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Os crimes sexuais e a Lei nº 12.015/2009

Agenda 25/03/2015 às 11:26

Essa lei alterou o Código Penal Brasileiro no que cerne aos crimes sexuais. Primeiramente a lei alterou o título, onde antes era conhecido por “Dos Crimes Contra os Costumes”, com a nova redação é conhecido por “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”.

1 Introdução

O Direito é uma ciência em evolução, a todo tempo a sociedade evolui, alguns valores que antes eram primordiais vão se tornando defasados e assim surge a necessidade do legislador acompanhar os avanços da sociedade, para isso ele cria leis para tornar realidade a segurança jurídica que a sociedade tanto necessita. Assim foi o que aconteceu com o Código Penal Brasileiro no tocante aos Crimes Sexuais.

A Lei 12.015 de agosto de 2009 trouxe inúmeras alterações no que cerne aos Crimes Sexuais.

A presente lei primeiramente alterou o nome do Título VI do Código Penal Brasileiro, que antes se chamava “Dos Crimes Contra os Costumes”, a partir da nova redação passa a se chamar “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”.

O bem jurídico tutelado, a liberdade sexual da mulher, abrange agora qualquer pessoa, pois a preocupação do legislador é com a liberdade sexual de todos os indivíduos.

No tocante ao agente dos crimes, passou a ser não só o homem como era antes mas também a mulher,como figura do pólo ativo destes crimes.

E no pólo passivo, onde antes só se admitia a figura da mulher, hoje, se admite também o homem.

Para um melhor entendimento do tema, o presente trabalho de conclusão de curso foi dividido em quatro capítulos.

No primeiro capítulo será feita uma pesquisa sobre a evolução histórica do crime de estupro, observar-se-á como era tratado este crime desde os primórdios e os dias atuais, qual era a pena aplicada aos criminosos, quem eram os agentes deste crime e qual era o bem jurídico tutelado.

No segundo capítulo será tratado o crime de estupro, serão feitos comparativos com a antiga redação do Código Penal com a nova redação, observando as principais mudanças acerca do estupro.

No terceiro capítulo será tratado o estupro de vulnerável, uma novidade trazida pelo legislador pátrio, promovendo uma segurança jurídica aos chamados vulneráveis. Antes existia a figura da “presunção de violência”, mas esta já não condizia com a realidade brasileira e não trazia a segurança necessária às crianças e adolescentes.

Por fim no quarto capítulo serão analisadas as peculiaridades da presente lei, o tipo de ação penal utilizada nesses crimes, será abordada também a possibilidade da retroatividade da lei que é uma garantia constitucional, ainda, será tratada o estupro e a lei de crimes hediondos, e por fim, a tutela do Segredo de Justiça para esses crimes.

2  EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Do latim stuprus, que no direito romano significa todo e qualquer comportamento sexual anornal. De acordo com o dicionário Aurélio, é o crime de constranger alguém ao coito com violência ou grave ameaça.

Não existe uma data nem um local preciso do surgimento deste crime do estupro mas existem fontes que comprovam que este já foi punido em todas as civilizações.

2.1 Legislação Hebraíca

O Código mais antigo do mundo, o UR-NAMU, pertencia a legislação hebraíca que datava de 2.500 antes de Cristo, pode-se observar que parte desse código encontra-se nas escrituras biblícas e  que o mesmo já aplicava pena aos autores deste crime, conforme transcrição abaixo:

“Se encontrar um homem dormindo com uma mulher, todos os dois deverão morrer: o homem que dormiu com a mulher, e esta da mesma forma. Assim, tirarás o mal do meio de ti.

Se uma virgem se tiver casado, e um homem, encontrando-a na cidade, dormir com ela, conduzireis um e outro à porta da cidade e os apedrejareis até que morram: a donzela, porque, estando na cidade, não gritou, e o homem por ter violado a mulher do seu próximo. Assim tirarás o mal do meio de ti. Mas se foi no campo que o homem encontrou a jovem e lhe fez violência para dormir com ela, nesse caso só ele deverá morrer, e nada fareis à jovem, que não cometeu uma falta digna de morte, porque é um caso similar ao do homem que se atira sobre o seu próximo e o mata: foi no campo que o homem a encontrou; a jovem gritou, mas não havia ninguém que a socorresse.

Se um homem encontrar uma jovem virgem, que não seja casada, e, tomando-a, dormir com ela, e forem apanhados, esse homem dará ao pai da jovem cinqüenta siclos de prata, e ela tornar-se-á sua mulher. Como a deflorou, não poderá repudiá-la em todos os dias de sua vida.

Ninguém desposará a mulher de seu pai, nem levantará a cobertura do leito paterno”.[1]

Assim, pode-se entender que lei punia mais severamente o crime contra a mulher casada, que era conhecido também como crime impróprio, pois não existia o defloramento haja vista a mulher já conhecera o homem, o autor do crime era condenado a morte, tanto o homem que violasse a mulher casada ou já prometida em casamento, como a mulher também, eram apedrejados em praça pública, então pode-se observar que ambos eram punidos.

Mas o tratamento para o crime cometido contra a  mulher virgem era mais brando, era pecuniário, pago ao pai da vítima e ainda, o acusado deveria se casar com ela, esse crime era considerado crime próprio, a mulher era deflorada como pode ser percebido no transcrito abaixo:

"Se alguém enganar alguma virgem, que não for desposada, e se deitar com ela, certamente a dotará por sua mulher. Se seu pai inteiramente recusar, dará dinheiro conforme ao dote das virgens".[2]

Observa-se também que se faz necessário o flagrante, ou indícios bastante prováveis de que o ato acontecera.

“Já o Código de Hamurabi, datado de 2000 anos antes de Cristo, trazia em seu artigo 130, que “se alguém viola mulher que ainda não conheceu homem e vive na casa paterna e tem contato com ela e é surpreendido, este homem deverá ser morto e a mulher irá livre”.[3]

Observa-se que com o passar do tempo, a lei vai ficando mais rígida com o criminoso e mais branda com a mulher (vítima), a pena ainda é de morte, porém deve-se ater ao fato do flagrante que ainda se faz necessário como também a necessidade da violação da mulher como pode ser percebido através da palavra contato.

2.2 LEGISLAÇÃO ROMANA

Na legislação romana o conceito de estupro era muito amplo e significava qualquer encontro carnal ilícito entre homem e mulher, conceito este que abrangia e apenava principalmente o adultério e não só este ato de maneira forçada.

“A violência carnal era punida com a morte pela “lex julia de vi publica”, considerava-se crime abominável, era considerado assim, por que se tinha mais em vista a violência empregada do que o fim do agente. Neste mesmo período histórico a denominação estupro não era aplicada, pois era usada a palavra stuprum na referida lei que designava como crime a conjunção carnal ilícita com mulher virgem ou viúva honesta, mas tal conjunção não poderia ter violência”.[4]

            A Lex Julia de adulteris tratou de distinguir o crime de estupro do crime de adultério onde, o estupro era a conjunção carnal ilegítima feita com a mulher virgem ou viúva, e o adultério era a conjunção carnal ilícita cometida com mulher casada.

            A pena para este crime era de morte (decapitação ou apedrejamento).

            Compreende-se assim que o crime de estupro desde os primórdios era considerado crime contra honra da mulher e deveria ser punido rigorosamente.  

2.3 Legislação Germanica

As leis germânicas protegiam a honra da mulher de forma rígida, porém a de se notar que as mulheres “da vida” prostitutas, não eram protegidas pois estas se presumiam que não eram mulheres honestas. 

