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A cultura e a sua relação com o direito

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Agenda 12/05/2017 às 14:20

CONCLUSÃO

O Direito, conforme procuramos demonstrar, não é sagrado, racional, bom ou ruim. Ele é apenas cultural. É produto dos valores cultivados por cada agrupamento humanos que ele se propõe a regular sendo que, ao se divorciar da conjuntura axiológica no qual se encontra inserido, perde a sua eficácia.

Dessa forma, quando se aprecia o Direito, tal como ele é, chega-se à inexorável conclusão de que se trata de uma manifestação cultural dotada de coercibilidade. Nada mais do que isso. Suas normas refletem os valores sociais, de forma que qualquer tentativa de universalização normativa sempre esbarrará no óbice das diferenças entre os seres humanos, sendo cada ordenamento jurídico construído segundo a fisionomia dos valores presentes na sociedade.

As divergências conceituais existentes no curso da história tiveram como finalidade ocultar aquilo que o Direito na verdade é, pois ao ser paramentado de sagrado ou racional, procurava-se protegê-lo de questionamentos que poderiam colocar em xeque a sua efetividade social. No entanto, uma avaliação isenta de suas manifestações conduz a apenas uma conclusão: o direito é produto da cultura, dos valores e da vontade dos que dominam o grupo social. Nada mais do que isso.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARRETO, Tobias. Estudos de Direito. Rio de Janeiro: Laemmert & C. – Editores proprietários, 1892.

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico; tradução Ari Marcelo Solon. 2 ed. São Paulo: EDIPRO, 2014.

DAVID, René. Os grandes sistemas de direito contemporâneo; tradução Hermínio A. Carvalho. 3 ed. São Paulo, 1996.

DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos; tradução Luzia Araújo. São Leopoldo: Unisinos, 2009.

GIORGI, Raffaele de. Contingência e legitimação; tradução Pedro Jimenez Cantisano. Revista de Direito Administrativo, v. 254. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/8072/6860. Acesso em: 30 ago. 2014.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito; tradução João Baptista Machado. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

PALMA, Rodrigo Freitas. História do Direito. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

PERELMAN, Chaim. Ética e Direito; tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social; tradução Rolando Roque da Silva. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv00014a.pdf. Acesso em: 03 set. 2014.

SALET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11 ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.

RAMOS, Marcelo Maciel. Direito e religião: reflexões acerca do conteúdo cultural das normas jurídicas. Meritum. Belo Horizonte, v. 5, n.1, jan./jun. 2010, p. 49-76.

VILLEY, Michel. O direito e os direitos humanos; tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007.


Notas

[1] Por fundamentação ideológica compreendemos o conjunto de ideias presente num determinado agrupamento humano, sendo produto de sua formação cultural ou disseminado por aqueles que exercem posição de mando social e que determina a forma como cada integrante do grupo se portará diante dos mais diversos assuntos que envolvem o seu cotidiano.

[2] Palma (2010, p. 33) ao discorrer a respeito das características do Direito primitivo, mencionam a existência de três, a saber: a ausência de escrita, o caráter consuetudinário das normas e o teor sagrado que elas possuíam dentro do grupo.

[3] Rousseau (2010), considerava que o homem, vivendo em estado de natureza, era dotado de liberdade plena, que vai sendo restringida à medida em que ele se associa a outros seres humanos, formando grupos, sendo o primeiro deles a família. Assim, defende a existência de um bom selvagem que tem os seus desejos e liberdades reprimidos pela sociedade civil, que poderíamos entender como sendo o Estado.

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[4] No Egito antigo, por exemplo, o faraó era considerado como um filho do deus sol, sendo, portanto, um deus na terra em forma humana.

[5] Por autoridade, entendemos como sendo o reconhecimento pelos demais integrantes do grupo social de que o indivíduo que a exerce possui legitimidade para externar comandos vinculativos para os demais, que por todos devem ser observados. Trata-se, portanto, da relação em que o receptor da ordem, no sentido de comando, julga-se obrigado a obedecê-la.

[6] Mesmo com as mudanças de eixo em torno do discurso de legitimação do Direito, Ramos (2010, p. 49-76), defende que a religião continuou, no decorrer do tempo, influenciando na construção de normas jurídicas, haja vista que o elemento religioso, fazendo parte da cultura de um povo, não deixa de participar do processo de construção do Direito positivo.

[7] Perelman (2005, p. 395), critica a postura de identificação do direito com o conjunto de normas editado pelo Estado, cuja garantia da eficácia é assegurada pela sanção. Em suas palavras, “(...), ao transferir para a vontade geral as funções cumpridas anteriormente pela vontade divina (Vox populi vox Dei), o positivismo jurídico veio a fundamentar toda regra jurídica positiva no poder legislativo do Estado e na sanção, que garante à obediência à lei. Recusando qualquer outro fundamento ao direito, o positivismo jurídico negou a existência de um direito que não fosse a expressão da vontade do soberano”. O problema de tal questionamento em torno do positivismo jurídico é que não se consegue ofertar uma outra fundamentação dotada de consistência para o direito positivo. As ideias de direito natural, por exemplo, constituem um terreno pantanoso, no qual valores se digladiam como justificantes do direito. No entanto, considerando que não existem valores positivos ou negativos, uma vez que o parâmetro de comparação de outros valores serão sempre outros valores que, dentro de uma visão de igualdade entre os homens e suas diferentes manifestações culturais, não podem ser considerados como superiores àqueles que se encontram sendo objeto de comparação, chega-se à conclusão de que a crítica ao positivismo jurídico acaba esbarrando na própria dificuldade de identificação de outros fundamentos para o direito positivo que não seja a atuação legislativa do Estado.

[8] Sarlet (2012, p. 36-40) resume de forma bastante esclarecedora a evolução das diversas concepções teóricas em torno da ideia de direito natural, cuja ponto culminante reside na visão racionalizada de desse suposto direito  defendida por Kant, inspirado em Rousseau,  que “definiu a liberdade jurídica do ser humano como a faculdade de obedecer somente às leis às quais deu seu livre consentimento...”.

[9] Douzinas (2009, p. 32) defende que “o Direito Natural representa uma constante na história das ideias, ou seja, a luta pela dignidade humana em liberdade contra as infâmias, degradações e humilhações infligidas às pessoas por poderes instituídos, instituições e leis”.

[10] Segundo Reale (1998, p. 217), cultura é “tudo aquilo que o homem realiza na História, na objetividade de fins especificamente humanos (...)”.

[11] David (1996), ao analisar os diversos sistemas jurídicos atuais, demonstra o quanto o Direito pode assumir roupagens diferenciadas em termos de formação dentro de um mesmo período histórico, de acordo com a conjuntura cultural de cada ovo.

[12] Para uma avaliação crítica da visão predominante que se tem na atualidade a respeito do conceito de direitos humanos, merece leitura a bem lançada exposição de Villey (2007).

Sobre o autor
Gilvânklim Marques de Lima

Doutor e mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Gilvânklim Marques. A cultura e a sua relação com o direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5063, 12 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36466. Acesso em: 5 nov. 2024.

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