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Álcool e direção: a aplicabilidade da legislação penal e a diminuição dos acidentes de trânsito

02/12/2010 às 12:15
Leia nesta página:

A combinação álcool e direção é extremamente perigosa. Diariamente acompanhamos na mídia tragédias no trânsito envolvendo motoristas embriagados. Muitas dessas vítimas são os nossos jovens, que morrem por causa de uma conduta momentânea. A dinâmica de um acidente de trânsito acontece em segundos e se o motorista está com sua percepção prejudicada pelo álcool isso se torna um fator determinante. Basta digitarmos no site do YouTube as palavras "motorista bêbado" para vermos a grande quantidade de casos documentados. As tragédias noticiadas são fartas:

  • Motociclista morre após ser atingido por motorista bêbado1;

  • Motorista bêbado atropela toda família e mata bebê2;

  • Motorista bêbado atropela e mata três mulheres no ABC3.

Álcool e direção, definitivamente, não combinam.

No Brasil os acidentes de trânsito matam cerca de 40 mil pessoas por ano e deixam hospitalizadas em torno de outras 130 mil4, perfazendo um total anual de mais de 170 mil vítimas. É muita gente morrendo ou ficando sequelada/traumatizada. Uma parcela dessa cifra envolve motoristas que dirigiam sob efeito de álcool e/ou substâncias análogas. Esses acidentes causam anualmente à sociedade brasileira um custo de mais de 37 bilhões de reais5.

A lei 11.705/2008 alterou o art. 306. do Código de Trânsito Brasileiro, passando a exigir a comprovação de limite mínimo de concentração de álcool no sangue do motorista (6 decigramas por litro de sangue) para que a conduta de dirigir embriagado seja considerada crime. A partir de então criou-se uma errônea impressão de que se o motorista negar-se a realizar qualquer tipo de exame (bafômetro ou colheita de sangue para exames laboratoriais) ele restará impune penalmente, afinal vivemos em um Estado Democrático de Direito e ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo. Nas linhas a seguir tentaremos demonstrar que esse entendimento é falso. Apesar de o legislador ter estabelecido um limite mínimo de alcoolemia para a caracterização do crime, cremos ser possível que o condutor responda penalmente pelo ato de dirigir embriagado, mesmo em se reservando o direito de não produzir prova contra si mesmo.

A conduta de dirigir embriagado era prevista como infração administrativa no art. 89, III, do revogado Código Nacional de Trânsito (Lei 5.108 de 21 de setembro de 1966): É proibido a todo o condutor de veículo: III - Dirigir em estado de embriaguez alcoólica ou sob o efeito de substância tóxica de qualquer natureza. Na seara penal esse ato era classificado como a contravenção penal de direção perigosa, art. 34. - dirigir veículos na via pública, ou embarcações em águas públicas, pondo em perigo a segurança alheia.

Com o advento do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97), essa conduta passou a ser tipificada como crime no artigo 306 cuja redação original era a seguinte: conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem.

Em 2008 entrou em vigor a lei 11.705 que alterou o art. 306. do código, deixando de exigir do motorista a conduta de "expor a dano potencial a incolumidade de outrem" e passando a necessitar a comprovação técnica de um limite mínimo de concentração de álcool no sangue daquele condutor: art. 306. - conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.