“O estupro sempre foi considerado crime contra a honra da mulher no direito germânico. Por isso, mister se fazia a honestidade da mulher, de sorte que as mulheres dissolutas e mais licenciosas não eram tuteladas pelo direito penal, ficando sujeitas à violência carnal”.[5] 

2.3.1 Povos Bárbaros

O povo germano ocupava uma grande área que compreendia desde o leste do rio Reno ao norte do Danúbio, até a região que hoje é a Rússia. Eram repartidos em uma série de povos, em geral eram nômades, que viviam sob liderança de um líder que era escolhido em razão de sua coragem.

Os bárbaros viviam sob a égide da lei de Talião, por influência do Direito Romano.

           Os crimes de estupro eram punidos também com a morte do sujeito ativo, desta maneira, os estupradores eram decapitados ou enterrados vivos.[6]

Ou ainda poderia ser dada a família da vitima a oportunidade de matar o acusado, como forma de vingança, de acordo com a lei de Talião.

2.4 Outras leis

No Egito, o sujeito ativo do crime de estupro, era mutilado, ou seja, o estuprador era castrado.

Na Grécia, em princípio, o crime de estupro era punido com multa, se ocorresse somente uma vez, mas, com o passar do tempo a lei mudou e a pena para esse crime passou a ser a morte do estuprador.

As antigas leis espanholas puniam os estupradores com a morte mas também sob influencia das leis de Talião ofereciam aos familiares da vítima, o direito de tirar a vida do sujeito ativo do crime.

No direito canônico, necessário se fazia a necessidade da mulher ser virgem para haver o crime, e ainda também era necessário que houvesse violência contra a mulher no ato da relação, então se a mulher não fosse virgem não havia crime.

“As antigas leis Inglesas puniam com a morte o autor deste crime, com o passar do tempo a lei foi substituída pela castração (pênis) e pelo vazamento dos olhos. No antigo direito francês, distinguiram-se o rapto violento e o estupro. O primeiro supunha a subtração violenta de donzelas, mulheres e viúvas de qualquer idade, contra sua vontade, com o fim de abusar delas. O segundo compreendia o emprego de força por parte do réu, contra virgem, mulher ou viúva, tendo em mira a conjunção carnal, o que só mudou tal qual como nas legislações atuais em 1810”.[7]

Assim observa-se que os crimes eram praticamente idênticos, o que difere é que no rapto violento o autor tinha que levar a vitima para outro lugar e no estupro não.

Na França, a partir de 1730, as leis aplicavam penas leves para este crime, e depois em 1779, o estupro simples, não era mais punido, nem mesmo o defloramento, a única forma de estupro punida era o crime praticado com violência real.

Na Prússia havia uma forte hesitação no tocante a possibilidade de haver conjunção carnal forçada, onde se houvesse resistência séria por parte da vítima, assim entende-se que, a violência carnal era punida somente se a ofendida fosse amarrada, ou ameaçada por armas, ou se, na prática do crime houvesse concurso de pessoas.

“O Código toscano de 1853 punia a sedução cometida mediante simulação de casamento (art. 299), qualquer que fosse a idade ou condição da ofendida. Punia, também, o defloramento de menor de 21 anos, se obtido mediante fraude ou sedução extraordinária, considerando estupro o defloramento de menor de 16 anos.
O coexistente Código sardo punia a sedução de menor de 18 anos praticada com promessa de casamento. Já o Código francês, de 1810, contemplava apenas o estupro violento”.[8]

No Brasil, as Ordenações Afonsinas datam de 1500 e eram conhecidos pelo rigor com que apenavam os criminosos, tinha inspiração do direito canônico.

O estupro era previsto nas Ordenações Afonsinas, a pena para o criminoso era a morte sem nenhum privilégio nem mesmo por alta condição financeira. Se a mulher for virgem e solteira e o estuprador viesse a se casar com ela, mesmo assim seria apenado com a morte, isso só não aconteceria se o rei o agraciasse com o perdão oficial.

As Ordenações Manoelinas datam de 1521, o crime de estupro também era apenado com morte e também morreria quem ajudasse a cometer o ato, a pena era aplicada ao estuprador tanto da mulher honrosa como também da prostituta. Não importava a condição da mulher mas sim a liberdade sexual. 

As Ordenações Filipinas puniam com a morte os estupradores, independentemente da mulher ser casada, viúva, virgem ou libertina. Assim entende-se que o direito começa a se preocupar não apenas com a condição civil da vítima mas sim com o crime em si e a violência que é empregada durante o ato.

“As Ordenações Filipinas, no Livro V, Título 23, incriminavam a ação de quem "dorme com mulher virgem, por sua vontade" e a de quem "dorme com viúva honesta, por sua vontade", acolhendo o princípio aut nubat aut dotet: “Mandamos que o homem, que dormir com mulher virgem por sua vontade, case com ela, se ela quiser, e se for convinhável, e dê condição para com ela casar. E não casando, ou não querendo ela casar com ele, seja condenado para casamento dela na quantia que for arbitrada pelo julgador - segundo sua qualidade, fazenda e condição de seu pai”. Na falta de bens era aplicado o degredo para a África ou açoites, conforme a condição do réu”.[9]
 

A pena para este crime não era mais o de morte, mas o acusado tinha o dever de se casar com a vítima ou então pena pecuniária, era uma forma de ressarcir a vítima, se o agente não possuísse meios para reparar o mal causado, sofreria castigos físicos ou até mesmo a deportação para a África, isso dependeria da condição financeira do acusado.

 O Código Penal de 1830, possuía um capítulo destinado aos crimes contra a segurança da honra da mulher. Trazia artigos que puniam todas as formas de violência carnal empregada contra a mulher e punia mais severamente os casos de estupro onde empregava-se a ameaça e a violência. Vale ressaltar que se a mulher fosse meretriz, a pena era reduzida. O artigo tinha a seguinte redação:

“Art. 222:

Ter cópula carnal, por meio de violência ou ameaça com qualquer mulher honesta”.

Penas – de prisão por 3 (três) anos a 12 (doze) anos e de dotar a ofendida.

Se a violada for prostituta. Pena – de prisão por um mês a dois anos”.[10]

Esse código faz a distinção de graduação de pena em relação a mulher honesta e prostituta, esse código também não previa o crime de corrupção de menores, que só foi tratado como crime pelo Código Penal Brasileiro de 1890, que teve influências do Código Italiano e já previa pena para tal conduta.

O estupro neste Código era tratado no artigo 268, como pode ser visto a seguir:

“Estuprar mulher virgem ou não, mas honesta:

Pena: prisão de 1 a 6 anos.

Definido no art. 269 o que seja estupro: chama-se estupro o ato pelo qual o homem abusa com violência de uma mulher, ou seja virgem ou não”.[11]

Já o artigo seguinte, o 269, trata de conceituar o crime de estupro, para dirimir quaisquer dúvidas que venham a surgir, como pode ser demonstrado abaixo: “Chama-se estupro, o ato pelo qual o homem pelo qual o homem abusa com violência de mulher, seja virgem ou não”.[12]  

O Código Penal Brasileiro de 1940 por sua vez, destinou um título aos Crimes Contra os Costumes e Contra a Liberdade Sexual, que eram tratados desde o artigo 213 até o artigo 226. O crime de estupro era previsto no artigo 213 e trazia a seguinte redação: “Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:

Pena: reclusão de seis a dez anos”.[13]

O título também trata outros crimes sexuais, quais sejam, o Atentado Violento ao Pudor, a Posse Sexual Mediante Fraude, Atentado ao Pudor Mediante Fraude, Sedução, Corrupção de Menores e o Rapto Violento Mediante Fraude, esses crimes formam o título dos Crime contra os Costumes.

