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Crise e reforma do Estado:

as bases estruturantes do novo modelo

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Agenda 01/01/2003 às 00:00

5. A Reforma Administrativa do Estado Brasileiro

Até o século XIX, o Estado Brasileiro era, fundamentalmente, um Estado patrimonialista clássico, que pouco se voltava para o desenvolvimento econômico e social. Mesmo após a proclamação da República e tomada de poder pelas oligarquias locais, não se verificaram alterações substanciais no modo de administrar.

A primeira experiência efetiva de reforma do Estado brasileiro dá-se a partir de 1930, momento em que o mesmo passa por mudanças profundas, em face da aceleração do processo de industrialização nacional. No governo Getúlio Vargas, então, emergem as primeiras características de um Estado Intervencionista, expandindo-se as idéias weberianas.

Paralelo ao crescimento das atribuições do Estado, exsurgiu o modelo racional-legalista das organizações burocráticas, ampliou-se o funcionalismo público e universalizou-se o sistema de mérito, impessoalidade, centralização e hierarquia. Para implementar todas essas mudanças foi criado, em 1936, o Departamento de Administração do Serviço Público – DASP.

Os sinais de disfuncionalidade do sistema rapidamente começaram a aparecer, tanto que, pouco tempo após a introdução do mesmo, criou-se a primeira autarquia, a partir da idéia de descentralização e flexibilidade dos serviços públicos. Esse fato já correspondia, para alguns, a um primeiro indício da administração gerencial.

Na verdade, porém, a administração pública burocrática predominou até a década de 60 do século passado, quando ocorreu a primeira real tentativa de redução da rigidez burocrática e implantação de algumas vertentes do modelo gerencial, através do Decreto-Lei nº 200, de 1967.

Mediante o Decreto-Lei 200/67 foi implantada uma filosofia de descentralização e delegação de competências, privilegiando-se a administração indireta por meio da criação de autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas. Nesse setor indireto, foram reduzidos os controles meramente formais, flexibilizando-se a gerência de recursos públicos.

As alterações administrativas introduzidas pelo Decreto-lei 200/67 trouxeram, no entanto, algumas conseqüências negativas. Isso porque a possibilidade de contratação de funcionários sem prévio concurso público acabou por estimular o patrimonialismo e o clientelismo, com a nomeação, em muitos casos, segundo critérios exclusivamente políticos.

Outrossim, a não institucionalização de instrumentos de controle para os órgãos da administração indireta contribuiu para o seu desvirtuamento, haja vista que tais órgãos acabaram por se curvar aos interesses privados. Com o uso indevido da flexibilidade e autonomia do sistema, proliferaram-se os entes indiretos, fragilizando-se o núcleo central de políticas públicas.

Essas falhas do sistema introduzido pelo mencionado diploma legislativo foram postas em discussão na década de 80, diante da crise que tomava o país e do processo de redemocratização.

Como reação ao patrimonialismo e clientelismo verificados na administração indireta, tidos como resultados da excessiva autonomia de seus entes, os constituintes de 1988, retiraram dos mesmos sua flexibilidade operacional, submetendo-os a normas de funcionamento semelhantes às das entidades da administração direta.

Tal empreendimento foi apontado pelo PDRE como um retrocesso burocrático [7], promovendo um engessamento do aparelho estatal, com o retorno a muitos dos paradigmas do modelo de administração burocrática, a exemplo do controle rígido de processos, dificuldades na contratação de pessoal, na execução de compras e manejo dos recursos orçamentários.

Dado esse diagnóstico, a partir de 1995, começou a se defender uma nova reforma da administração pública brasileira, integrada a um abrangente processo de Reforma do Estado. Em decorrência disso, transformou-se a então Secretaria da Administração Federal - SAF - no novo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado - MARE.

O MARE passou a desenvolver uma nova política de organização do Estado, que pode ser identificada em oito princípios fundamentais: 1)desburocratização (por meio de flexibilização administrativa e eliminação de procedimentos operacionais desnecessários); 2)descentralização (delegação de competências dentro da estrutura do Estado e estabelecimento de parcerias com a sociedade); 3)transparência (maior publicidade das ações governamentais, possibilitando o controle social); 4)accountability; 5)ética; 6)profissionalismo; 7)competitividade; e 8)enfoque no cidadão (como principal usuário dos serviços públicos) [8].

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As referidas propostas foram posteriormente consolidadas no Plano Diretor da Reforma do Estado - PDRE -, e com base nelas iniciou-se todo o processo de Reforma do Estado que vem sendo gradativamente implantado no Brasil.


