A combinação álcool e direção é extremamente perigosa. Diariamente acompanhamos na mídia tragédias no trânsito envolvendo motoristas embriagados. Muitas dessas vítimas são os nossos jovens, que morrem por causa de uma conduta momentânea. A dinâmica de um acidente de trânsito acontece em segundos e se o motorista está com sua percepção prejudicada pelo álcool isso se torna um fator determinante. Basta digitarmos no site do YouTube as palavras "motorista bêbado" para vermos a grande quantidade de casos documentados. As tragédias noticiadas são fartas:
Motociclista morre após ser atingido por motorista bêbado1;
Motorista bêbado atropela toda família e mata bebê2;
Motorista bêbado atropela e mata três mulheres no ABC3.
Álcool e direção, definitivamente, não combinam.
No Brasil os acidentes de trânsito matam cerca de 40 mil pessoas por ano e deixam hospitalizadas em torno de outras 130 mil4, perfazendo um total anual de mais de 170 mil vítimas. É muita gente morrendo ou ficando sequelada/traumatizada. Uma parcela dessa cifra envolve motoristas que dirigiam sob efeito de álcool e/ou substâncias análogas. Esses acidentes causam anualmente à sociedade brasileira um custo de mais de 37 bilhões de reais5.
A lei 11.705/2008 alterou o art. 306. do Código de Trânsito Brasileiro, passando a exigir a comprovação de limite mínimo de concentração de álcool no sangue do motorista (6 decigramas por litro de sangue) para que a conduta de dirigir embriagado seja considerada crime. A partir de então criou-se uma errônea impressão de que se o motorista negar-se a realizar qualquer tipo de exame (bafômetro ou colheita de sangue para exames laboratoriais) ele restará impune penalmente, afinal vivemos em um Estado Democrático de Direito e ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo. Nas linhas a seguir tentaremos demonstrar que esse entendimento é falso. Apesar de o legislador ter estabelecido um limite mínimo de alcoolemia para a caracterização do crime, cremos ser possível que o condutor responda penalmente pelo ato de dirigir embriagado, mesmo em se reservando o direito de não produzir prova contra si mesmo.
A conduta de dirigir embriagado era prevista como infração administrativa no art. 89, III, do revogado Código Nacional de Trânsito (Lei 5.108 de 21 de setembro de 1966): É proibido a todo o condutor de veículo: III - Dirigir em estado de embriaguez alcoólica ou sob o efeito de substância tóxica de qualquer natureza. Na seara penal esse ato era classificado como a contravenção penal de direção perigosa, art. 34. - dirigir veículos na via pública, ou embarcações em águas públicas, pondo em perigo a segurança alheia.
Com o advento do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97), essa conduta passou a ser tipificada como crime no artigo 306 cuja redação original era a seguinte: conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem.
Em 2008 entrou em vigor a lei 11.705 que alterou o art. 306. do código, deixando de exigir do motorista a conduta de "expor a dano potencial a incolumidade de outrem" e passando a necessitar a comprovação técnica de um limite mínimo de concentração de álcool no sangue daquele condutor: art. 306. - conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.
Via de regra o agente policial averigua se o motorista dirige embriagado por meio de uma breve entrevista, onde ele verifica se existem os notórios sinais de embriaguez. Estes sinais foram classificados pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego e homologados pelo Conselho Nacional de Trânsito6 (sonolência, hálito com odor alcoólico, olhos vermelhos, agressividade, dispersividade, exaltação, fala alterada, dificuldade de equilíbrio, se sabe onde está e outros). Percebendo que o motorista apresenta os sinais o policial lhe solicita que faça o teste do bafômetro. Se houver recusa há a possibilidade de que ele seja conduzido a um departamento médico legal ou repartição equivalente a fim de colher sangue para exames laboratoriais ou ser submetido a exame clínico pelo perito médico legal. Havendo novamente a negativa (entendemos que o motorista não pode ser conduzido coercitivamente), o agente policial dispõe de um documento conhecido como "termo de constatação de embriaguez" para as providências na esfera administrativa (multa, retenção da carteira de motorista, etc) e ainda, em nosso entender, para as providências na seara penal quanto à contravenção de direção perigosa. Ressalta-se que a simples recusa do motorista em se submeter aos diversos testes (principalmente o bafômetro) não é motivo suficiente para o agente lavrar o dito termo de constatação. São necessárias duas condutas: que o condutor esteja com notórios sinais de embriaguez e que ele se recuse a realizar os testes. A partir daí é que o agente, acompanhado de duas testemunhas, lavra o termo onde faz constar os notórios sinais de embriaguez verificados e então toma as demais medidas.