Esse Código recentemente sofreu alterações no título tratado acima, (Crimes contra os Costumes, Crimes contra a Liberdade Sexual), porém estas alterações serão abordadas no próximo capítulo, onde será feito um estudo mais elaborado apontando todas as mudanças.

2.5 BEM JURÍDICO TUTELADO

O bem jurídico tutelado pelo direito penal no crime tanto de estupro quanto nos demais crimes sexuais, não é apenas a integridade física mas também a liberdade sexual da mulher, que tem a possibilidade de dispor do seu corpo da maneira que bem entender.

Deve-se ater ao fato de que o estupro é um crime cometido contra a liberdade sexual. Iara Ingenfritz da Silva define: “o estereótipo costumes, empregado pela lei penal vigente, significa a ‘moral pública sexual’, que é, em ultima análise, o bem jurídico penalmente tutelado”.[14]

Nelson Hungria define:

“Estupro é a obtenção da posse sexual da mulher por meio de violência física ou moral, ou, para nos afeiçoarmos ao texto legal, o constrangimento de mulher a conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”. E ainda, “declara que só a mulher pode ser sujeito passivo deste crime”.[15]

Assim, atente-se ao fato de que o estupro na legislação anterior, era um crime que exigia a violência física ou moral, era um atentado contra a liberdade sexual da mulher, que se frise, só era admitido contra a mulher, dessa maneira, não existia o estupro contra o homem. Deste modo, o direito penal se preocupou com a mulher, com a liberdade sexual da mulher, não importando mais a condição (virgem ou deflorada) da mulher, para que o sujeito ativo do crime seja apenado.

2.6 O ESTUPRO E AS GUERRAS

O estupro sempre foi uma arma de guerra, quando um certo povo invadia e tomava certa região, os vitoriosos se sentiam a vontade para usar sexualmente as mulheres da região tomada, o estupro era coletivo.

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Observe a reportagem transcrita, cujo tema é: “O estupro como crime de guerra e o Direito Internacional”, por Vesna Kesic.

“Somente no século passado houve pelo menos seis casos documentados de abuso sexual massivo de mulheres em várias guerras: as Violações de Nanking, em 1937; com mulheres escravizadas nos campos japoneses na II Guerra Mundial; o estupro de alemãs no final da II Guerra; os estupros na guerra de Bangladesh-Paquistão no início dos anos 1970; os estupros massivos durante os conflitos étnicos da Bósnia e Ruanda nos anos 1990.

As cifras de todos estes casos têm sido muito disputadas e variam segundo a fonte ou o contexto da discussão. Um comunicado do Ministério do Interior da Bósnia, em outubro de 1992, diz que os militares e paramilitares sérvios estupra­ram 60 mil mulheres, muitos deles com o propósito de engravidá-las. A Comissão de Peritos da ONU publicou um in­forme, em 1994, que fala de 4.500 casos documentados. Ao mesmo tempo, a Comissão dá credibilidade ao cálculo de 20 mil estupradas na Bósnia e Croácia.

Várias missões internacionais concordam que todos os grupos em guerra come­teram estupros, ainda que discordem so­bre a quantidade; e que os militares e paramilitares sérvios cometeram a maior quantidade de estupros. Entretanto, du­rante muito tempo, todos os grupos negaram que seus soldados tivessem par­ticipado destes atos. Em quase todos os casos, os estupros cometidos durante a guerra se trivializaram e depois da guerra são “esqueci­dos”. Os “vencedores” e os “vencidos”, ou em outras palavras, os agressores e as vítimas da guerra reprimem este tipo de recordação. Algumas narrativas reapare­cem em forma de literatura ou cinema, mas quase nunca surgem como debate político ou teórico sério. Na crescente bibliografia feminista sobre violência sexual contra a mulher dos últimos 30 anos há somente um estudo sério sobre a ocorrência em tempos de guerra: o clás­sico de Susan Brownmiller “Contra nossa vontade: homens, mulheres e estupro”, publicado em 1975, garante que os crimes sexuais de guerra podem ser nego­ciados em acordos de paz e demais acer­tos políticos que fazem os mediadores entre os “vencedores” e os “vencidos”.

Os abusos sexuais contra a mulher na guerra nunca foram reconhecidos como crimes de guerra. Nunca são investiga­dos, processados ou castigados, porque não estavam incorporados na lei. De maneira similar aos crimes sexuais contra a mulher em tempos de paz, ficaram impunes como “crimes sem nome”. Depois da guerra da ex-Iugoslávia e Ruanda ocorreram mudanças muito importantes. Os estupros massivos que ocorreram na Iugoslávia, sobretudo as da Bósnia e Herzegovina, foram os primei­ros na história a serem julgados por uma corte internacional, e como tais, estes crimes, junto com os estupros massivos em Ruanda, serviram para produzir mu­danças inéditas no direito humanitário internacional.

A Declaração de Viena, adotada pela Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU, em 1993, é o primeiro documento internacional que reconhece os direitos da mulher como direitos humanos.

A Declaração diz que a violação dos direitos humanos da mul­her nos conflitos armados, particular­mente o assassinato, o estupro sistemáti­co, a escravidão sexual e a gravidez forçada são violações dos princípios fundamen­tais dos direitos humanos e do direito humanitário internacional. Nos estatutos do tribunal ad hoc para o tratamento dos crimes de guerra cometidos nas guerras da ex-Iugoslávia e Ruanda, criados em 1993 e 1995, o estupro aparece especifi­cado na categoria de delitos de lesa hu­manidade.

Muitas mulheres, advogados e inves­tigadores garantem que esta formulação serviu para que o estupro saísse do âmbito privado, pessoal, para passar a ser público ou “político”. Outros, como alguns gru­pos de mulheres na ex-Iugoslávia e as ativistas advogadas dos direitos humanos da mulher, fazem a seguinte crítica:

Passando a ser tratado como genocida, ou como delito de lesa humanidade, pa­rece que o estupro – enquanto delito de gênero específico contra a mulher – se fez visível e passou do privado para o político, mas só por estar estritamente ligado às já existentes figuras jurídicas do delito con­tra os grupos religiosos ou étnicos.

A partir do ponto de vista da mulher, ou pelo menos feminista, outra vez teremos que dizer que o que se castiga não é um crime contra a mulher, mas um crime contra as mulheres enquanto integrantes de um grupo étnico ou nacional “estável ou permanente”. Isto significa que não foi a atrocidade como tal (o estupro massivo de mulheres, o dano causado a cada mulher), mas o propósito dessa atrocidade, nestes casos, a limpeza étnica ou o genocí­dio, o fator que decide o caráter do delito e inicia uma transformação, que é positiva por razões mais gerais.

Mas o Estatuto é uma vitória, porque reconhece a existência de delitos com caráter de gênero como fenômeno distin­guível, e um pilar para a criação perman­ente de uma Corte Internacional de Justiça que integre os delitos de gênero”.[16]

Observam-se com tamanha repúdia os dados coletados nesta reportagem, pois esses crimes se quer foram julgados, e os criminosos se quer foram sancionados. Importante ressaltar que as Organizações Internacionais vêm reprimindo este tipo de conduta, mas a verdadeira situação é que estes crimes ainda acontecem, como é o caso do Congo, país dilacerado por práticas desprezíveis de estupro coletivo, principal arma de guerra naquele lugar. Observe os dados disponibilizados pela reportagem disponibilizada a seguir:

“O crime de estupro existia no Congo antes da guerra, assim como em outras partes do mundo. Mas a proliferação da violência sexual deu-se com a guerra. Agora, tanto milicianos quanto soldados congoleses usam o estupro como arma. Na ausência de autoridade que a coibisse, a violência sexual assolou o leste do Congo, palco de seguidos combates. Isto não faz do estupro algo cultural; torna-o fácil de cometer. Existe uma diferença entre as duas coisas.

