso porque, em primeiro lugar, o objeto do contrato de que trata o art. 6º, da Lei n.º 10.973/2004 não consiste na atividade primária das ICTs, mas é resultante secundário das atividades de pesquisa. É de se lembrar que a exploração econômica propriamente dita dar-se-á pelo licenciado, cujo intuito é justamente adquirir o direito de uso e exploração do objeto contratado. As instituições científicas e tecnológicas, por sua vez, não têm por escopo explorar a criação resultante das suas atividades de pesquisa.
O comando normativo do art. 6º é fundado em relevante interesse coletivo, visto que sua finalidade é fazer chegar à sociedade produtos e processos que garantam a melhoria da qualidade de vida da população. O setor produtivo, objetivo final dos ditames do art. 173, da Constituição da República, é o maior interessado na implementação das medidas trazidas no artigo in comento, vez que será ele diretamente beneficiado pela possibilidade de explorar economicamente produtos e processos resultantes de linhas de pesquisa.
Outra importante medida proposta é a permissão legal à prestação de serviços por parte das instituições científicas e tecnológicas. A iniciativa fará permitir ao setor produtivo maior simbiose com os pesquisadores públicos brasileiros, sendo certo que a relação artificial hoje vigente passará à transparência necessária no convívio público-privado. A prestação de serviços implicará no pagamento de remuneração ao pesquisador envolvido, sob a forma de adicional variável.
No que concerne à parceria prevista no art. 9º para desenvolvimento de projetos de pesquisa científica e tecnológica, dada entre instituições públicas de pesquisa e instituições privadas, o texto ora proposto impõe a consecução de contrato cujo objeto trate os aspectos envolvendo a titularidade da propriedade intelectual das criações resultantes da parceria. Nesse caso, os pesquisadores públicos poderão perceber bolsas de estímulo à inovação – uma nova categoria de bolsa. No contexto apresentado, prevê o art. 13 o reconhecimento do pesquisador público ao garantir sua participação, em até um terço do total dos ganhos previstos contratualmente, caso tenha sido inventor, obtentor ou autor da criação objeto da relação.
A fim de estimular a atividade empreendedora, latente nas instituições científicas e tecnológicas, pretende-se possibilitar o afastamento, por prazo de até três anos consecutivos, renovável por igual período, do pesquisador público interessado em estabelecer atividade empresarial relativa à inovação.
Por fim, o art. 16 determina que as ICTs deverão dispor de núcleo de inovação tecnológica, próprio ou em associação com outras ICTs, com a finalidade de gerir sua política de inovação, cujas competências mínimas são fixadas conforme a seguir:
Art. 16. A ICT deverá dispor de núcleo de inovação tecnológica, próprio ou em associação com outras ICT, com a finalidade de gerir sua política de inovação.
Parágrafo único. São competências mínimas do núcleo de inovação tecnológica:
I - zelar pela manutenção da política institucional de estímulo à proteção das criações, licenciamento, inovação e outras formas de transferência de tecnologia;
II - avaliar e classificar os resultados decorrentes de atividades e projetos de pesquisa para o atendimento das disposições desta Lei;
III - avaliar solicitação de inventor independente para adoção de invenção na forma do art. 22;
IV - opinar pela conveniência e promover a proteção das criações desenvolvidas na instituição;
V - opinar quanto à conveniência de divulgação das criações desenvolvidas na instituição, passíveis de proteção intelectual;
VI - acompanhar o processamento dos pedidos e a manutenção dos títulos de propriedade intelectual da instituição.
3. Lei de Licitações e Contratos (Lei n.º 8.666/1993) x Lei de Inovação Tecnológica (Lei n.º 10.973/2004): Possíveis Impasses e suas Consequências
Em que pesem os diversos mecanismos apresentados pela Lei n.º 10.973/04 para incentivo ao processo de inovação, notadamente os elencados em seu Capítulo III – cujos comentários foram realizados na seção anterior, importa destacar para o presente trabalho as contratações para transferência de tecnologia.
