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Embriaguez e direção perigosa: a aplicação da Lei Seca e o conflito entre princípios e direitos constitucionais

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Agenda 23/02/2015 às 09:42

4. A APLICAÇÃO DA LEI SECA E O CONFLITO ENTRE OS PRINCÍPIOS E DIREITOS CONSTITUCIONAIS

Ao aplicar a “Lei Seca”, constata-se um conflito entre princípios e direitos constitucionais, dessa forma, torna-se necessária a ponderação entre eles, uma vez que nenhum direito fundamental é absoluto ou ilimitado. Ademais admitir que algum direito é absolutamente ilimitado seria o mesmo que negar todos os outros direitos.

Considerando o Princípio da Dignidade Humana como basilar da Constituição Brasileira, como avaliar o limite entre o exercício desse princípio pelo condutor embriagado e o limite de exercício do mesmo princípio em relação às vítimas dos acidentes ou à coletividade, como vítimas potenciais de uma conduta sabidamente perigosa? Quais direitos preponderam na situação fática? Que bens juridicamente protegidos devem prevalecer?

Analisando o conflito de direitos sob a ótica de defesa do condutor embriagado, é inquestionável a aplicação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto no art.1º, III da CRFB/88. Não obstante a relevância desse princípio, por vezes, admite-se sua mitigação, principalmente no que tange ao Direito Processual Penal.

É importante citar outros direitos aplicáveis ao crime de embriaguez ao volante decorrentes desse princípio, tais como: direito à inviolabilidade da intimidade, que outras palavras significa a proibição de intervenções corporais, ou seja, a coleta de sangue ou captação de ar para verificação da dosagem alcóolica sem a devida autorização; o direito individual de não autoincriminação e de não produção de provas contra si mesmo, devendo ficar explícito que o acusado pode colaborar com a produção de provas, o que é vedada é a coação para que ele forneça as provas; direito ao silêncio, isto é, o acusado possui além do direito ao silêncio, o direito de ser advertido sobre essa garantia de não depor contra si mesmo e ainda, esse silêncio não poderá ser interpretado em desfavor do acusado. Vale ressaltar que todos esses direitos possuem um único objetivo: a proteção da liberdade individual.

Além desses direitos, são aplicáveis também o direito ao devido processo legal, incluindo a aplicação dos seguintes princípios: do contraditório, da ampla defesa, da publicidade, da motivação, do juiz natural, porque possui aspectos complementares ao princípio do devido processo legal.

Em síntese, é possível observar a aplicação dos princípios supracitados tanto na aplicação da infração administrativa prevista no art. 165, do CTB, quanto na imputação do crime preceituado no art. 306, do CTB, na medida em que ninguém é forçado a coletar o sangue ou utilizar o etilômetro durente as fiscalizações das Operações da Lei Seca. Além disso, é assegurada a garantia ao devido processo legal, porque o condutor presumidamente embriagado a quem é aplicado as penalidades administrativas do art. 165. do CTB, ainda possui o direito de recorrer administrativamente antes da efetiva aplicação dessas penalidades. O que indubitavelmente também ocorre na esfera criminal.

Com efeito, poucos condutores embriagados são condenados, seja por falta de provas, seja pela impropriedade legislativa.

Em contrapartida, vislumbra-se diversos outros direitos aplicáveis às vitimas dos condutores embrigados e à toda coletividade, que, de certo modo, são vítimas potenciais. Dentre eles, o mais importante: o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Bem, o que dizer então do direito à vida? Obviamente, quando se trata de dignidade da pessoa humana, significa dizer que além da garantia à vida, o indivíduo possui também a garantia a uma vida digna.

Diante da preocupação dos juristas em assegurar a dignidade do condutor embriagado, o que é muito justo, surge a seguinte pergunta: Quem tutela a garantia à dignidade das vítimas amputadas ou mesmo mortas por esse condutor? Será que há dignidade na vida da vítima que ficou paraplégica porque um condutor entendeu que poderia beber álcool e dirigir? Provavelmente não, entretanto, ninguém deseja olhar sob esse ponto de vista, deve ser porque o hábito de ingerir bebida alcóolica é admitido socialmente, embora todos saibam que se trata de uma droga lícita.

Não parece proporcional admitir-se que um condutor tenha o direito de violar a lei, porque aquele que bebe e dirige já está violando a lei, e permaneça livre e incólume, enquanto a coletividade precisa ter a sorte de não cruzar o seu caminho. Até que ponto a liberdade de um indivíduo sobrepõe ao direito à incolumidade pública e à segurança viária?

Ora, é possível encontrar outros direitos que devam ser assegurados à coletividade , no entanto, o que prepondera sobre o direito à vida? Nem mesmo a liberdade, uma vez que o indivíduo pode perder sua liberdade em função da prática de delito. Ressalta-se que o direito à vida é tão firmemente protegido constitucionalmente que a pena de morte só é admitida sob exceção.

