- CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
A Carta Magna vigente em nosso país elenca direitos e garantias fundamentais inerentes à pessoa humana, previstos em seu artigo 5º. Dois desses direitos e garantias merecem destaque no presente estudo, quais sejam, o princípio do devido processo legal e o princípio da presunção de inocência.
O princípio do devido processo legal determina que um ato praticado por autoridade deve seguir todas as etapas previstas em lei para ser considerado válido, eficaz e completo. Já o princípio da presunção de inocência garante ao acusado o estado de inocência até que seja comprovada, por decisão fundamentada e por meio do princípio do devido processo legal, sua culpabilidade. Portanto, enquanto não houver o trânsito em julgado da sentença, é assegurado ao acusado o direito de recorrer.
Na outra vertente, estabelece o artigo 594 do Código de Processo Penal, “O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto.”
Nota-se que tal artigo claramente conflita com os princípios fundamentais supracitados, de forma que não pode ser acolhido em sua literalidade, mas deverá servir tão somente como norteador para os julgadores.
- DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE
O direito do acusado de apelar em liberdade tem sido objeto de longos e sucessivos debates no ordenamento jurídico brasileiro, tanto na doutrina como na jurisprudência. A corrente majoritária defende a tese de que a prisão antes da sentença condenatória transitada em julgado contraria o artigo 5º, inciso LVII da CF (princípio da presunção de inocência), afirmando que o art. 594 do CPP não foi recepcionado pela CF/88. Por outro lado, parte do entendimento dos Tribunais Superiores vem em sentido contrário, atribuindo o recolhimento do acusado a prisão como efeito da sentença condenatória recorrível.
O recolhimento do réu em sede de apelação trata-se de uma prisão preventiva, do gênero das prisões cautelares ou provisórias, considerada uma medida excepcional de coerção penal. Para se decretar uma prisão preventiva, é necessário observar os requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal.
“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares “
Partindo do pressuposto que a prisão preventiva tem caráter excepcional, só é permitido decretá-la se presentes os requisitos constantes do artigo supracitado, bem como os requisitos gerais de aplicação, quais sejam, “periculum in mora” e o “fumus boni iuris”. Dessa forma, a prisão preventiva somente será aplicável quando conhecida a sua absoluta necessidade, visto que a liberdade do acusado é defendida pela Constituição.
No mesmo sentido é a lição de Fernando da Costa Tourinho Filho: “A prisão provisória, qualquer que seja ela, só se justifica se for necessária. E mais: necessária fins do processo. Do contrário, o réu estaria sofrendo uma pena antecipadamente, e isso violenta o princípio da presunção de inocência.”
Assim sendo, o binômio necessidade-fundamentação é premissa imperiosa para o julgador, posto que, se ausentes os requisitos essenciais dispostos no art. 312 do CPP, ocorre uma antecipação de pena em desfavor do réu e o princípio constitucional da presunção de inocência resta prejudicado. Caso contrário, ou seja, não justificados os motivos da prisão necessária, torna-se ilegal o cerceamento da liberdade.
Ainda sobre o tema, leciona Luiz Flávio Gomes: “Não havendo nenhuma fundamentação específica quanto à necessidade da prisão (hipótese em que esta derivaria tão-só e exclusivamente da lei, por prisão automática ou obrigatória ou execução antecipada ou condição recursal ou conseqüência de uma presunção), neste caso, o confronto com o princípio da presunção de inocência é patente e indiscutível.”
Sob a égide dos princípios fundamentais, bem como dos artigos 312 e 594 do Código de Processo Penal, para que o julgador possa decretar a prisão preventiva em sede de apelação, deverá necessariamente fundamentar sua decisão, observando os princípios fundamentais e atentando-se a primariedade e antecedentes do acusado.
Antônio Magalhães Gomes Filho esclarece: “Essencialmente, em face dessas garantias e princípios fundamentais, não é legítima a prisão anterior à condenação transitada em julgado, senão por exigências cautelares indeclináveis de natureza instrumental ou final, e depois de efetiva apreciação judicial, que deve vir expressa através de decisão motivada.”
Destarte, à luz do princípio da presunção de inocência, o direito do acusado de apelar em liberdade há de ser a regra, sendo que o seu prévio recolhimento a prisão somente se dará pela via de exceção, devendo a decisão ser fundamentada e consubstanciada com os requisitos essenciais ou razões cautelares dispostas no art. 312 do CPP.
- LIVRAMENTO CONDICIAL
O livramento condicional corresponde a última etapa do cumprimento de pena no sistema progressivo. Sua finalidade é facilitar a reinserção do condenado e também diminuir os efeitos negativos da prisão, porém não a substitui, apenas muda a maneira de executar a pena. O indivíduo continua vigiado e sob condições, para demonstrar sua verdadeira recuperação. É a aprendizagem da nova vida em liberdade, mas ainda assim pode ocorrer a possibilidade de reingresso na prisão em caso de má conduta.
