4) A HOLDING FAMILIAR
4.1) AS EMPRESAS FAMILIARES
Empresa familiar é aquela “cujas cotas ou ações estejam sob o controle de uma família, podendo ser administradas por seus membros, ainda que com o auxílio de gestores profissionais” [19].
O próprio conceito de família já é amplo no nosso Ordenamento Jurídico, portanto, entende-se como melhor conceito a ser utilizado aquele em que a empresa se autodenomina como tal; ou seja, pode não ser da geração direta ou ser de parentes diretos (aqueles não definidos pelo Código Civil, por exemplo), mas formados por pessoas que conseguiram manter a estrutura originalmente traçada da empresa e que possuem traços sanguíneos e de afinidade familiares comuns.
Sustentar-se no Brasil com uma empresa de grande porte já é difícil. Os grandes grupos já sofrem com as oscilações de mercado nacional e internacional, da moeda e de eventuais crises econômicas.
As empresas familiares possuem um desafio ainda maior.
Segundo números do SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), 27% das empresas abertas em São Paulo fecham depois de um ano de funcionamento; 37% não sobrevivem ao segundo ano de existência. Após cinco anos de existência, 58% já encerraram suas atividades[20]. O número é assustador e desanimador para as “pequenas” empresas.
Nesse contexto empresarial, impera-se a sobrevivência da gestão empresarial familiar, quando se trata de empresa familiar.
[...] entre o amplo universo das empresas existentes, destacam-se algumas organizações que trazem certa qualidade: sua existência está fortemente lastreada por uma família ou grupo de famílias. Assim, a existência da empresa e das atividades empresariais mostra-se muito referenciada pelo ambiente doméstico, o que acaba por influenciá-las: a vida da empresa (passado, presente e futuro) não está restrita aos seus estabelecimentos, suas plantas produtivas, seu histórico de iniciativas e negócios. A vida da empresa avança sobre a vida da família ou das famílias, quando não é o contrário: a vida de uma família torna-se a vida da empresa. Não é nada simples. Um observador externo que preste atenção apenas às estruturas administrativas, produtivas, mercadológicas etc. não perceberá questões vitais sobre a empresa, questões essa que se localizam fora dos estabelecimentos empresariais: seu cenário é o ambiente familiar” [21].
Há quem diga que essa “pessoalidade de caráter familiar” seja uma desvantagem, já que muitas vezes são vítimas de inúmeros conflitos estranhos à objetividade e imparcialidade do mundo corporativo.
No entanto, essa desvantagem alegada deve, no mínimo, ser relativizada. O seio empresarial familiar tem inúmeros pontos positivos que devem ser levados em consideração.
“A principal virtude de uma empresa pode ser justamente a sua condição de organização familiar. Erram aqueles que consideram isso um defeito”. Grifos nossos [22].
Ora, o fato de ser ou não uma empresa familiar não lhe enseja uma vantagem ou desvantagem direta. Depende muito mais da forma com a qual ela é gerida. Em muitos casos, no entanto, verifica-se que isso se torna uma vantagem, quando não um diferencial sobre as demais, inclusive se comparadas às grandes empresas.
“A realidade mostra que há empresas cuja principal virtude é justamente ser uma empresa familiar. Seu sucesso está calçado na condição familiar. Mais do que isso, não se desconhecem casos de empresa que, abandonando a gestão familiar e optando por uma administração profissional, viram-se conduzidas a crises econômico-financeiras, em muitos casos pela incapacidade do gestor estranho à família compreender-lhe a estrutura, a dinâmica e o funcionamento” [23].
Não é a mudança na administração da empresa familiar por um terceiro estranho às peculiaridades do negócio que irá alavancar seu crescimento. Pelo contrário, muitas vezes pode ser o seu fim.
Há várias histórias de empresas familiares em que sua força, seu diferencial, sua vantagem é justamente os laços familiares e a convicção dos valores e princípios que foram transmitidos de geração a geração.
Não se pode esquecer, entretanto, que a empresa familiar tem desafios próprios. A influência da família pode se transformar em contaminações por questões alheias ao ambiente empresarial, incluindo desentendimentos oriundos de relações domésticas.
“Certa feita, em meio a uma reunião de sócios, primos entre si, discutindo a crise econômico-financeira experimentada pela empresa, o administrador, questionado sobre uma série de atos desastrosos que praticara e débitos que provocara, não hesitou em alegar em sua defesa: - Você não devia dizer isso... quando você veio para Belo Horizonte, minha mãe acolheu você. Você não comia lá em casa todos os dias e papai até lhe ajudou a comprar os livros da faculdade! [24]”.
Se a família não está preparada para ser uma empresa, é preciso adequá-la. Se a família passa por um momento difícil ou se há laços internos desgastados, essa seara não pode interferir na empresa: neste ambiente, os familiares são sócios. Portanto, é preciso aprender a ser “sócio”. As relações entre sócios e quotistas têm uma natureza jurídica própria e são distintas do plano familiar.
Uma empresa familiar, antes de tudo, é uma empresa e precisa ter o principal objetivo empresarial: obter lucro com o menor custo possível. Logo, apesar de familiar, não é um cabide de empregos que disponibiliza empregos para todos os membros da família (qualificados, profissionalmente, ou não!). Usualmente, esse erro praticado pelas empresas familiares leva a uma crise econômico-financeira forte, com prejuízo direto no patrimônio familiar e da sociedade.
Nesse sentido, Mamede fornece um exemplo da empresa CARGILL INC., empresa multinacional do setor agropecuário:
“[...] a corporação criou uma escola de líderes cujo objetivo é educar e preparar as novas gerações das famílias Cargill e MacMillan, que detêm seu controle acionário. Dessa maneira, preservam-se os interesses corporativos, voltados para a manutenção e sucesso da atividade negocial, na mesma toada em que se atendem aos legítimos interesses dos membros das famílias controladoras. Mais do que isso, ao trazer os jovens para a empresa e educa-los corretamente, a corporação transforma-se essencialmente num vetor de união” [25].
