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Advogado valorizado ou advogado maldito?

Agenda 08/03/2015 às 10:45

Se um advogado for convidado para qualquer cargo comissionado no serviço público, ele terá que cumprir uma quarentena de cinco anos para se candidatar a qualquer cargo na OAB. Qual a razão lógica para uma norma tão drástica?

A OAB lançou campanha de valorização do advogado jovem. É sempre bem vinda qualquer campanha que proclame a grandeza e necessidade das funções do advogado. Até porque muitas vezes a figura do advogado, por erros de observação, é vista com alguma cautela, quando não mesmo com nítida desconfiança, deturpando-se a imagem que há de ter.

A OAB exige nos seus estatutos um distanciamento do Poder.

O Provimento 146/2011 do Conselho Federal repete que são inelegíveis para qualquer cargo na OAB, os que exerçam cargos ou funções em comissão, de livre nomeação e exoneração pelos poderes públicos. Esse é o nível de afastamento que já era estabelecido. Quanto a essa inelegibilidade estamos todos de acordo.

Inovando quanto à exigência de cinco anos de efetivo exercício para elegibilidade, o Art. 4º,§ 3º, do Provimento estabelece: “O período de 05 (cinco anos) estabelecido no caput deste artigo é o que antecede imediatamente a data da posse, computado continuamente.”

Essa alteração na contagem do tempo, tomando a data da posse como termo inicial e retroativo, inseriu, de fato, uma punição às pessoas que exercessem algum cargo comissionado. Na verdade, impôs uma quarentena de cinco anos.

Se um advogado for convidado para Advogado Geral do Município de uma pequena cidade com fundo de participação mínimo, essa nomeação vai anular o seu tempo de OAB. Se ele for inscrito na Ordem há quinze anos, ele terá de esperar novos cinco anos para tentar ser Conselheiro na OAB.

Por praticar um ato lícito – assumir o cargo em comissão de Advogado Geral – ele perde o seu tempo de OAB. Criou-se a punição para ato lícito.

Ao assumir o cargo ele fica inelegível, o que é correto. Desse modo garante-se o distanciamento necessário entre a Ordem e o Poder Público.

A inovação é que ele fica inelegível por mais cinco anos, o que é um evidente abuso.

Qual a razão lógica para uma norma tão drástica? Para se ter uma idéia do disparate, a Constituição Federal impõe aos Magistrados uma quarentena de três anos.

Para um cargo vitalício a quarentena é de três anos; para um afastamento temporário a OAB impõe uma quarentena de cinco anos, quase o dobro.

Esse fato revela que não se observaram os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

O pior é que essa quarentena é uma sentença pública de desconfiança contra o advogado. É a proclamação de que ele não guarda condições de preservar a honra e a dignidade diante das exigências do poder.

Além de mutilado no seu direito político interno na OAB, ele é alvo da desconfiança pública.

Assumir um cargo público é algo que enriquece o currículo, é um atestado de competência ao nomeado. Essa é a noção comum. Não apenas a noção comum. Na verdade, o próprio Estado é quem reconhece. Nos concursos públicos é fator de classificação o exercício de função pública. Para ser Advogado da União esse fator é reconhecido no certame. Aquilo que para o Estado é mérito, para a OAB é demérito.

Não é que a Ordem se previna da influência do Poder (isso já está garantido com a inelegibilidade) é que se impõem cinco anos de quarentena para purgar o exercício de um cargo.

Essa quarentena é maior que a pena máxima do crime de furto simples, que é de quatro anos.

Pelos olhos da OAB quem assume um cargo, pelo simples fato de assumir, já cometeu mais que um furto.

Ele tem de cumprir cinco anos para voltar à plenitude dos direitos na OAB e ser novamente elegível. Esse prazo de cinco anos é maior que o da reabilitação criminal tácita que é de quatro anos.

A exigência que a Ordem faz ao advogado nesses casos é maior que a que é feita aos criminosos.