Via de regra o agente policial averigua se o motorista dirige embriagado por meio de uma breve entrevista, onde ele verifica se existem os notórios sinais de embriaguez. Estes sinais foram classificados pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego e homologados pelo Conselho Nacional de Trânsito6 (sonolência, hálito com odor alcoólico, olhos vermelhos, agressividade, dispersividade, exaltação, fala alterada, dificuldade de equilíbrio, se sabe onde está e outros). Percebendo que o motorista apresenta os sinais o policial lhe solicita que faça o teste do bafômetro. Se houver recusa há a possibilidade de que ele seja conduzido a um departamento médico legal ou repartição equivalente a fim de colher sangue para exames laboratoriais ou ser submetido a exame clínico pelo perito médico legal. Havendo novamente a negativa (entendemos que o motorista não pode ser conduzido coercitivamente), o agente policial dispõe de um documento conhecido como "termo de constatação de embriaguez" para as providências na esfera administrativa (multa, retenção da carteira de motorista, etc) e ainda, em nosso entender, para as providências na seara penal quanto à contravenção de direção perigosa. Ressalta-se que a simples recusa do motorista em se submeter aos diversos testes (principalmente o bafômetro) não é motivo suficiente para o agente lavrar o dito termo de constatação. São necessárias duas condutas: que o condutor esteja com notórios sinais de embriaguez e que ele se recuse a realizar os testes. A partir daí é que o agente, acompanhado de duas testemunhas, lavra o termo onde faz constar os notórios sinais de embriaguez verificados e então toma as demais medidas.

Na esfera administrativa têm-se as medidas do art. 165. CTB - dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: multa (cinco vezes); suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Já em matéria penal se o motorista apresentar notórios sinais de embriaguez e se recusar a realizar os testes propostos, em nosso entendimento reafirmamos que persistirá a aplicação da contravenção penal de direção perigosa.

Quanto à aplicação dessa contravenção penal em casos de embriaguez ao volante a doutrina é dissonante, alguns autores se posicionando no sentido da exigibilidade de perigo concreto, como ensina Nucci: "o tipo exige, claramente, a ocorrência de perigo a segurança alheia, vale dizer, perigo concreto, dependente de prova da probabilidade de causar lesão a alguém7", e outros como Paulo Lúcio Nogueira, para quem basta o perigo abstrato, "é irrelevante que o agente crie um perigo real e efetivo em sua conduta, pois basta o simples fato de dirigir nesse estado o que representa um perigo previsível e potencial para a incolumidade pública. (Paulo Lúcio Nogueira – Contravenções Penais Controvertidas, pag. 37).

Valdir Sznick diz que "a contravenção se positiva com o simples fato de dirigir embriagado. A simples conduta já integra a contravenção. Assim perfaz-se a contravenção com o simples fato de dirigir embriagado sem necessidade de perquirir a existência ou não de perigo concreto8." Damásio de Jesus também entende que: "De acordo com a orientação prevalente, a contravenção do art. 34. é de perigo, prescindindo de dano material ou pessoal" (Lei das contravenções penais anotada, 10 ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 116).

A jurisprudência também não é pacífica. Há decisões afirmando que o art. 34. da Lei de Contravenções Penais foi inteiramente derrogado e há outros entendimentos no sentido de que a referida contravenção ainda é aplicável.

No Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o Desembargador Romero Osme Dias Lopes, em voto de sua relatoria, assim se manifestou:

Direção Perigosa.

O crime de direção perigosa previsto na Lei de Contravenção Penal, após o advento do Código de Trânsito Brasileiro foi revogado . Foram previstos no Código de Trânsito três delitos cujas condutas típicas, antes, encontravam adequação na contravenção de direção perigosa de veículo na via pública: embriaguez ao volante (art. 306), competição não autorizada (art. 308) e velocidade incompatível ou excessiva (art. 311). Inegável que o legislador pretendeu, com efeito, regular por inteiro a matéria no âmbito administrativo e penal. Além dos crimes de trânsito (arts. 302. a 312), previu exaustivo rol de infrações de ordem administrativa (arts. 161. a 255), muitas punidas com multa, suspensão do direito de dirigir e apreensão do veículo, e nas quais se encontrarão, seguramente, todas ou quase todas as condutas imagináveis, e que possam importar em direção perigosa de veículo pela via pública (e se amoldavam ao antigo art. 34. da LCP) e eventualmente não se ajustem aos crimes de embriaguez, racha ou velocidade incompatível (art. 306, 308 e 311). A contravenção do art. 34. da LCP, punida com prisão simples de quinze dias a três meses, ou multa, era sancionada, via de regra, na esmagadora maioria dos casos, com a mera pena pecuniária, que já não pode mais ser convertida em prisão em face da Lei nº 9628/96, não obsta o "sursis" (art. 77 , § 1º , do CP ), a transação penal prevista no art. 76 da Lei nº 9099 /95, e nem tampouco é considerada, por parte da jurisprudência, para efeito de gerar reincidência. Em termos de resultado punitivo, tornou-se pouco diante das sanções previstas para muitas das infrações administrativas. Igual situação se tem diante da contravenção do art. 32. da LCP, que aliás não prevê punição nem mesmo a título de prisão simples, limitando-se a sanção penal exclusivamente à multa.