4.2) A CONSTITUIÇÃO DA HOLDING FAMILIAR
A possibilidade de se usar uma holding para sociedades familiares ganha ainda mais espaço em famílias que visam à proteção de seu patrimônio e a correta sucessão societária.
A holding familiar é caracterizada pela sua função, e não pela sua natureza jurídica ou pelo tipo societário. Pode, então, adotar qualquer forma societária já vista no segundo capítulo, com exceção do tipo de cooperativa, já que incompatível com os anseios do movimento cooperativista mundial.
Apesar de, em um primeiro momento, poder adotar qualquer tipo societário, o administrador e os sócios devem se atentar aos anseios da sociedade e, principalmente, às características da família e do negócio, antes de optar pelo tipo de sociedade.
Qualquer intuito de constituição de holding familiar que se desvirtue das características da família fundadora (ou correlata), das atividades do negócio e dos anseios dos sócios fundadores (ou administradores) está fadada ao fracasso.
Assim, além de questões gerais, como obrigações de sociedade e patrimônio dos sócios, há outros aspectos que o responsável pela criação da holding deve observar antes de decidir a natureza jurídica e o tipo societário.
O primeiro ato, portanto, é optar pela natureza jurídica da sociedade. Se ela será simples ou empresária. A distinção entre ambas não é tão distante, uma vez que possuem, em comum, três sociedades: sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples e sociedade limitada.
Em relação à abertura da sociedade, como já visto em capítulo próprio, as sociedades simples são registradas nos Cartórios de Registros Públicos de Pessoa Jurídica; as sociedades empresárias são registradas na Junta Comercial do Estado da sede do estabelecimento, cujo órgão exerce um controle mais rígido sobre os atos da sociedade.
Ainda, quando se opta por uma sociedade simples, mesmo que da forma de sociedade limitada, afasta-se a aplicação da Lei 11.101/05, que trata de falência e da recuperação judicial e extrajudicial. Portanto, a sociedade estará submetida às regras de insolvência do Código Civil e do Código de Processo Civil, quando não conseguir adimplir com suas obrigações.
Demonstra-se, pois, a importância de se escolher a natureza jurídica mais adequada, porque, sob determinados perfis, é melhor que se esteja sujeito à Lei 11.101/05, que inclui a possibilidade de se pedir a recuperação judicia ou extrajudicial da empresa.
A falência é um processo mais célere, pois, mais habitual; entretanto, nos termo do artigo 94, I, da Lei 11.101/05 [26], possui alçada mínima de 40 salários mínimos. Em contrapartida, o procedimento de insolvência civil é menos comum e de trâmite menos célere e custoso, o que pode, dependendo do caso e do ponto de vista, parecer uma vantagem.
Se a opção da holding for sob a forma de sociedade anônima ou sociedade em comandita por ações será sempre considerada sociedade empresária.
4.3) TIPOS SOCIETÁRIOS E O SEU APROVEITAMENTO COMO HOLDING FAMILIAR
Os atos da sociedade, como já descrito, são registrados em Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas ou na Junta Comercial, dependendo da sua natureza jurídica, simples ou empresária, respectivamente.
Em relação à empresa familiar, um ponto deve ser destacado. Os contratos sociais ou os estatutos sociais devem conter cláusulas que protejam o caráter excepcional que envolve uma empresa familiar. Particular atenção, especificamente, quanto à sociedade por ações, na qual não se poderá prever o direito de oposição à alienação de participação societária a terceiros, mas o direito de preferência à sua aquisição, nas mesmas condições.
Dependendo do tipo societário, há um melhor aproveitamento como holding familiar.
A Sociedade Simples Comum é um tipo societário muito semelhante à Sociedade em Nome Coletivo, sem limitação de número de sócios como pessoa física. O seu registro ocorre no Cartório de Registros de Pessoas Jurídicas, ou seja, mais célere; e é permitida a integralização do capital social por meio de prestação de serviços.
A Sociedade em Nome Coletivo pode ser simples ou empresária (regra também aplicável às Holdings). Aqui, todos os sócios são, necessariamente, pessoas físicas e há previsão legal expressa de atuação pessoal dos sócios e limitação ao ingresso de terceiros na sociedade, se não houver aprovação unânime dos sócios. Esse tipo de sociedade permite a sua administração somente por sócios (não pode um terceiro ser o administrador). Torna, portanto, o tipo societário mais adequado às necessidades da holding familiar. No entanto, seu maior defeito é o fato de que os sócios respondem, pessoalmente e solidariamente, com o patrimônio particular, pelas obrigações não satisfeitas pela sociedade. Ainda assim, em relação à holding pura, na qual há apenas “receitas”, a limitação obrigacional limita-se aos tributos.
Sociedade em Comandita Simples. A grande vantagem e característica desse tipo societário é, como visto, a possibilidade da divisão dos sócios em comanditários e comanditados. Os primeiros apenas são investidores, não administram a sociedade e possuem a responsabilidade limitada; já os comanditados são os verdadeiros administradores da sociedade e os sócios possuem responsabilidade subsidiária pelas obrigações sociais não cumpridas pela sociedade. Também é um tipo societário que pode ter natureza jurídica simples ou empresária, também aplicável às holdings. No entanto, encontra dificuldade em encontrar sócios comanditados, ainda que, como ocorre com a Sociedade em Nome Coletivo, possam integralizar o capital social por meio de prestação de serviços. Também como na Sociedade em Nome Coletivo possui funcionamento e administração mais simples que nos outros tipos societários; sendo, portanto, um atrativo quanto ao seu aproveitamento como holding familiar.
