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Desenvolvimento e demanda na economia de mercado: seus desdobramentos na teria do superendividamento do consumidor

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Agenda 20/09/2017 às 15:00

4 Fatores microeconômicos e superendividamento

A microeconomia ramifica a ciência econômica para analisar a teoria dos preços e explicar o modo como consumidor e produtor decidem, a partir da interação entre si, preço e produtos/serviços a serem disponibilizados em determinado mercado, em razão da satisfação e lucro máximos que possam lhes trazer, respectivamente. A Microeconomia está, pois, voltada para as unidades individualizáveis da economia – consumidores e empresas – e para a universalidade de fatores que influenciam as relações entre elas. Seus subitens abrigam a Teoria da Demanda que “divide-se em Teoria do Consumidor (demanda individual) e Teoria da Demanda de Mercado”, conforme Marco Antônio S. Vasconcelos e Manuel E. Garcia (2009, p. 42).

Por razões didáticas, e por estarem mais intrinsecamente relacionadas às causas do surgimento e manutenção do superendividamento, o presente trabalho se interessará apenas pelos estudos realizados pela Teoria do Consumidor, e nesta, no tocante ao item das razões de compra do consumidor, conforme feito a seguir.

4.1 Demanda e Teoria do Consumidor

A demanda é definida por Margarida Anjos e Maria Ferreira (2008, p. 291) como a “quantidade de mercadoria ou serviço que um consumidor ou conjunto de consumidores deseja e está disposto a comprar a um determinado preço”. Embora singela, essa definição é hábil a apresentar os principais elementos da demanda nos precisos moldes como é tratada pela Economia: desejo ou pretensão, poder aquisitivo e oferta. Na análise da demanda releva descrever o comportamento preponderante do consumidor na aquisição de determinados produtos ou serviços, ou, no dizer de Marco Antônio S. Vasconcelos e Manuel Enriquez Garcia (2009, p. 48), “as variáveis que influenciam a escolha no momento da compra”, que são:

O preço do bem ou serviço, o preço dos outros bens, a renda do consumidor e o gosto ou preferência do indivíduo. [...]

Os economistas supõem que a curva ou a escala de procura revela as preferências dos consumidores, sob a hipótese de que estão maximizando sua utilidade ou grau de satisfação no consumo daquele produto. Ou seja, subjacente à curva há toda uma teoria de valor que envolve, como vimos, os fundamentos psicológicos do consumidor.

A Teoria do Consumidor estuda, pois, as razões subjetivas da compra que estão estritamente ligadas ao conceito pessoal de serventia do produto. Conforme os citados autores (VASCONCELOS; GARCIA, 2009, p. 45), “a evolução do estudo da teoria microeconômica teve início basicamente com a análise da demanda de bens e serviços, cujos fundamentos estão alicerçados no conceito subjetivo de utilidade.”

Considerada relativamente abstrata em razão do alvo da sua pesquisa (preferências e fatores psicológicos), essa teoria busca descrever o que leva o indivíduo a decidir pela compra de determinado produto ou serviço e como ele dirime suas dúvidas de escolha, geralmente relacionadas a restrições orçamentárias e gosto. Pois bem, segundo suas patentes conclusões, a escolha de produtos ou serviços é feita face à utilidade que se possa atribuir-lhes, sendo mais proveitosos aqueles que proporcionam maior satisfação. A serventia, a despeito das faculdades práticas que se possam atribuir aos bens e serviços, é item passível de interpretações, podendo variar entre os indivíduos e conforme o fim a que lhes pretenda dar. Sobre este aspecto, Marco Antônio S. Vasconcelos e Manuel Enriquez Garcia (2009, p. 45) asseveram:

A utilidade representa o grau de satisfação que os consumidores atribuem aos bens e serviços que podem adquirir no mercado. Ou seja, a utilidade é a qualidade que os bens econômicos possuem de satisfazer as necessidades humanas.

Como está baseada em aspectos psicológicos ou preferências, a utilidade difere de consumidor para consumidor (uns preferem uísque, outros, cerveja).

