Podeis reconhecer um mau crítico porque ele começa por falar do poeta e não do poema. Ezra Pound.
Em boa hora, mesmo que tardiamente, o Colendo Tribunal Superior do Trabalho lançou campanha nacional contra o trabalho escravo, enfocando seu maior problema no Estado do Pará.
Há muito tempo os juízes do Trabalho do Pará e do Amapá constatam em processos a existência de trabalho forçado e apesar de comunicarem aos órgãos competente, nada ou muito pouco foi feito para coibir a prática criminosa.
Diante dessa premissa, o TST solicitou ao nosso Tribunal Regional do Trabalho a elaboração de estudo sobre o assunto, que foi coordenado pela juíza Togada Francisca Oliveira Formigosa, pelo juízes Marcus Losada Maia Presidente da Amatra VIII e Edilene Franco.
Em tempo recorde o Oitavo Regional submeteu o estudo criterioso ao TST, que elaborou projeto de lei para discussão com o executivo federal, incluindo em seu texto a competência da Justiça do Trabalho para julgar crimes contra a organização do trabalho.
Em ato contínuo a divulgação do projeto de lei, a Associação dos Juízes Federais – AJUFE lançou duras críticas, inclusive na mídia nacional, tendo até debatido a questão na TV Justiça.
O argumento é que a competência penal é da Justiça Federal Comum, não da Federal do Trabalho, além do que estariam mais preparados para a questão.
A cúpula do Judiciário Trabalhista e os juízes federais se envolveram na polêmica, enquanto isso centenas de trabalhadores pelo Brasil afora continuam sem ver a solução para o problema.
É certo que em se tratando de competência, a mesma envolve disputa de poder, pois quanto mais competência possui determinado órgão, mais poder político e de pressão exerce.
No magistério de Liebman, "a competência é a quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão, ou seja, a ‘medida da jurisdição’. Em outras palavras, ela determina em que casos e com relação a que controvérsias têm cada órgão em particular o poder de emitir provimentos, ao mesmo tempo em que delimita, em abstrato, o grupo de controvérsias que lhe são atribuídas".
Num raro caso em que o Judiciário foi ouvido como iniciador legislativo, a burocracia e a disputa interna por pura ilusão de poder assola e desgraça os necessitados, pois bem definiu Ramon G. Von Berg, Desembargador aposentado: "Para quem vê a situação de fora, parece que o Judiciário é extremamente burocratizado porque assim o quer, quando, na realidade, as leis decorrem das nossas casas legislativas, e algumas delas por iniciativa do Poder Executivo. Raras vezes juizes são ouvidos".
Pobre do trabalhador brasileiro, sofrem tortura, ameaças, cárcere privado e são assassinados e alguns juízes apenas discutem e nada mais.
Ao invés de aplaudir e incentivar a imediata implantação deste novo ordenamento jurídico, a associação dos juízes federais, mesmo que sem intenção, estão, fulminando em seu nascedouro tais excelentes iniciativas.
Em nosso exercício no magistério jurídico superior, vê-se no dia-a-dia o quanto é complexa nossa organização judiciária, para os estrangeiros é surreal, pois "o único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário." Albert Einstein.
Tomemos alguns exemplos: a justiça do trabalho tem competência para condenar o empregador que não realiza o cadastramento no PIS, mas para cobrar a parcela se deve dirigir a Justiça Federal (Enunciado nº 300 do TST: Competência da Justiça do Trabalho. Cadastramento no PIS. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar ações de empregados contra empregadores, relativas ao cadastramento no Plano de Integração Social –PIS).; o juiz do trabalho pode prender em flagrante por falso testemunho, mas o processo tramita na justiça federal; a justiça do trabalho tem competência para condenar o empregador por dano moral em face de acidente de trabalho (a turma referendou decisão do Min. Sepúlveda Pertence, relator, que, à vista de precedentes do STF no sentido da competência da Justiça Trabalhista para o julgamento da questão versada na espécie - reparação por danos decorrentes de acidente de trabalho por culpa da empregadora -, deferira liminar para sustar o prosseguimento de ação ordinária em curso na justiça comum, determinando o imediato processamento do recurso extraordinário retido nos autos (CPC, art. 542, § 3º), interposto contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, em sede de agravo de instrumento, afirmara a competência da justiça comum estadual para o julgamento do caso. Precedente citado: Pet 2.260-MG (DJU de 1º.3.2002). Pet 2.651-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 25.06.2002), mas a indenização previdenciária é apreciada pelo juiz de direito e a revisão benefício em face do INSS é na justiça federal; a reclamação é feita na justiça, porém decretada a falência da empresa a execução vai para a justiça estadual; os servidores celetistas recorrem à justiça do trabalho e os estatutários à justiça comum; o juiz do trabalho prende o depositário infiel, mas quem solta por habeas corpus é a justiça federal (Compete ao TRF processar e julgar habeas corpus impetrado contra ato de juiz do trabalho de 1º grau, e não ao TRT, que não possui competência criminal. Com esse entendimento, a Turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus - impetrado inicialmente perante o TRT, contra ato de juiz do trabalho de 1º grau que decretara a prisão do paciente por considerá-lo depositário infiel, do qual houve posteriormente outro writ perante o STJ - para anular as decisões proferidas pelo TRT e pelo STJ, determinando a remessa dos autos ao TRF competente para julgar o writ. Precedentes citados: CC 6.979-DF (DJU de 26.2.93) e HC 68.867-PR (DJU de 7.2.92). RHC 81.859-MG, Rel. Min. Carlos Velloso, 28.05.2002. RHC-81859); o juiz do trabalho condena o empregador a pagar o FGTS, mas o obreiro deve se dirigir a justiça federal para sacar o FGTS (CC 33193 – STJ); enfim, são tantos os casos, absurdos diante da repartição da competência, muito mais por força da jurisprudência, que cansaria o leitor.
