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Transgênicos: da insuficiência da responsabilidade civil à necessidade de participação popular nas instituições de biossegurança

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Inadequação da estrutura supostamente garantidora da biossegurança, especialmente, no que diz respeito aos alimentos transgênicos, que deveria atuar de forma mais eficiente.

RESUMO

 

Este ensaio tem como objetivo apresentar a inadequação da estrutura supostamente garantidora da biossegurança, especialmente, no que diz respeito aos alimentos transgênicos, que deveria atuar de forma mais eficiente, especialmente, devido à tendência de perda da função dissuasória da responsabilidade civil e propor uma solução a este problema.

ABSTRACT

 

This essay aims to demonstrate the inadequacy of the Brazilian biosafety institutional structure - supposedly guarantor of biosafety - especially in relation to genetically modified food, which should act more efficiently, especially because of the trend of loss of deterrent function of torts (“civil legal liability”) and propose a solution to this problem .

 

Palavras-chaves: Transgênicos. Bossegurança. Risco. Gestão de riscos. Prevenção. Precaução. CTNBio.

1.   INTRODUÇÃO

O direito reflete a realidade e deve se adaptar a ela. Reflete-a ao normatizar manifestações do mundo físico, tornando jurídico aquilo que uma vez era somente fático. O direito age, outrossim, na via inversa, ao prescrever condutas que não são, necessariamente, observadas por qualquer parte da sociedade.

A Biotecnologia é um meio pelo qual inovações vêm ocorrendo – inovações que afetam diretamente a vida de boa parte das sociedades e, inclusive, a brasileira. Algo dessa magnitude não pode deixar de ser regulado pelo direito. Primeiramente, porque constitui inovação. Os efeitos das inovações não são plenamente conhecidos, acarretam riscos maiores e de menor grau de previsibilidade. Em segundo lugar, biotecnologia se relaciona a manipulação genética, sendo inevitável um paralelo entre manipulação genética e saúde. Isto porque manipulação genética afeta os seres humanos, em especial, de maneira indireta, e com isso queremos dizer, ao manipular seres com os quais mantêm relação inescapável. Isto é mais observável na questão alimentícia.

Os alimentos nos levam necessariamente à relação de consumo. Portanto, a discussão brasileira em torno dos alimentos transgênicos é, também, uma discussão acerca dos direitos do consumidor. O direito do consumidor é garantidor do bem estar físico e psicológico do consumidor. Nesta linha dispõe o artigo 8º do CDC:

Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.

Esta garantia pode ocorrer ex ante, por meio da biossegurança, ou ex post, por meio da responsabilidade civil.  É, de fato, de suma importância a responsabilidade civil, no que tange ao seu caráter dissuasório, para a proteção do consumidor. Porém, a responsabilidade civil consegue atingir caráter reparatório - ou, alguns dirão, compensatório -  quando não irreversível o dano[1]. Tais tipos de danos podem estar, obviamente, escondidos na zona de desconhecimento das inovações, no caso a que aqui nos referimos, alimentos transgênicos. Deste modo, faz-se necessário que tais tipos de dano sejam, de alguma forma, impedidos de se manifestar. A forma para que se faça isso é via biossegurança. Entretanto, é necessário que aqueles que operam nas instituições de biossegurança – rectius: garantidores da biossegurança - possuam o conhecimento necessário para a prevenção dos danos. Tal conhecimento, porém, não existe, - muitos, se não a grande maioria dos riscos relacionados aos OGMs são desconhecidos e imprevisíveis. Os reguladores se encontram, neste sentido, no mesmo patamar dos leigos.

Procuramos demonstrar neste trabalho que o atual arranjo institucional pátrio de biossegurança é insuficiente para realizar todas as decisões, pois pressupõe uma expertise técnica que reguladores não possuem no estágio atual de tecnologia.

Imperioso, assim, que a discussão sobre alimentos transgênicos seja feita em ambiente politizado.

2.     FUNDAMENTOS CONCEITUAIS

 

2.1.          A BIOSSEGURANÇA

Faz-se necessária a conceituação de é biotecnologia, para que possamos, enfim, conceituar biossegurança e, desta forma, demonstrar sua implicação para os objetivos traçados do presente estudo.