Neste particular, a Lei [de Inovação] incluiu o inciso XXV na relação do art. 24 da Lei n.º 8.666/93 (Lei de Licitações), criando nova hipótese de dispensa de licitação como meio para viabilizar tais contratações.
Pelo novo inciso, é dispensável a licitação quando se tratar de contratação firmada por instituição científica e tecnológica ou por agência de fomento, quando o objeto do ajuste for a transferência de tecnologia ou o licenciamento de direito de uso ou de exploração de criação protegida, assim considerada invenção, modelo de utilidade, desenho industrial, programa de computador ou qualquer outro desenvolvimento tecnológico do qual possa resultar o surgimento de novo produto, processo ou aperfeiçoamento de natureza tecnológica.
Para José dos Santos Carvalho Filho (2008)
Existem dois pontos que justificam a dispensa. De plano, trata-se da necessidade de fomento à pesquisa e tecnologia, setor dentro do qual deve possibilitar-se a contratação direta em razão das peculiaridades do ajuste. Ademais, não há interesse econômico direto na contratação; ao contrário, exige a Lei nº 10.973/04 que se privilegiem entidades sem fins lucrativos (art. 3º), sobrepondo-se, por conseguinte, o aspecto social inspirador dos mandamentos constitucionais regulamentados.
Entretanto, a ausência de licitação não pode ser interpretada, também nessa hipótese, como autorização para contratações abusivas ou infringentes, sobretudo, aos princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e, para este caso em particular, ao princípio da isonomia.
Nesse sentido afirma Marçal (2009) que
A ausência de licitação pode justificar-se em vista das dificuldades de compatibilizar a transferência onerosa do direito de exploração de um invento ou de uma tecnologia com as formalidades da licitação. Mas não legitima a realização de transferência ruinosa. A Administração Pública terá o dever de dar conhecimento aos potenciais interessados da sua intenção de promover a alienação. Deverá assegurar igualdade de tratamento a todos os possíveis adquirentes, de modo a obter a operação mais vantajosa possível.
Desta feita, para assegurar que estas contratações atinjam os seus devidos fins sem prescindir dos princípios norteadores da Administração Pública, nem tão pouco incorrer em transferências de tecnologia “ruinosas”, conforme ressaltado no parágrafo anterior, caberá a Lei de Inovação (e alterações posteriores), definir critérios objetivos e práticos, que possam geram processos de contratação eficazes e sem os excessos de formalismo característicos do procedimento licitatório.
Nesta esteira, observa-se que embora haja um decreto que regulamente a lei n.º 10.973/04 – o Decreto n.º 5.563/05, este foi omisso em disciplinar e estabelecer critérios pormenorizados para viabilizar estas contratações de forma eficiente e eficaz. Reservando-se apenas a distinguir a forma de contratação a ser realizada [dispensa de licitação] quanto à decisão por realizá-la com cláusula de exclusividade ou não. De modo que em se decidindo pela primeira opção, o regulamento aventado apenas estabelece que tal contratação seja precedida de publicação de edital contendo, dentre outras, as informações fixadas neste dispositivo legal, senão vejamos:
Art. 7o É dispensável, nos termos do art. 24, inciso XXV, da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, a realização de licitação em contratação realizada por ICT ou por agência de fomento para a transferência de tecnologia e para o licenciamento de direito de uso ou de exploração de criação protegida.
§ 1o A contratação de que trata o caput, quando for realizada com dispensa de licitação e houver cláusula de exclusividade, será precedida da publicação de edital com o objetivo de dispor de critérios para qualificação e escolha do contratado.
§ 2o O edital conterá, dentre outras, as seguintes informações:
I - objeto do contrato de transferência de tecnologia ou de licenciamento, mediante descrição sucinta e clara;
II - condições para a contratação, dentre elas a comprovação da regularidade jurídica e fiscal do interessado, bem como sua qualificação técnica e econômico-financeira para a exploração da criação, objeto do contrato;
III - critérios técnicos objetivos para qualificação da contratação mais vantajosa, consideradas as especificidades da criação, objeto do contrato; e
IV - prazos e condições para a comercialização da criação, objeto do contrato.
