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Meios de impugnação dos atos jurisdicionais no direito brasileiro

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Agenda 01/02/2003 às 00:00

4. Das ações autônomas de impugnação

            Feita a análise, ainda que sintética, acerca dos principais aspectos inerentes aos recursos, podemos, neste momento, examinar o outro meio de impugnação típico dos atos jurisdicionais, de acordo com a sistemática processual civil brasileira: as ações autônomas de impugnação.

            4.1. Sucedâneos recursais?

            Como exaustivamente observamos, não se confundem as figuras dos recursos e das ações autônomas. O principal marco distintivo entre ambos os meios de impugnação é o fato de que neste último se formará, forçosamente, uma nova relação processual diversa, portanto, daquela instaurada no processo em que fora proferida a decisão que se visa impugnar; enquanto aqueles se caracterizam, nos dizeres de PONTES DE MIRANDA, em uma "impugnativa dentro da mesma relação jurídica processual da relação judicial que se impugna". (79)

            Porém, a despeito de tão evidente distinção, muito difundida no meio jurídico tornou-se a expressão "sucedâneos recursais" para qualificar os remédios impugnativos diversos dos recursos, taxativamente previstos pela lei processual. Os autores que fazem alusão a esta denominação apontam, numa visão excessivamente prática, que as ações autônomas teriam por finalidade cumprir o mesmo papel dos recursos, dando-nos a falsa impressão de que somente estes poderiam ensejar o exame de um ato jurisdicional. Assim o faz NELSON NERY JÚNIOR, ao afirmar que as ações autônomas de impugnação "fazem as vezes de recurso (por isso denominadas sucedâneos recursais), já que se dirigem contra decisões judiciais". (80)

            Entendemos ser de inteira impropriedade a expressão. Primeiramente, porque sugere a idéia errônea de que todo meio de ataque a um decisório terá natureza de recurso ou o mesmo conteúdo. Nesta primeira crítica, poderíamos afirmar que o que pretendem os autores que se utilizam da denominação "sucedâneos recursais" é promover a distinção entre recursos e ações impugnativas baseando-se unicamente no critério da taxatividade, o que seria de evidente inadmissibilidade. Seria dizer: todo meio de impugnação não previsto em lei como espécie de recurso, assim não pode ser considerado, mas fará as vezes deste, ou seja, terá o mesmo conteúdo. É o que podemos extrair do entendimento de NELSON NERY JÚNIOR, que afirma:

            "Como nem o CPC nem a CF dão a essas ações autônomas de impugnação a natureza jurídica de recurso, não as colocando no rol do art. 496, CPC, tem-se que não poderão ser consideradas como recurso por direta aplicação do princípio da taxatividade ora examinado". (81)

            Em segundo lugar, a expressão afronta sobremaneira os princípios inerentes aos recursos, principalmente no que toca à questão da uni-recorribilidade e da taxatividade. Como vimos, a enumeração das espécies de recursos é assunto de política legislativa, tendo-se em conta os altos interesses coletivos em confronto: segurança nas relações jurídicas e maior alcance à justiça. Admitir que outros remédios lhes façam as vezes, desempenhando as suas mesmas funções, implicaria em aumentar, injustificadamente, o elenco dos recursos já delimitado pelo legislador processual.

            Por derradeiro, conforme analisamos, são tão evidentes as diferenças entre ambas as figuras que faz-se, pelo menos, terminologicamente imprópria a utilização da expressão. O Direito é ciência e, como tal, não pode permitir a confusão, o embaralhamento, de institutos de natureza e características distintas. Assim, entendemos que todo meio impugnativo tipicamente previsto por lei, que não conste no rol taxativo que esta atribui às espécies de recursos, denominar-se-á ação autônoma de impugnação, sendo imprópria, portanto, qualquer analogia terminológica com os recursos. Podemos, desta maneira, afirmar com ALFREDO BUZAID, quando assevera, tratando especificamente do mandado de segurança contra ato jurisdicional: "não é substitutivo ou sucedâneo de agravo, de apelação, de embargos infringentes ou de embargos de declaração; em uma palavra: não supre a falta do recurso que a parte deixou de interpor". (82)

            4.2. Ações autônomas de impugnação "em espécie"

            Há que se admitir serem os recursos o meio próprio, mais comum, para ensejar o reexame de um decisório. Há situações, porém, em que a própria lei cria remédios específicos, diversos dos recursos, para atacar determinados atos da atividade judicial. Dentre estes remédios específicos, à luz do processo civil, (83) podemos localizar a ação rescisória, os embargos de terceiro, o habeas corpus, o habeas data, a reclamação, e o mandado de segurança (84).