Biotecnologia é um conceito de ampla divergência, dada sua abrangência, em especial, devido ao fato de possuir inúmeras áreas de contato com várias ciências, como por exemplo, a bioquímica, engenharia química, matemática, genética e tantas outras[2]. Dentro dos conceitos mais utilizados, aquele que demonstra maior capacidade explicativa, dada sua abrangência, é o fornecido pela Organization for Economic Coorperation e Development - OECD sendo “A concepção, a otimização e transposição em grande escala dos processos bioquímicos e celulares para a produção industrial dos compostos úteis e para as aplicações conexas”[3]. Utiliza-se, portanto, “biotecnologia” como termo generalizado que denota variedades técnicas de uso e manipulação de organismos vivos.

Este conceito, porém, considera todo e qualquer processo que envolva, como elemento central, catalisadores biológicos - e não somente a manipulação genética. Desta forma, verifica-se que o conceito trazido com o advento da lei 11.105/05 é restrito em relação ao trazido pela OECD, pois faz menção somente à manipulação genética quando se fala em biotecnologia.

A introdução de produtos transgênicos no mercado traz à baila a discussão - assim como aquela da década de 60 quando da introdução de herbicidas na produção alimentícia - sobre a segurança para o consumidor e para o meio ambiente daquele tipo específico de produção[4]. Questionava-se - e ainda se questiona – a respeito das implicações daqueles que aspiram, no momento da aplicação do herbicida e daqueles que consomem o produto com resíduos dos agrotóxicos. Muito se questiona e se questionará, enquanto não houver assentado conhecimento científico que esgote as dúvidas decorrentes da produção e seus impactos ao meio ambiente e decorrentes do consumo humano de alimentos transgênicos[5].

Verifica-se, assim, que a biossegurança decorre da regulamentação direta do que é criado via biotecnologia, i.e., a biossegurança é necessariamente a regulamentação jurídica das atividades de pesquisa, produção e desenvolvimento tecnológico de materiais geneticamente modificados por processos científicos que possam comprometer a saúde do homem, dos animais e do meio ambiente, visando, pois, a garantir a manipulação, produção e o fornecimento seguro de produtos produzidos por meio de manipulação genética.

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2.2.          OS ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS (OGMs)

Os organismos geneticamente modificados (OGMs) são definidos, de maneira geral, como aqueles organismos que tenham sido alterados geneticamente por métodos ou por meios não naturais[6].

A Lei de Biossegurança - como é conhecida a lei 8.974/95 -, posteriormente revogada e substituída pela lei 11.105/05, regulamenta os incisos II e IV, do §1º do art. 225 da Constituição Federal[7]. Nela está inserido o conceito de Organismo Geneticamente Modificado, mais especificamente, em seu artigo 3º, inciso V sendo considerado “Organismo geneticamente modificado - OGM: organismo cujo material genético – ADN/ARN tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética”.

Necessário explicitar dois conceitos utilizados nesse dispositivo legal para, assim, entender o sentido que permeia a Lei de Biossegurança. Entende-se por organismo “toda entidade biológica capaz de reproduzir ou transferir material genético, inclusive vírus e outras classes que venham a ser conhecidas”[8]. Quanto à engenharia genética, a lei a conceitua como “atividade de produção e manipulação de moléculas de ADN/ARN recombinante” [9]

Podemos, enfim, conceituar Organismo Geneticamente modificado como toda entidade biológica capaz de reproduzir e/ou transferir material genético que tenha sido modificado por atividade de manipulação de moléculas ADN/ARN recombinantes.

2.3.          OS PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO E DA PRECAUÇÃO

Existem dois princípios norteadores na discussão de proteção contra riscos: o princípio da precaução e o da prevenção. Embora pareçam sinônimas, no mundo jurídico as palavras adquirem sentido próprio: palavras anteriormente próximas tornam-se distantes. A distância, no caso, dá-se pelo elemento “conhecimento”.

Costuma entender a doutrina que o princípio da prevenção é relativo a medidas que devam ser adotadas a fim de impedir o acontecimento de determinado dano. É chave, em tal descrição, o vocábulo “determinado”, pois para que seja o princípio da prevenção o discutido, é necessário que exista conhecimento do dano que pode advir de um risco. Portanto, o princípio da prevenção se fundamenta na segurança, e com isso queremos dizer que o risco é certo, o dano incerto e, assim, o risco deve ser ao máximo minimizado.

