FLEXIGURANÇA:
Uma análise sobre os limites a flexibilização do Direito do Trabalho no atual cenário Brasileiro.
Por Jessica Lages e Camila Costa
Sumário: Introdução; 1. O fenômeno da flexigurança, 1.1. Do aspecto histórico à atualidade; 2.Correntes Doutrinárias, 2.1 Favóravel, 2.2 Desfavorável, 2.3. Moderada; 3.A Flexigurança e seu limites no Ordenamento Jurídico; Conclusão; Referências.
RESUMO
O presente trabalho tem como intuito esclarecer o fenômeno da flexigurança dentro do Direito do Trabalho, o qual tenta conciliar a flexibilização e a segurança no mercado. Visa discorrer sobre seus pros e contras sob a visão de doutrinadores do assunto, bem como sobre os limites que o ordenamento jurídico Brasileiro prevê.
Palavras-chave: Flexigurança. Direito do Trabalho. Limites.
INTRODUÇÃO
O Direito do Trabalho sempre se fez ferramenta apta a reduzir a desigualdade existente entre empregador, figura que detêm autoridade no labor e empregado, parte hipossuficiente da relação que por vezes se submete a determinadas situações contra sua vontade para a manutenção de seu emprego, sendo esta uma das razões da relevância deste ramo do direito responsável por regular mínimos legais aparando então a classe trabalhadora.
Com o intuito de escapar de uma possível crise econômica, foram sendo adotadas medidas para que houvesse a flexibilização dos direitos trabalhistas a partir do período pós-industrial, visando combater o atraso do desenvolvimento econômico e a crise conjuntural responsável por gerar aumento do índice de desemprego da época. (GIROTTO, p. 73, 2010)
Há que se atentar, porém, para o fato de que a flexibilidade normativa não se torne excessiva ao ponto de ameaçar direitos mínimos conquistados pela classe trabalhadora ao longo de todos esses anos, se fazendo necessária a limitação das medidas flexibilizadoras para que não se tornem demasiadas e assim a determinação de direitos intocáveis por ela. (GIROTTO, p. 73, 2010)
A flexigurança consistiria numa forma global de política ou mesmo de modelo econômico do mercado de trabalho que se valeria de disposições contratuais flexíveis, “que facilitem novas contratações e despedimentos.” Por outro lado, os trabalhadores teriam a segurança de encontrar um novo emprego mais facilmente caso se desempregassem, já que estariam amparados por políticas ativas de formação e criação de empregos. (FÓRUM EUROPA PORTUGAL)
Ressalta-se ainda que tal fenômeno teria pros e contras. De um lado haveria a compensação da classe trabalhadora ao ser demitida, gerando ônus aos cofres públicos, que consequentemente geraria elevação dos valores de imposto, enquanto que por outro lado estaria havendo uma recolocação do trabalhador em novo posto de trabalho como um “direito programático de eficácia duvidosa”. (NETO, p. 2)
A corrente favorável à flexibilização das normas de Direito do Trabalho se posiciona de maneira otimista, argumentando que as medidas adotadas devido as crise podem trazer benefícios à sociedade, aumentando o número de empregos permitindo que o reajuste da empresa à nova realidade econômica sem que haja gastos a mais. A desfavorável argumenta de maneira a desestimular a flexibilização que viria a diminuir os direitos conquistados pelos trabalhadores, o que deveria ser rechaçado e denunciado como obra que diz ser do empresariado para reduzir as conquistas históricas obtidas por meio de tanto esforço. (ROMITA, 2008, p. 32-33)
1 O FENÔMENO DA FLEXISSEGURANÇA
1.1 Do aspecto histórico à atualidade
O fenômeno da flexissegurança, ou flexigurança segundo alguns o denominam, pode ser definido como uma releitura da relação laboral. É o antônimo de rigidez, segundo o autor José Martins Catharino (1997, p. 49), se dissociaria da mencionada rigidez, característica de anteriores legislações trabalhistas, pois teria como principal objetivo “a conciliação de dois valores sensivelmente antagônicos quais sejam a flexibilidade do mercado de trabalho e a segurança dos trabalhadores contra o desemprego” (NETO, 2009, p.1).