Na esfera administrativa têm-se as medidas do art. 165. CTB - dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: multa (cinco vezes); suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Já em matéria penal se o motorista apresentar notórios sinais de embriaguez e se recusar a realizar os testes propostos, em nosso entendimento reafirmamos que persistirá a aplicação da contravenção penal de direção perigosa.
Quanto à aplicação dessa contravenção penal em casos de embriaguez ao volante a doutrina é dissonante, alguns autores se posicionando no sentido da exigibilidade de perigo concreto, como ensina Nucci: "o tipo exige, claramente, a ocorrência de perigo a segurança alheia, vale dizer, perigo concreto, dependente de prova da probabilidade de causar lesão a alguém7", e outros como Paulo Lúcio Nogueira, para quem basta o perigo abstrato, "é irrelevante que o agente crie um perigo real e efetivo em sua conduta, pois basta o simples fato de dirigir nesse estado o que representa um perigo previsível e potencial para a incolumidade pública. (Paulo Lúcio Nogueira – Contravenções Penais Controvertidas, pag. 37).
Valdir Sznick diz que "a contravenção se positiva com o simples fato de dirigir embriagado. A simples conduta já integra a contravenção. Assim perfaz-se a contravenção com o simples fato de dirigir embriagado sem necessidade de perquirir a existência ou não de perigo concreto8." Damásio de Jesus também entende que: "De acordo com a orientação prevalente, a contravenção do art. 34. é de perigo, prescindindo de dano material ou pessoal" (Lei das contravenções penais anotada, 10 ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 116).
A jurisprudência também não é pacífica. Há decisões afirmando que o art. 34. da Lei de Contravenções Penais foi inteiramente derrogado e há outros entendimentos no sentido de que a referida contravenção ainda é aplicável.
No Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o Desembargador Romero Osme Dias Lopes, em voto de sua relatoria, assim se manifestou:
Direção Perigosa.
O crime de direção perigosa previsto na Lei de Contravenção Penal, após o advento do Código de Trânsito Brasileiro foi revogado . Foram previstos no Código de Trânsito três delitos cujas condutas típicas, antes, encontravam adequação na contravenção de direção perigosa de veículo na via pública: embriaguez ao volante (art. 306), competição não autorizada (art. 308) e velocidade incompatível ou excessiva (art. 311). Inegável que o legislador pretendeu, com efeito, regular por inteiro a matéria no âmbito administrativo e penal. Além dos crimes de trânsito (arts. 302. a 312), previu exaustivo rol de infrações de ordem administrativa (arts. 161. a 255), muitas punidas com multa, suspensão do direito de dirigir e apreensão do veículo, e nas quais se encontrarão, seguramente, todas ou quase todas as condutas imagináveis, e que possam importar em direção perigosa de veículo pela via pública (e se amoldavam ao antigo art. 34. da LCP) e eventualmente não se ajustem aos crimes de embriaguez, racha ou velocidade incompatível (art. 306, 308 e 311). A contravenção do art. 34. da LCP, punida com prisão simples de quinze dias a três meses, ou multa, era sancionada, via de regra, na esmagadora maioria dos casos, com a mera pena pecuniária, que já não pode mais ser convertida em prisão em face da Lei nº 9628/96, não obsta o "sursis" (art. 77 , § 1º , do CP ), a transação penal prevista no art. 76 da Lei nº 9099 /95, e nem tampouco é considerada, por parte da jurisprudência, para efeito de gerar reincidência. Em termos de resultado punitivo, tornou-se pouco diante das sanções previstas para muitas das infrações administrativas. Igual situação se tem diante da contravenção do art. 32. da LCP, que aliás não prevê punição nem mesmo a título de prisão simples, limitando-se a sanção penal exclusivamente à multa.
É nítido, portanto, o propósito do legislador de abranger toda a matéria não só no âmbito administrativo, como em seus aspectos penais, ressalvada a aplicação de normas gerais do CP , do CPP e da Lei dos Juizados Especiais Criminais, no que couber (art. 291. e seu parágrafo único, do Código de Trânsito). Observe-se o que afirma a jurisprudência:
CONTRAVENÇÃO PENAL DE DIREÇÃO PERIGOSA. ART 34 LCP. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. NECESSIDADE DE PERIGO CONCRETO. SANÇÃO ADMINISTRATIVA. ARTIGO 34 DERROGADO PELO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO . 1. Duvidosa a ocorrência do delito, sendo ressaltada a existência de testemunha de defesa, negando a direção perigosa em consonância com a negativa de autoria por parte de réu. Destarte, os autos abrigam versões opostas, sendo estas elementos insuficientes para a condenação. 2. Esta Turma Recursal reconheceu recentemente, à unanimidade, a derrogação do art. 34. da LCP, sendo aplicável aos casos de direção perigosa que não tenham gerado perigo concreto de dano apenas a sanção administrativa prevista no art. 175. da Lei 9.503 /97.