§ 3o Em igualdades de condições, será dada preferência à contratação de empresas de pequeno porte.
§ 4o O edital de que trata o § 1o será publicado no Diário Oficial da União e divulgado na rede mundial de computadores pela página eletrônica da ICT, se houver, tornando públicas as informações essenciais à contratação.
§ 5o A empresa contratada, detentora do direito exclusivo de exploração de criação protegida, perderá automaticamente esse direito caso não comercialize a criação dentro do prazo e condições estabelecidos no contrato, podendo a ICT proceder a novo licenciamento.
§ 6o Quando não for concedida exclusividade ao receptor de tecnologia ou ao licenciado e for dispensada a licitação, a contratação prevista no caput poderá ser firmada diretamente, sem necessidade de publicação de edital, para fins de exploração de criação que dela seja objeto, exigida a comprovação da regularidade jurídica e fiscal do contratado, bem como a sua qualificação técnica e econômico-financeira.
Diante do exposto, pode-se inferir que apesar do grande avanço representado pela Lei de Inovação, principalmente na construção e fortalecimento de uma cultura de interação público-privado na busca do desenvolvimento social e econômico do país, de forma sustentável, sobretudo, por meio das contratações para transferência de tecnologia, esta lei em alguns aspectos é muito cautelosa, quando deixa de abranger outros aspectos relevantes para a consecução de um sistema nacional de inovação.
Nesse contexto, na ausência de regulamentação das aludidas contratações, caberá aos princípios e regras da Lei de Licitações preencherem tais lacunas, os quais serão mais bem elucidados a seguir.
Como já demonstrado outrora, é fundamental a estruturação de um arcabouço legal que permita a implementação de políticas de inovação de maneira ágil, flexível, e continuada contemplando a dinâmica necessária para a adequação das ações do Estado e de atores sociais e econômicos ao atual cenário em constante mutação, em face do acelerado avanço do conhecimento.
Esse é um desafio que a Lei de Inovação se propôs a enfrentar, por meio de inúmeras medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo. Contudo, apesar dos avanços advindos desta norma, a nova lei ainda carece de certos ajustes, visto que é omissa em alguns pontos relevantes para a consecução de seus fins, o que gera insegurança jurídica quanto a sua aplicação, e que, de certo modo, acaba por inibir a captação de investimentos para o setor produtivo, bem como deixa o gestor público desprovido de sustentação na tomada de decisões.
Isso fica evidente, por exemplo, nas contratações para transferência de tecnologia, uma vez que a Lei não estabelece critérios objetivos e claros para seleção dos interessados. Por consequência, na ausência de regulamentação para tal, o gestor deverá se socorrer dos preceitos colimados no estatuto que trata das contratações públicas, qual seja: a Lei de Licitações.
Por outro lado, o procedimento licitatório, segundo os ditames fixados na Lei em epígrafe, é, por sua própria natureza, norteado por uma série formalidades. Nesse sentido, afirma Paulo César Silva de Carvalho (2009) que
A Lei 8.666/93 é considerada por alguns especialistas como um dos principais entraves à melhoria da gestão das aquisições governamentais. Estes afirmam que a licitação traz regulamentações extremamente complexas e morosas e que não garante a pretendida transparência e a ausência de corrupção.
Não obstante, Sérgio Rezende de Barros (2009), citado por Paulo César, explica que
Com a licitação, entre outros fins, o legislador procurou garantir a contratação contra conluios, partindo do pressuposto ou do preconceito de que administradores e administrados não merecem confiança. Mas os conluios subsistiram com a licitação. Existem na licitação. Essa impotência do instituto levou a doutrina a repetir o cotejo entre o risco de conluio que não deixa de existir e a perda de eficiência que passa a existir com a licitação, a fim de reiterar o questionamento em face daquele pressuposto de desconfiança. Os balanços recentes são mais negativos que os precedentes, concluindo pela ineficácia da licitação perante os seus fins.