A aplicação da flexisegurança seria como uma terceira opção, sendo as duas primeiras a total desregulamentação, característica do sistema norte-americano, e segunda a segurança do emprego, que surgiu a partir da constitucionalização dos direitos sociais, encontrada da Constituição Federal do Brasil de 1988. O modelo da flexisegurança atual vem a partir de modelos aplicados na Suécia, Holanda e principalmente Dinamarca (NETO, 2009, p.3).
No que concerne ao fator histórico responsável pela ascensão e difusão do fenômeno flexisegurança tem-se como principal combustível a crise do euro enfrentada pelos países europeus desde meados do fim da primeira década dos anos 2000, crise que perdura até os dias atuais com suas respectivas consequências não somente econômicas mas também políticas e sociais para os países afetados. O jurista português Ricardo Nascimento discorre acerca da flexisegurança em sua obra “flexisegurança ou flexibilizar a insegurança?” a partir da visão da comunidade europeia e do papel que a flexisegurança teria dentro da crise, o de apaziguar os sintomas. O mencionado jurista critica a visão de muitos sobre o fenômeno da flexisegurança que a julgam “uma receita mágica”, segundo as próprias palavras do autor.
Assim dispõe o renomado jurista:
“A flexisegurança, conceito importado da Dinamarca trata-se aos olhos de muitos, de uma receita mágica para o gravíssimo problema de desemprego europeu. Neste modelo, quanto maior for a flexibilidade, maior proteção será dada aos trabalhadores e é na experiência dinamarquesa e de outros países do norte da Europa que se encontra o mais elevado nível de apoio ao desempregado, ao mesmo tempo que se dá aos empregadores mais flexibilidade nos despedimentos” (NASCIMENTO, 2007, p.1)
Segundo o autor Lucas Tropieri Rodrigues, entre o termo flexigurança, ou flexissegurança, e flexibilização trabalhista “não há uma distinção real ou significativa” visto que essa última já vem sendo debatida a anos e o termo flexigurança é deveras novo alguns autores buscam distinções entre os dois. No entanto, o surgimento do termo flexigurança e variações “trata-se de uma tentativa de dar ênfase ao termo segurança, garantia de que os interesses básicos operários serão preservados – é mais um instrumento retórico do que uma nova figura jurídica”. (2014, p.1)
É importante ainda diferenciar o termo flexigurança da desregulamentação. A corrente flexibilizadora “defende o fim da rigidez do ordenamento laboral com a preservação do conjunto mínimo de direitos indispensáveis para o desenvolvimento da vida digna do trabalhador – conforme o princípio da dignidade humana”. O instituto da desregulamentação, por sua vez, “defende o fim do ordenamento protetivo com o mercado se regulando – no aspecto laboral – de forma totalmente livre, sem qualquer amarra jurídica.” (RODRIGUES, 2014, p.1)
Voltando a conceituação da flexigurança, está se define pela maleabilidade e não pela total extinção de legislação regulamentadora das relações de trabalho, mas pela diminuição de sua rigidez. Uriarte afirma ainda:
“Em termos gerais no âmbito do Direito do Trabalho, a flexibilidade pode ser definida como eliminação, diminuição, afrouxamento ou adaptação da proteção trabalhista clássica, com a finalidade – real ou pretensa – de aumentar o investimento, o emprego ou a competitividade da empresa.” (URIARTE, 2002, p.9)
Nas palavras de Uriarte, a intenção da aplicação da corrente flexibilizadora tem por fim aumentar o investimento, emprego ou a competitividade da empresa, no entanto, é importante lembrar que o fim principal deve ser “flexibilizar ainda mais a mobilidade do emprego, facilitando as formas flexíveis de contratação e a dispensa sem ônus e, de outro, compensar a classe trabalhadora, através de um robusto seguro-desemprego aliado a uma rigorosa política de recolocação de trabalho”, tendo em vista que a flexigurança surge em tempos de crise para proporcionar uma maior proteção ao empregado, sem prejudicar em demasia o empregador, e ainda possibilitando uma diminuição nas taxas de desemprego, se não uma diminuição ao menos a estagnação de referidas taxas. (NETO, 2009, p.1)
Como mencionado em linhas anteriores o modelo atual difundido de flexisegurança tem como origem modelos aplicados em países europeus como a Dinamarca, Suécia e Holanda, tal informação é importante para analisar a aplicabilidade no Brasil do que prega a corrente flexibilizadora.
