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Embriaguez e direção perigosa: a aplicação da Lei Seca e o conflito entre princípios e direitos constitucionais

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Agenda 23/02/2015 às 09:42

3. OS CRIMES PREVISTOS NO CTB

O Código de Trânsito Brasileiro possui outros crimes previstos além daquele preceituado no art. 306, contudo, o foco do presente estudo é a embriaguez ao volante, por esse motivo, no que tange aos crimes do CTB, a análise deveria se restringir ao artigo supracitado. Entretanto, dois outros crimes devem ser analisados em função da conduta estar intimamente relacionada a prática do crime de embriaguez ao volante, quais sejam, os crimes dos arts. 302. e 303, que tratam, respectivamente, do homicídio culposo e da lesão corporal culposa, ambos na direção de veículo automotor.

É importante salientar que o crime de homicídio culposo e de lesão corporal culposa, previstos, respectivamente, nos arts. 302. e 303 do CTB, quando praticados em através de uma só conduta associada a embriaguez no volante, o crime do art. 306. do CTB é absorvido pelos crimes supracitados. Isso ocorre porque o crime do art. 306. do CTB é classificado como crime de perigo. Dessa forma, o condutor apenas responde pelo homicídio culposo ou pela lesão corporal culposa, o que raramente acarreta condenação em razão das baixas penas preceituadas. Indubitavelmente, a legislação deveria prever uma distinção entre o crime de homicídio culposo e de lesão corporal culposa e os mesmos crimes associados a embriaguez.

Não obstante o CTB atualmente não prever um crime de homicídio culposo ou de lesão corporal culposa associado ao consumo de bebida alcoólica ou de qualquer outra substância psicoativa. No entanto, nem sempre foi assim, a redação original do art. 302. do CTB foi alterada por duas vezes: na primeira, através da Lei 11.275/2006, houve a inclusão do inciso V, que previa como causa de aumento de pena a embriaguez ao volante; já na segunda alteração, a Lei 11.705/2008 revogou o inciso mencionado.

Diante dessa revogação, surgiu uma controvérsia doutrinária: para a primeira corrente, havia ocorrido uma novatio legis in mellius, logo, deveria retroagir aos fatos pretéritos à vigência da lei; para a segunda corrente, a exclusão do inciso V do art. 302. do CTB evitaria a regra de aplicação do Princípio da Consunção, uma vez que o crime de homicídio culposo e o crime de embriaguez ao volante protegem bens jurídicos diferentes, o que autorizaria a aplicação do concurso material de crimes. Desse modo, o condutor que dirige embriagado e provoca uma lesão corporal ou mesmo a morte de outrem responderia na forma do concurso material entre o crime do art. 302. ou do art. 303. combinado com o art. 306. , todos do CTB.

Vale dizer que o Projeto de Lei do Senado nº 48 de 2011 previa a alteração na redação do art. 306, incluindo qualificadoras nas hipóteses em que a conduta de dirigir embriagado causasse lesões corporais ou mesmo morte. Ressalte-se que esse projeto foi arquivado em 03 de maio de 2012, em virtude da aprovação do Projeto de Lei nº 5.607, de 2009, convertido na Lei 12.760/2012. É difícil entender qual é a relação de um projeto de lei com outro, uma vez que as alterações trazidas pela Lei 12.760/2012 em nada modificariam o teor das alterações acarretadas pelo Projeto de Lei do Senado nº 48 de 2011 se efetivamente fosse aprovado. A única coisa que resta absolutamente clara é a ausência de vontade legislativa no sentido de tornar as penas dos crimes relacionados ao consumo de álcool mais gravosas.

Há quem sustente a existência de desproporcionalidade entre as penas previstas no Código Penal e as do Projeto de Lei do Senado nº 48 de 2011, todavia, o legislador assim o desejava exatamente com o fulcro de coibir o hábito de dirigir e assumir a direção de um veículo automotor.