Portanto, em alguns casos para os mesmos fatos geradores e fundamentos de um único trabalhador, a questão tramita em três esferas distintas do Judiciário.
Além disso em termos práticos o juiz do trabalho, pelo mister social cotidiano que enfrenta, está mais preparado para a questão, pois enfrenta em seu labor os direitos sociais diariamente, além seu sua formação, ante a vinculação aos direitos humanos e em relação do hipossuficiente.
Temos, ainda, que quanto à atuação a Justiça do Trabalho está mais preparada, por exemplo, no Pará temos 14 Varas na Capital e 17 no interior, como duas em Marabá, uma em Conceição do Araguaia, Tucuruí, Parauapebas, Abaetetuba, Altamira, Itaituba, etc.. Ainda, há projeto de lei tramitando no Congresso Nacional para se instalar Varas em Tomé-Açu, Xinguara, Redenção, dentre outras. Enquanto a Justiça Federal possui apenas duas Varas criminais em Belém e apenas uma em Santarém e outra em Marabá, portanto o trabalhador terá grandes dificuldades de obter a prestação jurisdicional.
Na justiça do trabalho não há necessidade de contratação de advogados, custas iniciais para o ajuizamento da ação, enquanto na justiça federal os gastos são elevados.
No Pará em média a primeira audiência é realizada, 15 dias após o ajuizamento da reclamação, enquanto que nos juizados federais, proclamados aos quatros cantos como a solução para a morosidade do Judiciário, já está designando audiência inicial para o ano de 2003.
Em emenda apresenta na PEC que trata sobre a reforma do Poder Judiciário se destaca: "Pela presente Emenda, pretende-se a inclusão de inciso ao artigo 115 da Constituição, segundo a PEC 29/2000, dispondo sobre a competência da Justiça do Trabalho para as infrações penais praticadas contra a organização do trabalho. Atualmente, tal competência se insere no rol daquelas criminais da Justiça Federal, pretendendo-se deslocamento por afinidade. A Justiça do Trabalho tem sido merecedora da maior confiança do constituinte, vindo a Reforma do Judiciário a contemplar as diversas situações em que o trabalho está em discussão. Ocorre o mesmo em relação ao tema dos crimes contra a organização do trabalho, previstos nos artigos 197 a 207 do Código Penal e que traduzem a repulsa social ao ‘atentado contra a liberdade de trabalho’, ao ‘atentado contra a liberdade de contrato de trabalho e boicotagem violenta’, o ‘atentado contra a liberdade de associação’, à ‘paralisação de trabalho seguida de violência ou perturbação da ordem’, à ‘paralisação de trabalho de interesse coletivo’, à ‘invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola’ ou a ‘sabotagem’ decorrente, à ‘frustração de direito assegurado por direito trabalhista", à "frustração de obrigação legal sobre a nacionalização do trabalho", ao "exercício de atividade com infração de decisão administrativa", ao "aliciamento para o fim de emigração" e ao "aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional", condutas que não apenas revestem o manto do ilícito criminal, mas também exigem dose de sociologia do ambiente de trabalho para a aplicação das penas próprias, campo mais adequado à atuação do Juiz do Trabalho, já cotidianamente afeto às discussões entre o capital-trabalho e aos desvios nessa salutar relação sócio-econômica. A discussão no âmbito criminal não é, por si só, entrave ao exame da Justiça do Trabalho, já que os Juízes do Trabalho, ao conhecer de tais ilícitos, por ocasião do exame das ações trabalhistas, devem, à luz do artigo 40 do Código de Processo Penal, representar ao Ministério Público Federal para que promova a devida ação penal perante a Justiça Federal, mas já então distante do enfoque social que conduz a tais condutas ilícitas repugnáveis. Cabe notar que, em Portugal, é de suma importância a experiência dos Juízos do Trabalho que, além de deterem competência cível-trabalhista, também detém especial competência para o julgamento das