Sociedade Limitada. É, definitivamente, o tipo societário mais utilizado para a constituição de holdings, e neste ponto do trabalho, também das holdings familiares; pode ser simples ou empresária. A preferência pela escolha desse tipo societário não é mera coincidência; a possibilidade de limitar, como o nome diz, a responsabilidade dos sócios é o seu maior atrativo. A responsabilidade, portanto, dos sócios cinge-se à integralização do capital social. Como na constituição da holding essa integralização se faz por meio de participações societárias e outros bens, não há que se falar mais de responsabilidade pessoal. Um ponto que merece se considerar é o fato de que o procedimento de alienação de quotas é mais frágil do que outros tipos societários, eis que podem ser cedidas de um sócio para outro, alterando a estabilidade contratual: basta a anuência de 75% do capital social (artigo 1.057 do Código Civil). Entretanto, até nisso, a Sociedade pode ser resguardada: disposições nos contratos sociais para resguardar a transferências das cotas, por meio de aprovação unânime e não se permitir a integralização do capital por meio de prestação de serviços.
Dentre os tipos societário das sociedades tidas por contratuais, a mais vantajosa para se constituir holdings familiares é, sem dúvida, a Sociedade Limitada seguida da Sociedade em Nome Coletivo, pelas características já dispostas.
Em relação à Sociedade por Ações, as regras de seu funcionamento encontram-se em Estatutos Sociais, e não em Contratos Sociais.
“O Estatuto é o resultado da ação dos instituidores e acionistas que eventualmente venham a compor, no futuro, a companhia a ele aderem pela simples assunção dos títulos societários, o que se fará não pela alteração do ato constitutivo, como se dá nas sociedades contratuais, mas por meio de anotação no Livro de Registro de Ações Nominativas”. [27]
Por tudo que foi visto nas Sociedades Contratuais, verifica-se que há inúmeras características das Sociedades por Ações que não são vantagens que se possam aproveitar à holding familiar. Além disso, por todas as peculiaridades desse tipo de Sociedade, a sua manutenção tem um custo mais elevado do que as Sociedades Contratuais, já que a Lei nº 6.404/76 exige a publicação de diversos atos societários; atos esses onerosos.
Ainda quanto à possibilidade de se aproveitar as Sociedades por Ações como forma de holding familiar, imperioso destacar que quando a Companhia (leia-se, aqui, Sociedade Anônima) é constituída para albergar uma holding, torna-se indispensável que os acionistas disponham cláusulas no Estatuto Social a fim de que não se perca o controle familiar sobre as participações societárias. Ao contrário da Sociedade Limitada, aqui não se pode simplesmente proibir a cessão das ações ou a necessidade de aprovação da cessão de ações por maioria dos demais acionistas, se são mantidas as restrições legais ao direito do recesso.
“O primeiro grande impacto está na natureza intuitu pecuniae das sociedades por ações, ou seja, na compreensão legal de que a cessão livre é um elemento que compõe a essência das ações, ao ponto de serem restritos os casos de recesso (retirada da sociedade): o acionista que deseja sair da sociedade deve alienar suas ações, permitindo que outrem assuma o ônus do investimento, visando ao bônus correspondente: os lucros”.[28]
A publicidade dos atos das Sociedades por Ações cria uma exposição da Sociedade que pode não ser saudável e interessante às holdings familiares. A título de exemplo, o artigo 176 da Lei nº 6.404/76 determina a publicação anual do balanço patrimonial e das demonstrações financeiras da Sociedade. Isso a torna vista por todos (disclosure) da forma mais sensível possível, a financeira, o que pode não ser desejável em determinados momentos.
Outro ponto sensível das Sociedades por Ações diz respeito à integralização do capital. A integralização das cotas ou ações de um sócio não é ato que possa ser praticado somente por ele. Nesses tipos societários, é possível que terceiros integralizem o capital para um determinado sócio, em vida (inter vivos) ou em função de sua morte (causa mortis).
Além disso, para as Sociedades Limitadas, o Código Civil não prevê um específico procedimento para a integralização do capital social por meio de transferência de bens; apenas torna os sócios solidariamente responsáveis pela sua quantificação. Já a Lei das S/A, a de nº 6.404/76, exige a avaliação desses mesmos bens por três peritos ou sociedade especializada.
Por tudo o que foi exposto neste capítulo, verifica-se que apesar de as Sociedades por Ações terem o seu espaço dentro do nosso Ordenamento Jurídico de suma importância, utilizá-las na forma de holding familiar pode não ter o seu melhor aproveitamento. Nesse caso específico, a Sociedade Limitada é a que melhor se encaixa aos perfis e às necessidades de uma empresa familiar.
4.4) PLANEJAMENTO PATRIMONIAL E FAMILIAR
Por tudo o que foi exposto neste capítulo, verifica-se que apesar de as Sociedades por Ações terem o seu espaço dentro do nosso Ordenamento Jurídico de suma importância, utilizá-las na forma de holding familiar pode não ter o seu melhor aproveitamento. Nesse caso específico, a Sociedade Limitada é a que melhor se encaixa aos perfis e às necessidades de uma empresa familiar.
Na verdade, com o efetivo planejamento familiar e patrimonial tem-se a perspectiva de formar uma engrenagem societária com o fim de proteger a sociedade familiar e acolher os anseios futuros: proteger a holding familiar e as sociedades a ela vinculadas para o ingresso de futuras gerações, futuras administrações e uniformidades administrativas.