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            Além das apontadas, há quem identifique como espécies de ações autônomas de impugnação a correição parcial, o pedido de reconsideração, o agravo regimental, o mandado de injunção, a remessa obrigatória, dentre outras. (85) Entendemos que os dois primeiros possuem natureza de meios impugnativos atípicos, como veremos adiante, pois não se enquadram nas modalidades de ação autônoma e nem de recurso. Quanto ao agravo regimental entendemo-lo como uma modalidade do recurso previsto no art. 496, II do CPC, regulamentada pelos regimentos internos dos Tribunais. (86) A respeito do mandado de injunção, pensamos que este não pode prestar-se a atacar decisão judicial, estando seu objeto adstrito unicamente à falta de norma reguladora de uma previsão constitucional. (87) O seu objeto de impugnação, portanto, não terá por natureza um ato próprio da atividade jurisdicional. Acerca da remessa obrigatória ou reexame necessário ou duplo grau de jurisdição obrigatório, como já afirmamos, este não constitui-se em verdadeiro meio impugnativo, mas mera condição de eficácia das sentenças.

            A ação rescisória é a ação autônoma de impugnação por excelência. É por meio dela que se torna possível afastar o óbice da coisa julgada material – sanatória de todas as invalidades intrínsecas do processo – através da rescisão da sentença de mérito transitada em julgado, por vício elencado expressamente em lei (art. 485, CPC). Muito clara a sua distinção dos recursos: com a coisa julgada material finda-se o processo, não havendo o que se alegar, portanto, em sede recursal.

            Como ação autônoma, também, constituem-se os embargos de terceiro, entendidos estes como "a demanda, que dá origem a processo de conhecimento de procedimento especial, através da qual se busca excluir bens do demandante da apreensão judicial determinada em processo de que ele não é sujeito". (88) Ainda que vise impugnar o ato jurisdicional de apreensão, tem-se, com os embargos de terceiro, a formação de um processo novo, diverso daquele em que fora praticado o ato lesivo do interesse do recorrente. (89)

            Não é outra, também, a natureza jurídica do habeas corpus, constituindo-se em verdadeira ação autônoma de impugnação, apesar de ser regulado, sistematicamente, como recurso pelo Código de Processo Penal vigente. O habeas corpus, assim como o mandado de segurança, é ação de fundamento constitucional que visa proteger o direito líquido e certo de locomoção contra atos inquinados de vício de legalidade. (90)

            O habeas corpus não possui natureza jurídica de recurso, primeiramente, porque aquele pode ser impetrado para atacar decisão que já transitou em julgado (art. 648, VI e VII do CPP) enquanto este pressupõe sempre uma decisão ainda não transitada; depois, o recurso somente poderá ser interposto para atacar decisão decorrente da atividade jurisdicional e o habeas corpus, por sua vez, poderá ser impetrado contra ato de autoridade; por último, atendendo à característica peculiar das ações autônomas de impugnação, o habeas corpus instaura relação jurídica nova, o que, evidentemente não ocorre com os recursos. (91)

            Incluímos, ainda, o habeas data, recentemente introduzido em nosso ordenamento, entre as possíveis ações autônomas de impugnação. Esta garantia constitucional se destinará a proteger direito líquido e certo do impetrante "em conhecer todas as informações e registros relativos à sua pessoa e constantes de repartições públicas ou particulares acessíveis ao público, para eventual retificação de seus dados pessoais". (92) Normalmente esta garantia terá como objeto de sua impugnação um ato de natureza administrativa, nada impedindo, porém, que o cerceamento de um direito pessoal de informação se dê por conta de um ato jurisdicional. Nesta hipótese, o habeas data constituir-se-á em verdadeira ação autônoma de impugnação do decisório, tendo em vista que ensejará a formação de um processo novo.