Primeiramente o que deve ser analisado é a real proposta da flexisegurança. Basicamente ela busca direcionar para o Estado o ônus que o empregador teria ao dispensar um empregado. A corrente defensora de tal proposta afirma que ao eximir o empregador de tais custos novas vagas de emprego surgiriam porque seria mais fácil contratar já que será menos dispendiosa demitir. A corrente busca também proporcionar segurança ao empregado já que todo o ônus econômico de relações de trabalho estará as custas do Estado. Basicamente, em linhas gerais, é isso que a flexisegurança propõe.
Como exposto, o Estado tem um papel muito importante ao ser aplicada a flexisegurança nas relações de trabalho de um país, consequentemente é necessário haver um Estado forte que proporcione confiança aos cidadãos e não somente confiança mas que também cumpra o que se propõe a fazer.
A partir disso é possível perceber que é inviável a importação integral e sua aplicação no Brasil de um modelo oriundo e utilizado em países do norte europeu em que o governo demonstra-se muito diferente do brasileiro. Não somente o governo e as formas como se dão as relações políticas na Dinamarca, por exemplo, são muito distintas da forma como ocorre no Brasil mas também a sociedade dinamarquesa e como se constitui a interação entre empregado e empregador são diversas. A aplicação da flexisegurança roga por uma adaptação a situação política, social e econômica de cada país.
Acerca da aplicação da flexisegurança no Brasil Dallegrave Neto destaca que “o problema do desemprego não se combate com a flexibilização ou precarização das relações de trabalho, mas antes pelo aquecimento da economia e por uma política que reduza os encargos previdenciários sobre a folha de pagamento” (NETO, 2009, p.3/4)
2 CORRENTES DOUTRINÁRIAS
Partindo-se da classificação de Crespaldi (2003, p.30-38) existiriam três correntes a respeito da flexibilização das relações de trabalho: a favorável, a desfavorável e a moderada, sobre as quais se trata a seguir.
2.1 Favorável
Os que defendem a flexibilização, argumentam que existiria uma segmentação no mercado de trabalho, como se fossem dois grupos distintos. Um grupo de trabalhadores com segurança no emprego e direitos assegurados, enquanto outro possuiria estatuto precário, direitos reduzidos ou até seriam excluídos do mercado de trabalho. A razão para tal precariedade seria justificada pela chamada “rigidez excessiva dos contratos de trabalho”, que tornam as contratações demasiadamente caras e se fossem estes contratos flexibilizados as empresas contratariam mais trabalhadores, pois gastariam menos para tanto. (MORAIS, 2007)
Defendem então a alteração do contrato de trabalho em diversas formas, como por exemplo, em relação à facilitação de despedir o empregado, por outro lado, promoveria medidas activas de emprego. (MORAIS, 2007)
Siqueira Neto (apud DORNELES, 2002, p. 137) entende que os adeptos da flexibilidade das normas trabalhistas tem como justificativa principal a adaptação do país aos padrões de concorrência internacional travada em uma realidade de economia considerada globalizada. O direito do trabalho seria excessivamente rígido e não incentivaria a produtividade devido ao intervencionismo exacerbado do Estado incapaz de atender então à dinâmica do “novo mundo”.
Romita (2008, p. 10) considera inevitável a solidificação do movimento da flexibilização. Segundo ele muitos estudiosos contra tal fenômeno, que primam por novas leis rígidas, estariam tentando parar o vento com as mãos, já que a flexibilização operaria seus efeitos independentemente do que os teóricos manifestassem, por ser fruto de transformações políticas e econômicas.
