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Análise do Incidente de Resolução de Demandas repetitivas

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Agenda 21/03/2015 às 13:09

Explicações didáticas sobre o IRDR (assim já alcunhado) o incidente de resolução de demandas repetitivas que continua envidar esforços para se conseguir a tão desejada celeridade processual.

Já em sua origem na exposição de motivos do Projeto de CPC já havia referência ao Procedimento Modelo alemão (Musterverfahren)[1] e os objetivos consistem na identificação de processos que conenham a mesma questão de direito, e que estejam ainda em primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta.

Diferentemente da legislação pátria, o ordenamento jurídico alemão, optou em não possuir uma legislação extensa e genérica, no que tange a tutela dos direitos supraindividuais, fato que decorre da atuação efetiva dos órgãos fiscalizatórios governamentais, o que resulta em uma cultura voltada para o cumprimento da lei,

Fora introduzido no ordenamento jurídico alemão, exatamente em 16/08/2005 com vigência temporária até 2010, o procedimento-padrão, pela Lei de Introdução do Procedimento-Modelo, o qual difere do instituto pátrio, tem área de atuação restrita, somente às demandas decorrentes dos danos advindos aos investidores em decorrência da ocultação de informações relevantes pelas empresas atuantes no mercado de capital.

Igor Bimkowski Rossoni[2] relata sobre o episódio[3] que originou o surgimento do referido instituto:

“Em 1999 e 2000, ao lançar suas ações na Bolsa de Frankfurt, o prospecto da Deutsch Telekon omitiu uma série de informações relevantes, o que ocasionou um acentuado declínio de seu valor nominal nos meses subsequentes. Em virtude disso, de agosto de 2001 à primavera de 2003, foram propostas treze mil ações perante o Tribunal de Frankfurt (sede da bolsa) para a busca da reparação de prejuízos, o que ocasionou uma total paralização da seção de direito comercial. Diante disso, em 2004, foram propostos dois recursos constitucionais diretamente ao Tribunal Constitucional alemão (BVerfG)alegando-se violação ao direito de duração razoável do processo. Esse, respondeu ao recurso afirmando que, no caso concreto, a demora era tolerável, ma já aludiu a possibilidade de utilização do processo-modelo. Para responder a esse caso e também devolver a confiança ao investidor individual depois dos escândalos acionários, em 2005 veio a lume a Kapitalaleger-Musterverfahrengesetz (KapMug). Com ela, objetivou o legislador resolver de modo idêntico e vinculante, seja sobre o perfil fático ou jurídico, um questão controversa surgida em causas paralelas através de uma decisão modelo remetida ao Tribunal de Apelação.”

Enfim o objetivo do instituto alemão foi estabelecer uma esfera de decisão coletiva de questões comuns a litígios individuais, sem esbarrar nos ataques teóricos e entraves práticos da disciplina de ações coletivas de tipo representativo.

Visa-se o esclarecimento unitário de características típicas a várias demandas isomórgicas[4], com um espectro de abrangência subjetivo para além das partes.  A finalidade do procedimento é fixar o posicionamento sobre os supostos fáticos ou jurídicos de pretensões repetitivas.

Assim através do Musterverfahren decidem-se apenas alguns pontos litigiosos os chamados Streitpunkte que serão expressamente indicados  requerente e fixados pelo juízo, fazendo com que a decisão tomada em relação aestas questões atingja vários litígios individuais. Portanto, o mérito da cognição do incidente compreende elementos fáticos ou questões prévias (Vorfragen) de uma relação jurídica ou de fundamentos da pretensão individual.

A iniciativa de propositura do procedimento-modelo é de qualquer das partes de um processo em curso.  Sendo de primeiro grau de jurisdição a admissão do procedimento-modelo para o processamento da demanda, haverá a publicação de registro especial, por meio de órgãos federais ligados ao Ministerio da Justiça, que conterá as informações do processo originário, buscando dar ciência aos litigantes de processos semelhantes e pendentesm para caso seja de seu interesse, possam aderir ao procedimento-modelo.