É nítido, portanto, o propósito do legislador de abranger toda a matéria não só no âmbito administrativo, como em seus aspectos penais, ressalvada a aplicação de normas gerais do CP , do CPP e da Lei dos Juizados Especiais Criminais, no que couber (art. 291. e seu parágrafo único, do Código de Trânsito). Observe-se o que afirma a jurisprudência:

CONTRAVENÇÃO PENAL DE DIREÇÃO PERIGOSA. ART 34 LCP. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. NECESSIDADE DE PERIGO CONCRETO. SANÇÃO ADMINISTRATIVA. ARTIGO 34 DERROGADO PELO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO . 1. Duvidosa a ocorrência do delito, sendo ressaltada a existência de testemunha de defesa, negando a direção perigosa em consonância com a negativa de autoria por parte de réu. Destarte, os autos abrigam versões opostas, sendo estas elementos insuficientes para a condenação. 2. Esta Turma Recursal reconheceu recentemente, à unanimidade, a derrogação do art. 34. da LCP, sendo aplicável aos casos de direção perigosa que não tenham gerado perigo concreto de dano apenas a sanção administrativa prevista no art. 175. da Lei 9.503 /97.

(Recurso Crime Nº 71000802926, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Martinha Terra Salomon, Julgado em 21/02/2006);

No Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul há também entendimentos semelhantes:

APELAÇÃO CRIME. CONTRAVENÇÃO PENAL. DIREÇÃO PERIGOSA NA VIA PÚBLICA. ART. 34. DO DECRETO-LEI Nº 3.688/41.O novo Código Brasileiro de Trânsito, Lei nº 9.503/1997, passou a regular o direito penal nas vias terrestres nacional, disciplinando as infrações de trânsito, restando derrogado o art. 34 , da Lei das Contravenções Penais. Apelação improvida.

Recurso Crime nº 71001359470/2007. Relª Drª Angela Maria Silveira.

Já o Tribunal de Justiça de Alagoas, entendendo que o motorista embriagado não pode ficar impune penalmente, noticiou:

Motorista que se recusar a fazer ao exame pode responder por direção perigosa. Conhecida como Lei Seca, a lei 11.705/08, alterou o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), estabelecendo uma quantidade mínima de álcool no sangue, a partir da qual se torna crime dirigir. Entretanto, um precedente da Sexta Turma do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) questiona a aplicabilidade da legislação, já que o delito só pode ser configurado se houver uma prova técnica da dosagem de álcool no organismo. Agora, com a nova redação, é necessária a realização do testes do bafômetro ou de sangue para atestar a embriaguez. Essa foi uma medida que o legislador tomou para apertar a lei, mas que acabou causando algumas divergências no entendimento, afirmou o juiz da 14ª Vara Criminal da Capital Trânsito, Ferdinando Scremin Neto. A realização da perícia técnica torna-se ainda mais difícil, já que o condutor pode se recusar a fazer o teste do bafômetro. Porém, de acordo com o magistrado, mesmo havendo a rejeição ao exame o infrator não fica imune de responder judicialmente pelo ato perigoso. Em Alagoas, caso o motorista se recuse a fazer o teste, ele é encaminhado para o Juizado Criminal, onde irá responder por direção perigosa. Nesse caso, o policial que efetua a abordagem realiza um auto de constatação, analisando a situação em que se encontra o motorista e atestando a sua incapacidade para conduzir o veículo. Ou seja, só há alteração no tipo de crime, o infrator continua respondendo pelo risco que causa a coletividade, esclarece Ferdinando Scremin.9

