5 – AS CRÍTICAS AO JUDICIÁRIO
A imprensa internacional tem criticado a Justiça russa, desacreditando do progresso que ela possa realizar, como se pode verificar pelas duas análises seguintes:
1) RÚSSIA: A CRISE DO ESTADO - REFORMA: OS TRIBUNAIS RUSSOS EM BUSCA DE JUSTIÇA
(Sylvaine PASQUIER e Alla CHEVELKINA)
(L’Express - 19/07/2001)
Anos de prisão pelo furto de alguns legumes, enquanto que aqueles que desviam milhões de dólares são absolvidos. Moscou tenta organizar o funcionamento de seus tribunais. Um processo enorme.
À margem da reforma judiciária lançada pelo Kremlin, as audiências seguem seu curso nos tribunais russos. Uma mãe de família furta doze repolhos: quatro anos de prisão fechada. Um trabalhador agrícola tenta se apropriar de uma garrafa de leite para seus filhos: mesma pena. Uma avó enche recipientes vazios colocados pelos seus vizinhos sobre uma cerca de divisa: oito anos. Um jovem esconde sob a roupa um casal de porcos da índia: três anos e meio. Mais vale se apropriar de algumas dezenas de milhões de dólares. Se a gente é amigo da cúpula, o inquérito policial será encerrado antes de chegar ao tribunal: "Como dizia Lenin, ‘os pequenos ladrões à cadeia, os grandes à Câmara dos Deputados’. Bem entendido, ele falava do regime czarista", ironiza o jurista Serguei Pachine, 38 anos. Ovelha negra do Conselho da magistratura, órgão de avaliação dos juízes, esse antigo magistrado federal foi destituído em duas ocasiões sob diversos argumentos, depois reintegrado em grau de apelação. O que se recriminava nele? Sua adesão à independência da justiça. Em 1996, Pachine condenou a dez anos de reclusão com sursis uma prostituta acusada de homicídio do seu amante. Veredito sem precente na Rússia, que a Corte Suprema não ousou cassar. "Comumente, os juízes se comportam como substitutos do promotor, constata um temor da ordem dos advogados moscovita. Quanto ao acusado, ele é a priori culpado – mentalidade que não mudou desde há vinte e quatro anos."
Regime severo
Pálido, o crânio raspado, Maxime Koutimine, 21 anos, passou sua infância num orfanato. Não estudou, fichado como drogado, preso em duas ocasiões em 1999 com uma dose de heroína, cumpriu uma pena de dez meses em regime celular. Atualmente, recluso na cela número 22, do tribunal Tverskoi, comparecia por causa de furtos à la tire - flagrantes delitos no metrô – que já lhe tinham valido quatro meses de prisão preventiva. Nomeado de ofício, a jovem advogada em jeans teve somente um encontro de alguns minutos com seu cliente, pouco antes da audiência.
Em junho de 2000, Maxime Koutimine furta de uma transeunte uma bolsa de maquiagem – valor estimado em 280 rublos, menos de 70 francos. Oito meses mais tarde, ele furta uma carteira contendo 325 rublos. Preso, assina a confissão afirmando três condenações anteriores. A juíza Svetlana Oukhnaleva, 29 anos, se espanta com isso. "Eu tive medo, afirma o acusado. Bateram na minha cabeça. "A advogada não fala nisso. Quanto ao motivo dos furtos, Maxime dá um leve sorriso: "Eu tinha um encontro com uma garota, mas tinha pouco dinheiro para gastar com ela. Também eu estava com fome", acrescenta ele. Cética, a juíza afirma no alto de sua toga: "Desde quando você usa droga? – Desde 1997, mas eu não uso mais desde o ano passado." Ele diz ter encontrado um trabalho de faxineiro, num apartamento... "Porque a polícia não escreveu nada sobre isso no processo?" diz uma das "representantes do povo", duas aposentadas que julgam ao lado do juiz. "Ela não se importa com isso", responde Maxime. "A polícia sabe tudo" riposta a acessora. O procurador pede a condenação de três anos e meio em regime severo. A advogada fala das circunstâncias atenuantes. Veredito: dois anos e três meses, mais um tratamento contra droga. "Impossível evitar o regime severo em caso de recidiva", confirma Svetlana Oukhnaleva timidamente.