Cumpre observar que a vontade do Congresso Nacional não coaduna com a vontade social. Há inúmeros relatos nos quais os cidadãos exigem uma legislação mais rígida e penosa para aqueles que matam ou mutilam após a inadequada combinação de álcool com a direção de veículo automotor. Mas, enquanto, a vontade do povo não prevalece na lei, é necessária a análise dos arts. 302, 303 e 306, todos do CTB, de acordo com o texto vigente.

Com frequência tem se observado a aplicação do crime de homicídio doloso ou de lesão corporal dolosa, com base no dolo eventual, ao invés da aplicação dos crimes preceituados nos arts. 302. e 303, do CTB. Apesar da imensa vontade dos delegados em aplicar uma pena maior ao crime cometido pelo condutor embriagado, é necessário salientar que essa aplicação torna-se inadequada quando se faz uma análise mais apurada sobre o dolo indireto eventual.

Certamente, o condutor que mata ou mutila não desejava tal resultado quando ingeriu o álcool e por essa razão não haverá o dolo direto. Mas o que dizer em relação ao dolo indireto eventual?

De acordo com as lições de BITENCOURT (2007, p. 271/272):

Haverá o dolo eventual quando o agente não quiser diretamente a realização do tipo penal, mas a aceitar como possível e até provável, assumindo o risco da produção do resultado (art.18, I, in fine, do CP). (...)

Sinteticamente, procura-se distinguir o dolo direto do eventual, afirmando-se que “o primeiro é a vontade por causa do resultado; o segundo é a vontade apesar do resultado”. (...)

É inegável que arriscar-se conscientemente a produzir um evento vale tanto quanto querê-lo: ainda que sem interesse nele, o agente ratifica ex ante, presta anuência ao seu advento”.

Logo, se conclui que o condutor ao ingerir álcool ou outra substância psicoativa e assumir a direção de veículo automotor, além de inobservar a lei, ele também não se importa com o resultado que irá obter com essa conduta ilegal. Por essa razão, muitos aplicam o dolo indireto eventual, porque o condutor não quis o resultado, mas admitiu a sua produção e assumiu o risco quando manteve sua conduta.

Mas não é bem assim, no que tange ao dolo indireto eventual, é preciso que se faça a análise da vontade do condutor no momento da ação ou omissão. Efetivamente, naquele momento havia a vontade de matar ou mutilar alguém? Obviamente que não, porque no momento em que ele praticou o crime não possuía nenhuma capacidade de discernimento. Portanto, não é possível a aplicação do dolo indireto eventual aos casos de homicídio e lesão corporal associados a embriaguez ao volante. Embora inadmissível essa aplicação, o condutor responde pelo crime, porque a falta de capacidade de discernimento não exclui a reprovabilidade da conduta do agente.

Para que se entenda a existência na reprovabilidade da conduta do agente, é necessária uma breve observação acerca do tratamento dado pelo Código Penal à embriaguez. De acordo com o art. 28, II, do CP, a embriaguez será voluntária ou culposa e pode ser decorrente da ingestão de álcool ou de substâncias análogas ao álcool.

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Doutrinariamente, a embriaguez pode se apresentar na forma de 4 modalidades: patológica, na qual há a dependência da substância (art. 26, caput ou art. 26, parágrafo único, ambos do CP); acidental, se trata da situação na qual a embriaguez provém de caso fortuito ou força maior, essa embriaguez pode ser completa (art. 28, §1º, CP) ou incompleta (art. 28, §2º, CP); preordenada, quando o agente se embriaga para cometer algum crime; e não acidental, que por sua vez pode ser voluntária ou culposa, na primeira, haverá a vontade do agente em ficar embriagado; já na segunda, o agente bebe, mas não tem a intenção de ficar embriagado, apenas é negligente.

Levando em conta as modalidades de embriaguez nas quais o agente possui a vontade de embriagar-se, quais sejam: a preordenada e a não acidental, voluntária ou culposa. É importante destacar que em ambos os casos o agente responde pelos resultados, em função da aplicação da actio libera in causa. Com essa aplicação, deve ser considerado dolo no momento do início da série de eventos que causaram o resultado e não no momento da ação. Dessa forma, o agente responde pelo resultado que produzir.