Outro passo relevante era a escolha de um líder (porta-voz) para os vários autores e outro para os réus, mas isto não inibia eventuais contribuições convergentes dos demais. Vez que instauraddos, são suspensos os processos individuais através de decisão irrecorrível, inclusive para os que não aderiram ao procedimento-modelo.

A decisão do Musterverfahren era vinculante para todos os julgadores e eficaz para todos os intervenientes mesmo que não tenham requerido o tratamento coletivo. Os futuros litigantes não sofreriam os efeitos da coisa julgada, posto que esta só atingirá os processos pendentes e as custas serão rateadas com todos os intervenientes de forma proporcional.

A Constituição Cidadã mudou a realidade do jurisdicionado brasileiro, pois há a garantia de acesso amplo a justiça, o que propriciou a banalização do processo judicial, haja vista que a mencionada garantia afasta qualquer tipo de restrição de acesso à justiça, isto é, tornou defesa a imposição de maiores sanções ao abuso do direito processual.

O movimento de acesso à justiça redundou num quantidade imensa de demandas que antes restavam alheios ao Judiciário. O referido movimento em nível mundial fora capitaneado pelo doutrinador italiano Mauro Cappelletti[5], que contribuiu para o agravamento da crise, pois à proporção que mais pessoas têm acesso à ordem jurídica, é natural que o número de processos cresca em razão direta.

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Não se pode esquecer que o apesar do acesso à justiça reduza a litigiosidade contida, faz florescer contendas que,, em condições adversas, não seriam levadas ao Poder Judiciário, em grave demonstração da inoperãncia do Estado-Social[6].

Houve um crescimento acentuado dos chamados litígios de massa. Entretanto, ressalte-se que esse mecanismo de resolução de processos repetitivos no Brasil[7] deve ser sincronizado com as regras em favor da tutela coletiva dos direitos homogêneos[8].

Pesquisas judiciárias do Conselho Nacional de Justiça concluiu a respeito de algumas soluções pontuais para determinadas demandas repetitivas, quais sejam:

Modificações na estrutura da litigância previdenciária, com a reformulação das normas administrativas do INSS, um maior foco em relação à conciliação dos processos e um esforço no sentido da pacificação da jurisprudência nas instâncias superiores, desestimulando o ajuizamento de causas sabiamente perdidas.

Modificações na estrutura da litigância consumerista, com o aprimoramento da regulamentação do Banco Central (BACEN) e do Conselho Monetário Nacional (CMN), maior atenção do judiciário a respeito do fenômeno do superendividamento da população, que por sua vez acarreta um grande número de ações de revisão de contratos e, por fim, uma maior política de transparência e informação acerca das empresas que lideram o quadro de demandas judiciais .

Ademais a morosidade na prestação jurisdicional acarreta a sua intempestividade e principalmente consequências prejudiciais de ordem endoprocessual e, ainda outras, que vão além do certame judicial[9].

Já no tocante à necessidade de uniformização de jurisprudência essa se justifica pois é absurdo que existam decisões judiciais que resolver de forma desigual relações e pessoas que se encontram na mesma situação[10].

A massificação das demandas influencia principalmente a qualidade da prestação jurisdicional, o que compromete ainda mais a crise e a legitimidade do judiciário, reforçando a necessidade de criar novos mecanismos processuais para resolução dos litígios de massa.

O Código de Buzaid[11] que se arvorou em "surfista" depois de tantas ondas reformista, sempre buscou estabelecer nova sistemática em específicos pontos do processo civil, é apontado como um dos inúmeros problemas que ocasionam a morosidade da pretação jurisdicional, em virtude do formalismo exacerbado.

