6. Conclusão
Conforme o exposto, existe íntima ligação entre a teoria da imputação objetiva e a teoria geral do delito, dada a inter-relação entre a teoria em estudo e os demais elementos componentes da estrutura típica. Como visto, a sistematização da teoria ainda pende de divergências doutrinárias, sendo incontroverso porém, que sua análise está adstrita ao fato típico.
Fato é, que a teoria da imputação objetiva surge com a principal finalidade de corrigir os dogmas do nexo de causalidade, que pela teoria da equivalência dos antecedentes causais apresenta-se muito amplo, podendo mesmo ocasionar situações de injustiça, dado sua possibilidade de regressus ad infinitum. Ressalvou-se porém, que a teoria da imputação objetiva não dispensa a aferição do clássico nexo de causalidade segundo as bases causalistas, o que demonstra que não tem a teoria o desiderato de substituir a conditio sine qua non, mas sim de complementá-la.
No que diz respeito à sua localização na teoria geral do delito, insta observar que a teoria da imputação objetiva trabalha com mais elementos integrantes do fato típico que não apenas o nexo de causalidade. Através dela (imputação objetiva), desvalora-se a conduta (imputação objetiva da conduta) e posteriormente o resultado (imputação objetiva do resultado). Somente após, é que se passa à aferição do dolo e da culpa.
Em outras palavras, para o cumprimento da finalidade que ensejou sua criação, a teoria da imputação objetiva trabalha com a conduta, nexo causal e também com o resultado, ou seja, seus critérios são aplicados em todos os elementos do fato típico.
Justamente por esta razão, é que merecem destaque as lições expostas por Luiz Flávio Gomes, que situa a teoria em tela no interior da tipicidade material.
Razão assiste ao autor, visto que a aplicação da teoria da imputação objetiva no ordenamento brasileiro não importa o sacrifício da clássica tipicidade, que como sabido, não analisa apenas o aspecto material, mas também o formal, consistente na subsunção do fato à letra da lei, o que representa um corolário do princípio nullum crimen sine lege[16].
Portanto, tendo em conta o entendimento esposado pela teoria constitucionalista do delito, tem-se que a imputação objetiva situa-se no interior da tipicidade penal, que após sua reestruturação, passa a subdivide-se em formal e material ou normativa.
A tipicidade material de sua vez, exige, para sua configuração, que o resultado lesivo ao bem jurídico tutelado seja decorrência direta do risco proibido criado ou incrementado pelo agente, análise a ser feita segundo os critérios de não imputação desenvolvidos por Roxin, expostos alhures.
Como se vê, a posição encampada pela teoria constitucionalista do delito não dispensa a tipicidade formal como elemento integrante da tipicidade penal, o que revela o prestígio ao princípio da reserva legal positivado no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal de 1988, e no art. 1º do Código Penal.
Referências Bibliográficas
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Notas:
[1] Sobre a aplicação da teoria da imputação objetiva apenas nos crimes materiais ou em todas as espécies de crimes, surgiram duas correntes, uma restritiva, defendida por Roxin, e uma ampliativa, majoritariamente aceita pela doutrina, e que advoga sua aplicação a todo e qualquer crime, material, formal ou de mera conduta, comissivo ou omissivo, doloso ou culposo. Esta última é a posição de Damásio Evangelista de Jesus. É também o entendimento de Luiz Flávio Gomes e Antonio Molina.
[2] Em sentido oposto, discordando que o art. 13, § 2º, CP contempla uma regra de imputação objetiva, Vide PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Volume 1. Parte geral. 7ª Ed. Revista e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 314. No entender do autor, nos casos de causa superveniente relativamente independente que por si só produza o resultado, há causação, mas o resultado não pode ser imputado ao agente porque não há imputação objetiva. Mas isso não se deve, continua, à aplicação do critério da criação ou incremento de risco proibido, mas sim ante a ausência de dolo.
[3] Para alguns autores, porém, a paternidade da teoria da conditio sine qua non deve-se a Julius Glaser. Por todos vide TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 257.
[4] Tomando de empréstimo o estudo histórico desenvolvido por Prado (2007, p. 316) sobre as teorias que procuraram corrigir a amplitude do nexo de causalidade conferida pela equivalência dos antecedentes causais, podem ser citadas ainda as seguintes teorias e seus respectivos precursores: teoria da imputação objetiva do resultado (Mezger); teoria da qualidade do efeito ou da causa eficiente (Kohler); teoria da condição mais eficaz ou ativa (Birkmeyer, Stoppato); teoria do equilíbrio ou da preponderância (Binding); teoria da causa próxima ou última (Ortmann); teoria da causalidade jurídica (Mosca, Maggiore); teoria da causa humana (Antolisei); e teoria da tipicidade condicional (Ranieri).
[5] Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
[6] Pelo critério hipotético de eliminação tudo que concorre para o resultado é causa dele, sendo decisivo que sem essa condição o resultado não pudesse ocorrer como ocorreu.
[7] Damásio profetiza que a teoria da imputação objetiva pretende, no futuro, substituir a doutrina da causalidade material, mas que no momento, é apenas seu complemento. JESUS, Damásio Evangelista. Direito penal parte geral. 31ª ed. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 322.
[8] Crime culposo e teoria da imputação objetiva. Disponível em: <http//ww3.lfg.com.br/public_html/article/php?story=2004100810004...>. Acesso em: 5 fev. 2014.
[9] Por todos vide JESUS, Damásio Evangelista. Direito penal parte geral. 31ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.94.
[10] Imputabilidade enquanto elemento integrante da culpabilidade, cumpre esclarecer, refere-se à capacidade de entender e de querer do agente, ou de determinar-se de acordo com este entendimento, segundo a teoria bio-psicológica adotada no art. 26 do Código Penal.
[11] As teorias funcionalistas do delito, ao contrário das tradicionais teorias que buscam sistematizar os principais elementos que compõem a estrutura delitiva, preocupa-se em investigar qual é a função primordial do Direito Penal, reformulando a teoria do delito com base em critérios político-criminais. Atribui-se a Roxin o denominado funcionalismo moderado, pelo qual o Direito Penal tem por principal missão a proteção de bens jurídicos, o que deve ser feito observando-se princípios básicos de intervenção mínima, tais como os princípios da fragmentariedade, lesividade ou ofensividade e ultima ratio. Noutro bordo, atribui-se à Gunther Jackobs o denominado funcionalismo radical. Entende o autor, que o Direito Penal existe não propriamente para tutelar bens jurídicos, mas para a proteção da norma jurídica.
[12] Apud GRECO, 2011, p. 332.
[13] PRADO, 2007, p. 333.
[14] WIKIPEDIA. Incêndio na Boate Kiss. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Inc%C3%AAndio_na_boate_Kiss> acessado em 05 out. 2014.
[15] É preciso que se tenha em consideração, que a teoria em estudo está em constante modificação pois que, “não é ainda definitiva” (DAMÁSIO, 2010, p. 322).
[16] Cumpre ressaltar neste ponto, a existência da teoria da tipicidade conglobante, criada por Raúl Zaffaroni. Por tal concepção, a tipicidade penal é o gênero, que comporta como espécies a tipicidade formal e a conglobante. Esta última, de sua vez, é subdividida em tipicidade material e antinormativa.