Com efeito, a variação do conceito de utilidade entre os indivíduos se deve a um elemento pessoal: a preferência. Manifestada na habilidade do comprador em decidir nas situações de dúvida, esse elemento representa um dos mais importantes na realização da compra, conforme Fabiana Silva Paiva (2011, p. 95):

As relações de preferência representam um papel crucial na teoria da escolha, pois sintetiza os desejos do tomador de decisão. As preferências são caracterizadas de forma axiomática e formalizam a ideia de que decisores podem escolher e que essas escolhas são consistentes.

De fato, se pode afirmar que os motivadores da compra estão intrinsecamente ligados às necessidades (utilidade do produto) e desejos (preferência) do consumidor.  Já a decisão de comprar sofre estímulos internos e externos cujo influxo varia conforme características individuais. Essas deduções foram concluídas pelos estudiosos da Teoria do Consumidor e são utilizadas pelos fornecedores de bens ou serviços na elaboração de estratégias de venda, por esta razão, sua relevância no surgimento e manutenção do superendividamento.

Alguns dos principais mecanismos utilizados pelos fornecedores na geração da demanda, a partir das conclusões da referida teoria, são descritos por Marco Antônio S. Vasconcelos e Manuel Enriquez Garcia (2009, p. 45) como “disponibilização de crédito, oferta de produtos diversificados e de curta duração e estratégias de marketing”. A abordagem eleita pelo presente trabalho buscará delimitar esses mecanismos e seu papel na geração do superendividamento, no contexto da sociedade brasileira a partir da expansão do consumo.

4.1.1 Amplo acesso ao crédito

No mercado de consumo a escolha do produto ou serviço é dada em razão do nível de utilidade que, para o consumidor, ele atingiu, e pela sua preferência. Entretanto, a opção pela compra leva em conta suas restrições financeiras. Logo, para resolver a falta ou insuficiência de renda imediata, o mercado gera oferta de dinheiro capaz de garantir poder aquisitivo suficiente, ainda que virtual. A busca por crediário torna-se, pois, diretamente proporcional à busca por produtos e serviços. Esse mecanismo gerador da demanda começou a ser praticado no Brasil, mais intensamente, a partir da década de 1990. O controle inflacionário promovido pelo incremento do Plano Real (1994) e a estabilidade econômica dele decorrente forçaram os bancos – acostumados a lucrar com a inflação – a buscar alternativas para compensar suas perdas, conforme José R. Mendonça de Barros e Mansueto F. Almeida Jr. (1997, p. 93) avaliam. 

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Uma das formas encontradas pelo sistema bancário para compensar a perda da receita inflacionária, antes de fechar agências e efetuar os ajustes que se faziam necessários no modelo operacional, foi expandir as operações de crédito, lastreadas pelo crescimento abrupto dos depósitos bancários trazidos com o Plano Real. Os depósitos à vista, por exemplo, mostraram crescimento de 165,4% nos seis primeiros meses do Plano Real, e os depósitos à prazo crescimento de quase 40% para o mesmo período.

Ávidos por vender seus produtos, os bancos negligenciaram uma necessária e prévia cautela no fornecimento, concedendo crédito com sacrifício na qualidade da oferta. Neste sentido ponderam referidos autores (idem, p. 95):

O grande problema em períodos de expansão rápida dos créditos é o aumento da vulnerabilidade das instituições financeiras. (...) são momentos de expansão macroeconômica, quando os devedores estão transitoriamente com folga de liquidez, dificultando, assim, uma análise de risco mais rigorosa por parte dos bancos.