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No Tribunal de Justiça de São Paulo há decisões afirmando que a contravenção penal de direção perigosa ainda subsiste:

CONTRAVENÇÃO PENAL - DIREÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO - "CAVALO-DE-PAU" - TIPICIDADE - "Direção perigosa de veículo na via pública. Motorista que executa manobra conhecida como ‘cavalo-de-pau’. Configuração: Ementa oficial: art. 34. da Lei das Contravenções Penais - Caracterização - Condenação decretada - A manobra conhecida como ‘cavalo-de-pau’ é das mais típicas da direção perigosa e, ainda que dela não resulte ferimento em qualquer pessoa, caracteriza o delito do art. 34. da Lei das Contravenções Penais."

(TACRIMSP - ACr 1330041/6 - 11ª C. - Rel. Juiz Wilson Barreira - DJSP 21.11.2002 - p. 192) JLCP.34

Em Santa Catarina o Tribunal de Justiça assim se manifestou:

EMENDATIO LIBELLI ( CPP , ART. 383 ) - VIABILIDADE EM SEDE DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO IMPUTADO NA EXORDIAL PARA CONTRAVENÇÃO PENAL (DEC. LEI N. 3.688 /1941) - DIREÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO EM VIA PÚBLICA (ART. 34) - INFRAÇÃO DE PERIGO ABSTRATO - POSSIBILIDADE DE AUFERIR A EMBRIAGUEZ POR OUTROS MEIOS DE PROVA - PROVIDÊNCIA EX OFFICIO - REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO COMPETENTE (CPP , ART. 383 , § 2º).

RELATÓRIO.

Extrai-se do presente caderno policial que na data de 05.04.2008, aproximadamente às 06:35h, o denunciado conduzia o veículo [...] pela BR-101, quando, no km 204,8 [...] em ato de manifesta imprudência, perdeu os controles do veículo e tombou sobre a pista. Em atendimento ao acidente supra, constataram os policiais rodoviários federais que o denunciado encontrava-se em visível estado de embriaguez, negando-se, entretanto a realizar o teste de alcoolemia, oportunidade em que foi lavrado auto de constatação de embriaguez. O auto de constatação de embriaguez [...] atesta que o denunciado apresentava sonolência; olhos vermelhos; vestimentas em desordem; odor de álcool no hálito; agressividade; arrogância; dispersão; dificuldade no equlíbrio; expressão verbal alterada; leitura alterada e escrita alterada, tendo os policiais rodoviários federais concluído que o denunciado encontrava-se embriagado. Ao conduzir o referido veículo automotor em via pública sob a influência de álcool, o denunciado assumiu os riscos dos resultados que porventura viessem a ocorrer, expondo, com isso, a dano potencial a incolumidade pública. [...]

Desse modo, a desclassificação do crime de embriaguez no volante, previsto no art. 306 do CTB , para a referida contravenção possibilitará a comprovação, por meio de outros meios de prova, mormente a testemunhal, do estado de embriaguez do apelado na data dos fatos, já que este não realizou o teste do bafômetro (fl. 4), o que inviabilizou o processamento do feito pela suposta prática do crime previsto no art. 306 do CTB . Seguindo essa linha de raciocínio, imperioso ressaltar que a contravenção penal de direção perigosa de veículo em via pública, a qual se encontra inserida no capítulo referente à defesa da incolumidade pública, é considerada como de perigo abstrato, ou seja, prescinde de ocorrência de efetivo perigo a determinada pessoa, bastando, tão-somente a possibilidade de risco à segurança alheia. Em decorrência de tal circunstância, o simples fato de o motorista encontrar-se embriagado e dirigindo veículo automotor mostra-se hábil para caracterizar a contravenção em voga , conforme orientação deste Tribunal:

Contravenção penal - Direção perigosa de veículo em via pública - Agente em visível estado de embriaguez - Perigo presumido - Inteligência do art. 34, da LCP - Infração caracterizada - Condenação mantida . (Ap.Crim. n. 33.962, de Porto União, rel. Des. Nilton Macedo Machado, j. em 5-12-1995).