Na visão de Crepaldi(2003, p.57-58) flexibilizar significaria:
“causar transformações nas regras existentes, atenuando a influencia do Estado, diminuindo o custo social da mão de obra, mitigando certas regras que não ofendem a dignidade do ser humano, mas velando por um standart minimum indispensável, mediante a patenta desigualdade existente entre empregados e empregadores.
Pastore defende a flexibilização por acreditar que a redução dos encargos trabalhistas geraria menos demissões em momentos de crise, já que poderia haver uma negociação, chegando a dizer que: “para o mesmo custo total do trabalho as empresas tendem a empregar mais quando os componentes de custos fixos são baixos.” (PASTORE, 1994, p. 139)
Outros como Uriarte (2002, p. 9) alegam que a flexibilização do direito do trabalho seria uma diminuição, afrouxamento ou ainda adaptação da proteção trabalhista clássica que como primaria –real ou pretensamente- por aumento do investimento, de emprego ou competitividade da empresa.
2.2 Desfavorável
Os que se portam contra a flexibilização argumentam que seria impossível imaginar que esta seria realizada em benefício dos trabalhadores que tem perdido empregos, salários e garantias. Com o aumento do desemprego, as empresas acabam tendo mão de obra barata à disposição, pois é formado o chamado “exército de reserva”, o que favorece tão somente os capitalistas. Se os recolhimentos previstos pela legislação social diminuírem perderam os trabalhadores e os empresários aumentaram sua margem de lucro, cabendo ressaltar que estes são um dos poucos benefícios garantidos pelo Estado em prol desta classe. (AGUIAR, 2009)
Pochmann (1999, p.180) segue o seguinte entendimento:
“As alterações no mercado de trabalho também contribuem ainda mais tanto para fragilizar a organização tradicional dos trabalhadores quanto para favorecer a difusão de mudanças nas legislações social e trabalhista. Ao minar a base de garantia dos direitos do trabalho e de proteção social, coloca-se em risco a solidariedade das classes trabalhadoras. Com a escassez de empregos e a ampliação da concorrência nos mercados, trabalhadores de outras empresas podem ser vistos como concorrentes e a empresa como uma corporação capaz de atendimento plenamente dos seus anseios” (POCHMANN, 1999, p.180).
O que muitos temem é a diminuição dos direitos dos trabalhadores que lutaram por décadas para conquistá-los. Essa segunda corrente aponta que a legislação do trabalho já é suficientemente flexível e aumentar tal flexibilização só acarretaria em prejuízos ao trabalhador. (ROMITA, 2008, p. 31)
Os trabalhadores se encontram em uma situação de hipossuficiência que exige que a regulamentação seja pela via legislativa por meio de normas imperativas que só admitem derrogação para melhor e nunca para pior. Os mínimos só podem ser ampliados em favor dos trabalhadores por meio de negociação coletiva ou estipulação contratual individual. (ROMITA, 2008, p. 31)
O Direito do Trabalho tem como finalidade segundo esta corrente reivindicar, não admitindo que os direitos já conquistados sejam reduzidos. Não podendo, pois retroceder, deve buscar ampliar os direitos dos trabalhadores. (ROMITA, 2008, p.31)
2.3 Moderada
A corrente moderada defende a flexibilização por meio de negociações coletivas, ou seja, através de acordos e convenções coletivas, já que assim riscos seriam evitados. Segundo eles deve haver um respeito à autonomia privada e igualmente sua valorização plena. Os trabalhadores e seus empregados estariam sujeitos a regras mínimas que deveriam ser atendidas podendo regular entre si por acordo o que fosse além do tratado mínimo previsto legalmente. (CREPALDI, 2003, p. 69-70)
Sobre a corrente moderada, na visão de Romita (2008, p. 36):
Ameaçado por duas vertentes opostas (o excesso de flexibilização conduz à desregulamentação, assim como a recusa de qualquer flexibilização produz a supressão da autonomia individual e coletiva), o Direito do Trabalho se vê sitiado pela anomia (ausência de direito) e pela hipernomia (excesso de direito), o que elimina qualquer possibilidade de racionalidade jurídica. É de rigor fixar um meio termo, reconhecer que ambas as correntes antagônicas resvalam para excessos que devem ser evitados: um mínimo de garantias deve continuar sendo assegurado por lei aos trabalhadores, mas seu interesse na preservação do emprego (concretizado na viabilização da negociação em peius) há de ser amparado pelo ordenamento.