"A situação é a mesma que no tempo do sovietismo – se não pior"
A reforma de 1991 da qual Pachine foi um dos conceptores, tinha procurado "dessovietisar" a justiça russa por adoção de valores democráticos – que figuram nos textos, em particular na Constituição de 1993, mas permanecem a maior parte das vezes como letra morta. Atualmente, as prisões russas, infestadas pela tuberculose e a AIDS, abrigam mais de 970.000 detentos. Algumas vezes, a super lotação é tal que eles dormem um por vez. Perto de 300.000 são mantidos em prisão preventiva há muitos anos. Todos os anos, os tribunais condenam cerca de 1.200.000 acusados. As absolvições somente ocorrem em doses homeopáticas em 0,4% dos processos e, em quatro décimos desses casos, o Ministério Público obtém a anulação desses processos em recurso de cassação... Quem mais é, a comissão de concessão de graças, dirigida pelo escritor Anatoli Pristavkine, decide freqüentemente pela impossibilidade jurídica do pedido: há seis meses, Vladimir Putine não agraciou ninguém, senão o presumido espião americano Edmund Pope. "A situação é a mesma que do tempo do sovietismo, afirma Larissa Move, da ordem dos advogados de Moscou – se não é pior. Sob a capa de luta contra criminalidade ou a corrupção, ninguém está livre de perseguições arbitrárias."
Ninguém contesta atualmente a necessidade de agir para que a justiça russa e seus magistrados, por demais freqüentemente reclusos pelo poder ou enganados pelas garrafas de vinho, se adaptem enfim aos princípios do estado de direito. Atendendo a apelos para o restabelecimento da pena de morte – e em nome de uma "ditadura da lei" que cobre os crimes federais contra os civis na Chechênia – Vladimir Putine inaugurou os debates. Mestre de obra: um de seus aliados, Dimitri Kozak, chefe adjunto da administração presidencial. Mas "essa reforma foi preparada sem consultar ninguém, e sobretudo sem se preocupar com o cidadão", protesta o antigo dissidente Lev Ponomarev, que anima a Linha quente, um centro de assistência judiciária, com o grupo Helsinque de Moscou.
Se se julga pelos debates que suscita, o projeto presidencial atende à lógica da batata e do bastão. Uma limitação muito esperada das prerrogativas do Ministério Público figura como uma das emendas ao Código de Processo: a partir de janeiro de 2004, será necessário o despacho de um juiz para proceder a uma detenção ou à abertura de inquérito. A idéia não é nova. Vladimir Putine a apresentou, depois retirou-a precipitadamente no começo do ano – sobre a intervenção, em particular, do Procurador Geral, Vladimir Ustinov, fiel servidor do poder na luta contra a mídia independente. Comentário de um advogado: "O Kremlin sem dúvida entendeu que devia se proteger contra o zelo de um tal aliado"...
A técnica de extorsão de confissões
Desde 1994, existem na Rússia nove tribunais de região dotados de júri. No ano passado, com 16% de absolvições, mesmo anuladas pela metade através de recurso de cassação, elas ultrapassaram de muito a média nacional. Em dois anos, promete Kozak, essa instituição será estendida a todo o país. Na realidade, seu número passaria a oitenta e nove – um por região, território ou república para o conjunto dos 2550 tribunais russos. Ainda, são eles habilitados a julgar somente 0,8% dos processos criminais... Além disso, "desde 1995, observa Serguei Pachine, uma resolução da Corte suprema proíbe aos acusados revelar ao júri as brutalidades e torturas que lhe foram infligidas. Na Rússia, a extorsão de confissões é a principal técnica de investigação. Mas nada foi previsto ainda na luta contra essas práticas, nem contra a fabricação de provas".
Com os militantes dos direitos humanos, o jurista se insurge contra "a obrigação do acusado, portanto do seu advogado, de provar sua inocência. O Código soviético nem ele não ousou ir tão longe". No futuro, o advogado seria constrangido a prestar juramento de fidelidade ao Estado. Quanto aos juízes, seus vencimentos passarão de 6.000 rublos para 30.000 rublos – o que não está mau – mas um representante do Kremlin oficiará no Conselho da magistratura. Sua imunidade diminuída, eles deverão passar por três anos de estágio probatória antes de ter sua nomeação confirmada. Nada disso para encorajar o "servilismo feudal".