(Recurso Crime Nº 71000802926, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Martinha Terra Salomon, Julgado em 21/02/2006);
No Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul há também entendimentos semelhantes:
APELAÇÃO CRIME. CONTRAVENÇÃO PENAL. DIREÇÃO PERIGOSA NA VIA PÚBLICA. ART. 34. DO DECRETO-LEI Nº 3.688/41.O novo Código Brasileiro de Trânsito, Lei nº 9.503/1997, passou a regular o direito penal nas vias terrestres nacional, disciplinando as infrações de trânsito, restando derrogado o art. 34 , da Lei das Contravenções Penais. Apelação improvida.
Recurso Crime nº 71001359470/2007. Relª Drª Angela Maria Silveira.
Já o Tribunal de Justiça de Alagoas, entendendo que o motorista embriagado não pode ficar impune penalmente, noticiou:
Motorista que se recusar a fazer ao exame pode responder por direção perigosa. Conhecida como Lei Seca, a lei 11.705/08, alterou o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), estabelecendo uma quantidade mínima de álcool no sangue, a partir da qual se torna crime dirigir. Entretanto, um precedente da Sexta Turma do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) questiona a aplicabilidade da legislação, já que o delito só pode ser configurado se houver uma prova técnica da dosagem de álcool no organismo. Agora, com a nova redação, é necessária a realização do testes do bafômetro ou de sangue para atestar a embriaguez. Essa foi uma medida que o legislador tomou para apertar a lei, mas que acabou causando algumas divergências no entendimento, afirmou o juiz da 14ª Vara Criminal da Capital Trânsito, Ferdinando Scremin Neto. A realização da perícia técnica torna-se ainda mais difícil, já que o condutor pode se recusar a fazer o teste do bafômetro. Porém, de acordo com o magistrado, mesmo havendo a rejeição ao exame o infrator não fica imune de responder judicialmente pelo ato perigoso. Em Alagoas, caso o motorista se recuse a fazer o teste, ele é encaminhado para o Juizado Criminal, onde irá responder por direção perigosa. Nesse caso, o policial que efetua a abordagem realiza um auto de constatação, analisando a situação em que se encontra o motorista e atestando a sua incapacidade para conduzir o veículo. Ou seja, só há alteração no tipo de crime, o infrator continua respondendo pelo risco que causa a coletividade, esclarece Ferdinando Scremin.9
No Tribunal de Justiça de São Paulo há decisões afirmando que a contravenção penal de direção perigosa ainda subsiste:
CONTRAVENÇÃO PENAL - DIREÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO - "CAVALO-DE-PAU" - TIPICIDADE - "Direção perigosa de veículo na via pública. Motorista que executa manobra conhecida como ‘cavalo-de-pau’. Configuração: Ementa oficial: art. 34. da Lei das Contravenções Penais - Caracterização - Condenação decretada - A manobra conhecida como ‘cavalo-de-pau’ é das mais típicas da direção perigosa e, ainda que dela não resulte ferimento em qualquer pessoa, caracteriza o delito do art. 34. da Lei das Contravenções Penais."
(TACRIMSP - ACr 1330041/6 - 11ª C. - Rel. Juiz Wilson Barreira - DJSP 21.11.2002 - p. 192) JLCP.34
Em Santa Catarina o Tribunal de Justiça assim se manifestou:
EMENDATIO LIBELLI ( CPP , ART. 383 ) - VIABILIDADE EM SEDE DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO IMPUTADO NA EXORDIAL PARA CONTRAVENÇÃO PENAL (DEC. LEI N. 3.688 /1941) - DIREÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO EM VIA PÚBLICA (ART. 34) - INFRAÇÃO DE PERIGO ABSTRATO - POSSIBILIDADE DE AUFERIR A EMBRIAGUEZ POR OUTROS MEIOS DE PROVA - PROVIDÊNCIA EX OFFICIO - REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO COMPETENTE (CPP , ART. 383 , § 2º).
RELATÓRIO.