Deste modo, é o princípio da precaução justamente aquele que tem por objetivo o impedimento de ocorrência de danos de natureza incerta – neste caso, os riscos sequer são conhecidos. Assim, o princípio de precaução segue um modelo de gestão de riscos (risk management)[10], modelo pelo qual se faz uma ponderação acerca dos possíveis riscos - quais podem ou não ser tolerados -, pois não é certa sua existência[11].

Neste ensaio, lidaremos, especialmente, com o princípio da precaução, uma vez que, pela própria natureza de inovação, já explicitada, dos alimentos transgênicos e da manipulação genética.

3.      O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL E A BIOSSEGURANÇA

O conjunto de ações – e, aqui, compreendam-se as públicas e as privadas – em ordem a prevenir danos graves e/ou irreversíveis à integridade psicofísica dos seres humanos vivos e em potência – hereditariedade - e ao meio ambiente através da regulação jurídica dos riscos que surgem do emprego e/ou incremento de modernas tecnologias é o que se entende por biossegurança[12].

Responsabilidade é termo que, em linguagem corrente, refere-se à obrigação de responder pelas ações próprias ou de outrem[13]. Em sentido jurídico, “a responsabilidade civil é sempre uma obrigação de reparar danos: danos causados à pessoa ou ao patrimônio de outrem, ou danos causados a interesses coletivos, ou transindividuais, sejam estes difusos, sejam coletivos stricto sensu[14]. A função que está em seu cerne é, portanto, a de reparar[15] – alguns dirão “compensar”, ao afirmar que nunca se pode retornar exatamente ao status quo ante, porquanto o que ocorreu não é passível de desaparecimento – o dano já ocorrido[16], mas não se pode negligenciar a função dissuasória que desempenha o instituto. Neste sentido, a perda patrimonial resultante da indenização haveria de imprimir naquele que indeniza um ensinamento, qual seja o da diligência em suas condutas posteriores a fim de não causar dano e ter de responder por eles. Também sobre outros indivíduos da sociedade[17], que não provocaram o dano, atua o caráter dissuasório, uma vez que tendo o conhecimento do que sucedeu àquele que indenizou, saberá que o mesmo pode lhes suceder – e isso se revela ainda mais pronunciado nos atuais Estados de Direito, que consagram a publicidade com relação às demandas judiciais[18].

O termo comum que relaciona responsabilidade civil e biossegurança é “dano” e a possível função comum, a dissuasória.

Assim, se admitida a função dissuasória da responsabilidade civil – ainda que se tenha em mente que sua função primacial seja “ressarcitória” -, podemos vislumbrar a conexão entre ambos os institutos. Entretanto, mesmo que se tome responsabilidade civil como instituto cuja função é, unicamente, a de reparação, subsistirá o elemento comum “dano”, sendo que, neste caso, a biossegurança a ele se relacionará por visar à prevenção de sua ocorrência e a responsabilidade civil por meio da reparação decorrente de sua ocorrência.

Fato inegável, entretanto, é que a função dissuasória da responsabilidade civil vem perdendo força na medida em que se adotam novos mecanismos de diluição da responsabilidade. Esta tendência se revela perigosa no caso dos OGMs, visto que o esmorecimento da dissuasão resultante da reparação dos danos que venham a ocorrer pode acarretar despreocupação por parte daqueles que seriam pessoalmente responsabilizados e, por isso, dissuadidos, de modo que possam, também, importar-se menos com a prevenção e a precaução em relação ao lançamento dos produtos no mercado[19].

Diante deste cenário, em que se contemplam a dissolução da função dissuasória do instituto da responsabilidade civil e o desconhecimento dos danos que possam advir dos OGMs, não se pode presumir que a sociedade esteja disposta a correr quaisquer riscos. Torna-se imperativo um mecanismo que assegure a prevenção e precaução e, também assim, a possibilidade de participação mais direta da sociedade nas decisões sobre os riscos que sobre si incidem. Para que isso seja possível, no entanto, deve-se dar um passo anterior, qual seja o de disponibilizar publicamente informações a respeito desses riscos e dos possíveis danos[20].

3.1.         A DILUIÇÃO DOS DANOS

O instituto da responsabilidade civil, através de mecanismos que possibilitem a diluição dos danos, tem se erigido sobre a ideia de solidariedade social. Através desse novo viés do instituto, desloca-se o escopo de repressão de condutas negligentes para a mera reparação dos danos, não sobre uma perspectiva de individualização dos autores do dano, mas baseada em um dever solidário de reparação[21].