Portanto, a exposição de motivos conclui que o incidente de resolução de demandas[12] repetitivas é poderoso instrumento, tornado ainda mais eficiente, no sentido de uniformizar a jurisprudência, dos tribunais superiores, interna corporis.

Também funcionará como desestímulo as aventuras jurídicas, uma vez ue o litigante, tendo conhecimento do posicionamento do tribunal, que é contrários aos seus interesses, e da obrigatoriedade da sua aplicação à demanda que porventura venha ajuizar, restará desestimulado ao provocar o judiciário.

O enfrentamento de problemáticas multifacetadas[13] cuja aptidão será verificada com acerto, caso, efetivamente, haja o contributo e boa vontade daqueles operadores de direito mais sensíveis aos agudos problemas que atingem a sociedade brasileira.

Por isso, ratifica-se a imperiosa observância de tais princípios principalmente para a manutenção do paradigma procedimental do Estado Democrático de Direito que passa pela institucionalização das condições para que os afetados pelas decisões possam participar da construção e itnerpretação normativas, bem como ainda fiscalizá-las.

Enfim, essa matriz neoinstitucionalista[14] é consistente e respeita a principiologia constitucional do processo e assegura as condições de legimitidade e soberania decisória, até pela possibilidade do distinguishing[15], que é a comprovação de não ser a mesma questão de direito, ou de fato, ou ambas.

Mas há aqueles que defendem a inobservância dos princípios processuais na sistemática do incidente, e rogam que o modelo mais apropriado seria o americano, denominado de class action.

Apesar de ser um meio pelo qual se quer galgar a celeridade e uniformização jurisprudencial ser alvo de severas críticas, quando se alega inclusive o desprestígio dos princípios processuais assegurados pela Constituição cidadão, quais sejam, a ampla defesa e o contraditório vez que se restrinja a efetiva participação dos interessados ou litigantes na construção da decisão de mérito, o que afeta de morte a legitimidade do provimento final do incidente.

Duas grandes espécies de pretensões podem ser promovidas mediante class action: (a) pretensões de natureza declaratória ou relacionadas com direitos cuja tutela se efetiva mediante provimentos com ordens de fazer ou não fazer, geralmente direitos civis (injuctions class actions); e (b) pretensões de natureza indenizatória de danos materiais individualmente sofridos (class actions for damages).

Destaca-se, na ação de classe, o importante papel desempenhado pelo juiz, a quem é atribuído uma gama significativa de poderes, seja para o exame das condições de admissibilidade da demanda e da adequada representação ostentada pelos demandantes, seja para o controle dos pressupostos para o seu desenvolvimento e instrução.

Atendidos os requisitos de admissibilidade e de desenvolvimento do processo, a sentença fará coisa julgada com eficácia geral, vinculando a todos os membros da classe, inclusive os que não foram dele notificados, desde que tenha ficado reconhecida sua adequada representação.

Sobre o modelo de Agregação de Causas do direito português fora editado através do Decreto-Lei 108/2006, criando procedimento experimental para processamento e julgamento de demandas repetitivas. Que visa materializar o imperativo traçado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 100/2005, de 30 de maio de 2005, que aprovou o Plano de Ação para  o Descongestionamento dos Tribunais, e visa assegurar um tratamento específico, no âmbito dos meios jurisdicionais, aos litigantes de massa, permitindo, designadamente, a prática de decisões judiciais que abranjam vários processos.

Por tal procedimento lusitano se possibilita a associação transitória dos processos e apenas para a prática de um ato, seja este ato de secretaria, a audiência preliminar, audiência final, despacho interlocutório ou sentença.

Segundo Nuno de Lemos Jorge[16] se assenta em duas premissas principais: aprofundamento do princípio da adequação formal, permitindo que o juiz flexibilize o procedimento para ajustá-lo às peculiaridades do caso concreto e, por outro lado, a possibilidade de praticar atos processuais únicos destinados a produzir efeitos em vários processos.