Os analistas costumam falar em "cultura de impunidade" para descrever o Congo. John Prendergast, que trabalhou por 25 anos em zonas africanas de conflito, explica: "O estado de direito desfaz-se e os perpetradores passam a cometer crimes sem temer a condenação e o castigo. Com o tempo, isto leva a um colapso maior dos códigos da sociedade e do próprio tecido social de uma comunidade”.[17]

Pode-se perceber que as mulheres são tratadas de modo desumano por rebeldes vindos de Ruanda, são policiais, soldados do exército congolês e civis, assim, o estupro é “comum” por lá.

Os estupros coletivos são epidemias na cidade do Congo, por não haver punição para os estupradores, estes se sentem a vontade para atacar as indefesas mulheres, mulheres que o resto do mundo tratou de esquecer. A impunidade é tamanha que alguns acreditam que os estupros são fenômenos culturais da sociedade congolesa.

O terrorismo sexual vivenciado por aquelas pessoas é de uma violência tão imensa que o que se espera é que as autoridades competentes possam acabar com essa prática abominável.

No próximo capítulo será abordada a entrada em vigor da Lei n. 12.015 de 7 de agosto de 2009. Essa lei alterou redação do Título VI do Código Penal dedicado aos “Crimes Contra os Costumes” – atualmente esse capítulo é chamado de “Crimes Contra a Dignidade Sexual”.

      

  

3 A LEI N. 12.015 DE AGOSTO DE 2009.

A Lei 12.015 foi publicada no dia 7 de agosto de 2009, mas só entrou em vigor no ordenamento jurídico pátrio no dia 10 de agosto de 2009, essa lei alterou fundamentalmente a Legislação Penal Brasileira no que cerne aos crimes contra a Dignidade Sexual. Também promoveu alterações no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e na lei n. 8.072 de 1990, lei esta que define e trata sobre os crimes hediondos.

3.1 ALTERAÇÃO DO TÍTULO VI DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

Em primeiro, a lei alterou a nomenclatura do Título VI do Código de Penal Brasileiro, onde antes era designado como “Dos Crimes Contra os Costumes”, com a nova redação, passou a adotar a terminologia de “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”.

Essa mudança foi muito oportuna, a esse respeito Rogério Greco se pronuncia:

“A expressão crimes contra os costumes já não traduzia a realidade dos bens juridicamente protegidos pelos tipos penais que se encontravam no Título VI do Código Penal.

O foco da proteção já não era mais a forma como as pessoas deveriam se comportar sexualmente perante a sociedade do século XXI, mas sim a tutela da sua dignidade sexual.

O nome dado a um Título ou mesmo a um Capítulo do Código Penal tem o condão de influenciar na análise de cada figura típica nele contida, pois, através de uma interpretação sistêmica ou mesmo de uma interpretação teleológica, onde se busca a finalidade da proteção legal, pode-se concluir a respeito do bem que se quer proteger, conduzindo, assim, o intérprete, que não poderá fugir às orientações nele contidas”.[18]

Assim, observe que a redação anterior deste título datava de 1940, há muito tempo uma boa parte da doutrina sustentava o pensamento de que esse nome já não demonstrava mais a profundeza, a do bem jurídico tutelado, que é a dignidade sexual não só da mulher mas da pessoa humana.

Desta maneira, a nova terminologia dada a esse título, se ajusta mais com o preceito fundamental da Constituição Federativa Brasileira de 1988, qual seja, a liberdade sexual.

3.1.1 Definição do Título: “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual” 

            No dicionário Aurélio, a dignidade está definida como modo de proceder que infunde respeito, ou elevação ou grandeza moral, honra, decência, decoro.

Guilherme de Souza Nucci se pronuncia a esse respeito:

 “Dignidade fornece a noção de decência, compostura, respeitabilidade. A sua associação ao termo sexual insere-a no contexto dos atos tendentes à satisfação da sensualidade ou da volúpia. Considerando-se o direito à intimidade, à vida privada e honra, constitucionalmente assegurados (artigo 5, inciso X da Constituição Federal), alem do que a atividade sexual é não somente um prazer material, mas uma necessidade fisiológica para muitos, possui pertinência, a tutela penal da dignidade sexual. Em outros termos, busca-se proteger a respeitabilidade do ser humano em matéria sexual, garantindo-lhe a liberdade de escolha e a opção nesse cenário, sem qualquer forma de exploração, especialmente quando envolver, formas de violência”.[19]

Assim, a dignidade sexual tem a ver com a liberdade sexual da pessoa humana, e ainda, deixa o texto penal consonante com a Constituição Federal de 1988, pois atende a um principio base desta, qual seja, a Dignidade da Pessoa Humana.

3.2 O CRIME DE ESTUPRO

O crime de estupro era tratado no artigo 213 do Código Penal Brasileiro, antes da lei 12.015 e tinha a seguinte redação:

“Artigo 213:

constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave

ameaça:

Pena- reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos”.[20]

Com a leitura do presente artigo surgem três observações importantes, a primeira é que, o objeto jurídico tutelado pela antiga legislação penal era a liberdade sexual da mulher, a segunda é que o sujeito passivo do crime era somente a mulher e por último deve-se atentar ao fato que o sujeito ativo deste crime só poderia ser o homem pois é um crime de mão própria ( É todo aquele que só pode ser praticado pelo autor direto da infração), à mulher cabe participação como autora mediata ou co-autora ou ainda como partícipe.

Delmanto explica:

“A mulher, no entanto, pode ser co-autora, através de mandato (autoria intelectual) ou auxílio (p. exemplo: ameaça com arma enquanto o homem pratica o coito vaginal); ou ainda partícipe, por meio de instigação (participação moral, p. exemplo: provocando o homem para que nele surja a vontade de cometer o crime ou estimulando a idéia já existente), ou ainda com cumplicidade (participação material; p. exemplo: emprestando a arma, vigiando o local, deixando a porta aberta para o estuprador entrar e etc.)”.[21]

Mas para outra parte da doutrina existe a possibilidade da mulher ser sujeito ativo do crime de estupro mas a doutrina majoritária é precisa ao dizer que ela só pode ser partícipe.

Mas Luiz Regis Prado afirma que ela pode ser sujeito ativo quando:

 “a mulher, mediante coação moral irresistível, faz com que um homem (coagido nesse caso, co-autor) venha a constranger alguém do sexo feminino à conjunção carnal, assim o sujeito ativo é uma pessoa do sexo feminino, já que somente o co-autor é punido pelo crime praticado, nos moldes do artigo 22 do Código Penal”.[22]

Garante, ainda, que “quando a mulher constrange o homem a praticar com ela conjunção carnal, o crime praticado é o de atentado violento ao pudor”.[23]

Deve-se atentar ao fato de que a autora (mulher), se vale de um homem para realizar a sua verdadeira vontade que é de constranger outra mulher à conjunção carnal, mas não com ela, assim utiliza-se de um homem para concretizar a sua vontade. Então nesse caso, o homem seria o meio de que se vale a autora para cometer o presente crime, observa-se também que a culpabilidade do ato realizado pelo homem não pode deixar de ser considerado ato ilícito.