É necessário separar a embriaguez preordenada da não acidental, porque na primeira o agente tem o dolo desde o início, na verdade, ele se embriaga para executar o crime almejado, na segunda, pode haver o dolo de embriagar-se ou não, e é o que normalmente ocorre nos casos de embriaguez ao volante.

Salienta-se que, na conformidade com o Código Penal, a conduta do agente ébrio será considerada pelo elemento subjetivo do tipo penal que ele praticar, isto é, independentemente da embriaguez ser voluntária ou culposa. Assim, uma embriaguez culposa pode gerar um crime doloso, bem como uma embriaguez voluntária pode gerar um crime culposo.

Na hipótese do condutor embriagado cometer um crime, seja de homicídio ou mesmo de lesão corporal, o momento que deve ser considerado é o do início da série de fatos que acarretaram o resultado. Como não havia dolo de matar, nem de lesionar, obviamente não é adequar tais fatos como crimes dolosos.

O que não significa dizer que o condutor sairá impune. Não, ele responderá pelo crime culposo na forma do art. 302. ou art. 303. do CTB, até mesmo em observância ao Princípio da Especialidade.

Ora, pode parecer um tanto injusto, no entanto, o legislador assim o quis, na medida em que não legisla no sentido de criar as qualificadoras para o crime de embriaguez ao volante. Deve ser esse o motivo pelo qual tantos operadores do direito aplicam o dolo indireto eventual, porque não parece justo um condutor matar ou mutilar alguém e responder por um crime culposo. Na prática, somente 0,56% foram condenados. Apesar de tudo, essa aberração é a legislação vigente e é aquela que deve ser aplicada. Do contrário resta apenas à sociedade exigir que o Congresso Nacional faça efetivamente o seu papel.

Em relação ao crime do art. 306. do CTB, denominado crime de embriaguez ao volante, cumpre observar que, na redação original da Lei 9.503/1997, se tratava de um crime de perigo concreto.

É importante esclarecer que o crime de perigo se consuma simplesmente com a criação do perigo para o bem jurídico protegido, mesmo que não haja dano algum. E se for um crime de perigo concreto, é preciso que se comprove que o bem juridicamente protegido foi exposto ao perigo, isto é, deve ser demonstrada a probabilidade de ocorrência de dano. Por outro lado, o perigo abstrato é presumido juris et de jure, ou seja, não precisa ser comprovado, bastando a prática da conduta que pressupõe perigosa.

Com o advento da Lei 11.705/2008, foi retirado o seguinte trecho do art. 306. do CTB: “ expondo a dano potencial a incolumidade de outrem” Assim, o crime do art. 306, CTB deixou de ser de perigo concreto para se tornar de perigo abstrato. Tal alteração foi muito criticada pela doutrina, que sustentava que o legislador estava retrocedendo ao criar os tipos penais abertos e de perigo abstrato.

Ademais, o adiantamento da barreira de intervenção penal obedece a uma regra de experiência empiricamente constatada, na qual é possível afirmar a existência de perigo em determinadas condutas.

Acerca dos delitos de perigo abstrato, leciona SUMALLA (apud CALLEGARI, 2008):

“A criação desses tipos penais responde a uma opção político-criminal a favor do adiantamento de barreiras de proteção, que dá lugar a configuração de bens jurídicos espiritualizados, de natureza supra-individual, como é o da segurança no trânsito.”

Houve quem criticasse o fato de que o delito de dirigir embriagado seria apenas um caso de “imprudência sem resultado”. Tal argumento não procede, porque quando ocorre algum resultado, logicamente já houve a lesão ao bem juridicamente protegido.

Outro argumento alegado acerca do art. 306, CTB é que o referido artigo viola o Princípio da Ofensividade, na medida em que não se entende admissível aplicar a penalidade a alguém sem que, ao menos, esse agente tenha exposto outrem a um dano potencial. Ora, ao dirigir embriagado, o agente está colocando em risco a incolumidade pública, bem juridicamente protegido.