6. Conclusão

Ao fim e a cabo dessa exposição, analisados os movimentos de reforma e contra-reforma empreendidos ao longo dos dois últimos séculos, e todo o contexto em que foi desenvolvida a Reforma dos Estados em geral, e do Brasileiro em particular, já é possível traçar os principais elementos caracterizadores da nova concepção do Estado, e que servirão, a partir do final do século XX, de diretrizes fundamentais para sua estruturação. Em síntese apertada, são essas as novas bases estruturantes do Estado Contemporâneo:

a)delimitação das funções do Estado, com a redução do seu tamanho por meio, principalmente, de programas de privatização, terceirização e publicização;

b)redução da interferência do Estado ao plano de atividades em que haja real necessidade de sua intervenção, através de programas de desregulação que possibilitem maior controle via mercado, passando o Estado a ser promotor da capacidade de intervenção do país, e não protetor da economia nacional frente à competição externa;

c)aumento da governança do Estado;

d)aumento da governabilidade, graças a instituições políticas que garantam uma melhor intermediação de interesses sociais, com maior controle social e democracia direta;

e)implantação do modelo de administração gerencial, o qual teria repercussões nos âmbitos econômico (pela diminuição do déficit público, ampliação da capacidade financeira do Estado para concentrar recursos em áreas em que é indispensável sua atuação direta), social (aumento da eficiência dos serviços públicos, sejam eles prestados diretamente pelo Estado ou não, havendo melhor socialização dos mesmos) e político (pela melhor intermediação de interesses públicos e privados, assegurando um caráter mais democrático da gestão pública).


7. Bibiografia

BAZILLI, Roberto Ribeiro. Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público: Nova Modalidade de Parceria. Revista dos Tribunais. São Paulo: v. 779, p. 79-92, set. 2000.

CASTOR, Belmiro Valverde Jobim, JOSÉ, Herbert Antonio Age. Reforma e Contra-Reforma: A perversa Dinâmica da Administração Pública Brasileira. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, v. 32, n. 6, p. 97-111, nov./dez. 1998.

FERREIRA, Caio Márcio Marini. Crise e Reforma do Estado: uma Questão de Cidadania e Valorização do Servidor. Revista do Serviço Público. Brasília: ENAP, v. 120, n. 3, p. 5-32, set./dez. 1996.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL E REFORMA DO ESTADO. Plano Diretor da Reforma do Estado. Disponível na internet: www.planejamento.gov.br, 12.01.2002.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Organizações Sociais de Colaboração (Descentralização Social e Administração Pública Não-Estatal). Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 210, p. 183-194, out./dez. 1997.

NUNES, Marcos Alonso. Agências Executivas: Estratégias de Reforma Administrativa. Brasília: Ministério da Administração e Reforma do Estado, 1997.

PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos Anos 90: Lógica e Mecanismos de Controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997, 58 p.

PIMENTA, Carlos César. A Reforma Gerencial do Estado Brasileiro no Contexto das Grandes Tendências Mundiais. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, v. 32, n. 5, p. 173-199, set./out., 1998.


Notas

1. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A Reforma do Estado dos anos 90: Lógica e Mecanismos de Controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997. p.11.

2. BAZILLI, Roberto Ribeiro. Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público: Nova Modalidade de Parceria. Revista dos Tribunais, 89º ano, v. 779, set./2000, p.82

3. MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Organizações Sociais de Colaboração (Descentralização Social e Administração Pública Não-Estatal. Revista de Direito Administrativo, v.210, out./dez., 1997, pp.186 e 188.

4. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Ob cit. p. 19.

5. NUNES, Marcos Alonso. Agências Executivas: Estratégias de Reforma Administrativa. Brasília: Ministério da Administração e Reforma do Estado, 1997. p. 8.

6. PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Ob.cit. p.42.

7. MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL E REFORMA DO ESTADO. Plano Diretor da Reforma do Estado. www.planejamento.gov.br, 12 de janeiro de 2001, p.7.

8. PIMENTA, Carlos César. A Reforma Gerencial do Estado Brasileiro no Contexto das grandes tendências mundiais. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, v. 35, n.5, set./out., 1998. p.181/183.

Sobre a autora
Maria Carolina Miranda Jucá

acadêmica de Direito da UFPE, em Recife (PE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JUCÁ, Maria Carolina Miranda. Crise e reforma do Estado:: as bases estruturantes do novo modelo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3598. Acesso em: 23 dez. 2024.

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