Para Valente (2004, p. 440) independentemente se ser adepto ou não da flexibilização deve-se reconhecer que o próprio capital sempre exigiu a quebra na rigidez da contração do trabalho, até porque não esta direcionado o ataque contra a intervenção estatal em sua regulamentação dos direitos sociais, mas apenas à sua rigidez, de maneira que as regras sejam mais flexíveis, ou para outros, que tenham pouca efetividade.
3. A FLEXISSEGURANÇA E SEUS LIMITES NO ORDENAMENTO JURÍDICO
Os limites encontrados no ordenamento jurídico brasileiro não estão dispostos de forma expressa, mas sim implicitamente.
A CF/88 garantiu direitos mínimos ao cidadão, tais direitos mínimos são imutáveis e encontram-se expressos em cláusulas pétreas. Tais direitos mínimos abrangem também os chamados direitos sociais e consequentemente os direito do cidadão relacionados as suas relações de trabalho.
A flexibilização busca a mudança, a maleabilidades de direitos garantidos e dispostos não somente em leis infraconstitucionais mas também na CF/88. Justamente por uma mudança ser buscada é necessária a aplicação de limites para que no fim direitos imutáveis não acabem sendo retirados de seus detentores.
De acordo com Sarlet:
“Se por um lado a imutabilidade gera riscos no tocante ao atraso com relação as mudanças ocorridas na sociedade, também a garantia de certos conteúdos essenciais é necessária para que haja segurança jurídica e proteção aos casuísmos da política e das maiorias parlamentares” (2007, p.417-418)
Sarlet trata acerca da importância da imutabilidade de direitos essenciais, a priori tais direitos abrangeriam todos os direitos sociais inclusive os direitos possuídos pelos trabalhadores. No entanto, em sua obra “Direito Constitucional do Trabalho” Sussenkid destaca que cabe “ao interprete analisar o grau de fundamentalidade do direito social para enquadra-lo, ou não, na categoria dos direitos fundamentais”. (2004, p.90)
Já de acordo com o pensamento de Paulo Bonavides, os direitos sociais na verdade vem a fazer parte dos direitos fundamentais e acabam por “conceitualmente dilatar o sentido de direitos fundamentais” (1997, p. 594). Tal conceituação de Bonavides acaba por limitar ainda mais qualquer possibilidade de flexibilização referentes a direitos sociais e consequentemente direitos dos trabalhadores.
O artigo 7º da CF/88 está dentro do capítulo referente aos direitos sociais e dispõe acerca dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, são direitos que possuem status constitucional, portanto. De acordo com Girotto, a flexibilização e consequente retirada de tais direitos de um patamar constitucional imutável acarretaria um retrocesso social.
A flexibilização, no entanto, poderia incidir livremente sobre os direitos dispostos no artigo 7º somente em casos permitidos pela própria CF/88. A possibilidade de maleabilidade encontra-se nos incisos VI, XIII e no XIV do já mencionado artigo. Tais incisos referem-se respectivamente a “irredutibilidade salarial, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”, a “duração do trabalho normal não superior a oito horas e quarenta e quatro semanais” abrindo possibilidade para compensação de horários ou diminuição de jornada “mediante acordo ou convenção coletiva”, e por fim a “jornada de seis horas para trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva”.
O status constitucional imposto aos direitos do trabalhador “demonstra a preocupação do constituinte com a proteção social (...)” assim como a necessidade de preservação da dignidade humana dos trabalhadores, “impondo, dessa maneira, limites a tendência flexibilizadora” (GIROTTO, 2010, p.71)
Sendo assim, de acordo com o exposto fica claro que a flexibilização somente é permitida em situações especificas e unicamente mediante negociação coletiva.
Outro limite encontrado à flexibilização é a vedação ao retrocesso.