Assim permite-se a realização de atos processuais de forma conjunta, inclusive com a prolação de decisão que vem surtir efeitos para todos os processos reunidos temporariamente.

A Exposição de Motivos do Dec.Lei 108/2006 expressou bem claro que o procedimento de agregação fora criado com o intuito de desafogar alguns Tribunais sobrecarregados de processos, permitindo que os processos dos litigantes ocasionais tramitem com maior celeridade.

Acrescenta o doutrinador português que, quando a agregação seja requerida por uma das partes, parece indiscutível que a contraparte terá de ser ouvida, sob pena de compressão intolerável do direito ao contraditório, o que o novo regime não quis certamente revogar (aludindo ao art. 3º, n.3º do CPC português).

O motivo da predileção brasileira[17] pela sistemática da ação de classe americana em detrimento do procedimento-modelo alemão,a dotada pelo incidente brasileiro, por aqueles que buscam a absoluta observância dos princípios processuais.

E, deve-se ao fato de que na ação de classe americana, busca-se um equilíbrio entre as partes na relação processual, atribuindo legitimidade a quem, supostamente, teria melhores condições de litigar em nome da coletividade, enquanto no incidente de resolução de demandas repetitivas, escolhe um dos processos como representativos da controvérsia, sem ter previsão legal de uma preocupação com o equilíbrio na relaçaõ processual.

Enfim, o incidente revela-se como tentativa do legislador de dar uma resposta aos anseios sociais, no sentido de dar uma sistemática mais célere ao processo judicial e avabar com a insegurança jurídica advinda das discrepantes jurisprudências para casos idênticos.

Rezemos que o mecanismo do incidente seja realmente capaz de oferecer maior celeridade processual e a uniformização da jurisprudência tão desejada sem haver violação de princípios processuais peculiares ao Estado Democrático de Direito.

Referências

MARTINS, Felipe Derick. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (Projeto de Lei n. 8.046/2010) Disponível em: http://npa.newtonpaiva.br/letrasjuridicas/?p=94   Acesso em 17.03.2015.

LUSTOSA, Luís Geraldo Soares. Incidente de Resolução de Causas Repetitivas: Perspectivas econômicas implícitas na resolução de demandas repetitivas e de massa no projeto do novo CPC. Disponível em: http://www.unicap.br/tede//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=840  Acesso em 17.03.2015.

COSTAS, Henrique Araújo Costa. Incidente das demandas Repetitivas. Disponível em: http://www.arcos.org.br/leis/anteprojeto-do-novo-codigo-de-processo-civil/livro-iv-dos-processos-nos-tribunais-e-dos-meios-de-impugnacao-das-decisoes-judiciais/titulo-i-dos-processos-nos-tribunais/capitulo-vii-do-incidente-de-resolucao-de-demandas-repetitivas/art-895//?dialogo#comentario_15198  Acesso em 17.03.2015.

SANTOS, Giuseppe. Novo CPC: o incidente de resolução de demandas repetitivas. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/29602/novo-cpc-o-incidente-de-resolucao-de-demandas-repetitivas  Acesso em 17.03.2015.

BRANCO NETO, Ney Castelo. Primeiras impressões sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto do novo CPC. Disponível: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9463   Acesso em 17.03.2015.

DA SILVA, Larissa Clare Pochmann. Incidente de Resolução de demandas repetitivas: Tutela Coletiva ou Padronização do Processo? Disponível em: http://www4.jfrj.jus.br/seer/index.php/revista_sjrj/article/viewFile/285/261  Acesso em 17.03.2015.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH,Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2002.

ROSSONI, I.B. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e a Introdução do Group Litigation no Direito Brasileiro: Avanço ou Retrocesso?. São Paulo: Revista Magister Direito Civil e Processual Civil.  V.1., 2010.

ALBUQUERQUE, Márcia. Processo Civil para Provas e Concursos. 1ª. edição Niterói: Editora Impetus, 2014.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

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