            Sem dúvida, dentre as modalidades de ação impugnativa que apontamos, a que gera maior polêmica doutrinária diz respeito à reclamação, erigida a norma constitucional pela Carta da República de 1988. Assim é que, em seus artigos 102, I, alínea l, e 105, I, alínea f, a vigente Constituição atribui, expressamente, ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça o processo e julgamento, em instância originária, da "reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões". (93) Nas palavras do eminente processualista, então Ministro do Supremo Tribunal Federal, MOACYR AMARAL SANTOS, a reclamação "se destina a atacar um ato processual, ou seja decisão interlocutória que desnature a competência do STF ou desconheça, ou ofenda, a autoridade de sua decisão na relação processual". (94)

            A polêmica decorre das controvertidas opiniões em sede doutrinária a respeito da natureza jurídica da reclamação. Entendendo-a como recurso, dentre outros, JOSÉ FREDERICO MARQUES e AMARAL SANTOS; atribuem-na natureza de ação PONTES DE MIRANDA e JOSÉ DA SILVA PACHECO; como mero incidente processual conceitua-a MONIZ DE ARAGÃO; e, negando-na todas estas qualificações, ROMILDO BUENO DA SILVA, definindo-a como "mero e singelo procedimento". (95)

            Estamos com os autores que outorgam à reclamação a natureza jurídica de ação autônoma. Não constitui-se em recurso, vez que com o ajuizamento da reclamação, nos dizeres do ilustre Ministro do Supremo Tribunal Federal NÉRI DA SILVEIRA, "o que se tem em mira, como se viu anteriormente, é assegurar a competência do Tribunal e a autoridade de sus julgados, objetivos que não se compadecem com a índole do interesse meramente processual da parte que interpõe recurso previsto na legislação processual" (96) Nem devemos entendê-la como mero procedimento, pois provoca a atividade jurisdicional, produzindo a decisão proferida na reclamação coisa julgada e, por isso, é decisão cognitiva de mérito. Como observa LEONARDO MORATO: "tanto é assim que, para ser desconstituída a decisão final da reclamação, necessária se faz a ação rescisória, existindo vários julgados neste sentido. Já as medidas administrativas não produzem, por óbvio, coisa julgada e podem ser anuladas tais como os atos jurídicos". (97)

            A reclamação é, portanto, verdadeira ação autônoma de impugnação. Pois, nos dizeres de JOSÉ DA SILVA PACHECO:

            "Trata-se, na realidade, de ação, fundada no direito de que a resolução seja pronunciada por autoridade judicial competente; de que a decisão já prestada por quem tinha competência para fazê-lo tenha plena eficácia, sem óbices indevidos, e de que se elidam os estorvos que se antepõem, se põem ou se pospõem à plena eficácia das decisões ou à competência para decidir". (98)

            Ainda dentre as ações impugnativas de decisão judicial, podemos apontar a garantia constitucional do mandado de segurança, destinada a amparar direito líquido e certo lesado ou ameaçado de lesão em decorrência de uma conduta – positiva ou omissiva – do Poder Público. Podemos afirmar que, quando impetrado o mandado de segurança para impugnar decisões judiciais, este inaugurará procedimento novo, em processo diverso daquele em que fora proferido o decisório desafiado, caracterizando-se, portanto, como verdadeira ação autônoma de impugnação. (99) Não há, aqui também, que confundi-lo com os recursos e nem tampouco atribuir-lhe a denominação de sucedâneos recursais. A respeito já decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça: "I- Tanto a Lei 1533, de 1951, quanto a jurisprudência já cristalizada em Súmula (Súmula 267 do STF), determinam que é incabível o mandado de segurança como sucedâneo de recurso previsto nas normas processuais". (100)


5. Meios de impugnação atípicos

            Como dissemos, existem instrumentos que se facultam às partes, próprios também para impugnar ato jurisdicional, que não possuem, porém, a mesma natureza dos meios previstos pelo ordenamento para este fim. Por esta razão, diz-se que estes meios impugnativos são atípicos, isto é, não se enquadram como recursos nem tampouco como ações.