Com efeito, nos primeiros anos do Plano Real, o mercado de crédito se expandiu sistematicamente, com ênfase para o crédito pessoal. A demanda por produtos e serviços cresceu proporcionalmente, alcançando índices perigosos, fazendo com que o Governo, por temor à uma eventual volta da inflação, adotasse medidas de contensão, elevando as taxas de juros e os recolhimentos compulsórios, arrefecendo, assim o mercado de créditos. Tais medidas, conforme calculado, resultaram em aumento no preço do financiamento e queda na demanda em geral. Entretanto, como efeito colateral, geraram expressiva inadimplência para tomadores de crédito. A este revés somaram-se as instabilidades econômicas internas e externas ocorridas no período, obrigando os bancos a tornarem-se mais seletivos na concessão de crédito e a adotar regras ainda mais severas para sua liberação. O endividamento mostrava-se em crescimento. Tais circunstâncias promoveram, até o ano de 1999, certa perda de entusiasmo no mercado de crédito, levando-o a relativa estabilidade. A partir de 2001, entretanto, novo ciclo iniciou-se com elevação expressiva da demanda no setor de crédito à pessoa física, tendência que se manteve até os dias atuais, com algumas oscilações, representando, inclusive, fator de peso no PIB nacional, conforme dados da Federação Brasileira de Bancos - FEBRABAN (2012):

A última década tem sido a década do crédito no Brasil, com a oferta de crédito crescendo mais rápido do que o nosso Produto Interno Bruto.

A oferta total de empréstimos e financiamentos ao setor privado saltou de 26,4% do PIB no ano 2000 para 49% no ano passado o crédito para PF, que representava 35% do total do crédito livre no ano 2000, fechou 2011 representando a metade da oferta de crédito, com um saldo de R$ 651 bilhões.

Essa expansão do crédito é resultado de campanhas mais incisivas na oferta deste serviço, promovidas pelos bancos, embora com maior seletividade em relação ao tomador. A carteira se diversificou e produtos de massa, com ou sem segmentação específica, como o crédito direto ao consumidor e o empréstimo consignado, surgiram ou foram regulamentados, tornando o mercado de crédito muito atrativo para seus atores. Sobretudo a partir de 2003, as políticas voltadas para a inclusão social, a exemplo da criação do Programa de Microcrédito, que permitiu abertura de conta corrente mediante processo simplificado, com isenção de tarifas bancárias e movimentação máxima limitada a mil reais, elevaram as microfinanças a um patamar de prioridade, expandindo a oferta do crédito para as grandes massas. A par disso, cooperativas surgiram para disponibilizar cartões de crédito à população de baixa renda, logrando fomentar o consumo por meio do acesso a serviços financeiros tradicionalmente inacessíveis às camadas mais pobres da população.

Além de desburocratizar a abertura de contas, o Governo promoveu forte expansão da rede bancária por meio da criação de agências, correspondentes, postos bancários e Caixas Automáticos – ATMs, em locais públicos, além de caixas eletrônicos que funcionam após o expediente bancário. Estas novas opções de acesso contribuíram para a difusão dos serviços bancários, alcançando o público em locais próximos à sua residência e seu trabalho, como padarias, mercados e farmácias.  Com isto, os níveis de acesso a serviços financeiros e o grau de uso desses serviços tornaram-se bastante expressivos.

Notícia veiculada pelo Portal Brasil (2011), resumindo análise, feita pela FEBRABAN, sobre dados de pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, dão conta dos números expressivos da atividade bancária na última década, com destaque para a expansão da quantidade de correspondentes bancários e para o aumento do número de contas bancárias e de cartões de crédito.

O levantamento Bancos: Exclusão e Serviços, de acordo com a Febraban, indica que 44% das pessoas que têm conta bancária são clientes há, no máximo, cinco anos.

A oferta de canais de relacionamento com o público também está crescendo, segundo a Febraban. “O total de agências passou de 16,4 mil, em 2000, para 20 mil, em 2009. No mesmo período, o número de contas de internet banking registrou um aumento de 322% (de 8,3 milhões para 35 milhões). E o total de correspondentes aumentou de 54 mil para 223 mil, um avanço de 313%”.

De acordo com a entidade, de 2000 a 2009 o número de contas bancárias no País aumentou 110%, totalizando 133,6 milhões. No mesmo período, o número de cartões de crédito cresceu 369%. O estudo mostra ainda que 39,5% dos brasileiros não têm conta bancária.