“Um exemplo fácil é a adoção de uma estrutura multissocietária (a multiplicação da quantidade de pessoas jurídicas utilizadas para realizar os negócios), cada qual ocupando-se de determinada parcela das operações, permitindo níveis maiores de descentralização administrativa que, conforme conste das cláusulas dispostas nos contratos sociais e dos estatutos sociais, poderá ser maior ou menor. Pelo lado oposto, há grupos de empresa que, pelas qualidades que revelam, recomendam um esforço inverso, ou seja, a incorporação ou fusão de sociedades com a finalidade de centralizar a administração, eliminando divergência, reduzindo custos etc. Não há solução que, em tese, seja melhor ou pior. Há diversas opções que, conforme as condições verificadas em cada organização, se mostraram mais ou menos recomendáveis”. [29]
Assim, antes de se optar pelo melhor planejamento patrimonial e familiar, deve-se perceber qual a melhor estratégia aplicável àquela sociedade; alguns tipos societários familiares serão melhores administrados por meio da centralização, outros por meio da descentralização. Logo, por exemplo, para se buscar uma economia tributária lícita ou administrativa, a centralização de certas atividades em uma só ou a distribuição entre sociedades diversas dependerá de cada tipo societário familiar e, também, de diversos fatores que lhe são intrínsecos. Importante frisar, neste ponto, que eventual fracasso de algumas sociedades não interferiria na sociedade controladora, dependendo da opção do tipo societário, bastando, portanto, encerrá-las.
Dessa forma, é claro que deve se observar o caso concreto, eis que cada holding familiar diferirá por características sociais, pelo “tipo” de administração, peculiaridades operacionais, societárias e tributárias. A união de diferentes ciências, como a Administração, as Ciências Contábeis, o Direito e a Economia, por meio de seus profissionais, será primordial para a identificação de aspectos que sejam vantajosos à sociedade e, principalmente, à holding.
Tomando-se por base a divisão de MAMEDE (pag. 54/74), os aspectos que, principalmente, devem ser levados em conta são: uniformidade administrativa, contenção de conflitos familiares, distribuição de funções, administração profissional, proteção contra terceiros, proteção contra fracassos amorosos, desenvolvimento de negócios, Offshore company. Vejamos suas principais características.
Uniformidade administrativa.
A uniformidade administrativa visa a centralizar a administração das diversas sociedades e quaisquer unidades produtivas. Na verdade, a holding deixa de ser apenas a depositária das participações societárias, e assume o pioneirismo na organização administrativa da sociedade, trabalhando para fornecer a direção dos atos das sociedades, a fim de melhorar o desempenho dos papéis de cada sócio e das respectivas sociedades controladas. E mais:
“A holding pode centralizar a administração das diversas sociedades e unidades produtivas, dando-lhes unidade, estabelecendo metas e cobrando resultados. Dessa maneira, torna-se núcleo de irradiação de uma cultura empresarial (benchmarking) que pode, até, influenciar sociedades nas quais tem simples participação societária e não o controle”. [30]
No entanto, para isso acontecer, o operador do Direito deve estar atento quando da constituição dos atos da sociedade, pois a disposição de cláusulas contratuais ou estatutárias é que permitirá que a holding (aqui, sociedade controladora) tenha predominância jurídica, e, porventura, judicial, sobre a sociedade controlada e as unidades produtivas.
Contenção de conflitos familiares.
A fim de conter conflitos familiares, a constituição de holdings tem sido a solução do planejamento familiar para que se mantenha a sociedade. Isto é, eventuais conflitos familiares devem ser resolvidos pelas regras de Direito Empresarial, e não pelo calor da emoção, subjetividade ou passionalidade de fatos ou dos sócios.
“O pior é quando se observa que essas desavenças acabam por colocar em risco a hegemonia da família sobre determinado negócios. A hipótese é tola, ceto que os envolvidos, cegos por impulsos primitivos de disputa, acabam por não perceber que se enfraquecem mutuamente quando enfraquecem o poder que a família tem sobre empresa(s) ou grupo de empresas. Na busca de uma vitória, todos perdem”.[31]
Outra grande vantagem para se estabelecer uma holding familiar, nesse aspecto, é o fato de que os familiares estarão sujeitos às normas da holding e o próprio ambiente societário acabará por dar uma “ordem” à convivência familiar. Assim, pelo menos em relação aos negócios e ao patrimônio em comum, todos os parentes deverão atuar, profissionalmente, em prol da sociedade; obedecendo não só à lei, mas, principalmente, às disposições contratuais, estatutárias e aos acordos de cotistas ou de acionistas se, porventura, existirem.
Os familiares que, antes, estavam sujeitos precipuamente às normas de Direito de Família passam, agora, à submissão do Direito Societário e Empresarial. O que predomina, aqui, é o affectio societatis, isto é, atuação em benefício da sociedade.
“A constituição de uma holding erige uma instância societária para acomodar, segundo as regras do Direito Empresarial, eventuais conflitos familiares, fazendo com que, ao final, a família vote unida nas deliberações que sejam tomadas nas sociedades de que participa ou que controla”.[32]
A holding controladora será, então, responsável pela tomadora das decisões de eventual controvérsias de disputas familiares, por exemplo.
“Imagine-se [...] que a holding familiar (com os sócios A, B, C, D e E) detenha 52% da sociedade operacional, ao passo que os sócios Y e W detenham, cada qual, 24%. Se a participação societária no âmbito da holding é igualitária, cada sócio votará com 20% nas deliberações societárias; ainda que E seja vencido, ou mesmo A e E forem vencidos, no âmbito da sociedade operacional, a holding votará com seus 52% e, assim, manterá o controle. A e E sequer podem alegar que os seus 20%, detidos por cada um, correspondem a 13% da sociedade controlada para, assim, juntando-se com Y e W, fazerem a maioria na deliberação societária, deixando vencido os demais sócios-familiares. Reiteramos: são duas instâncias diversas e, assim, não há confusão entre a deliberação havida no âmbito de uma instância (a holding) e aquela havida no âmbito de outra (a sociedade produtiva, controlada pela holding).” [33]
Assim, os sócios que, eventualmente, sejam vencidos em conflitos havidos no plano da holding não poderão se associar a outros sócios para enfraquecer a posição familiar. Isso persevera o poder da família sobre a empresa ou empresas que controla, em vez do poder de pequenos grupos familiares ou interesses de sócios que divirjam do benefício da sociedade.