            Tendo em vista o seu caráter residual, caracterizando-se como atípico todo instrumento que se destina a impugnar decisões judiciais, diverso dos recursos e das ações autônomas, são múltiplas as figuras em espécie deste meio impugnativo. Assim, sem qualquer pretensão em esgotar a matéria, podemos apontar, exemplificativamente, como espécies de meio de impugnação atípico: a correição parcial (101) e o pedido de reconsideração.

            RODOLFO MANCUSO inclui no rol dos meios impugnativos atípicos, os recursos previstos pelos artigos 532 e 557 do CPC, assim como o recurso adesivo e, ainda, a reclamação. (102) Assim não entendemos, porém. No primeiro caso, pensamos que são verdadeira modalidade de recursos, tendo em vista sua expressa previsão pela norma processual como tal, não havendo aqui o que se cogitar, portanto, de violação ao princípio da taxatividade. Quanto aos recursos adesivos, como já tivemos a oportunidade de analisar, estes possuem, para nós, clara natureza de recurso, com a peculiaridade de constituírem-se, meramente, em uma forma de interposição diversa da dita principal ou convencional. No que toca à reclamação, como visto, entendemos esta como ação autônoma de impugnação.

            A correição parcial é medida disciplinar, de natureza administrativa, que destina-se a levar ao conhecimento do Tribunal superior a prática de ato processual pelo juiz, consistente em error in procedendo caracterizador de abuso ou inversão tumultuária do andamento regular do processo, quando, na espécie, não houver recurso próprio previsto na lei processual. Na feliz síntese de NELSON NERY JÚNIOR, "a finalidade da correição parcial é fazer com que o tribunal corrija o ato que subverteu a ordem procedimental, de modo a colocar o processo novamente nos trilhos". (103)

            É meio atípico de impugnação pois não encontra como fundamento direto a previsão pelas leis processuais. Nas palavras de ROGÉRIO LAURIA TUCCI, "trata-se de medida sui generis, não contemplada na legislação processual civil codificada ou extravagante, cuja finalidade precípua é a de coibir a inversão tumultuária da ordem processual em virtude de erro, abuso ou omissão do juiz". (104)

            Outra espécie de meio impugnativo atípico que apontamos é o chamado pedido de reconsideração, entendido este como um expediente utilizado pelas partes para se impugnar um ato jurisdicional qualquer, não se exigindo para a sua utilização qualquer regra cogente de ordem pública relativa à interposição dos recursos. Com isso se quer dizer que para a utilização do pedido de reconsideração se dispensará prazo, preparo, fundamentação do inconformismo e formação do instrumento, "significando economia de tempo e dinheiro". (105)

            Classifica-se o pedido de reconsideração como meio de impugnação atípico pela mesma razão indicada para a correição parcial: não encontra o seu embasamento em lei federal. (106) É instrumental freqüentemente usado na prática judiciária, e alguns Tribunais, por meio dos seus regimentos internos, prevêem expressamente sua utilização. Por ser meio impugnativo atípico, não possui aptidão para produzir os efeitos próprios da interposição dos recursos. (107)

            Mais uma vez vale dizer que não pretendemos esgotar, unicamente com os exemplos da correição parcial e do pedido de reconsideração, as espécies atípicas de impugnação dos atos praticados no processo. Como já dissemos, esta pretensão, para nós, seria impossível de ser satisfeita, tendo-se em conta o caráter residual desta modalidade impugnativa dos atos jurisdicionais. A regra utilizada aqui, como já afirmamos anteriormente, será a da exclusão, vale dizer, todo instrumento de ataque a um ato praticado no processo, diverso dos recursos e das ações autônomas, enquadrar-se-á, forçosamente, dentre os meios impugnativos atípicos.

Sobre o autor
Lucio Picanço Facci

advogado no Rio de Janeiro (RJ), membro do escritório de advocacia Fontes, Oliveira, Gonçalves & Navega

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FACCI, Lucio Picanço. Meios de impugnação dos atos jurisdicionais no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3760. Acesso em: 22 dez. 2024.

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