Além disso, o crime previsto no art. 306. do CTB não admite transação penal, de acordo com o art. 291, § 1º, I, do CTB, até mesmo porque a vítima é a coletividade, o que torna impossível qualquer transação.

O art. 306. do CTB também foi severamente criticado em função da formação de provas com o fito de configurar o crime de embriaguez ao volante, do mesmo modo como ocorreu com o art. 165. do CTB. Inclusive, parte da doutrina afirmou que a alteração trazida pela Lei 11.705/2008 dificultou a prova para configurar o crime de embriaguez ao volante, já que antes bastava a direção sob influência de álcool, desde que geradora de perigo a outrem. Por essa razão, ficou também mais difícil condenar pelo crime de embriaguez ao volante.

Em tese, para configurar o delito de embriaguez ao volante é necessária a realização de prova pericial, em razão da elementar objetivo-descritiva do tipo penal do art. 306. do CTB. Assim, cabe à prova demonstrar a ocorrência fática dessa elementar. Entretanto, de acordo com o Princípio “nemo tenetur se detegere”, que é o direito à não autoincriminação, é lícito ao condutor recusar-se a utilizar o etilômetro para comprovar a sua embriaguez.

Há quem diga que essa prova não pode ser suprida pela prova testemunhal, porque o art. 167. do CPP não dispensa a perícia se o tipo penal exigir a verificação de uma dosagem específica. Ademais, o corpo de delito é o próprio agente, logo, deverão ser observados os limites constitucionais e legais na obtenção de provas, o que significa dizer que necessariamente deve haver a anuência do condutor em fornecer as provas contra si mesmo. Além disso, o condutor deve ser orientado de que tem o direito de não produzir provas contar si mesmo, em aplicação analógica do direito ao silêncio, caso contrário, as provas obtidas serão ilícitas.

Por outro lado, há quem sustente que a prova testemunhal pode suprir o exame de corpo de delito. Isso porque o art. 158. do CPP determina a realização do exame do corpo de delito quando a infração deixar vestígios, todavia, quando não for possível a realização do exame do corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir essa falta. Portanto, se o condutor não utilizou o etilômetro, é perfeitamente cabível o suprimento dessa lacuna pela prova testemunhal. Vale ressaltar que a prova testemunhal deve preponderar à prova de dosagem alcoólica, porque o efeito de álcool sobre cada pessoa é relativo. Dessa forma, o condutor pode estar visivelmente embriagado, e ainda estar com sua dosagem alcoólica abaixo do limite permitido para configuração do tipo penal previsto no art. 306. do CTB.

Na prática, o agente público verifica se o condutor está embriagado através de uma breve entrevista, na qual ele constata sinais de embriaguez, tais como: sonolência, hálito com odor alcoólico, olhos vermelhos, agressividade, dispersividade, exaltação, fala alterada, dificuldade de equilíbrio etc.

Diante de alguns desses sinais, o agente público pode solicitar a utilização do etilômetro e em caso de recusa, poderá requerer a condução desse condutor ao departamento médico legal para que se faça a coleta do sangue. Se o condutor se recusar novamente, o agente público não poderá conduzi-lo coercitivamente, restará elaborar o termo de constatação de embriaguez.

Conclui-se, então, que para a realização do termo de constatação da embriaguez é necessário o preenchimento de 2 requisitos: o primeiro, que o condutor apresente notórios sinais de embriaguez, e o segundo, que ele se recuse a realizar qualquer um dos testes de alcoolemia.

Dessa forma, o agente público, acompanhado de 2 testemunhas lavra o termo de constatação da embriaguez no qual faz constar os notórios sinais de embriaguez verificados no condutor.

Esse termo servirá de embasamento para a aplicação da penalidade administrativa do art. 165. do CTB e também para a configuração do crime do art. 306. do CTB.

Para GOMES (2008), o condutor pode ser recusar ao teste de alcoolemia através do etilômetro ou por coleta de sangue, entretanto, não poderá recusar-se ao exame clínico. O doutrinador afirma ainda que a recusa aos testes de alcoolemia não ensejam a prisão em flagrante pelo crime de desobediência, preceituado no art. 330, CP, e sim a aplicação da penalidade administrativa do art. 165. do CTB.