O advogado torna-se oficialmente um maldito.

Ao exercer um cargo público o advogado por certo prestará contas de sua atuação. Pode ter as contas aprovadas e ver o reconhecimento de sua idoneidade e probidade. Mesmo assim, será inelegível.

A inelegibilidade no plano comum é decorrente da improbidade administrativa. O advogado reconhecidamente probo sofre na OAB os efeitos de uma inexistente condenação por improbidade.

Eis o tamanho da desconfiança da OAB com o advogado que exerce um cargo público.

Curioso é que se o advogado for ocupante de cargo de advogado em uma Prefeitura minúscula, com arrecadação toda dependente do FPM no grau mínimo, entende-se que ele está subordinado ao poder e não pode integrar a Ordem. Entretanto, se ele for contratado como advogado por uma dezena de prefeituras entende-se que ele está livre de pressões e pode ser Conselheiro.

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Essa situação faz lembrar aquela antiga anedota acadêmica: “copiar de um autor é plágio; copiar de vários é pesquisa”.

Enfim, o provimento 146/2011 impõe uma quarentena que é maior que a dos juízes, maior que a pena de furto simples e maior que o período de reabilitação criminal. Com esse Provimento se estabeleceu a presunção de desconfiança. É a sentença de maldição.

O Provimento proclama que o advogado deva se descontaminar de sua passagem no Poder. Esse entendimento supõe que o advogado é um ser influenciável que não tenha domínio e controle de seus atos nem fibra para reagir aos reclamos do Poder. Ele agiria na Ordem atendendo às pressões do nomeante no antigo cargo em detrimento de seus compromissos profissionais com a Classe.

Esse é o estigma posto e imposto pelo Provimento.

Mas, para piorar, o Provimento ao estabelecer a inelegibilidade proclama, ipso facto, a desconfiança também nos demais advogados. Supõe-se que o Colégio Eleitoral da Ordem, vale dizer, o conjunto da advocacia, também poderia ser influenciado pelo Poder e a solução para tal suspeição seria alijar a pessoa do processo, via inelegibilidade.

A advocacia é, constitucionalmente falando, a mais politizada das profissões e a OAB anuncia por Provimento que os Advogados não sabem resistir aos acenos do Poder.

Uma curiosidade: esse Provimento 146/2011 foi aprovado com a participação dos Conselheiros Federais do Piauí, todos eleitoralistas, dentre eles Marcus Vinicius (hoje Presidente Nacional) e Willian Guimarães (hoje Presidente Seccional).

Se o Provimento por eles aprovado em 2011 estivesse em vigência em 2003, nem o Dr. Marcus Vinicius nem o Dr. Willian Guimarães poderiam ter sido candidatos na OAB, um pela situação e o outro pela oposição, uma vez que não teriam os cinco anos de inscrição contínua, agora contados retroativamente. Ambos exerceram a Chefia da Procuradoria do Estado, o que interromperia a contagem.

O Estatuto da Ordem estabelece, com muito acerto, em seu art.48 que os cargos na OAB são “serviço público relevante”, para todos os efeitos, inclusive de aposentadoria. A Ordem, de posse desse status político, trata a passagem por outros cargos públicos como um ato indigno que macula a credibilidade do advogado, que é obrigado à penitência da inelegibilidade para recuperá-la. É uma enorme contradição, para dizer o mínimo.

Com o Provimento 146/2011 a OAB proclama a desconfiança sobre o Advogado. Ele segue maldito entre os seus. Sem a solução desse problema serão inúteis campanhas de valorização da profissão. Não serão marketeiros que irão recompor uma imagem atacada pela própria Ordem.

Sobre o autor
Roberto Gonçalves de Freitas Filho

Defensor Público do Estado do Piauí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS FILHO, Roberto Gonçalves. Advogado valorizado ou advogado maldito?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4267, 8 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36997. Acesso em: 22 nov. 2024.

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