contravenções e crimes contra a organização do trabalho e contra a própria administração de tal especial Justiça, modelo que se espera repetir no âmbito da Justiça do Trabalho. A proposta, ao visar trazer tal competência para o campo da Justiça do Trabalho, pretende ainda dinamizar a atuação do Ministério Público do Trabalho, que conseguirá agir com mais rapidez na propositura da ação penal e a permitir mais célere e eficaz julgamento pelos Juízes e Tribunais mais afinados com as discussões no ambiente de trabalho ou tendentes à sua perturbação: os Juízes e Tribunais do Trabalho. Com isso, abre-se caminho à paz social no ambiente laboral pela certeza de inibição de tais condutas, já que a agilidade no conhecimento e julgamento das ações penais impedirá a prescrição que tem inibido o curso ou mesmo a execução de sentenças prolatadas pela Justiça Federal, dado a demora para provocação do referido ramo judiciário, tanto mais porque distante das lides trabalhistas e incapaz de responder às necessidades de urgente repressão no campo das relações capital-trabalho, que repercutem diretamente no bom desenrolar das atividades econômicas necessárias ao desenvolvimento do País, e ainda no respeito à integridade da prestação jurisdicional própria da Justiça do Trabalho".
Não se entende o porque da controvérsia, pois a justiça federal vem sistematicamente se recusando a julgar casos de lesão a organização do trabalho, remetendo o processo a justiça estadual.
Para se ter uma idéia de como o trâmite na justiça federal é demorado, em 1990 a Justiça Pública denunciou o cidadão Silvio Caetano de Almeida, em razão de ter recrutado para sua fazenda em Marabá em condição análoga de escravos (art. 149 do Código Penal). O juízo de primeiro grau condenou em 4 anos de reclusão. Ao julgar a apelação o TRF mais de oito anos após o ajuizamento da ação anulou de ofício o processo e determinou que os autos fossem remetidos a Justiça Estadual de Marabá, argumentando que tratar os trabalhadores como escravo não configura crime contra a organização do trabalho, mas crime contra a liberdade pessoal (Apelação Criminal 1998.01.00.064116-1/PA).
Igual situação se verifica na Apelação Criminal nº 96.01.23780-1/PA, onde o juiz federal da 2ª Vara de Belém condenou Geraldo José Pereira a quatro anos de reclusão, por manter na fazenda Santa Inês 29 trabalhadores como escravos e após longos anos de tramitação, o TRF anulou de ofício o processo e determinou a remessa dos autos ao juiz de direito de Curionópolis.
Ainda, em regra quando o processo chega ao juiz de direito, o mesmo suscita conflito negativo de competência e mais alguns anos passam para instância superior decidir a questão.
Ora, se a justiça federal há décadas vem rejeitando a sua competência, por que agora quer julgar tais casos?
Ora, se a justiça federal há décadas não tomou qualquer medida para combater o trabalho forçado, por que agora se levantada?
Como disse Carlos Catañeda: "Muita luz é como muita sombra, não nos deixa ver".
Pode-se aferir tal situação, quando ao final de uma enquete promovida pela revista consultor jurídico, quase 70% dos internautas opinaram que a competência deve ser da Justiça do Trabalho.
Não é por outra razão, pois no TRT da 8ª Região ao se julgar Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, em média a questão é resolvida em seis meses, contando do ajuizamento a decisão do Tribunal.
Enquanto isso, centenas de trabalhadores se encontram em situação vergonhosa, deprimente e reduzidos a condição de escravos e alguns segmentos da justiça ficam discutindo de quem é a competência para julgar esses fatos.
Ao invés da magistratura federal se unir e numa só voz exigir meios e leis adequadas para o aparelhamento do Judiciário, a fim de efetivar a tutela, fica divagando em questões menores.
Sábia a seguinte lição: "Jamais haverá ano novo se continuar a copiar os erros dos anos velhos". Luis de Camões.