É importante salientar que há evidências científicas na literatura internacional que estabelecem uma relação inversamente proporcional entre a utilização do etilômetro e os acidentes de trânsito, ou seja, quanto mais intensa fica a fiscalização com o uso do etilômetro, menor o número de acidentes com motoristas alcoolizados.

De acordo com os médicos DUAILIBI e LARANJEIRA (2008):

“Outro dado importante é que o uso indevido de álcool é a causa de aproximadamente de ¼ a ½ dos acidentes automobilísticos com vítimas fatais. (...) No Brasil, o álcool é responsável por cerca da metade dos acidentes graves de trânsito e os adultos com idade inferior a 30 anos são suas maiores vítimas”.

Também houve quem criticasse a utilização do etilômetro para aferir a concentração de álcool no sangue, sob argumento de que não havia previsão legal para isso, uma vez que o art. 306. do CTB mencionava somente o uso do exame de sangue e determinava que caberia ao Poder Executivo Federal regular as equivalências dos testes de alcoolemia. Partindo da premissa de que não havia previsão legal, muitos doutrinadores sustentaram a tese de violação do Princípio da Legalidade em relação à admissão do teste do etilômetro na comprovação da embriaguez do condutor.

Alguns desses argumentos em desfavor à Lei Seca chegaram à Audiência Pública presidida pelo Ministro Luiz Fux, nos dias 07 e 14 de maio de 2012. Essa Audiência Pública tinha o objetivo de obter informações técnicas a respeito da embriaguez associada à direção de veículo automotor para formar a instrução da ADI 4103. Efetivamente, a participação de diversos amicus curiae contribuiu muito para que a sociedade percebesse a gravidade do problema causado pelo consumo de álcool associado à direção de veículo automotor.

A questão da embriaguez ao volante é apenas uma faceta deste problema imenso denominado alcoolismo. Embora o hábito de ingerir bebida alcoólica seja uma conduta aceitada socialmente, é indubitável que se trata de um problema de saúde pública, que a sociedade somente irá constatar daqui a alguns anos, quando todos os reflexos do alcoolismo se fizerem presentes na saúde pública. Enquanto esses reflexos não são percebidos, resta apenas tratar da parte que se refere ao álcool associado à direção de veículo automotor.

O fato é que apesar da ADI 4103 proposta pela ABRASEL, e que salienta-se ainda não foi julgada, o Congresso Nacional converteu o Projeto de Lei nº 5607 de 2009 na Lei 12.760/2012, e aproveitou para modificar a redação dos arts. 165, 276, 277, todos do CTB, como já foi mencionado, assim como o preceituado no art. 306. do mesmo código.

A nova redação do art. 306. do CTB trazida pela Lei 12.760/2012 retirou o parágrafo único e transferiu a concentração mínima de 0,6 decigramas por litro de álcool no sangue para a configuração do delito de embriaguez ao volante prevista no caput para o inciso I do parágrafo 1º, e ainda trouxe sua equivalência para o teste do etilômetro, isto é, 0,3 miligramas de álcool por litro de ar alveolar. Além disso, no inciso II do parágrafo 1º foi inserida a redação que admite sinais notórios de embriaguez como prova do delito do art. 306. do CTB.

Cumpre destacar que além de inserir o parágrafo 1º, com o advento da Lei 12.760/2012 também foram inseridos os parágrafos 2º e 3º no art. 306. do CTB. Sendo que o parágrafo 2º consagrou o Princípio da Liberdade das Provas, na medida que admite qualquer prova para a caracterização do crime preceituado no caput do art. 306, CTB. Por sua vez, o parágrafo 3º trata da equivalência dos testes distintos de alcoolemia.