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Logo, em uma colisão de veículos, de um lado, observa-se o condutor embriagado e suas garantias constitucionais já mencionadas, por outro lado, se depara com o direito da vítima e de toda a coletividade à vida, à incolumidade física e à segurança viária. Indubitavelmente o direito da coletividade deve prevalecer, afinal o Estado, como guardião da ordem pública tem a obrigação de mitigar determinados direitos individuais com o objetivo de assegurar o bem comum, ou seja, os direitos individuais de cada pessoa que compõe a coletividade.

Um bom exemplo desse caso, menciona GARCIA (2008, p. 287):

A necessidade de conciliação dos direitos fundamentais com o interesse geral pode ser constatada no exame realizado pelo Conselho Constitucional francês no Caso Sécurité et Liberté. De acordo com a lei, os agentes da polícia judiciária, com o fim de prevenir atentados à ordem pública, poderiam solicitar a qualquer pessoa que comprovasse a sua identidade. Negada a solicitação, a pessoa, em caso de necessidade, poderia ser conduzida a um posto policial para que sua identidade fosse verificada, o que não ultrapassaria o lapso de seis horas. Alegava-se que as disposições impugnadas, cujo objetivo era reforçar a segurança e assegurar a liberdade das pesssoas, seriam inconstitucionais por violarem a liberdade individual. Considerando o fim visado, bem como que o meio utilizado não era excessivo, já que a identidade poderia ser comprovada por qualquer forma, acrescendo-se que a retenção da pessoa não excederia o tempo estritamente necessário a esse fim, entendeu o Conselho que a medida era necessária “para a salvaguarda de fins de interesse geral que tinham valor constitucional e cuja perseguição motivava a verificação da identidade”

O caso supracitado só evidencia que o direito à liberdade individual pode ser mitigado diante do direito coletivo, tal como ocorre no processo penal.

Desse modo, enquanto o legislador não melhora a redação do CTB e determina uma pena proporcional ao crime de embriaguez ao volante com resultado homicídio ou lesão corporal, segue-se aplicando a legislação atual, na certeza da pouca efetividade e consequentemente da impunidade para aqueles que violam às leis. Resta, no entanto, que em todas as demandas judiciais sejam avaliadas além da legislação específica e aplicável ao caso concreto, qual seja, o Código de Trânsito Brasileiro, todos os princípios e direitos constitucionais, principalmente, o direito à vida.


CONCLUSÃO

Com efeito, a questão da embriaguez ao volante ainda está longe de ser resolvida, não somente pelas atitudes dos condutores que insistem em violar a lei e desrespeitar o direito alheio, como também pela impropriedade legislativa.

É importante mencionar que não se pretende proibir a ingestão de bebida alcóolica, porque admitir tal restrição seria o mesmo que interferir na liberdade individual, o que inadmissível. O que se deseja com o endurecimento das penalidades e das penas relacionadas à embriaguez ao volante é obter a abstinência dessa ingestão quando o condutor tem conhecimento de que vai dirigir um veículo automotor. Obviamente que não é pedir muito, afinal quando o condutor dirige embriagado, ele coloca além da própria vida em risco, as vidas de todos que cruzam o seu caminho. As estatísticas expressam o tamanho da violência no trânsito ocasionada pela imprudência de alguns condutores.

Bem, a questão da embriaguez ao volante também tem um fundamento cultural ou social, na medida que a diversão está sempre associada à bebida alcóolica. E para mudar tal comportamento será necessário muito esforço no sentido de conscientizar a sociedade.

Antes de qualquer aplicação de pena ou penalidade após a fiscalização, há o momento em que o condutor decide violar a lei. Não seria mais fácil e mais correto simplesmente observar a lei? Se deseja beber, não dirija. Por outro lado, se deseja dirigir, não beba. É tão simples!

Enquanto não há essa conscientização e a aplicação de penas e penalidades mais severas a ponto de coibir futuras reincidências ou mesmo com o objetivo de servir de exemplo para que os demais condutores abandonem esse hábito de beber e dirigir, o que se espera é que haja a preponderação do direito à vida, à saúde, à incolumidade física e à segurança viária sobre todos os direitos constitucionais relacionados ao processo penal em cada demanda envolvendo a embriaguez ao volante. Não só pelo aspecto de defesa da coletividade, mas também pelo fato de que tais direitos não foram criados para garantir a impunidade e sim, para garantir a dignidade da pessoa humana, princípio basilar da nossa Constituição.


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Sobre a autora
Danielle Felix

Advogada Orientadora da Universidade Estácio de Sá. Pós Graduada em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes - RJ.

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