Extrai-se do presente caderno policial que na data de 05.04.2008, aproximadamente às 06:35h, o denunciado conduzia o veículo [...] pela BR-101, quando, no km 204,8 [...] em ato de manifesta imprudência, perdeu os controles do veículo e tombou sobre a pista. Em atendimento ao acidente supra, constataram os policiais rodoviários federais que o denunciado encontrava-se em visível estado de embriaguez, negando-se, entretanto a realizar o teste de alcoolemia, oportunidade em que foi lavrado auto de constatação de embriaguez. O auto de constatação de embriaguez [...] atesta que o denunciado apresentava sonolência; olhos vermelhos; vestimentas em desordem; odor de álcool no hálito; agressividade; arrogância; dispersão; dificuldade no equlíbrio; expressão verbal alterada; leitura alterada e escrita alterada, tendo os policiais rodoviários federais concluído que o denunciado encontrava-se embriagado. Ao conduzir o referido veículo automotor em via pública sob a influência de álcool, o denunciado assumiu os riscos dos resultados que porventura viessem a ocorrer, expondo, com isso, a dano potencial a incolumidade pública. [...]
Desse modo, a desclassificação do crime de embriaguez no volante, previsto no art. 306 do CTB , para a referida contravenção possibilitará a comprovação, por meio de outros meios de prova, mormente a testemunhal, do estado de embriaguez do apelado na data dos fatos, já que este não realizou o teste do bafômetro (fl. 4), o que inviabilizou o processamento do feito pela suposta prática do crime previsto no art. 306 do CTB . Seguindo essa linha de raciocínio, imperioso ressaltar que a contravenção penal de direção perigosa de veículo em via pública, a qual se encontra inserida no capítulo referente à defesa da incolumidade pública, é considerada como de perigo abstrato, ou seja, prescinde de ocorrência de efetivo perigo a determinada pessoa, bastando, tão-somente a possibilidade de risco à segurança alheia. Em decorrência de tal circunstância, o simples fato de o motorista encontrar-se embriagado e dirigindo veículo automotor mostra-se hábil para caracterizar a contravenção em voga , conforme orientação deste Tribunal:
Contravenção penal - Direção perigosa de veículo em via pública - Agente em visível estado de embriaguez - Perigo presumido - Inteligência do art. 34, da LCP - Infração caracterizada - Condenação mantida . (Ap.Crim. n. 33.962, de Porto União, rel. Des. Nilton Macedo Machado, j. em 5-12-1995).
[...] DIREÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO. CONTRAVENÇÃO PENAL. ARTIGO 34 DA LEI DAS CONTRAVENCOES PENAIS. CONFIRMAÇÃO DO DECRETO CONDENATÓRIO. A direção de veículo em estado de embriagues (sic), independentemente do dano efetivo, por envolver um perigo real e palpável para os destinatários da via pública, constitui a contravenção de que trata o artigo 34 da LPC . (Ap.Crim. n. 33.132, de Braço do Norte, rel. Des. Napoleão Amarante, j. em 20-6-1995).
[...] Desse modo, de acordo com a fundamentação alhures transcrita, verifica-se ser viável a possibilidade de o recorrido vir a ser, em tese, condenado pela aludida contravenção, haja vista a eventualidade de se aferir seu estado de embriaguez por outros meios lícitos de prova sem a utilização do bafômetro ou exame de sangue , como determina o art. 306 do CTB. Ademais, apenas a título argumentativo, poder-se-ia pressupor que o crime definido no art. 306, revogou, ainda que parcial e implicitamente, a contravenção (art. 34), por se tratarem da mesma matéria. Entretanto, vale frisar que não há falar-se, no caso, em revogação, uma vez que, além de aludido crime tratar-se de norma especial e a contravenção de norma de caráter geral, cuidam os institutos de bem jurídicos diversos, vale dizer, aquele, em seu art. 306, é considerado de perigo concreto enquanto esta, no art. 34, é reputada como de perigo abstrato. [...]
DECISÃO Nos termos do voto da relatora, decide a Câmara, por maioria, negar provimento ao recurso e, de ofício, nos termos do § 2º, art. 383 do CPP , desclassificar a conduta narrada da denúncia para a contravenção prevista no art. 34. do Dec. Lei n. 3.688/41 e, por consequência, determinar a remessa dos autos para o Juizado Especial Criminal;
Recurso Criminal 10.923/SC-2010.001092-3 Relator: Salete Silva Sommariva. 24 de março de 2010 .
As conseqüências penais referentes à contravenção de direção perigosa são bem mais amenas do que as do crime de dirigir sob efeito de álcool. Na contravenção há pena de até três meses de prisão, é confeccionado um termo circunstanciado de ocorrência e a competência será dos juizados especiais criminais com todas as suas particularidades. No crime de embriaguez ao volante há uma pena de até três anos de detenção, é lavrado auto de prisão em flagrante delito cabendo fiança estabelecida pelo delegado de polícia, bem como a suspensão ou proibição de se obter permissão ou habilitação para dirigir veículos.