A ampliação das hipóteses de responsabilidade solidária o desenvolvimento de seguros de responsabilidade civil[22] são exemplos de mecanismos verificáveis no ordenamento brasileiro que demonstram a tendência da diluição dos danos.

Nesta trilha, o Código de Defesa do Consumidor institui em seu art. 12 a responsabilidade objetiva solidária de vários fornecedores (definidos no art. 3º) “pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”. O fato é que, ainda que haja a previsão de direito de regresso “contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso” (art. 13, parágrafo único), “é muito provável que diversos fornecedores solidariamente responsabilizados acabem suportando de forma coletiva o peso econômico da indenização”[23]:

De qualquer modo, o ônus da reparação não vem deixado sobre a vítima, nem transferido a um responsável individualizado, mas acaba espalhado por toda a coletividade ou, na maior parte dos casos, por todo o grupo de agentes potencialmente lesivos[24].

Essa tendência faz esvaziar-se a responsabilidade civil de sua função dissuasória e, no que tange aos possíveis danos irreparáveis decorrentes dos OGMs, o instituto torna-se absolutamente ineficiente, uma vez que não se presta mais a fazer reprimir as condutas danosas – pelo menos não como seria no caso da responsabilização pessoal do causador do dano pelo dano acontecido, i.e., sem o que se soeu chamar “diluição dos danos”. Neste sentido, Hannah Arendt, ao se referir à coletivização da culpa, afirmou ser “uma caiação altamente eficaz para todos aqueles que realmente têm culpa, pois, quando todos são culpados, ninguém o é”[25].

Avulta, nesse contexto, a importância da prevenção e da precaução, através da estratégia da gestão de riscos (risk management) que visa à eliminação de riscos antes da produção dos danos – função da biossegurança.

4.     O MODELO DE GESTÃO DE RISCOS E CTNBio

A CTNBio, segundo o artigo 10 da lei 11.105/05, é  instância colegiada, multidisciplinar, de caráter consultivo e deliberativo, integrante do Ministério da Ciência e Tecnologia, para prestar apoio técnico e de assessoramento ao Governo Federal, bem como para o estabelecimento de normas técnicas de  segurança e de pareceres técnicos para atividades que envolvam OGMs e seus derivados.

Suas atribuições legais, constantes do artigo 14 da mesma lei, são, entre outras, as de proceder à análise da avaliação de risco, caso a caso, relativamente a atividades e projetos que envolvam OGMs e seus derivados; estabelecer critério de seu monitoramento; emissão de decisões técnicas a respeito de biossegurança; emissão de resoluções de natureza normativa. Deste modo, pode-se concluir, que funciona a CTNBio em um modelo de gestão de risco (risk management). Tal modelo caracteriza-se pela incerteza de riscos e pela dualidade de instâncias: uma avaliativa e outra deliberativa[26].

A etapa de avaliação consiste na análise do conhecimento relativo ao assunto que procuram os técnicos avaliar e a identificação dos efeitos, devendo ser entendidos também como riscos, e podem ser exemplificadas pelo inciso IV do artigo supracitado. 

A deliberação, por outro lado, envolve o processo de normatização e de classificação daquilo que foi anteriormente avaliado, ou seja, é na fase de deliberação, que a agência reguladora emitirá as decisões acerca do grau dos riscos e das medidas a serem tomadas para preveni-los.