Distribuição de funções.
Esse é um dos subitens mais sensíveis. A geração mais antiga faz planos e projeta anseios nas gerações mais novas, os sucessores. No entanto, esses podem não ter o mesmo “tino” para o negócio, como os seus fundadores ou gerações passadas. Não bastasse esse fato, coloca-os em uma condição semelhante, a de serem herdeiros sem, no entanto, possuírem a mesma capacidade de gestão e de direção. O resultado disso pode ser desafiador à continuidade da sociedade familiar, com divergências de cargos, de status social dentro da empresa e de remunerações.
Para se evitar que mais isso se torne um empecilho à fiel gestão, aprimoramento e manutenção da sociedade familiar, a constituição de uma holding familiar pode ser a saída eficaz.
Um melhor exemplo ainda é a criação de uma holding pura (sem atividades operacionais) que controla as sociedade operacionais. Na holding pura, estão insertos todos os familiares, indistintamente, sócios da holding, cuja receita advém das sociedades controladas. Aqui, os dividendos recebidos são proporcionais às cotas sociais, independente de exercerem alguma “função” ou cargo nas empresas. Paralelamente, criam-se sociedades operacionais. Essas separadas para os sócios, herdeiros, sucessores que tenham aptidão à gestão do negócio familiar; aqui, são os sócios com cargo de direção, administração ou qualquer outra função sendo, portanto, remunerados por esse trabalho.
De forma ainda mais didática, MAMEDE explicita:
“[...] no âmbito de uma holding pura, os sócios nivelam-se. Mesmo uma filha que tenha optado por se dedicar às prendas domésticas terá a mesma retirada de um filho executivo: a receita obtida a partir do patrimônio familiar (quotas, ações, títulos, imóveis, móveis etc.), partilhada na proporção da participação societária. Em oposição, aqueles que mostrem pendor para atuar nas sociedades operacionais, nelas tomarão lugar, sendo remunerados por esse trabalho, segundo as regras do Direito Empresarial (administradores, societários, que são remunerados por meio de pro labore) ou do Direito do Trabalho, se desempenharem funções ao longo dos níveis operacionais da organização empresarial: jornalistas, engenheiros, relações públicas etc.” [34]
Nesse sentido, é pacífico o entendimento de que um sócio da holding pode ser empregado da própria sociedade, por meio das controladas; fazendo jus, portanto, à participação nos lucros. Eventual direito a dividendos também nasce da participação societária, em si.
Administração profissional.
A administração da holding familiar geralmente é atribuída a um dos sócios mais influentes na família ou decorre de “direito hereditário”, porém sabe-se que esses tipos de escolha do administrador nem sempre advém de mérito atribuído à função; além disso, pode não corresponder aos anseios e às necessidades da empresa familiar.
Quando isso ocorre, ou ainda por motivos diversos, a holding pode lançar mão da administração familiar para: afastar os membros da condução no negócio, e ao mesmo tempo, manter o controle que a família exerce sobre a empresa.
Geralmente, tem-se dificuldade em nomear um administrador, quando há uma coletividade de herdeiros que não possuem um consenso quanto aos interesses e às necessidades das empresas. Além de gerar conflitos familiares, muitos desses herdeiros sequer possuem a qualificação técnica adequada para sua administração. Assim, além do dano imediato da má gestão e da falta de objetividade na tomada das decisões, há os danos que serão verificados como ato consequente à gestão, como o impacto do patrimônio empresarial e, consequentemente, impacto ao patrimônio familiar e individual dos sócios.
Nesses casos, o recomendável é que a administração diretiva da holding seja realizada por um administrador profissional: um Contador, um Advogado, um Administrador; alguém com know how na função; em detrimento da administração familiar. Aqui, além de poder se assegurar uma equivalência dos sócios na holding, o administrador profissional manterá os interesses familiares preservados sempre em prol da empresa.
Além disso, se eventual administração profissional não estiver a contento dos sócios; é muito menos impactante destituir um administrador que seja terceiro do que um administrador familiar; além de poder ser reversível, ou seja, pode-se retirar o administrador profissional a qualquer momento (por meio de voto dos sócios).
Proteção contra terceiros.
A proteção contra terceiros aqui diz respeito à manutenção de todas as cotas ou ações na holding. Assim, evita-se que uma fragmentação entre os herdeiros afaste o controle exercido pela família.
“A constituição da holding, dessa maneira, constitui-se numa estratégia jurídica para manter a força da participação familiar, dando expressão unitária a participações fragmentárias. Se o patriarca ou matriarca detinha, até seu falecimento, 51% das quotas ou ações de uma sociedade, não é inevitável ver três filhos com singelos 17%, cada um, ficando à mercê dos demais sócios. Por meio da holding, mantém-se o poder de controle, por meio da titularidade dos mesmos 51%, assegurando a cada herdeiro um terço da participação na sociedade de participações”. [35]
Já em relação à Sociedade por Ações, a proteção contra terceiros se faz mediante a busca pelo direito de adjudicá-las em juízo, por meio de requerimento da própria sociedade ou por seus sócios.