Com efeito, o acesso a empréstimos e financiamentos propiciou demanda maior nas classes C e D, entretanto, a ausência de programas de políticas amplas de inclusão social, que integre aspectos econômico-financeiros com vertentes educacionais, bem como melhor controle normativo da oferta de crédito, sobretudo a esse público carente, trouxe desajuste de suas finanças. Não basta dar aos pobres acesso à universalidade de serviços disponibilizados pelo sistema financeiro tradicional, há que disciplinar esse acesso, calçando-o com as ferramentas necessárias para uma utilização consciente e garantia de desenvolvimento global.

Ademais, se por um lado o Governo patrocina a expansão do crédito a essa população carente, por outro protege os interesses dos bancos, autorizando-os, por meio da polêmica Medida Provisória nº 1.963-17/2000, reeditada sob o nº 2.170-36/2001, à capitalização de juros remuneratórios em período inferior ao anual nas operações de crédito, elevando, assim, sobremaneira, o valor dos empréstimos e financiamentos. Com efeito, o spread bancário, definido por Luiz Fernando de Paula, Guilherme Jonas C. da Silva e Fábio H. Ono (2006, p. 624) como “a diferença entre a taxa de juros cobrada aos tomadores de crédito e a taxa de juros paga aos depositantes pelos bancos”, no Brasil é um dos maiores do mundo conforme dados apurados pelo Ministério da Fazenda em 2012: “spread bancário - Brasil: 28,5%; Portugal: 21,5%; Uruguai: 5,9%; México, Rússia, Austrália, China, Canadá, Coreia do Sul e Japão: 3,7%, 3,6%, 3,2%, 3,1%, 3%, 1,8 e 1% respectivamente” , noticiados no sítio eletrônico G1 (2013).

Assim, a pouca experiência no manejo do crédito, agora abundante e de alto custo, além do desconhecimento do planejamento orçamentário por parte da maioria dos consumidores, são fatores decisivos no crescimento do inadimplemento entre as classes mais baixas e a nova classe média, ao ponto de revelar situações de superendividamento.

4.1.2   Multiplicidade e baixa durabilidade de produtos e serviços

A prática intencional dos produtores em reduzir a durabilidade dos produtos ou serviços, limitando sua sobrevida a determinado tempo ou número de vezes em que é utilizado, é um dos artifícios usados para forçar a compra e está diretamente relacionado ao fator utilidade que o consumidor atribui às suas eventuais aquisições. A chamada obsolescência programada, inaugurada na primeira metade do século passado, é uma prática consolidada na produção de bens e serviços. Sua intervenção se dá no ciclo de fabricação do produto, interferindo na sua essência para alterá-lo de modo a antecipar seu descarte e obrigar sua substituição.

Aliado a isso, os fornecedores promovem um contínuo lançamento de produtos novos, com aparência modificada, acessórios sobressalentes ou tecnologia minimamente avançada, que não acrescentam nada à função original, mas desempenham um enorme fascínio no consumidor. Esses produtos ‘repaginados’ são disponibilizados no mercado para gerar a imediata desvalorização dos antecessores, que, mesmo em perfeito funcionamento, são descartados e substituídos. Essa prática é reconhecidamente abusiva e vem sendo alvo de fiscalização por parte de seguimentos do poder público, fato pouco divulgado entre a população. Exemplo disso é que denúncias de abuso levaram recentemente o Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática – IBDI – a ajuizar ação para condenar uma empresa em danos morais coletivos causados pelo uso da obsolescência programada, conforme notícia veiculada no Jornal do Comércio (2013).

O Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI) acusa a empresa norte-americana de prática comercial abusiva no lançamento do iPad 4 no País. Se perder, a Apple pode ser obrigada a indenizar todos os consumidores que adquiriram o tablet de terceira geração, substituído em menos de um ano.