2 - JUSTIÇA: A REFORMA IMPROVÁVEL
(Le Monde 01/12/2001)
Marcada por meio século de não-direito, a Rússia pós-soviética tenta, desde 1991, reformar seu sistema judiciário, em grande parte herdeiro da época stalinista. Verdadeiro laboratório de pesquisa, iniciada dois meses após a queda dos conservadores, a reforma do poder judiciário russo diz respeito a 20.000 juízes, 40.000 promotores de justiça e 50.000 funcionários da polícia civil, que trabalham firme para conservar seus privilégios. Após a adoção, em 1996, de um novo código penal pretendendo o olvido das noções da "agitação anti-soviética" ou de "parasitismo", os deputados russos, em 22 de novembro, promulgaram um novo código de processo penal, que limita os poderes dos procuradores de justiça todo-poderosos, prevê a criação de tribunais do júri em todo o território da Federação e obriga todos os policiais civis, inclusive aqueles da FSB, ex-KGB, a requerer a aprovação do Ministério Público para abertura de inquérito policial.
A reforma em curso visa dotar a Rússia de um sistema judiciário baseado nas normas ocidentais. Ela é orientada pela Fundação para as reformas jurídicas junto ao governo russo, que recebe ajuda do Banco mundial para favorecer a "cultura do direito" na Rússia. Um trabalho árduo. Porque o exercício da justiça permanece inspirado na época dos expurgos, quando a confissão era meio de prova, os direitos da defesa eram vistos como uma "herança burguesa", enquanto que Andrei Vychinski, o procurador de justiça de Stalin, enviava milhões de cidadãos comuns ao Gulag, não sem tê-los qualificado em suas requisições de "víbora tarada" ou de "cão sarnento".
Apesar de uma "toilete" superficial nos anos 1960, quando novos códigos penais e processo penal foram adotados, apesar do vento de liberdade dos anos 1990, os velhos hábitos têm vida resistente. O sistema, iníquo, isenta os poderosos e se lança ferozmente sobre os fracos.
De acordo com os advogados russos os direitos humanos, as confissões continuam sendo extorquidos sob tortura, os direitos da defesa são regularmente desconsiderados, os advogados de defesa simplesmente não têm acesso aos processos, os juízes e promotores de justiça estão às ordens do Kremlin ou dos barões locais. As penas aplicadas são rigorosas. Um simples furto à vitrine se torna passível de vários anos de condenação severa.
Em 1999, 0,4% somente dos julgamentos pronunciados foram no sentido da absolvição. A população carcerária (1 milhão de pessoas em 145 milhões de habitantes), na sua maioria infestada por uma onda resistente de bacilos de tuberculose surgida nos últimos anos, estagnada nas velhas prisões. Dez por cento dos detentos permanecem dois, três ou cinco anos em detenção preventiva.
Os tribunais estão sobrecarregados, os magistrados com excesso de processos e seus vencimentos são tão insignificantes que eles dependem estreitamente das autoridades locais para suas indispensáveis mordomias: concessão de moradia gratuita, gratificações, vantagens sociais, o que favorece a corrupção. Por falta de recursos materiais e humanos,, tendo como pano de fundo o aumento da criminalidade, as investigações criminais são feitas sem apuro, as prestações de contas dos interrogatórios frequentemente "arranjados" no interesse da acusação. Tudo como na época de Vychinski, o "Fouquier-Tinville" de Stalin, os acusados preferem assinar as confissões extorquidas para evitar o mais rápido possível os centros de detenção preventiva, onde eles não dispõem sequer de um leito, para uma "kolonia" (literalmente: coônia ou campo) onde as condições de vida sejam justas um pouco melhores e onde as visitas sejam autorizadas. A noção de reabilitação é ignorada.
As reformas em curso são verdadeiramente encorajadoras, mas elas estão em rítmo lento pela falta de meios e a resistência passiva da burocracia. No caso do novo código de processo penal, os procuradores de justiça vão Ter de renunciar, em benefício dos tribunais, ao seu poder de expedir mandados de prisão e investigação, mas não antes de 2004. A lei que reforma o estatuto dos juízes (atualmente eleitos vitaliciamente e usufruindo de total imunidade), em curso de elaboração, suscitou numerosos questionamentos entre eles, que olham com maus olhos a perspectiva de aposentadoria compulsória aos sessenta e cinco anos. Enfim os tribunais do júri, que deveriam ser criados nas 89 regiões da Federação da Rússia desde janeiro de 2003, existem até o momento em apenas nove províncias, por falta de meios.