Acerca do bem tutelado, Ney Moura Teles posiciona-se: “o bem jurídico protegido é a liberdade sexual da mulher. A liberdade que ela tem de escolher quando, como, onde e com quem exercerá sua sexualidade”.[24]

No tocante a tentativa, Delmanto afirma que:

“a doutrina admite mas é difícil a sua comprovação e quanto a consumação, esta se dá com a cópula vagínica, completa ou não. Ou seja, consuma-se o crime de estupro com a introdução, parcial ou total, do pênis na vagina. É indiferente que o agente alcance a ejaculação”.[25]

Um outro ponto relevante que divide a doutrina pátria é sobre a possibilidade do marido praticar o crime de estupro contra a sua esposa, Nelson HUNGRIA é categórico ao afirmar que: “o estupro pressupõe cópula ilícita (fora do casamento), a cópula intra matrimônio é recíproco dever dos cônjuges”.[26]

Porém outros autores têm pensamento diferente, é o caso de Damásio de Jesus, Celso Delmanto que cita:

“todavia, entendemos que o marido pode ser autor de estupro contra a própria esposa. O crime de estupro nada mais é do que o delito de constrangimento ilegal, mas visando à conjunção carnal, sendo que esta, por si mesma, não é crime autônomo. Assim, embora a relação sexual voluntária seja lícita ao cônjuge, o constrangimento ilegal empregado para realizar a conjunção carnal à força não constitui exercício regular de direito (CP, art. 23, III, 2ª parte), mas, sim, abuso de direito, porquanto a lei civil não autoriza o uso de violência física ou coação moral nas relações sexuais entre os cônjuges”.[27]

Observa-se que o pensamento moderno, de acordo com a Constituição Federal de 1988, uma Constituição pautada na liberdade e na igualdade, confere direitos iguais a homens e mulheres, eleva a mulher a condição de igualdade perante o homem assim, como elucida Nucci: “não se admite mais que o marido, use de conduta violenta para atingir a conjunção carnal com a sua esposa, o entendimento é que essa violência não é mais aceita como exercício regular de direito”.[28]

Deste modo, não se aceita mais a submição da mulher à violência do seu marido, hoje na legislação penal, este ato é crime de estupro.

Já o artigo 214 do Código Penal tratava sobre o atentado violento ao pudor trazia a seguinte redação:

“Artigo 214:

Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal.

Pena: Reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos”.[29]

Nesse artigo já não se fala somente na mulher o legislador usou o termo alguém, então o sujeito passivo deste crime pode ser tanto o homem quanto a mulher e ainda no tocante ao sujeito ativo, o crime admite os dois gêneros como  autores.

Importante ressaltar que, o bem tutelado pelo direito penal é a liberdade sexual da pessoa. 

Pois bem, com a nova redação dada ao Código Penal, o artigo 213 passa a ter a seguinte redação:

“Artigo 213:

Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.

Pena – reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos”.[30]

Assim, o leitor pode observar que os artigos 213 e 214, com a alteração trazida pela nova lei, se transformou em apenas um artigo, artigo este que englobou, abarcou os dois tipos penais dos presentes artigos. Não há então que se falar em abolictio crimes.

E a distinção entre o crime de estupro e o de atentado violento ao pudor, não existe mais. Observa-se que o crime de atentado ao pudor se tornou uma espécie do estupro. Então, para que esteja consumado o crime de estupro na atual legislação penal brasileira, basta a introdução completa ou parcial do pênis na vagina ou a prática de um ato lascivo no qual a finalidade é o prazer sexual do(a) autor(a).

A lei inovou ao introduzir dois importantíssimos parágrafos no artigo citado acima, eis a redação:

“Artigo 213 ................

§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos.

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§ 2º Se da conduta resulta morte.

Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos”.[31]

Ressalta-se que esses parágrafos supracitados são qualificadoras do crime de estupro, antes tratadas no artigo 223 do Código Penal, artigo que foi expressamente revogado, e também trouxe uma alteração. Observe o antigo artigo abaixo:

“Artigo 223

Se da violência resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze).

Parágrafo único. Se do fato resulta morte:

Pena – reclusão, de 12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos”.[32]

A esse respeito, Guilherme Souza Nucci se pronuncia:

“O revogado (em boa hora) artigo 223 apresentava redação defeituosa. No caput, tratando do resultado qualificador consistente em lesões corporais de natureza grave, mencionava: “se da violência resulta...”. No parágrafo único, cuidando do resultado qualificador consistente na morte da vítima, incluía: “se do fato resulta....”. Era nítida a diferença e geradora de intensos debates doutrinários e jurisprudenciais. Somente era qualificado o delito sexual se resultasse lesão grave da violência e não da grave ameaça? Quando se mencionava o fato, poder-se-ia abranger a violência e a grave ameaça ou somente a violência? Sem pretender ingressar nesse debate, a questão resolveu-se pela nova redação abraçada pelos parágrafos 1º e 2º, do artigo 213.

Eliminaram-se os termos violência e fato, adotando-se conduta. Portanto, se da conduta do agente (constrangimento exercido com violência ou grave ameaça) resultar lesão corporal de natureza grave ou morte, atingi-se o crime qualificado pelo resultado. No caso da lesão grave, a pena eleva-se para reclusão, de oito a doze anos (mesma pena do anterior artigo 223). “No caso de morte, a pena passa para reclusão de doze a trinta anos (a pena máxima é aumentada em cinco anos)”.[33]

Assim, pode-se entender que as discussões que existiam sobre o artigo revogado acabaram pois uma parte da doutrina pátria acreditava que a morte resultada do crime de estupro qualificava-o, e não importava se fora empregada violência ou grave ameaça ou se a morte resultou de um outro fato que não o crime mas em conseqüência deste. Essa parte da doutrina acreditava que se a vítima morreu em conseqüência do crime, era motivo de qualificadora. Essa discussão não existe mais pois a nova redação da lei acabou com esse excesso ao qualificar com a palavra “conduta”.  

3.3 VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE

Presente no artigo 215 do Código Penal trazia a seguinte redação:

“Artigo 215:

Ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude:

Pena: reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Parágrafo único: Se o crime é praticado contra mulher virgem, menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (quatorze) anos:

Pena- reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos”.[34]

A atual redação traz:

Art. 215:

Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: 

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. 

Parágrafo único.  Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa”.[35] 

Primeiro atenta-se para a mudança do nome do ato ilícito, antes se chamava posse sexual mediante fraude e atualmente se chama violência sexual mediante fraude.

Esse delito também pode ser chamado de estelionato sexual, que nada mais é que usar de armadilhas, meios fraudulentos para conseguir manter relação sexual, ou outro ato libidinoso.

A lei também inovou ao inserir multa, quando houver uma finalidade extra no ato, a obtenção de vantagem econômica.

Outro ponto importante é que a lei aboliu do texto a virgindade e a mulher, agora independente de ser virgem ou não, a pessoa que tem a sua liberdade sexual violada, se inclui neste tipo penal, assim sendo tanto o homem quanto a mulher podem ser sujeito ativo e passivo deste novo tipo penal.

4 A VULNERABILIDADE

4.1 ESTUPRO DE VULNERÁVEL

Sem dúvidas uma das mudanças mais importantes da nova lei foi a inclusão do estupro de vulnerável, antes existia a figura da presunção de violência e era tratada no artigo 224, combinado com 213 do Código Penal e trazia a seguinte redação:

“Artigo 224:

Presume-se a violência, se a vítima:

a)não é maior de 14 (quatorze) anos;

b)é alienada ou débil mental, e o agente conhecia essa circunstância;

c)não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência”.[36]

Essa presunção de violência ou violência presumida foi extinta do código Penal sendo substituída pela figura da vulnerabilidade, podendo ser encontrada no artigo 217-A e tem a seguinte redação:

“Art. 217-A.

Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: 

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. 

§ 1o  Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. 

§ 2o  (VETADO) 

§ 3o  Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: 

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. 