[...] DIREÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO. CONTRAVENÇÃO PENAL. ARTIGO 34 DA LEI DAS CONTRAVENCOES PENAIS. CONFIRMAÇÃO DO DECRETO CONDENATÓRIO. A direção de veículo em estado de embriagues (sic), independentemente do dano efetivo, por envolver um perigo real e palpável para os destinatários da via pública, constitui a contravenção de que trata o artigo 34 da LPC . (Ap.Crim. n. 33.132, de Braço do Norte, rel. Des. Napoleão Amarante, j. em 20-6-1995).

[...] Desse modo, de acordo com a fundamentação alhures transcrita, verifica-se ser viável a possibilidade de o recorrido vir a ser, em tese, condenado pela aludida contravenção, haja vista a eventualidade de se aferir seu estado de embriaguez por outros meios lícitos de prova sem a utilização do bafômetro ou exame de sangue , como determina o art. 306 do CTB. Ademais, apenas a título argumentativo, poder-se-ia pressupor que o crime definido no art. 306, revogou, ainda que parcial e implicitamente, a contravenção (art. 34), por se tratarem da mesma matéria. Entretanto, vale frisar que não há falar-se, no caso, em revogação, uma vez que, além de aludido crime tratar-se de norma especial e a contravenção de norma de caráter geral, cuidam os institutos de bem jurídicos diversos, vale dizer, aquele, em seu art. 306, é considerado de perigo concreto enquanto esta, no art. 34, é reputada como de perigo abstrato. [...]

DECISÃO Nos termos do voto da relatora, decide a Câmara, por maioria, negar provimento ao recurso e, de ofício, nos termos do § 2º, art. 383 do CPP , desclassificar a conduta narrada da denúncia para a contravenção prevista no art. 34. do Dec. Lei n. 3.688/41 e, por consequência, determinar a remessa dos autos para o Juizado Especial Criminal;

Recurso Criminal 10.923/SC-2010.001092-3 Relator: Salete Silva Sommariva. 24 de março de 2010 .

As conseqüências penais referentes à contravenção de direção perigosa são bem mais amenas do que as do crime de dirigir sob efeito de álcool. Na contravenção há pena de até três meses de prisão, é confeccionado um termo circunstanciado de ocorrência e a competência será dos juizados especiais criminais com todas as suas particularidades. No crime de embriaguez ao volante há uma pena de até três anos de detenção, é lavrado auto de prisão em flagrante delito cabendo fiança estabelecida pelo delegado de polícia, bem como a suspensão ou proibição de se obter permissão ou habilitação para dirigir veículos.

Na prática o que se verifica é que a punibilidade somente na esfera administrativa não resulta em uma diminuição efetiva do ato de dirigir embriagado e, em conseqüência, dos acidentes de trânsito.

Se considerarmos que a contravenção de direção perigosa está revogada, como entendem parte da doutrina e alguns tribunais, basta que o motorista embriagado se recuse a soprar o bafômetro para que responda apenas administrativamente. Assim, em matéria de segurança viária, que é o objetivo fim de todas as medidas inerentes à coibição da conduta de dirigir embriagado, o risco causado pelo motorista bêbado só foi estancado momentaneamente, pois no dia seguinte ele já estará de posse de sua carteira de motorista e do veículo, nada impedindo que retorne a dirigir em estado de embriaguez. Ao passo que, se entendermos que a dita contravenção em certos casos ainda é aplicável, o motorista sofrerá, além das medidas administrativas, todo o strepitus processus (escândalo do processo) ao ser preso e conduzido em uma viatura policial a uma delegacia de polícia, não raro com o uso de algemas, lá aguardando até ser ouvido pela autoridade policial para então, finalmente, ser liberado, respondendo posteriormente ao regular processo penal no judiciário. Dirigir bêbado é a causa de muitos acidentes e acidentes ferem e matam pessoas.