No país do "Revizor" de Gogol e do "Arquipélago do Gulag" de Soljenitsyn, a noção de justiça rima sempre com arbitrariedade, a confiança nas instituições é mais que limitada e a idéia de "direito" se assemelha à quadratura do círculo. Daí a importância da reforma em curso. Além da normalização de uma sociedade traumatizada pelo seu passado, ela visa também a implantação de verdadeira economia de mercado. A fragilidade da legislação, a ausência de garantias confiáveis são frequentemente citadas pelos investidores estrangeiros como as razões principais de seu pouco interesse de investir na Rússia. A atidude do poder é ambígua, à moda do novo chefe do Kremlin, que, tâo logo eleito em março de 2000, se preocupou em inslar a "ditadura da lei". Então, longe de caírem em desuso, as realidades do sistema soviético perduram, suscetíveis de serem reanimados da noite para o dia por uma elite política de mentalidade bizantina, a mais importante das reformas, a da mentalidade, resta a acontecer.
3 – ESTRATÉGIA DE PROGRAMA DA AGÊNCIA CANADENSE DE DESENVOLVIMENTO INTERNACIONAL PARA A RÚSSIA
(Março de 2000)
(www.acd-cida.org/CIDAWEB/webcountry.nsf/vLUDocFr/
EB2FFB0E86BA4C4185256BFA004882F7)
O aparelho judiciário permanece o mais frágil dos três órgãos do governo, mas ele manifesta determinados sinais, limitados, de independência. No regime soviético, o poder judiciário agia nem mais nem menos, nos casos concretos, como um prolongamento do Partido. A confiança da população na capacidade dos Tribunais de fazer justiça de maneira imparcial era, por assim dizer, inexistente. Até o presente, o Poder Judiciário Russo se mostrou incapaz de se libertar completamente dessa herança. A reforma jurídica progride, todavia. O governo russo se lançou em um vasto programas de reformas legislativas que recebe, em parte, a ajuda estrangeira; mas resta muito ainda a ser feito. Mesmo nos setores em que novas leis foram editadas, o quadro institucional de aplicação e execução é ainda muito vulnerável. Nem os organismos de regulamentação, nem o aparelho judiciário, nem a profissão jurídica estão ainda em condição de compensar seu atraso no ritmo das reformas para que o primado do Direito seja um fato real – uma realidade que exigirá uma mudança completa da forma de ver e das práticas em curso nas instituições e algumas vezes, mudança do material humano.
4 – RESUMO DO JJD (JORNAL DOS JURISTAS DEMOCRÁTICOS) n° 75 de 20 setembro de 1990 – Órgão da Associação Belga dos Juristas Democráticos (ABDJ)
Christian WETTINCK, juiz em Liège, formou com Christine MATRAY, juíza em Namur (ver JJD n° 71) a equipe "judiciária" da delegação da ABJD que visitou a Rússia e a Ucrânia.
O escritório da Associação dos Magistrados Europeus para Democracia e as Liberdades (congregando 11 agrupamentos, associações e sindicatos de magistrados progressistas em 9 países da Europa Ocidental), o tinha encarregado de fazer contatos investigatórios com os magistrados soviéticos interessados em partilhar dos ideais e objetivos da MEDEL.
Relata a título pessoal suas impressões de uma pesquisa pouco produtiva.
Numa segunda parte resume sua percepção das preocupações comuns às duas associações da MEDEL do setor alemão ocidental (O. T. V. e N. R. V.) em contato com magistrados da República Democrática Alemã e da Polônia, face aos problemas da unificação alemã.
Apesar disso as frustrações da impotência e impaciência, é urgente elaborar uma cultura européia da jurisdição. É uma tarefa comum aos advogados, juízes e membros do Ministério Público. No entanto, antes de tudo, compete também aos cidadãos, a quem a Justiça democrática é endereçada.
I. DEVEMOS DIVIDIR ENTRE TODOS A HISTÓRIA ?
AS SOCIEDADES DA EUROPA CENTRAL E ORIENTAL RECUPERAM A HISTÓRIA SOB O SIGNO DO PRINCÍPIO DA INDETERMINAÇÃO. MAS É SEM DÚVIDA, JUSTAMENTE, A MARCA DA HISTÓRIA. NÓS ESTAMOS DE NOVO DOMINADOS POR ELA, NÓS VAMOS PODER TALVEZ ESCAPAR DAS TOLICES NARCISISTAS DO DECÊNIO PASSADO E CADA UM SE ORIENTARÁ SEGUNDO A COMBINAÇÃO PESSOAL DE DESEJO E CRENÇA.
Jean VOGEL (1º de maio de 1990), Bull. Fondation André Renard, n° 183, p. 19
Reporto-me apenas às impressões.