Feitas as alterações no texto legal, novas críticas apareceram, dentre elas, a impossibilidade de aplicação imediata da Lei 12.760/2012 em razão da ausência de regulamentação do CONTRAN, sob alegação de que o art. 306. do CTB com a nova redação tornou-se uma norma penal em branco. Entretanto, esse argumento não se sustenta, uma vez que as alterações trazidas pela Lei 12.760/2012 permanecem em conformidade com a Resolução do CONTRAN nº 206 de 20 de outubro de 2006, que ainda se encontra em vigência e além disso, a referida resolução repete as normativas previstas no art. 306, §2º, do CTB.

Assim, uma nova resolução do CONTRAN teria a função de preceituar quando seria admitida a condução coercitiva do motorista embriagado para a delegacia de polícia.

No que tange essa nova redação, GOMES (2012) salienta que se a infração deixar vestígios, o condutor deve ser levado para o Instituto Médico Legal para a realização de exame clínico, na forma do art. 167. do CPP.

Outra crítica proveniente da alteração do art. 306. do CTB foi o tratamento desproporcional dado ao condutor incurso no inciso I do parágrafo 1º em relação àquele incurso no inciso II do mesmo parágrafo. Para aqueles que sustentam essa tese, o crime previsto no art. 306, § 1º, I do CTB é de perigo abstrato, logo, é mais facilmente comprovado e em contrapartida mais dificilmente refutável após a produção de prova através do teste do etilômetro ou do exame clínico, enquanto o crime do art. 306, § 1º, II do CTB dependeria de comprovação casuística do perigo.

Segundo CABETTE (2013), a alteração legislativa trazida pela lei 12.760/2012 tornou anômalo o crime previsto no art. 306. do CTB, uma vez que o preceituado no inciso I no parágrafo 1º é um crime de perigo abstrato, enquanto o previsto no inciso II no parágrafo 1º trata-se de um crime de perigo concreto. O supracitado doutrinador acrescenta ainda que não há essa desproporcionalidade de tratamento e que se isso efetivamente ocorresse significaria dizer que o condutor que utiliza o etilômetro ou permite a coleta de sangue para aferição da alcoolemia seria tratado mais rigidamente que aquele em que se comprova a alcoolemia através dos sinais notórios de embriaguez, ou seja, por meio da lavratura do termo de constatação de embriaguez pelo agente público. A única diferença que se percebe entre os dois incisos mencionados é o modo de comprovação da embriaguez. Ademais, o condutor que utiliza o etilômetro nem sempre o faz por desconhecer o princípio de não autoincriminação, por vezes, o utiliza na esperança de comprovar uma concentração de álcool abaixo do limite permitido na legislação.

Convém mencionar que a nova redação do art. 306. do CTB também recebeu elogios. Para FONSECA (2012), a mudança mais importante foi a possibilidade de se presumir que o condutor do veículo está dirigindo embriagado. Aduz ainda que se trata de uma prova robusta o fato do condutor está com a capacidade psicomotora alterada.

Embora a alteração legislativa tenha o fulcro de facilitar a obtenção de provas relacionadas à embriaguez ao volante, o legislador perdeu uma importante oportunidade de corrigir a redação do art. 306, do CTB, aplicando qualificadoras para os crimes de lesão corporal e de homicídio, o que acarretaria na majoração das penas para aqueles que matam ou mutilam ao dirigir embriagados.

Apesar das críticas ao Projeto de Lei do Senado nº 48/11, não é possível coadunar com a idéia de desproporcionalidade com os crimes culposos do Código Penal, haja vista, a conduta de dirigir embriagado necessita de penas maiores que sejam capazes de diminuir o número absurdo de mortos por ano no trânsito relacionados à embriaguez.

O fato é que a possibilidade de outros meios de comprovação da embriaguez, que independam a anuência do condutor embriagado, contribuem para a efetividade na aplicação do Código de Trânsito Brasileiro, entretanto, resta saber se essa mudança será capaz de aumentar o número de condenações relacionadas aos crimes de embriaguez ao volante e principalmente de reduzir a estatística de mortes no trânsito relacionadas ao consumo de álcool.

Sobre a autora
Danielle Felix

Advogada Orientadora da Universidade Estácio de Sá. Pós Graduada em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes - RJ.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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