§ 4o  Se da conduta resulta morte: 

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos”.[37] 

Conforme o caput do artigo citado acima entende-se que a palavra vulnerabilidade nada mais é que as pessoas que se encontram em um estado que não pode oferecer resistência, defesa ao crime, assim, essa palavra abarca os menores de 14 (quatorze) anos. Como também no parágrafo 1º, considera vulneráveis, alguém que se encontre em enfermidade e por conseqüência a esta, não tenha condições de se defender. Bem como os deficientes mentais que não tenham ciência do que está ocorrendo, pessoas incapazes de exteriorizar o seu consentimento.

Ney Moura Teles se pronuncia:

“A nova lei, atendendo antiga reivindicação da Doutrina, baniu do ordenamento jurídico-penal a presunção da violência contida no revogado art. 224 do Código Penal, e construiu, para proteger determinadas pessoas, o novo tipo penal, definindo, assim, a conduta proibida, pelo que ninguém mais será punido pelo que não fez, mas só quando realizar o comportamento proibido expressamente pela norma penal incriminadora.

O estupro de vulnerável não é, como pensam alguns, uma espécie do crime de estupro, definido no art. 213, porquanto não contém o elemento “constranger” daquele tipo. Um crime só é espécie de outro, quando contiver todos os mesmos elementos do outro e mais um ou alguns, ditos especializantes.

Não é o caso do estupro de vulnerável, que é um tipo absolutamente novo e não derivado de nenhum outro. Há em comum com o estupro do art. 213, além do nome, os elementos conjunção carnal ou outro ato libidinoso. A estrutura típica, todavia, é absolutamente diferente. Naquele exige-se constrangimento, neste não há qualquer referência a constrangimento, que pode, contudo, ocorrer. O bem jurídico protegido é a própria pessoa vítima da ação incriminada, o menor e o incapaz de discernir ou de resistir, que, por não deter a capacidade de exercer livremente a sua sexualidade, merece especial proteção do Direito Penal. É o chamado pela lei de vulnerável”.[38]

Rogério Greco também faz ressalvas ao tipo penal:

“No que diz respeito à idade da vítima, para que ocorra o delito em estudo, o agente, obrigatoriamente, deverá ter conhecimento de ser ela menor de 14 (catorze) anos, pois, caso contrário, poderá ser alegado o chamado erro de tipo que, dependendo do caso concreto, poderá conduzir até mesmo à atipicidade do fato,ou a sua desclassificação para o delito de estupro, tipificado no art. 213 do Código Penal.

Assim, imagine-se a hipótese onde o agente, durante uma festa, conheça uma menina que aparentava ter mais de 18 anos, devido à sua compleição física, bem como ao modo como se vestia e se portava, fazendo uso de bebidas alcoólicas etc, quando, na verdade, ainda não havia completado os 14 (catorze) anos.

O agente, envolvido pela própria vítima, resolve, com o seu consentimento, levá-la para um Motel, onde com ela mantém conjunção carnal. Nesse caso, se as provas existentes nos autos conduzirem para o erro, o fato praticado pelo agente poderá ser considerado atípico, tendo em vista a ausência de violência física ou grave ameaça”.[39]

Assim sendo, existe a importância do criminoso saber da real condição da vítima para que se caracterize este tipo penal. 

Ressalta-se que o sujeito ativo deste tipo penal pode ser qualquer pessoa, e ainda, o sujeito passivo, qualquer pessoa menor de 14 (quatorze) anos, como também o incapaz permanente.

4.2 SATISFAÇÃO DE LASCÍVIA MEDIANTE PRESENÇA DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE

A lei inovou mais uma vez ao trazer à legislação brasileira o artigo 218-A, artigo este que trata sobre a lascívia na presença de crianças e adolescentes, conforme o transcrito abaixo:

Art. 218-A.  Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem: 

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos”.[40] 

Guilherme Souza Nucci se pronuncia:

“A nova figura típica não guarda correspondência com tipo penal previsto anteriormente pelo código penal. Busca-se punir a conduta da pessoa sexualmente desequilibrada, cuja satisfação da lascívia advém da presença de menor de 14 anos durante a prática do ato libidinoso isolado ou em conjunto com outrem.

O agente do crime não tem qualquer contato físico com o menor de 14 (quatorze) anos, não o obriga a se despir, nem adotar qualquer conduta sexualmente atrativa, pois, se assim fizesse, haveria a incidência do estupro de vulnerável.

O núcleo do tipo prevê a prática (realização, execução) de conjunção carnal (cópula pênis/ vagina) ou outro ato libidinoso (destinado a promover o prazer sexual), com a finalidade de satisfazer da lascívia própria ou de terceiro.

O menor de 14 (quatorze) anos a tudo assiste, o tipo penal menciona o termo presença e o verbo presenciar, dando margem a interpretação de que o menor deveria estar fisicamente no local onde o ato sexual se desenvolve”.[41]

Este crime trata-se de um crime formal que tem como finalidade, satisfazer a lascívia própria, de tal modo praticar conjunção carnal ou atos libidinosos na frente de menor, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, e o sujeito passivo é qualquer menor de 14 (quatorze) anos.

4.3 Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável 

Crime que antes era tratado no artigo 218 do Código Penal e tinha por nome Corrupção de Menores e trazia a seguinte redação:

“Artigo 218:

Corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de 14 (quatorze) e menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo:

Pena- reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos”.[42]

O antigo artigo já não estava mais de acordo com a realidade brasileira, pois, necessitava da corrupção para caracterizar o crime, ocorre que muitas vezes  crianças e adolescentes já se encontravam em meio a prostituição, e aos olhos da lei, já se encontravam corrompidos, assim não dando ensejo a este tipo penal.

Assim sendo, com a alteração da Lei n. 12.015 o artigo tem a seguinte redação:

Art. 218-B:

Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: 

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. 

§1o  Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. 

§2o  Incorre nas mesmas penas: 

I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo; 

II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo. 

§3o  Na hipótese do inciso II do § 2o, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento”. [43]

Então, não existe mais o vocábulo corrupção de menores, o artigo traz a clara condição de que se alguém induz, facilita, ou submete menor a prostituição, já se encontra tipificado no artigo supracitado. Observa-se também que a pena para este crime foi agravada.

No parágrafo 1º, encontra-se a qualificadora de que se o crime é praticado afim se obter vantagem financeira, deverá ser acrescida a pena de multa.

O parágrafo 2º inciso I, reza que, incide nas mesma pena, quem pratica, executa o ato da conjunção carnal ou atos libidinosos com menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (quatorze). E no inciso II, outra inovação, pois, incide na mesma pena, o proprietário, gerente ou responsável pelo estabelecimento no qual se praticam esses atos.     

E por fim, o terceiro parágrafo cuida de cassar a licença e funcionamento do local em que for encontrado alguém cometendo os atos do presente artigo.

Enfim, a conduta penal do artigo é a indução, o convencimento, o bem tutelado é a liberdade sexual do vulnerável, e o agente da conjunção carnal ou dos atos libidinosos, recebe a mesma pena aplicada ao agente tipificado no caput do presente artigo. 

4.4 Peculiaridades da lei n. 12.015

No próximo capítulo serão tratadas algumas peculiaridades acerca da Lei 12.015 de 2009.

Será analisada o tipo de ação penal que será utilizada no processo penal dos Crimes Contra a Dignidade. Ainda a possibilidade de retroatividade da lei.

E por último, sobre a hediondez do crime.  

5 OUTRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI 12.015

5.1 DA AÇÃO PENAL

Na redação do Código Penal no tocante aos crimes sexuais, a ação penal era tratada no artigo 225.   

Eis a redação do referente artigo:

“Artigo 225:

Nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa.

§1º Precede-se, entretanto, mediante ação pública:

I – se a vítima ou seus pais não podem prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família;

II – se o crime é cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador.

