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A resolução da ANS para estímulo do parto normal: norma que lesa princípios constitucionais

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Agenda 26/02/2015 às 09:19

4. O SUS COMO REFERÊNCIA:

A ANS cita ainda o SUS, como referência na diminuição de cesarianas, contudo o menor número de cesarianas no SUS não se fundamenta na maior informação ou em menores riscos à paciente, conforme entrevista abaixo,

De acordo com a ginecologista da USP, Sonia Penteado, alguma mulheres que tentam enfrentar a dor do parto não agüentam. "Já tive pacientes que chegaram a ter dilatação completa no parto, mas não toleraram a dor e pediram para que fosse feita a cesárea", conta. Esse tipo de intervenção é possível no sistema privado. "No público, a mulher tem de agüentar a dor porque faltam cirurgiões", diz Penteado. Muitos médicos incentivam a cesárea por receio de falta de leitos, inclusive na rede privada. O Brasil tem 0,28 leito para cada mil usuários do SUS (Sistema Único de Saúde) -o que, de acordo com o Ministério de Saúde, atende a demanda. Mas países desenvolvidos têm o dobro disso. "Se a paciente entra em trabalho de parto de maneira inesperada, corre risco de não ter vaga. Isso dá insegurança para o médico."

(Fonte: Folha de São Paulo - Pesquisa Investiga por que mulheres preferem cesárea- http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saude/26631-pesquisa-investiga-por-que-mulheres-preferem-cesarea.shtml)

Citamos ainda carta aberta da SGORJ,

Embora a crítica aos números do sistema privado seja recorrente, é notório que os índices de mortalidades materna e neonatal no sistema privado é muito menor do que no público. Não seria o caso de o governo se preocupar primeiro em reduzir as taxas de mortalidade materna no setor público de algumas cidades do Brasil que são comparáveis a países paupérrimos da África em vez de se preocupar com taxas de cesarianas de hospitais privados brasileiros de excelência que têm taxas de mortalidade materna comparáveis aos melhores países do mundo nessa área?


5. A ANS E OS PLANOS DE SAÚDE    

A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) emitiu nota de apoio ao conjunto de ações do Ministério da Saúde que aumenta o estímulo ao parto normal. A entidade destaca que a decisão médica por parto normal ou cesárea deve considerar os riscos para a mãe e para o bebê, mas caso o parto normal que não ofereça risco, deve ser a alternativa priorizada.

Segundo a FenaSaúde, embora ainda seja baixo o número de partos normais por plano de saúde no Brasil, o número cresceu cerca de 20% entre 2011 e 2012, o que mostra o apoio das operadoras às políticas de incentivo ao parto normal.[13]

Não se pode deixar de citar o enriquecimento ilícito às custas do trabalho médico será diário para os obstetras a partir desta norma. Há bastante dúvidas quanto aos verdadeiros motivos de várias resoluções da ANS, pois ao contrário do que parece, a grande maioria beneficiam os planos de saúde.

É certo que quem atua no serviço médico conhece bem as "glosas". Imagine-se quantas centenas não serão fundamentadas nestes requisitos da ANS.

Os planos poderão recusar o pagamento se o médico não provar que a cesariana foi absolutamente necessária, mesmo que o procedimento seja consensual entre médico e paciente.

Então o que o médico deve fazer? se recusar a atender a vontade da paciente, restringindo a liberdade e autonomia desta? Logicamente que não.

A ANS não tem competência para legislar sobre autonomia e liberdade individual e profissional.

As glosas porém serão rotineiras, ora, o partograma detalhado, citado pela ANS é vantajoso somente aos planos, que já glosam guias com quaisquer erros de digitação. Ora, é certo que quanto maior a burocracia maior as chances de erro. Assim não se pode olvidar que as glosas para os obstetras serão rotineiras.

Não se pode olvidar que o principal fundamento da ANS é beneficiar os empresários do ramo de atividade médica, pois é nítido o propósito de um plano maior que é o de tirar o médico da assistência ao parto para baratear o custo em demérito da saúde da população.


6. O FUNDAMENTO DO PARTOGRAMA DA ANS E O JUDICIÁRIO

A ANS cita que o partograma irá demonstrar que o médico esperou a gestante entrar em trabalho de parto, para não haver cesarianas sem necessidade.

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Contudo, ainda citam que o partograma poderá ser desnecessário se houver relatório médico. Conforme já descrevemos, haverá quebra do sigilo médico e paciente.

Ainda, pergunta-se, no cenário atual em que a industria do erro médico assola o judiciário, se os julgadores e consumidores estão preparados para lidar com as futuras demandas neste sentido? Ora, ou podemos esperar que a ANS figure como assistente do médico nestas demandas defendendo que o médico deve esgotar todas as tentativas até decidir pela cesariana? Ora, meus caros leitores é claro que não. As consequências de tal norma assombraram apenas os médicos.