O instituto alega que o iPad 4 não trouxe evolução tecnológica efetiva frente ao iPad 3 ou ‘Novo iPad’, caracterizando o que classifica de “obsolescência programada”. Na prática, a acusação é que o iPad 3 da Apple poderia ter chegado às prateleiras com as características apresentadas na quarta geração - um processador, um conector e uma câmera um pouco mais avançados.

Essa estratégia mercadológica iniciada no passado é absurdamente intensificada no presente, representando recurso largamente utilizado para forjar uma demanda irracional. Considerada grande responsável pelo superendividamento, conduz o consumidor à compra precoce, quando o produto antecessor ainda se mostra eficaz e plenamente utilizável. Com efeito, sem a devida reciclagem, essa troca compulsiva de bens traz consequências perniciosas a todos, pois desequilibra a equação que busca sopesar consumo e produção, provocando o exaurimento das reservas naturais do planeta, a produção de enorme quantidade de lixo e, como já dito, no nível individual, o excesso de dívidas.

 De fato, o desgaste do produto pela ação do tempo é previsível e aceitável, entretanto, o desgaste programado pelo fabricante para impor a substituição antecipada é um desvio que põe em risco não apenas a saúde financeira do consumidor, mas o meio ambiente considerado em seu conjunto, uma vez que os recursos naturais utilizados na fabricação desenfreada são finitos e insubstituíveis. Nessa altura, surge o inevitável questionamento acerca das medidas que podem e devem ser tomadas, em nível governamental, para deter tal prática.

4.1.3   Publicidade excessiva

Outro forte instrumento tático criado para aumentar a expectativa de venda, e fiador do superendividamento, é a conhecida estratégia de marketing. Utilizada para determinar quais os produtos ou serviços que possam vir a interessar ao consumidor e quais as formas de lhes gerar valor, ela é responsável pelas espetaculosas táticas publicitárias. Relaciona-se com o fator preferência, indicado pela Teoria do Consumidor como decisivo na hora da compra.

Estudos realizados por diversos seguimentos do saber abordam o papel da publicidade no consumo e revelam a extrema importância que lhe dão os produtores, investindo grandes quantias em projetos de pesquisa que visam conhecer e distinguir os comportamentos indutores da compra para, por meio da sedução publicitária, explorá-los. As conclusões extraídas destas pesquisas dão lastro a estratégias discursivas, com conteúdo por vezes agressivo, voltadas a incutir no comprador a necessidade (pelo desejo) do produto.

Neste estratagema, técnicas de forte impacto são utilizadas para manipular a habilidade do consumidor em discernir sobre utilidade e preferência no momento da compra. Neste desígnio os produtos caseiros são denegridos e enaltecidos os industrializados; anúncios são produzidos segundo bases da teoria psicanalítica da insatisfação que assevera perpétua a carência humana, buscando materializar os alardeados desejos infinitos e associá-los a produtos ou serviços; maculam-se os concorrentes, por vezes de maneira desleal, e utilizam-se de imagens que choquem o consumidor, tudo em nome da venda. Consumidores atraídos pela publicidade excessiva muitas vezes sucumbem às estratégias de venda do tipo promoções relâmpago, descontos, brindes, parcelamento da dívida, compre um e leve dois, e alta diversidade dos produtos. No intuito de confundir necessidade e desejo, as campanhas publicitárias buscam manipular o indivíduo para induzi-lo à compra, conforme dizer de Philip Kotler (1995, p. 27):

Necessidade humana é um estado de privação de alguma satisfação básica (...) [elas] existem na delicada textura biológica e são inerentes à condição humana. Desejos são carências por satisfações específicas para atender às necessidades (...) embora as necessidades das pessoas sejam poucas, seus desejos são muitos. Os desejos humanos são continuamente moldados e remodelados por forças e instituições sociais (...). Demandas são desejos por produtos específicos, respaldados pela habilidade e disposição de comprá-los. Desejos se tornam demandas quando apoiados por poder de compra.

Com efeito, um conjunto de anúncios planejados e expostos de forma agressiva surte efeitos imediatos, forçando modismos, criando tendências, padronizando o comportamento do consumidor e até suprindo carências afetivas. Conforme E. P. G. Rocha (1995, p. 27).