Assim, verifica-se, a partir do confronto dos objetivos perseguidos pelas leis de Inovação e de Licitação, que há uma baixa sintonia entre seus dispositivos. De modo que de um lado a Lei de Licitações -cujo foco se concentra no procedimento - é carreado de uma série de formalidades e exigências que tornam o processo moroso e burocrático. Ao passo que a Lei de Inovação, com foco no objeto – que para o caso em tela se consubstancia na transferência de tecnologia para o setor produtivo - pende de instrumentos legais que tornem suas contratações seguras, ágeis e flexíveis, sem, contudo, prescindir da observância dos princípios que tangenciam a Administração Pública.
O impasse gerado por essas contradições resulta na dificuldade de se ter uma interpretação pró-inovação nas contratações para transferência de tecnologia, devido ao apego às formalidades da Lei de Licitações, adstrito ao conservadorismo das procuradorias e órgãos de controle cuja visão, de acordo com Ruy de Araújo Caldas (2005), é fortemente focada na linha financeira e patrimonial, não considerando os resultados e os impactos do investimento público no desenvolvimento econômico e social do país.
Para Ruy (2005):
A Lei de Licitações n.º 8.666, de 21/06/93, é um diploma legal que muito dificulta a realização de projetos estratégicos no contexto da Lei de Inovação. Segundo ele, a redação dada por alguns de seus dispositivos é limitante e não concede a flexibilidade necessária à realização de projetos de pesquisa, no contexto atual, desde a sua contratação até a execução final do mesmo.
Nesse sentido a afirmação feita pelo ex-presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP), Odenildo Sena, durante debate na Câmara dos Deputados em 03/07/2008 sobre o impacto das leis de Inovação Tecnológica e de Propriedade Industrial sobre a Lei de Licitação, a saber: Essa lei [de Licitação] trava inteiramente a implementação da inovação tecnológica.
Some-se a tudo isso o fato de que essas divergências ainda não foram objeto de maciça reflexão e jurisprudência nos Tribunais de Contas e, em especial, no Tribunal de Contas da União. A quase inexistência de entendimento consolidado sobre o tema nos tribunais contribui ainda mais com a incerteza na correta aplicação da norma, gerando uma “nuvem” de insegurança jurídica.
Outro fator a se considerar é a análise realizada por especialistas acerca da transferência de tecnologia na lei de Inovação, a qual concluiu que o processo de licitação não se adéqua às particularidades da transferência de tecnologia, por obrigar uma exposição muito grande da tecnologia e dos interessados em adquirir esta tecnologia. Nesse contexto, explica a diretora do EITT/SEDETEC – UFRGS (Escritório de Interação e Transferência de Tecnologia da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Marli Elizabeth Ritter dos Santos (2009) que Setores industriais muito competitivos dificilmente iriam se submeter ao processo licitatório.
Corroboram com essa perspectiva Fernando Galembeck e Wanda P. Almeida, na medida em que afirmam que muito embora a Lei de Inovação reitere a necessidade de procedimentos de licitação para as contratações para transferência de tecnologia, de forma coerente com a Lei de Licitação (2005)
Esta coerência seria razoável se a eficácia da Lei 8.666, como elemento de proteção do patrimônio público, estivesse bem demonstrada. Os autores desconhecem essa demonstração, mas conhecem inúmeros entraves criados pela lei à boa gestão dos recursos públicos e as várias facilidades que ela cria para a malversação dos recursos públicos.
Razão pela qual explicam que vincular tais contratações a uma lei já antiga e de eficácia duvidosa poderá prejudicar iniciativas de inovação, por uma razão muito simples: ela obrigará empresas a revelarem interesses e estratégias de inovação, publicamente (GALEMBECK & ALMEIDA; 2005).
Por tudo isso, pode-se verificar um evidente conflito entre estes dois institutos, o que tem gerado muitos empecilhos para consecução de contratações para transferência de tecnologia de forma satisfatória. Isso permite inferir ainda, que esta pode ser uma das razões pelo baixo índice de registros de patentes no país, se comparado a outros países, bem como pela dificuldade que as instituições científicas e tecnológicas encontram para transmitir o produto de suas pesquisas ao setor produtivo.