“Se a holding ou outros de seus sócios adjudicaram os títulos, o sócio-devedor perderá sua participação, mas o restante da família manterá intacta a holding e seu patrimônio societário. Nesse sentido, é fundamental destacar que, mesmo diante da previsão legal de que as ações são títulos societários de circulação ampla, é possível a estipulação, no estatuto social (devidamente registrado para eu a previsão seja eficaz em relação a terceiros), que sua circulação é restrita, a bem da coerência societária. Ainda que possa haver certa controvérsia jurídica sobre a desnaturação da natureza intuitu pecuniae das sociedades por ações, diante de tais previsões, o próprio Judiciário tende a compreender a finalidade da holding e a necessidade de proteção a ela, sociedade, e a seus sócios (os familiares), desde que isso não traduza em prejuízo para os credores do sócio inadimplente [...]”. [36]
Como pode se ver, há previsão legal de proteção contra terceiros e possibilidade de inserção no contrato social e estatuto para dirimir qualquer controvérsia. Dessa forma, deve-se mostrar sempre, principalmente nos casos em que a demanda pode ser levada à juízo, a intenção dos sócios e da sociedade familiar em proteger a holding, sem prejuízo aos credores do sócio inadimplente. Essa, portanto, é mais uma ferramenta disponível aos sócios com o fim mediato e imediato de proteger a holding.
Proteção contra fracassos amorosos.
Esse subtópico, infelizmente, faz parte do dia-a-dia de algumas sociedades. Algumas, portanto, estão constantemente sujeitas ao dissabores amorosos entre sócios cônjuges ou genros e noras de sócios herdeiros. Esse mal pode minar uma sociedade com o tempo; ou seja, tudo que fora construído por gerações da sociedade familiar pode ser posto à prova e sucumbir diante de um divórcio litigioso ou mesmo diante de conflitos familiares advindos por influências de não sócios, mas vinculados a esses.
A possibilidade de isso não ocorrer é próximo à probabilidade de ganho de um jogo de azar, ou seja, à mercê da sorte. No entanto, pode-se minimizar ou mesmo neutralizar os seus efeitos por meio de um planejamento sucessório da sociedade.
Verificar-se-á melhor esse ponto no tópico seguinte; porém, apenas a título de exemplo e para elucidar esse ponto do trabalho, é possível no momento da constituição da holding, fazer doação de cotas ou ações com cláusula de incomunicabilidade ou mesmo inalienabilidade, o que implica impenhorabilidade e incomunicabilidade (vide artigos 1.191, 1.848 e 1.027, todos do Código Civil).
Já se a sociedade for por ações, não há essa limitação legal, cabendo ao estatuto social prever que o ingresso de qualquer sócio depende do voto unânime dos demais pertencentes à sociedade e que, em caso de eventual rejeição, o que vier a adquirir ações proveniente de leilão, penhora, adjudicação, divórcio ou herança terá o direito ao reembolso do valor, por meio de cálculo previsto legalmente, na Lei das S/A (Lei 6.404/1976).
Com isso, não se pode impedir o fato de que o ex-cônjuge, por exemplo, tenha vantagem patrimonial com o divórcio, mas há a possibilidade de proteção da holding e das sociedades a ela vinculadas, impedindo o seu ingresso.
Desenvolvimento de negócios.
A constituição de uma holding familiar não visa apenas à otimização de sua gestão, administração, planejamento tributário e sucessório; visa também ao próprio desenvolvimento de seu negócio.
É possível, com isso, abrir filiais, franquias, consórcios (joint ventures), expandir o negócio (por meio de incorporação e fusão) ou ainda direcionar certa atividade (por meio de cisão). O campo é gigantesco. No entanto, apesar de haver muita tecnologia jurídica para isso, repudia-se qualquer manobra para atingir à otimização por meio de atos ilícito que fraudem à lei.
Offshore Company.
Trata-se de uma sociedade constituída no exterior, sendo um modelo muito pouco adotado no Brasil.
Pode ser perfeitamente utilizada no País, desde que respeite às leis brasileiras e não seja utilizada para fins ilícitos. O que ocorre, muitas vezes, é que a sua constituição se dá em paraísos fiscais com regime fiscal mais benéfico, tendo, por consequência, o objetivo de também proteger contas bancárias, fundos de investimentos e até a figura de sócios e administradores de sociedades negociais da legislação brasileira.
“Por fim, é preciso ter atenção para o fato de que, apesar de se realizarem no exterior, essas operações, quando usam patrimônio situado no Brasil, designadamente para a integralização de capital, devem respeitar também a lei brasileira. Assim, o desrespeito a essas regras, incluindo o que diz respeito às regras protetivas à meação de cônjuges ou ao direito de herdeiros necessários à legitima, poderá dar azo a contestações judiciais.” [37]
Assim, embora seja uma alternativa, talvez não seja muito bem aplicável ou aproveitada às holdings familiares.
4.5) PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E FISCAL DA HOLDING FAMILIAR
Para direcionar qualquer estudo de planejamento tributário ou fiscal da holding familiar o primeiro questionamento que se deve fazer é: qual a melhor forma de apuração de tributos, lucro real ou presumido?
Um país como o Brasil, com elevada carga tributária, um erro de resposta à pergunta pode amargar a sociedade por um pesado prejuízo. Cada tipo há vantagens e desvantagens. Primeiramente, a holding deve se atentar ao: seu porte, ao segmento de atuação, existência de normas fiscais específicas ao setor, orçamento etc.
Podem optar pela tributação por lucro presumido àquelas que não estejam obrigadas à tributação com base no lucro real e outros requisitos, como: receita bruta total, no ano-calendário imediatamente anterior tenha sido ou igual ou inferior a 48 milhões de reais ou ao limite proporcional de 4 milhões de reais multiplicados pelo número de meses de atividades no ano, se inferior a 12 meses.
“A opção pelo lucro presumido subordina-se ao volume de receita bruta auferida pela pessoa jurídica e à inexistência de outros impedimentos legalmente previstos, como, por exemplo, relativos à atividade exercida (artigo 14 da Lei nº 9.718/1998, com a redação dada pelo artigo 46 da Lei nº 10.637/2002)”. [38]
A tributação por lucro real está disposta no artigo 247 do Regulamento do Imposto de Renda de 1999 [39].