Apesar de contrariar a rigorosa exigência da justiça sobre o cumprimento integral da pena, o livramento condicional reflete o espírito que orienta o Direito Penal Moderno, o qual é visa um plano de política criminal voltado para a recuperação social do condenado.
Através da Reforma de 1984, o livramento condicional tornou-se mais acessível. Dessa forma, atualmente a pena inferior à dois anos pode beneficiar-se com a suspensão condicional; a superior à dois anos dispõe do livramento condicional; e a pena de dois exatos pode beneficiar-se tanto com a suspensão como com o livramento condicional. Nessa última hipótese, as circunstâncias e os fins da pena é que indicarão a medida mais adequada.
Para que o sentenciado possa desfrutar do convívio social novamente sob determinadas condições, são necessários alguns requisitos:
- Requisitos Objetivos
- Natureza e quantidade de pena: somente a pena privativa de liberdade igual ou superior à dois anos pode ser objeto do livramento condicional. A soma de penas é permitida.
- Cumprimento de parte da pena: o apenado deve, obrigatoriamente, cumprir uma parcela da pena aplicada. Os não reincidentes em crime doloso e com bons antecedentes deverão cumprir mais de um terço da pena imposta; já o reincidente, mais da metade. A pena provisória pode ser levada em conta, e não é necessário que o condenado passe pelos três regimes penais.
- Reparação do dano, salvo efetiva impossibilidade: a reparação do dano é uma obrigação civil decorrente da sentença penal condenatória, e o sentenciado que não puder satisfazê-lo deverá fazer prova efetiva da incapacidade.
Requisitos Subjetivos – referem-se a pessoa do condenado.
- Bons antecedentes: devem ser considerados como antecedentes, aqueles fatos ocorridos antes do cumprimento da pena, mesmo que tenham ocorrido após o ato delituoso.
- Comportamento satisfatório durante a execução: A capacidade de readaptação do condenado deve ser demonstrada e observada em suas diversas atividades diárias e em seus contatos permanentes com seus colegas de infortúnio, com o pessoal penitenciário e, particularmente, com os demais membros da comunidade exterior em suas oportunidades vividas fora do cárcere.
- Bom desempenho no trabalho: Tanto o trabalho prisional como o trabalho externo caracterizam um dos mais importantes fatores na tarefa ressocializadora do delinqüente com elevada função pedagógica, pois preocupa-se com o desenvolvimento do indivíduo de autogerir-se, aptidão que lhe será indispensável na vida livre.
- Aptidão para prover a própria subsistência com trabalho honesto: Requisito e conseqüência do anterior. Da avaliação do desenvolvimento obtido no trabalho durante a fase de execução da pena pode-se chegar a conclusões sobre as reais condições do sentenciado para prover sua subsistência e de sua família, mediante atividade lícita. A lei não determina que o apenado deve ter emprego assegurado no momento da liberação, apenas a aptidão para tal.
Requisito específico: forma ou meio que se deve utilizar para constatar a probabilidade de o apenado voltar ou não a delinqüir.
Pelo livramento condicional o apenado conquista a liberdade antecipadamente, porém em caráter provisório e sob condições de caráter obrigatório e também facultativo, a seguir demonstradas:
- Condições obrigatórias:
- obter ocupação lícita dentro de prazo razoável
- comunicar ao juiz, periodicamente, sua ocupação
- não mudar do território da comarca sem prévia autorização judicial
- Condições facultativas: eleitas pelo juiz e sua imposição é facultativa, porém seu cumprimento é obrigatório.
- não mudar de residência sem comunicar ao juiz e as autoridades incumbidas da observação e proteção cautelar
- recolher-se à habitação em hora fixada
- não freqüentar determinados lugares
- abstenção de práticas delituais
As condições judiciais podem ser modificadas no transcorrer do livramento, visando sempre atender aos fins da pena e a situação do condenado. Sua eventual não-aceitação torna sem efeito o livramento condicional.
É necessário prever conseqüências efetivas ao descumprimento das condições. Logo, seu descumprimento pode levar à revogação da liberdade conquistada. Além do descumprimento das condições legais ou judiciais, outras causas podem revogar obrigatoriamente o livramento.
São causas de revogação obrigatória:
- Condenação irrecorrível por crime cometido durante a vigência do livramento condicional
- Condenação por crime cometido antes da vigência do livramento condicional
São causas de revogação facultativa:
- Descumprimento de qualquer das obrigações constantes na sentença
- Condenação, por crime ou contravenção, a pena que não seja privativa de liberdade
Pode ocorrer também a suspensão do livramento condicional, a qual não se confunde com a revogação, por seu caráter provisório. A suspensão fica no aguardo de decisão final sobre o novo crime, que, se for condenatória, aí sim, determinará a obrigatória revogação do benefício.
BIBLIOGRAFIA
- BITTENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal, 2013.
- GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. Saraiva, 1991.
- TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. Saraiva, 2004.