Vendem-se estilos de vida, sensações, emoções, visões de mundo, relações humanas, sistemas de classificação, hierarquia em quantidades significativamente maiores que geladeiras, roupas ou cigarros. Um produto vende-se para quem pode comprar, um anúncio distribui-se indistintamente.

Crianças, jovens e adultos, definidos pela indústria da publicidade em categorias conforme o sexo, a idade e a classe social, são bombardeados com mensagens, induzidos a satisfazer suas frustrações e anseios pessoais por meio do consumo. Neste sentido Bauman (2008, p. 154) escreve:

A busca por prazeres individuais articulada pelas mercadorias oferecidas hoje em dia, uma busca guiada e a todo tempo redirecionada e reorientada por campanhas publicitárias sucessivas, fornece o único substituto aceitável – na verdade, bastante necessitado e bem-vindo – para a edificante solidariedade dos colegas de trabalho e para o ardente calor humano de cuidar e ser cuidado pelos mais próximos e queridos, tanto no lar como na vizinhança.

Os instrumentos utilizados para alcançar o consumidor são os mais variados, dentre os quais jornais, televisão, rádio, folhetos, cartazes, outdoors, etc. A linguagem publicitária é a linguagem da sedução, da persuasão e do comando, onde se mostram produtos e serviços capazes de transformar o desejo em ação. Do ponto de vista do empresário, essa ferramenta é tão poderosa quanto imprescindível. Por meio da mídia são criados ou estimulados modos de agir, pensar, sentir e se comportar, sempre associados a produtos ou serviços disponíveis no mercado. As estratégias de publicidade e propaganda são, a um só tempo, nascentes e mantenedoras da cultura de consumo e, por vezes infiltram-se no inconsciente humano de forma despercebida, podendo emergir a qualquer momento em que se acione o gatilho do desejo. Neste aspecto, pondera Eugênio Bucci e M. R. Kehl (2004, p. 61):

Junto com carros, cervejas e cartões de crédito acessíveis a uma parcela da sociedade, a publicidade vende sonhos, ideais, atitudes e valores para a sociedade inteira. Mesmo quem não consome nenhum dos objetos alardeados pela publicidade como se fossem a chave da felicidade, consome a imagem deles. Consome o desejo de possuí-los. Consome a identificação com o “bem”, com o ideal de vida que eles supostamente representam.

É também reconhecido que a livre escolha do indivíduo, pela compra, sofre influências da mensagem publicitária constante e variada, conforme Luciano Benetti Timm (2006).

Não parece haver dúvida de que se vive na sociedade do marketing e do consumo de massas, (dinamizado especialmente atreves do crédito) sérias são as pesquisas que defendem não poder o ato de consumo ser considerado como puramente racional. De fato, pessoas são hoje em dia estimuladas ou até compelidas, pela massiva publicidade nos "espaços públicos" ou meios de comunicação de massa, a adquirir bens e serviços. A técnica normalmente funciona relacionando o consumo desta mercadoria ou marca a um prazer ou modo de ascensão social.

Diante de tais ponderações infere-se que as técnicas de marketing conduzem muitas vezes ao exagero publicitário como meio persuasivo para efetivação da venda e representam papel importante na geração do superendividamento.

Sobre a autora
Elisabete A. Porto

Advogada, Mestre em Ciências Jurídicas, Autora de livros e artigos, Membro das Comissões de Direito Previdenciário e Direito do Idoso da OAB/PB e membro do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTO, Elisabete A.. Desenvolvimento e demanda na economia de mercado: seus desdobramentos na teria do superendividamento do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5194, 20 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35908. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Ester artigo é parte integrante do livro: PORTO, Elisabete Araújo. Desenvolvimento e demanda na economia de mercado: seus desdobramentos na teria do superendividamento do consumidor. In: PORTO, Elisabete Araújo Porto (Org.) Contribuições para a ciência jurídica à luz dos direitos sociais. Editora Publit: Rio de Janeiro, 2014.

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