§2º No caso do nº I do parágrafo anterior, a ação do Ministério Público depende de representação”.[44]

Assim, pode-se entender que nos crimes dos artigos 213 a 220, se procede por meio de queixa, assim, o tipo de ação era a privada.

Mas existe uma exceção que é o parágrafo 1º inciso I, do presente artigo, que trata sobre a ação pública condicionada a representação para as pessoas que não têm condições de arcar com as despesas do processo, sem que para isso seja preciso comprometer a renda da família, mas vale lembrar que para que haja conhecimento do crime por parte do Ministério Público, existe a necessidade de representação por parte da vítima ou seu responsável.

E quanto à exceção do parágrafo 1º, inciso II, o crime será de ação incondicionada se o crime é cometido com base no pátrio poder, ou por padrasto, ou curador ou tutor.

Já o artigo 225 com a nova redação reza que:

“Art. 225:

Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação.

Parágrafo único: Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos”.[45]

 Observa-se uma intensa mudança na lei, pois não se fala mais em ação privada, só se fala em ação pública, no caput trata que os crimes contra a Dignidade Sexual serão regidos pela ação pública condicionada a representação.

A exceção está no parágrafo único quando diz que nos crimes cometidos contra menores de 18 (dezoito) anos, será regida pela ação penal pública incondicionada. Observe que a lei equipara a vulnerável ao menor de 18 (dezoito) anos.

A esse respeito Rogério Greco faz algumas advertências:

“A primeira observação que deve ser feita diz respeito ao fato de que, ao contrário do que ocorria anteriormente, não existe mais a previsão de início da persecutio criminis in judicio através da ação penal de iniciativa privada propriamente dita, pois que os novos dispositivos penais apontam, tão somente, para as ações penais de iniciativa pública, sejam elas condicionadas à representação, ou mesmo incondicionadas.

De qualquer forma, ainda será possível a propositura da ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública na hipótese de inércia do Ministério Público.

No que diz respeito à seleção das ações penais feitas pelo legislador, devemos, ab initio, apontar um erro evidente na redação do caput do art. 225 do Código Penal, que diz respeito ao fato de mencionar o capítulo II, do Título VI Código Penal, que cuida, especificamente, dos crimes sexuais contra vulnerável, dizendo que a ação penal poderá ser de iniciativa pública condicionada à representação quando, logo em seguida, o seu parágrafo único afirma que procede-se mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável”.[46]

Assim, observa-se a crítica feita por Greco, mas não se pode deixar de enaltecer a preocupação do legislador com o menor de idade, equiparando-o ao vulnerável, pois a intenção dele foi cuidar da liberdade, da integridade sexual da criança como também do adolescente, merecedores de cuidados especiais por parte da lei.

Importante esclarecer que a partir da nova redação do artigo, a ação nos crimes sexuais são de responsabilidade do Estado, através do Ministério Público.

Assim, independente da família possuir ou não meios de prover a ação, o direito a reparação para a violação do menor, sempre será de responsabilidade do Estado.

5.2 da retroatividade da lei

Uma das garantias fundamentais que deve ser levada em consideração quando surge uma nova lei está no artigo 5 º, inciso XL da Constituição Federal de 1988 e reza que: “A lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.[47]

Trata-se de uma garantia constitucional que deve ser observada pelo aplicador da lei, pois, se a lei anterior de alguma maneira puder beneficiar a situação do acusado, está deve prevalecer sobre a nova lei.

           O STF posicionou em decisão recente (HC 86.110-SP, rel. Min. Peluso) que sinalizou a aprovação da tese que a nova redação do art. 213 do Código Penal constitui crime único. O Crime de estupro passou a ser um tipo penal misto alternativo, ou seja, a figura típica possui mais de um núcleo (verbo) e se consuma com a prática de qualquer deles, por outro lado, se o agente pratica mais de uma ação nuclear, comete apenas um delito. Nessa esteira hodiernamente com a nova redação dada pela lei 12015/09 ao art.213 do Código Penal se uma pessoa pratica só conjunção carnal, ela vai ter pena inicial de reclusão de seis anos. Se ela pratica coito anal, relação sexual oral, vários coitos, várias conjunções, a pena é a mesma.                          

            Seguindo este entendimento deverá o operador da lei aplicar a retroatividade da lei 12015/09 para os crimes que foram julgados em concurso material de crimes pois com a nova lei o agente que prática mais de uma ação nuclear responde por um único crime, tendo a pena base o mínimo de 6 (seis) anos e não de 12 (doze) como acontecia antigamente com o agente que cometia contra sua vítima a conjunção carnal e outro ato libidinoso, eram somadas as penas dos antigos artigos 213 (estupro) e 214 (atentado violento ao pudor) do Código Penal Brasileiro de 1940.

          Então, percebe-se que se aplica ao caso concreto a lei mais favorável ao acusado, qual seja, a lei 12015/09.

5.3 Dos Crimes contra a Dignidade Sexual e a Lei de Crimes Hediondos

O crime de estupro já era considerado hediondo pela Lei 8.079 de 90 e trazia no artigo 1º a seguinte redação:

“Artigo 1º:

São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Dec.-lei

2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados:

...............

V- estupro (artigo 213 e sua combinação com o artigo 223, caput e parágrafo único);

VI- atentado violento ao pudor (artigo 214 e sua combinação com o artigo 223, caput e parágrafo único)”.[48]

Porém a Lei 12.015 de 2009 também alterou o texto da lei de crimes hediondos que agora traz a seguinte redação:

“Artigo 1º:

São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Dec.-lei

2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados:

...............

V- estupro (artigo 213, caput e parágrafos 1º e 2º);

VI- estupro de vulnerável (artigo 217-A, caput e parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º)”.[49]

Observe que o legislador acabou com a discussão que existia acerca do estupro e do atentado violento ao pudor na sua forma simples ser ou não crime hediondo, com a nova redação, o legislador deixou clara a hediondez tanto no estupro simples quanto no qualificado, e como unificou os dois crimes (estupro e atentado violento ao pudor) não existem mais dúvidas. O legislador também coloca o estupro de vulnerável na forma simples e qualificado no rol dos crimes hediondos.

5.4 do aumento de Pena

Outra inovação do legislador foi o aumento de pena, tratado no artigo 234-A do Código Penal, observe a redação:

“Art. 234-A

Nos crimes previstos neste Título a pena é aumentada:

I – (VETADO)

II – (VETADO)

III – de metade, se do crime resultar gravidez; e

IV – de um sexto até a metade, se o agente transmite à vitima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador”.[50]

O inciso terceiro trata sobre o resultado, se do crime advém uma gravidez, é caso de aumento de pena. E o inciso quarto trata sobre a transmissão de doenças sexuais, assim se o criminoso transmite doença sexual que sabe que tem ou deveria saber, a pena também é aumentada.

Rogério Greco explica o que são doenças sexualmente transmissíveis:

“As DST (doenças sexualmente transmissíveis) são doenças causadas por vírus, bactérias, fungos ou protozoários e que, pelo fato de seu mecanismo de transmissão ser quase que exclusivamente por via sexual, possuem a denotação sexualmente transmissível. Apesar disso, existem DST que podem ser transmitidas fora das relações sexuais.

As DST se manifestam principalmente nos órgãos genitais do homem e da mulher, podendo acometer outras partes do corpo, sendo possível, inclusive, que não se manifeste qualquer sintoma visível.

Até certo tempo, as doenças sexualmente transmissíveis eram popularmente conhecidas como “doenças venéreas” ou “doenças do mundo”.