O processo, entretanto, é viciado. É viciado, primeiramente, na etapa de avaliação. Os processos na CTNBio são realizados por um conselho de 27 cidadãos brasileiros de reconhecida expertise técnica, ou seja, especialistas das áreas que a Biossegurança mantém contato. Tais especialistas, entretanto, estão em nível técnico semelhante ao de leigos quando se trata de alimentos transgênicos, na maioria dos casos. A própria característica de inovação da manipulação genética, já anteriormente explicada, fato gerador da necessidade de regulação, é também motivo pelo qual os especialistas detêm pouco conhecimento. Aí reside o primeiro vício. Dele decorre o segundo vício. Este, por sua vez, na etapa de deliberação. Aqueles mesmos especialistas que possuem conhecimento próximo ao dos leigos, ou seja, do restante da sociedade, tomam as decisões que irão controlar os riscos inerentes aos transgênicos. Vale lembrar, que dentro desses riscos desconhecidos existem aqueles que são de danos graves ou irreversíveis. A agência reguladora, mediante a competência atribuída a ela por lei, delibera em nome da sociedade, mas esta sequer tem algum pode decisório como pode ser percebido conforme o artigo 11, §10.[27] Desta forma, aquilo que se pode inferir da forma como está organizada a instituição é que existe uma presunção de que a sociedade estaria disposta a correr os riscos relativos a inovações, ou seja, estaria disposta a correr o risco de desenvolvimento. Esse segundo vício, ainda que decorrente da incompetência técnica dos especialistas, também pode ser entendido separadamente ao se notar uma falta de processo democrático em algo que afeta a sociedade como um todo quanto cada pessoa individualmente.

5.     CONCLUSÃO

Procuramos apontar nesse ensaio inicialmente a insuficiência da responsabilidade civil que veio e tende ainda mais a perder sua função dissuasória, especialmente, diante da diluição dos danos. Esta, por sua vez, decorre naturalmente da forma como estão estruturadas as instituições atuais. Tal insuficiência gera necessidade regulatória, i.e., a necessidade de prevenção de danos, é o que a que se propõe a biossegurança.

Entretanto, a forma com que as instituições garantidoras da biossegurança estão estruturadas no Brasil é viciada. O primeiro vício decorre da falta de informação dos próprios especialistas quanto ao assunto da manipulação genética, em especial, alimentos transgênicos. O segundo vício é um deficiência trilateral de informação, ou seja, a sociedade não possui informação, assim como os especialistas, quanto aos próprios transgênicos e a manipulação genética; não possui a informação de que os próprios especialistas desconhecem quanto a riscos do tema; e, finalmente, desconhecem quanto à natureza dos produtos que consomem – se são ou não transgênicos[28]. Por trás de ambos os vícios, está a presunção de assunção dos riscos desconhecidos pela sociedade que é necessária em tal arranjo institucional, que impossibilita a participação efetiva da sociedade.

A primeira conclusão que se pode retirar das análises feitas é que os reguladores possuem importância maior em um cenário de prevenção, quando os riscos são conhecidos, do que em um cenário de precaução, quando não o são. O caso, porém, pela própria natureza dos alimentos, é um caso de precaução.

Para a correção de tais vícios decorrem duas soluções. A primeira delas é de especialistas ainda mais especializados. Ora, tal solução, embora possível no plano das ideias, não é praticável, já que os especialistas não desconhecem por uma falha em sua formação, mas por uma falha no conhecimento humano como um todo – devido ao grau de desenvolvimento em que a tecnologia se encontra. Este não é suficientemente avançado para que sejam conhecidos os riscos dos alimentos transgênicos. Essa solução resultaria em um conserto na etapa de avaliação no modelo de gestão de risco.

Outra solução possível se dá no plano da deliberação. Em uma sociedade democrática, não se pode exigir que a população se sujeite a riscos sem sequer saber que  a eles se sujeita. Agir em tal grau de assimetria informacional prejudica o próprio princípio de liberdade, já que não é possível fazer escolhas quando não se sabe o que se escolhe.

A primeira etapa dessa solução consta da divulgação abrangente do desconhecimento por parte dos especialistas. A segunda, envolve exigir que se disponibilize ao público informações quanto a natureza o produto que consomem. Finalmente, a terceira e mais importante etapa, é a de implementação de mecanismos institucionais que permitam, em algum grau, participação popular efetiva, não só nas discussões, mas, principalmente, nas deliberações quanto aos alimentos transgênicos. A não ser que assim ocorra, a biossegurança falha em seu objetivo primário e essencial e se torna incompatível com o Estado Democrático de Direito e as garantias constitucionais brasileiras.

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Sobre os autores
Rafael Parisi Abdouch

Advogado. Bacharel em Direito pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito SP). Intercambista de graduação na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), em Portugal. Mestrando em Direito do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo São Francisco).

Thiago Chateaubriand Bandeira de Melo

Thiago Chateaubriand Bandeira de Melo é graduando em direito pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito SP) e em Administração Pública pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo (EAESP-FGV/SP).

Alexandre de Carvalho Torres

Alexandre de Carvalho Torres é graduado pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito SP).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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