Em nosso entendimento a contravenção penal de direção perigosa se perfaz com o ato de dirigir embriagado. Se o condutor apresenta notórios sinais de embriaguez e realiza o teste do bafômetro, ao atingir o limite mínimo estabelecido (0,30ml/L) incidirá no crime. Entretanto se ele se recusa ao teste, utilizando-se de seu garantido direito de não produzir prova contra si mesmo, o agente policial deve lavrar o termo de constatação de embriaguez e, além das providências administrativas, tomar as medidas penais referentes à contravenção de direção perigosa.

Trânsito é coisa séria e, infelizmente, mata muita gente todos os dias, destrói famílias e tira a vida de muitos dos nossos jovens. Só percebem a verdadeira dimensão desse tipo de evento aquelas pessoas que, de algum modo, vivenciaram essa experiência na prática. O motorista que dirige embriagado tem de ser sancionado penalmente também. Não se pode permitir que, sob o pretexto de exercer o direito de não se auto-incriminar, ele se abrigue no manto da impunidade e acabe respondendo apenas na esfera administrativa. De há muito sabemos que apenas a multa e recolhimento da carteira de motorista não são medidas suficientes para uma diminuição efetiva da conduta de dirigir embriagado. Álcool e direção não combinam, definitivamente!


Notas

  1. Motociclista morre após ser atingido por motorista bêbado. Jornal Correio do Povo. Edição de 28/09/2010. Disponível em: https://www.ocorreiodopovo.com.br/seguranca/motociclista-morre-apos-ser-atingido-por-motorista-bebado-1151438.html acessado em: 09 nov 2010.

  2. Motorista bêbado atropela toda família e mata bebê. Notícias UOL em 13 /06/2010. Disponível em: https://cosmo.uol.com.br/noticia/55704/2010-06-13/motorista-bebado-atropela-toda-familia-e-mata-bebe.html acessado em 09 nov 2010.

  3. Motorista bêbado atropela e mata três mulheres no ABC. SPAGORA em 13/09/2010. Disponível em: https://www.spagora.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1488:motorista-bebado-atropela-e-mata-tres-mulheres-no-abc&catid=53:abc-paulista&Itemid=77 acessado em 09 nov 2010.

  4. Dados do MOVIMENTO CHEGA DE ACIDENTES que desde sua criação em 18 set 2009 até o dia 02 nov 2010 computava 42.079 vítimas fatais de acidentes de trânsito no Brasil. Disponível em: https://www.chegadeacidentes.com.br/ acessado em 02 nov 2010.

  5. Idem.

  6. De que maneira é realizado o teste de embriaguez? Conhecendo a Lei seca. Departamento de Polícia Rodoviária Federal. Disponível em: https://www.dprf.gov.br/PortalInternet/leiSeca.faces acessado em: 02 nov 2010.

  7. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 3ª ed., Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, SP, 2008.

  8. SZNICK, Valdir. Contravenções Penais. 5ª Ed. Editora Universitária de Direito, São Paulo, SP, 1994.

  9. Lei Seca: "recusa ao teste de bafômetro não significa impunidade ao infrator". Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas. Disponível em: https://www.tj.al.gov.br/?pag=verNoticia¬icia=3321 acessado em: 03 nov 2010.

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Sobre o autor
Jorge Amaral dos Santos

Policial Rodoviário Federal. Especialista em Direito Público. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal. Mestre em Direito, políticas públicas de inclusão social pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Jorge Amaral. Álcool e direção: a aplicabilidade da legislação penal e a diminuição dos acidentes de trânsito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2710, 2 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17941. Acesso em: 21 nov. 2024.

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