“Nas ‘Perguntas e Respostas Pessoa Jurídica’, disponibilizadas pela Receita Federal em seu site, o Fisco esclarece que a expressão lucro real significa o próprio lucro tributável, para fins da legislação do Imposto de Renda, distinto do lucro líquido apurado contabilmente.
Em outras palavras, ‘lucro real’ é, na verdade, ‘lucro fiscal’, ou seja, aquele sobre o qual incidirá efetivamente o Imposto de Renda Pessoa Jurídica, para as empresas tributadas nessa modalidade (por opção ou por estarem obrigadas)” [40].
Assim, no lucro presumido, ocorre uma incidência de um percentual de presunção de lucro para depois ser aplicado o percentual do tributo devido (IR, PIS, COFINS, CSL).
O lucro real arbitra o resultado econômico obtido. Logo, dependendo da sociedade, há uma grande vantagem em se optar pela tributação correta visando à redução da carga tributária.
As alíquotas de tributação pelo lucro presumido são fixas e mais baixas se comparadas aos outros regimes, representando, assim, vantagem tributária à holding familiar (eis que não está elencada nos impedimentos previstos no artigo 14 da Lei 9.718/98).
Importante frisar, ainda, que a holding familiar dificilmente poderá optar pelo SIMPLES, eis que o objeto social da holding possui, em regra, previsão de locação de imóveis próprios, sem intermediação, o que é vedado pelo regime do Super Simples.
Logo, ao optar pelo lucro presumido, há algumas vantagens que podem ser aproveitadas pela holding familiar em relação aos tributos, também, vejamos alguns deles [41]:
- Aluguéis recebidos pela holding familiar:
As receitas de aluguel recebidas pela holding são tributáveis normalmente pelo Imposto de Renda e, se a holding optar pelo lucro presumido, serão computados na base de cálculo:
a) 32% dos aluguéis recebidos, se a locação dos bens fizer parte do objeto social [42];
b) Os ganhos de capital e demais receitas, exceto:
b.1) em qualquer caso, os rendimentos de participações societárias, e
b.2) no caso de opção pelo pagamento mensal do imposto por estimativa, os rendimentos de aplicações financeiras de renda fixa, submetidos ao desconto de imposto na fonte, e os ganhos líquidos de operações financeiras de renda variável, submetidos à tributação separadamente.
- Integralização de capital em bens por sócio ou acionista pessoa física:
É permitido às pessoas físicas transferir às pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da Declaração de Bens ou pelo valor de mercado, observando-se o seguinte:
a) Se a entrega for feita pelo valor constante da Declaração de Bens, a pessoa física deverá lançar nesta declaração as ações ou quotas subscritas pelo mesmo valor dos bens ou direitos transferidos;
b) Se a transferência não se fizer pelo valor constante da Declaração de Bens, a diferença a maior será tributável como ganho de capital.
- Contribuição Social sobre o Lucro:
Caso a holding se submeta ao pagamento mensal do imposto de renda por estimativa ou pela apuração trimestral com base no lucro presumido, devem ser computados na base de cálculo da contribuição social sobre o lucro:
a) 32% dos aluguéis recebidos, quando a locação dos bens fizer parte do objeto social da holding [43] e
b) Os ganhos de capital e demais receitas auferidas, inclusive os rendimentos de aplicações financeiras de renda fixa e os ganhos líquidos de operações de renda variável.
- Cofins e PIS:
Sobre as receitas de aluguéis incidem, mensalmente, a Cofins e o PIS-Pasep, sendo irrelevante se a locação de bens faz parte ou não do objeto social da holding. Todavia, na base de cálculo dessas contribuições não se incluem as receitas de participações societárias, representadas pelos resultados positivos da avaliação de investimentos, pela equivalência patrimonial e pelos dividendos recebidos de participações societárias avaliadas pelo custo de aquisição.
Na mesma esteira, o planejamento sucessório também representa papel de suma importância na otimização e proteção da holding familiar e será analisado no tópico seguinte.
4.6) PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO DA HOLDING FAMILIAR
Como visto, no aspecto fiscal, a holding familiar pode realizar um planejamento tributário eficaz à sociedade, proteger o patrimônio e aproveitar os benefícios da legislação fiscal.
No que diz respeito ao planejamento sucessório da holding familiar, também pode haver uma redução da carga tributária e uma suave transição quando da morte dos sócios. Planejar a sucessão da empresa e como ela ocorrerá é tão importante quanto à própria gestão e administração do negócio, diariamente. Se mal planejada, todo o trabalho de uma vida, senão de gerações, pode se perder. A permanência do legado é o objetivo principal.
Abre-se a sucessão com a morte de seu titular. O artigo 1.784 do Código Civil assim dispõe: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.
A herança para os herdeiros legítimos é decorrente de lei, já a testamentária, é decorrente da vontade do de cujus. Se o titular morre e não deixa testamento, a herança é transmitida aos herdeiros legítimos, em divisão proporcional, obedecendo-se às regras contidas no Código Civil. O artigo 1.845 e 1.846, ambos do Código Civil, dispõem sobre quem são os herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge) e lhes garante a garantia da metade da herança.
Se houver testamento e herdeiros necessários, por força do próprio artigo 1.846 combinado com o artigo 1.789, ambos do Código Civil, o de cujus poderá apenas disponibilizar metade da herança. Essa metade pode ser distribuída livremente para os herdeiros em livre proporção e até mesmo a um terceiro, desde que os 50% legais estejam resguardados aos herdeiros necessários.
Importante ressaltar também que os ascendentes só entram na “divisão” se não houver descendente. Já, para o cônjuge, não há essa regra, terá direito à herança se estiver no regime de comunhão padrão, o parcial de bens [44].
O testamento foi utilizado por muito tempo para dirimir quaisquer possíveis desavenças entre os herdeiros. O testador (aquele que dispõe sobre o seu patrimônio para depois de sua morte) fazia a prévia distribuição de bens e, com a sua morte, não havia espaço para a discussão patrimonial hereditária (com exceção das nulidades legais previstas no art. 1.900 do Código Civil e seguintes) [45].