“Esse limite ao retrocesso consiste em considerar constitucionalmente garantido o núcleo de direitos sociais reconhecidos legalmente, sendo inconstitucionais quaisquer medidas flexibilizatórias que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzem, na pratica, numa anulação, revogação ou aniquilação desse núcleo essencial” (GIROTTO, 2010, p.71)
Girotto ainda destaca que “a disponibilidade dos direitos trabalhistas encontra limites nos direitos fundamentais, não podendo ser flexibilizados”. Ao equiparar os direitos dos trabalhadores aos direitos fundamentais o autor afirma ainda que aos mesmo não é possível aplicar a maleabilidade proposta pela corrente flexibilizadora, sendo que tais direitos seriam “insuscetíveis de barganha, mesmo em sede coletiva” (GIROTTO, 2010, p.71).
Por fim, é de grande importância expor o pensamento de Mauricio Godinho Delgado, que de forma bem ampla, discorre acerca da aplicação de limites a flexibilização de leis trabalhistas, que como já fora demonstrado anteriormente são direito sociais. Para o renomado doutrinador, somente pode ocorrer a prevalência de normas autônomas coletivas sobre a legislação estatal quando há a “implementação de um padrão setorial de condições trabalhistas superior ao padrão estabelecido pela legislação heterônoma aplicável” ou quando discute-se “direitos indisponíveis relativos”. Godinho destaca ainda que “os direitos de indisponibilidade absoluta são protegidos por uma tutela de interesse público, sendo irrevogáveis, sob pena de atentar contra a própria dignidade humana e valorização mínima do trabalho consagrada constitucionalmente” (DELGADO, 2013, p. 1320-1321).
4 CONCLUSÃO
A flexisegurança tem como principal objetivo a estabilização do mercado de trabalho oportunizando a abertura de novas vagas através da flexibilização de leis trabalhistas, beneficiando os empregadores, mas ao mesmo tempo proporcionando segurança ao empregados. Como fora explanado, a corrente flexibilizadora tem sido vista ou como formula mágica para solucionar problemas de economias em crise por uns ou com desconfiança por outros.
O fato é que a flexibilização de leis trabalhistas conquistadas a tão duras penas pela classe trabalhadora pode ser um preço muito alto a ser pago, tendo em vista que a segurança oferecida nem sempre será efetivamente cumprida e as novas oportunidades de emprego que a corrente flexibilizadora afirma que irão surgir podem não compensar os direitos flexibilizados, modificados, ou como foi dito em capitulo anterior rebaixados de seu status constitucional.
A partir de uma análise mais profunda do que constitui a flexisegurança, se percebe que, na verdade, a flexibilização da legislação trabalhista causa um bem muito maior a iniciativa privada do que ao proletariado, facilita a vida da iniciativa privada ao possibilitar que as condições de trabalho se tornem mais precárias ao ter como objetivo o cumprimento da política de flexibilização. No fim das contas, as vantagens ao empregador serão muito maiores do que as vantagens ao empregado.
A rigidez no contrato de trabalho é o principal questionamento dos defensores da flexibilidade trabalhista. Afirmam a primeira ser prejudicial, pois se houvesse a dita flexibilização haveria menor dispêndio na contratação de empregados e então o número de empregos aumentaria, já que as empresas contratariam mais, além de afirmarem que esta seria a maneira de atender às novas mudanças ocorridas no mundo. Há entendimentos de que em momentos de crise seria a melhor solução, tendo em vista que facilitaria a negociação entre empregado e empregador sem que houvesse a necessidade de dispensá-lo. Mesmo que a contratação e o despedimento fosse mais fácil, em contrapartida os empregados ficariam amparados por políticas ativas do governo.
Contra a flexibilização dos contratos de trabalho existem argumentos no sentido de que seria responsável por diminuir direitos conquistados pelos trabalhadores ao longo dos anos, além de já seria a legislação suficientemente flexível e sua alteração iria trazer prejuízos aos trabalhadores e benefícios somente a classe empregadora que teria mão de obra mais barata a sua disposição. A corrente moderada por sua vez sustenta que devem ser estimuladas as negociações coletivas para flexibilizar o contrato de trabalho, vez que assim riscos seriam evitado e o mínimo legal resguardado.
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