A teoria da perda de uma chance já conhecida pelo judiciário brasileiro, apesar de ser um importação leviana da jurisprudência francesa será o pano de fundo para condenação de médicos que levarem a risca tal normatização.

Infelizmente mais uma vez o médico é colocado em situação extremamente desvantajosa frente ao cenário atual.

Não podíamos deixar de mencionar texto retirado do artigo da ANS- O modelo de atenção obstétrica no setor de saúde suplementar no Brasil: Cenários e perspectivas. Em que prega a adequação do judiciário para proteção dos médicos,

         Outro ponto de extrema importância é a mudança do sistema jurídico para que os médicos se sintam protegido ao oferecer evidencias mais atuais no atendimento as suas pacientes. No Brasil e nos EUA por exemplo os médicos mais processados são os obstetras , mas apenas quando oferecem atendimento humanizados e estimulam o parto vaginal, tanto no Brasil quanto nos EUA, realizar uma cesariana é salvo conduto para o obstetra, mesmo que isso signifique aumentar os risco a que milhares de gestantes se expõem ao realizar uma cirurgia dessa magnitude. Aguardar o desfecho natural de um parto pela via vaginal, é um risco tremendo para os profissionais porque a mitologia contemporânea favorece a medicalização extremada, mesmo que o conhecimento cientifico atual aponte um risco muito maior nas intervenções cirúrgicas. Enquanto os médicos (principais atendentes de parto no Brasil e EUA e boa parte da América Latina) forem ameaçados por processos judiciais ao atender de forma humanizada nenhum resultado será perceptível. O aprimoramento judiciário é fundamental para que os profissionais da medicina possam ser avaliados em juízo pelos parâmetros mais modernos existentes no atual conhecimento obstétrico, como as diretrizes oferecidas pela medicina moderna.

(disponível em : http://www.ans.gov.br/portal/upload/noticias/clipping/livro_parto_web.pdf )

Ora, é evidente que o judiciário não esta preparado para lides como estas. Mais uma vez, agora com esta nova norma o médico brasileiro é colocado frente a sua atividade profissional em situação extremamente desfavorável.

A norma da ANS facilitará o não pagamento dos honorários pelos planos de saúde. Assim, como o respeito as preceitos tipificados poderá trazer consequências mais desastrosas.

Assim a ANS abre mais uma porta para o caos da atividade médica brasileira. E sua norma fomentará a medicina defensiva, e como consequencia o número de profissionais dispostos a enfrentar a linha de frente desta explosão cada vez mais diminuirá. Até porque a norma da ANS diminuirá o pagamento pelos planos. Assim com certeza tal especialidade entrará em extinção. E não se pode olvidar que já é difícil encontrar médicos que se disponibilizem a ficar nesta linha de frente. O texto acima descrito da ANS demonstra o despreparo da resolução em estudo.


 CONCLUSÃO

O plano do MS e da ANS de compulsoriamente obrigar exposição de taxas de médicos e hospitais é exemplo de canetada típica de regimes autoritários/ fascistas.

A norma é inconstitucional, pois lesa direitos fundamentais tanto da mulher como (autonomia, sigilo, dignidade da pessoa humana) e do médico, pois restringe sua liberdade profissional, além de que tal norma pode trazer consequências desastrosas a sua honra profissional.

Para a SGORJ

 Essas medidas governamentais fazem parte de um contexto maior que é o de paulatinamente retirar o médico da assistência ao parto, para agradar setores interessados neste mercado, sem se preocupar com a saúde de mãe e filho, ou seja, mulher e criança são tratados como cidadãos de segunda classe sem direito à segurança da presença de um médico no momento do nascimento. No país da sífilis congênita, o ministro da Saúde está preocupado com cesarianas na rede privada. Grotesco.

O que se deve é lutar para aquelas que querem ter seu parto vaginal tenham esse direito respeitado, porém não é este o condão e a consequência da norma.

A SOGESP conclui,

A par das medidas inócuas desta Resolução Normativa, na avaliação da SOGESP, o Ministro da Saúde e a ANS prestaram também um grande desserviço à sociedade ao não salientar as situações em que a cesárea é o melhor procedimento para salvaguardar a saúde da mãe e do feto.

A SOGESP quer enfatizar com todas as letras que concorda com a necessidade de ações de educação e conscientização para a população e para a comunidade de profissionais de saúde envolvidos com a assistência obstétrica que incentivem o parto normal e, por consequência, reduzam o elevado índice de cesáreas atualmente observado no sistema de saúde suplementar. Mas, com igual ênfase, discorda das medidas sem efeito adotadas pela Resolução Normativa apresentada.