Entretanto, essa prévia distribuição do patrimônio, não exime as exigências intrínsecas à sociedade: distribuição de funções entre herdeiros; administração e controle da empresa.
É nesse sentido, mais uma vez, que a constituição de uma holding familiar também é benéfica visando à sucessão e à reestruturação empresarial.
No quadro abaixo, pode se verificar a economia obtida com a simples criação da holding frente ao procedimento judicial do Inventário [46]:
Vantagens da holding familiar em relação aos inventários |
||
Eventos |
Holding Familiar |
Inventário |
1) Tributação da Herança e Doação |
4% * |
4% |
2) Tempo para criação ou tempo do Inventário |
30 dias em média. |
05 anos em média |
3) Tributação dos Rendimentos |
12.00% |
27.50% |
4) Tributação da venda de Bens Imóveis |
5.80% |
27.50% |
5) Sucessão conforme novo Código Civil para casamentos com comunhão parcial de bens |
Cônjuge NÃO é herdeiro. |
Cônjuge É herdeiro. |
Fonte: Orsi & Barreto Consultoria Empresarial.
* Só pelas simples criação da Holding. Mais benefícios quanto aos impostos, verificar-se-á nos parágrafos seguintes.
Assim, com a criação da holding, pode se substituir inventários e testamentos, com a indicação específica dos sucessores da sociedade, sem litígio judicial; os problemas pessoais ou familiares são descartados e não afetam a sociedade, eis que a holding é quem decidirá sobre o futuro da empresa.
“Quando esse trabalho é bem conduzido, a nova estrutura organizacional assenta-se enquanto está viva a geração anterior. A morte causa apenas danos sentimentais e não danos patrimoniais. Já está definido que todos os herdeiros são sócios da holding e, assim, participam dos lucros da(s)s empresa(s), assim como já está definida a administração das atividades negociais por herdeiros ou administração profissional [...]” [47] nos moldes já estudados.
Após a constituição da holding, é preciso apenas decidir quando ocorrerá a transferência de ações ou cotas da sociedade: se antes ou depois da morte.
Pode ser feita antes, por meio de doação aos herdeiros necessários, inclusive já dispondo da metade legal aos herdeiros ou a terceiros. Pode ser feita por meio de testamento: o controle da holding permanece com o sócio/acionista, sendo transferido apenas para os descendentes após a sua morte. Há, ainda, uma outra opção, o usufruto, isto é, a transferência aos herdeiros dos títulos societários apenas; mantendo-se o sócio na condição de usufrutuário, com exercício da administração da holding, normalmente.
Essas opções de planejamento sucessório podem ainda ser mais protetivas. O titular das ações/cotas pode transferi-las com cláusulas de proteção (cláusulas restritivas). Nesse sentido:
“Assim, para evitar problemas com cônjuges, basta fazer a doação das quotas e/ou ações com a cláusula de incomunicabilidade e, assim, os títulos estarão excluídos da comunhão (artigo 1.668 do Código Civil), embora não se excluam os frutos percebidos durante o casamento (artigo 1.669); no caso dos títulos societários (quotas ou ações), esses frutos são dividendos e juros sobre o capital próprio. Aliás, não é preciso ser explícito nas medidas de proteção do(a) herdeiro(a) em face de seu cônjuge. Pode-se simplesmente gravar os títulos com a cláusula de inalienabilidade, certo que, por força do artigo 1.911 do Código Civil, essa cláusula imposta aos bens por ato de liberalidade implica impenhorabilidade e incomunicabilidade. No entanto, é preciso cautela em relação à operação quando alcance a legítima. Com efeito, por força do artigo 1.848 do Código Civil, salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima. É um limite ao poder de disposição de última vontade, sobre os bens da legítima. É um limite ao poder de disposição de última vontade, podendo criar situações desagradáveis que devem ser calculadas quanto a seus efeitos no ambiente familiar” [48].
Como se pode verificar, as cláusulas protetivas são de suma importância, no entanto, de nada valem se tais atos não forem devidamente registrados no Registro Público de Empresas Mercantis, além de no Registro Civil. Muitos profissionais ligados ao planejamento sucessório olvidam-se da imposição legal prevista no artigo 979 do Código Civil [49]. Sem esse registro, não há efeitos jurídicos perante terceiros (herdeiros, cônjuges etc.).
Essas cláusulas, na verdade, servem para proporcionar segurança à empresa; com a impenhorabilidade, as cotas não poderão ser utilizadas como garantias de dívidas do donatário; a inalienabilidade impedirá que o herdeiro/donatário disponha das cotas, evitando-se a venda, transferência, a terceiros.
O planejamento sucessório, por meio da holding familiar elimina parte da carga tributária que incide regularmente sobre os processos de inventário e partilha, tais como o ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis), pois a integralização de capital com bens e direito não é fato gerador do citado imposto.
O ITCMD (Imposto sobre Transmissão de Causa Mortis ou Doação) também não acarretará fato gerador, pois a transmissão se realizará como antecipação da legítima. Quanto ao Imposto de Renda, este incidirá com uma alíquota de apenas 15% (quinze por cento) sobre o ganho de capital, e sem taxa judiciária de 1% (um por cento), eis que não haverá processo judicial de inventário (antecipação da sucessão). Isso sem contar na economia com os honorários advocatícios, que podem variar na ordem de 10% a 20% sobre o montante do espólio.
Por todo o disposto neste capítulo e no subitem acima, percebe-se que um bom planejamento tributário e, ato contínuo, uma sucessão planejada tornará a identidade empresarial familiar senão intacta, ainda mais robusta. É, na verdade, uma forma de garantir a continuidade dos negócios sem surpresas, facilitando a transição das gerações.