A maioria das doenças sexualmente transmissíveis possui cura. Outras, causadas por vírus, possuem apenas tratamento. É o caso da sífilis, do herpes genital e da Aids”.[51]

5.5 Segredo de justiça

O segredo de justiça em crimes sexuais já era entendimento dos tribunais. Acerca desse assunto, Guilherme de Souza Nucci se pronuncia:

“Não há artigo anterior para contraste com a nova disposição do artigo 234-B. Entretanto, pode-se salientar a harmonia existente entre esse preceito e o disposto no artigo 201, §6º do Código de Processo Penal, após a redação dada pela Lei 11.690 de 2008: “o juiz tomará as providencias necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras formas de informações constantes dos autos a seu respeito para evitar a sua exposição aos meios de comunicação”. Com a edição da Lei 12.015, passa a ser obrigatório o segredo de justiça”.[52]

Observe a redação do artigo 234- B do Código Penal: “Os processos em que se apuram crimes definidos neste Título correrão em segredo de justiça”.[53]

Greco enumera os crimes que correrão em segredo de justiça:

“• Estupro (art. 213)

• Violação sexual mediante fraude (art. 215)

• Assédio sexual (art. 216-A)

• Estupro de vulnerável (art. 217-A)

• Corrupção de menores (art. 218)

• Satisfação de lascívia mediante a presença de criança ou adolescente (art. 218-A)

• Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (art. 218-B)

• Mediação para servir a lascívia de outrem (art. 227)

• Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (art. 228)

• Casa de prostituição (art. 229)

• Rufianismo (art. 230)

• Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual (art. 231)

• Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual (art. 231-A)

• Ato obsceno (art. 233)

• Escrito ou objeto obsceno (art. 234)

Art. 234-C. (VETADO)”.[54]

                                       

Enfim, agora a lei obriga o segredo de justiça em todos os crimes sexuais acima citados.

6 Considerações finais

           O presente trabalho fez uma análise sobre as alterações trazidas a ciência penal brasileira no tocante aos Crimes Sexuais, o Código Penal sofreu muitas e positivas mudanças. A Lei 12.015 de agosto de 2009 entrou no ordenamento jurídico e logo pôs fim a questões controversas que dividiam a doutrina.

A presente lei primeiramente alterou o nome do Título VI do Código Penal Brasileiro, que antes se chamava “Dos Crimes Contra os Costumes”, a partir da nova redação passa a se chamar “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”.

O bem jurídico tutelado, a liberdade sexual da mulher, abrange agora qualquer pessoa, pois a preocupação do legislador agora é com a liberdade sexual de todos os indivíduos.

No tocante ao agente dos crimes, passou a ser não só o homem como era antes mas também a mulher, a mulher surge como figura do pólo ativo destes crimes.

E no pólo passivo, onde antes só se admitia a figura da mulher, hoje, se admite também a do homem.

Para um melhor entendimento do tema, o presente trabalho de conclusão de curso foi dividido em quatro capítulos.

No primeiro capítulo foi feita uma pesquisa sobre a evolução histórica do crime de estupro, observou-se como era tratado este crime desde os primórdios e os dias atuais, qual era a pena aplicada aos criminosos, quem eram os agentes deste crime e qual era o bem jurídico tutelado.

O segundo capítulo foi destinado a tratar do crime de estupro, onde foram feitos comparativos com a antiga redação do Código Penal com a nova redação, observando as principais mudanças acerca do estupro.

No terceiro capítulo foi observado o estupro de vulnerável, uma novidade trazida pelo legislador pátrio, promovendo uma segurança jurídica aos chamados vulneráveis. Antes existia a figura da presunção de inocência, mas esta já não condizia com a realidade brasileira e não trazia a segurança necessária às crianças e adolescentes.

Por fim no quarto capítulo foram analisadas as peculiaridades da presente lei, o tipo de ação penal utilizada nesses crimes, foi abordada também a possibilidade da retroatividade da lei que é uma garantia constitucional, ainda, foi feito um comparativo sobre o estupro e a lei de crimes hediondos, e por fim, a tutela do Segredo de Justiça para esses crimes.

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           Disponível em: http://plenariojuri.blogspot.com/2009/02/codigo-de-hamurabi. Código de Hamurabi.  Acesso no dia 18 de Agosto de 2010.

[1] ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada. 2° ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1996.

DEUTERONÔMIO 22:22-30.

[2] ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada. 2° ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1996. Êxodo 22:16

[3] Código de Hamurabi. artigo 130.

[4] Disponível em: http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=alunos&ID=10. Acesso no dia 25 de julho de 2010.

[5] MOLINA, Victor Matheus. Monografia O Tratamento Jurídico-penal do Estupro, p. 16.

[6] SIQUEIRA, Galdino. Tratado de direito penal 3: parte especial. Rio de Janeiro: José Konfino, 1951, p. 251.

[7] LINHARES, Fabiana dos Santos, Crimes contra os Costumes no Direito Penal Brasileiro, p. 2.

[8] Disponível em: http://camanarede.terra.com.br/violencia/06/viol_06.htm. Acesso no dia 25 de julho de 2010.

[9] Ob. cit.

[10] Código Penal Brasileiro de 1830.

[11] Código Penal Brasileiro de 1890.

[12] Ob. cit.

[13] Código Penal Brasileiro de 1940.

[14] SILVA, Iara Ingenfritz da.Direito ou Punição? Porto Alegre, 1985, p. 60.

[15] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro, 1959, ps. 107 e 108.

[16] Folha Feminista. Abril de 2003. Edição número 41, ps. 1 e 2.

[17] Disponível em: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100626/not_imp572273,0.php. Acesso dia 26 de julho de 2010.

[18] GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 4° ed. Impetus: Rio de Janeiro: 2009.

.

[19] NUCCI, Guilherme de. Crimes Contra a Dignidade Sexual. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo: 2009, p. 14.

[20] Código Penal Brasileiro de 1940.

[21] DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Código Penal Comentado. Renovar, 2002, p. 459.

[22] PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 195.

[23] Idem, p. 460.

[24] TELES, Ney Moura. Direito penal: parte especial. Atlas. São Paulo: 2004, p. 50.

[25] Ob. cit.

[26] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: 1959, p. 125.

[27] Ob. cit. p. 459

[28] Ob. cit. p. 18.

[29] Ob. cit.

[30] Ob. cit.

[31] Ob. cit.

[32] Idem.

[33] Ob. cit. p. 24 e 25.

[34] Ob. cit.

35 Idem.

[36] Código Penal Brasileiro de 1940.

[37] Idem.

[38] Teles, Ney Moura. Estupro de Vulnerável. Disponível em: http://neymourateles.blogspot.com/20 10/04/estupro-de-vulneravel.html. Acesso no dia 19 de agosto de 2010.

[39] Greco, Rogério.Código Penal Comentado. 4° ed. Impetus: Rio de Janeiro: 2009.

[40] Ob. cit.

[41] Nucci, Guilherme de Souza. Crimes Contra a Dignidade Sexual- Comentários à Lei 12.015, de 07 de agosto de 2009- São Pulo: Revista dos Tribunais, 2009 p. .

[42] Ob. cit.

[43] Idem.

[44] Código Penal Brasileiro de 1940.

[45] Ob. cit.

[46] Greco, Rogério.Código Penal Comentado. 4° ed. Impetus: Rio de Janeiro: 2009.

[47] Constituição Federal de 1988.

[48] Lei 8.072 de 1990.

[49] Ob. cit.

[50] Ob. cit.

[51] Ob. cit.

[52] Nucci, Guilherme de Souza. Crimes Contra a Dignidade Sexual- Comentários à Lei 12.015, de 07 de agosto de 2009- São Pulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 99.

[53] Ob. cit.

[54] Ob. cit.

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