Não se pode olvidar que as entidades médicas não foram ouvidas, é certo que estas iriam contribuir. Assim, esperamos que estas procurem amparo judicial para desqualificar tal norma lesiva.

A Associação de Ginecologistas e Obstetras do Rio de Janeiro propôs Mandado de Segurança que visa proteger direito liquido e certo dos profissionais contra norma derivada de autoridade pública ilegal ou eivada de vício pelo abuso de poder. Postulando, liminarmente, a suspensão do ato praticado pela ANS, no sentido de impedir que as Resoluções Normativas n 55 e n 56 da ANS sejam aprovadas e consequentemente entrem em vigor. Em pedido definitivo, requer a concessão da segurança para anular o ato da autoridade coatora que veiculou as Consultas Publicas 55 e 56, bem como os demais atos subsequentes, reconhecendo-se, ainda, a absoluta ausência de legitimidade/atribuição da ANS para editar as Resoluções Normativas 55 e 56.

Contudo a SGORJ atacou a resolução quando ainda não tinha sido aprovada, assim o julgador não reconheceu o direito liquido e certo, pois não caberia mandado de segurança de resolução ainda em fase de elaboração. Porém a resolução foi após aprovada.

Ainda o ilustre julgador destacou a ilegitimidade ativa da impetrante, SGORJ,  uma vez que desenvolve atividade típica de uma sociedade cientifica, sem contar com qualquer previsão que lhe autorize promover a defesa judicial dos interesses dos obstetras ou ginecologistas, mormente para tratar da regulamentação edita por agência reguladora.

Assim, tal mandado foi julgado improcedente.

Ainda cabe salientar, que o tema já se encontra sob apreciação judicial, nos autos da ação civil publica n 0017488-30.2010.403.6100, movida pelo Ministério Publico Federal perante a 24 Vara Federal da Subseção Judiciária de São Paulo, sendo que as resoluções ora atacadas vieram a ser editadas em cumprimento a compromisso assumido perante tal Juízo.

Diante do exposto, é notório que tal resolução não merece prosperar, a gestante tem direito de livre escolha sobre qual procedimento irá utilizar, ora, esta possui direito fundamental à autonomia, liberdade e a dignidade da pessoa humana. Não pode o Governo decidir por ela.

Cabe ressaltar, que tal norma ainda afronta a liberdade profissional do médico. Sendo assim, não há dúvidas que tal norma é eivada de ilegalidades.        


Notas

[1] Carta Aberta da Sociedade de Ginecologia e Obstetricia do Rio de Janeiro. Disponível em : http://www.crmmg.org.br/interna.php?n1=13&n2=28&n3=200&pagina=209&noticia=5567.

[2] Ibidem.

[3] Constantino, Rodrigo. O Fascismo do PT contra os Médicos. Disponível em : <http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/saude/o-fascismo-do-pt-contra-os-medicos/>. Em 09/02/2015

[4] CONSTANTINO, Rodrigo. É preciso fazer uma cesariana para extirpar o comunismo da Fiocruz. Disponível em:< http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/saude/e-preciso-fazer-uma-cesariana-para-extirpar-o-comunismo-da-fiocruz/> . Acesso em 21/02/15.

[5] Carta aberta da SGORJ. op.cit.

[6] A POSIÇÃO DA SOGESP SOBRE AS DECLARAÇÕES DO MINISTRO ARTHUR CHIORO E DA ANS. SOGESP. Disponível em : http://www.sogesp.com.br/noticias/sogesp/repercussao-da-fala-do-ministro-da-saude-dr-arthur-chioro>.

[7] CONSTANTINO, Rodrigo. É preciso fazer uma cesariana para extirpar o comunismo da Fiocruz. Disponível em:< http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/saude/e-preciso-fazer-uma-cesariana-para-extirpar-o-comunismo-da-fiocruz/> . Acesso em 21/02/15.

[8] OJEDA, Ézio. O erro Médico Escusável. Disponível em : http://www.isaude.net/pt-BR/noticia/28669/artigo/o-erro-medico-escusavel

[9]http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI213686,31047resolucao+que+incentiva+parto+normal+nao+permite+que+plano+de+saude

[10] Carta aberta SGORJ. op.cit.

[11] Carta Aberta SGORJ. op.cit.

[12] COUTO FILHO, Antonio Ferreira; SOUZA, Alex Pereira. Instituições de Direito Médico. 2 ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2010.p.37-49

[13] http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-01/planos-de-saude-apoiam-estimulo-ao-parto-normal

Sobre a autora
Amanda Bernardes

Advogada Especialista em Defesa Médica.

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