Na prática o que se verifica é que a punibilidade somente na esfera administrativa não resulta em uma diminuição efetiva do ato de dirigir embriagado e, em conseqüência, dos acidentes de trânsito.
Se considerarmos que a contravenção de direção perigosa está revogada, como entendem parte da doutrina e alguns tribunais, basta que o motorista embriagado se recuse a soprar o bafômetro para que responda apenas administrativamente. Assim, em matéria de segurança viária, que é o objetivo fim de todas as medidas inerentes à coibição da conduta de dirigir embriagado, o risco causado pelo motorista bêbado só foi estancado momentaneamente, pois no dia seguinte ele já estará de posse de sua carteira de motorista e do veículo, nada impedindo que retorne a dirigir em estado de embriaguez. Ao passo que, se entendermos que a dita contravenção em certos casos ainda é aplicável, o motorista sofrerá, além das medidas administrativas, todo o strepitus processus (escândalo do processo) ao ser preso e conduzido em uma viatura policial a uma delegacia de polícia, não raro com o uso de algemas, lá aguardando até ser ouvido pela autoridade policial para então, finalmente, ser liberado, respondendo posteriormente ao regular processo penal no judiciário. Dirigir bêbado é a causa de muitos acidentes e acidentes ferem e matam pessoas.
Em nosso entendimento a contravenção penal de direção perigosa se perfaz com o ato de dirigir embriagado. Se o condutor apresenta notórios sinais de embriaguez e realiza o teste do bafômetro, ao atingir o limite mínimo estabelecido (0,30ml/L) incidirá no crime. Entretanto se ele se recusa ao teste, utilizando-se de seu garantido direito de não produzir prova contra si mesmo, o agente policial deve lavrar o termo de constatação de embriaguez e, além das providências administrativas, tomar as medidas penais referentes à contravenção de direção perigosa.
Trânsito é coisa séria e, infelizmente, mata muita gente todos os dias, destrói famílias e tira a vida de muitos dos nossos jovens. Só percebem a verdadeira dimensão desse tipo de evento aquelas pessoas que, de algum modo, vivenciaram essa experiência na prática. O motorista que dirige embriagado tem de ser sancionado penalmente também. Não se pode permitir que, sob o pretexto de exercer o direito de não se auto-incriminar, ele se abrigue no manto da impunidade e acabe respondendo apenas na esfera administrativa. De há muito sabemos que apenas a multa e recolhimento da carteira de motorista não são medidas suficientes para uma diminuição efetiva da conduta de dirigir embriagado. Álcool e direção não combinam, definitivamente!
Notas
Motociclista morre após ser atingido por motorista bêbado. Jornal Correio do Povo. Edição de 28/09/2010. Disponível em: https://www.ocorreiodopovo.com.br/seguranca/motociclista-morre-apos-ser-atingido-por-motorista-bebado-1151438.html acessado em: 09 nov 2010.
Motorista bêbado atropela toda família e mata bebê. Notícias UOL em 13 /06/2010. Disponível em: https://cosmo.uol.com.br/noticia/55704/2010-06-13/motorista-bebado-atropela-toda-familia-e-mata-bebe.html acessado em 09 nov 2010.
Motorista bêbado atropela e mata três mulheres no ABC. SPAGORA em 13/09/2010. Disponível em: https://www.spagora.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1488:motorista-bebado-atropela-e-mata-tres-mulheres-no-abc&catid=53:abc-paulista&Itemid=77 acessado em 09 nov 2010.
Dados do MOVIMENTO CHEGA DE ACIDENTES que desde sua criação em 18 set 2009 até o dia 02 nov 2010 computava 42.079 vítimas fatais de acidentes de trânsito no Brasil. Disponível em: https://www.chegadeacidentes.com.br/ acessado em 02 nov 2010.
Idem.
De que maneira é realizado o teste de embriaguez? Conhecendo a Lei seca. Departamento de Polícia Rodoviária Federal. Disponível em: https://www.dprf.gov.br/PortalInternet/leiSeca.faces acessado em: 02 nov 2010.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 3ª ed., Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, SP, 2008.
SZNICK, Valdir. Contravenções Penais. 5ª Ed. Editora Universitária de Direito, São Paulo, SP, 1994.
Lei Seca: "recusa ao teste de bafômetro não significa impunidade ao infrator". Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas. Disponível em: https://www.tj.al.gov.br/?pag=verNoticia¬icia=3321 acessado em: 03 nov 2010.