Gostaria de apresentá-las tanto quanto Marco Pólo referindo-se ao Cathay; posso pelo menos ser Fabrice del Dongo recontando Waterloo.
Falemos das dificuldades.
A bagagem
Os obstáculos ao entendimento das realidades são numerosos.
Limitar-me-ei aos mais liberais, como nos etnocentrismos recíprocos que tornaram rígidos 40 anos de guerra fria "informação" ao Ocidente e "educação das massas" no Leste: demonologias resistíveis e reversíveis. As liberdades burguesas de circulação e expressão ajudando espera-se que vá ser muito agradável (àqueles que detêm um saber e uma solvabilidade suficientes) de reencontrar a Humanidade, os homens e as mulheres escondidos atrás dos magmas vermelhos ou cinzas que evocavam as propagandas.
A ausência aparente de debate interno no mundo jurídico soviético, os impedimentos impostos de dentro e de fora do sistema, as línguas tradicionais, suas e nossas, doutrinária ou professoral, tudo isso improvisou minha bagagem bastante surrealista de sovietólogo amador.
Deixando de lado as análises das revistas comparatistas e os conhecimentos de alguns congressos geralmente relacionados a temas limitados e técnicos, eu tinha, premido pelo tempo, descoberto pouca coisa de síntese do sistema jurídico soviético (1) (2).
São na maioria antigos, brejnevianos ou pré-brejnevianos, ligados a um ou outro partido, ou de uma prudência de Sioux. Vence pela sua simpatia comedida e seus esforços de análise o pequeno livro de René DEKKERS ultrapassado de mais de vinte anos, Introduction au droit de l'Union soviétique et des démocraties populaires.
Isso para compreender como são reduzidas minhas ferramentas de leitura e tradução dos fundamentos da realidade atual, em que tudo muda ou parece mudar não se sabe em qual sentido. E sem dúvida mais ainda em matéria jurídica que nos outros domínios sociais, em que se chega mais facilmente aos analistas prudentes, mas perplexos, tal como o nosso Jean-Marie CHAUVIER (3). Devem os sovietólogos eruditos perdoar-me. Em Moscou não há nenhum correspondente do Journal des Procès...ou do JJD.
O dom da palavra
De outra parte, em que nós somos peritos (4) ? Como partilhar com nossos irmãos orientais a escrita de uma história do papel do Direito e da função jurisdicional?
Na Europa Ocidental somente havia um quarto de século de constituição das primeiras associações livres, políticas, sindicais de juristas do foro: desde então somente uma minoria convive com o dualismo sobre os fundamentos de suas funções, faz uso da palavra e do diálogo; esforça-se em verificar ou transgredir os dogmas, descumprindo as obrigações de reserva e da reprovação dos seus superiores.
É presunçoso acreditar-se eloqüente. O nível de despertamento político, de cultura profissional dos juristas belgas parece pouco elevado ou expresso de forma insuficiente (5).
Discorrer sobre outro país em plena metamorfose, quando não se sabe muita coisa é um risco.
A PESQUISA DOS SEMELHANTES
No imediatismo, apesar da urgência da necessidade,nós nos entendemos impotentes para dialogar eficazmente entre juristas, por via de conseqüência entre magistrados, por falta de interlocutores identificáveis.
Assim a União Soviética.
Não existe até o momento nenhuma associação de magistrados comparável às nossas (6)
Uma União (soyouz) dos advogados da URSS foi recentemente fundada para ampliar a autonomia profissional e a independência das ordens dos advogados face ao centralismo administrativo, ao "poder" organizador dos Ministros da Justiça, aos excessos tutelares do Ministério Público e da K.G.B. Surgiu assim uma União dos Juristas apoiada pelo American Bar Association e pelo Rotary International, multiprofissional mas que parece antes de tudo preocupada com a promoção social dos juristas de empresas (esses futuros profissionais do futuro setor econômico privado) (7).
Em contrapartida os magistrados permaneciam em janeiro como membros da Associação dos Juristas Soviéticos.
A associação nossa cicerone, permanece como o grande parlamento oficial de todos os juristas, nossa interlocutora habitual dos congressos da A.I.J.D., presidida pelo procurador geral da URSS SOUKHAREV cuja personlidade carismática e discurso aberto não conquistaram a não ser Christine MATRAY. Aparentemente em parte desacreditada pelo seu papel original de propagandista do regime e sua estrutura ainda hierarquizada, a associação divide de lá para cá com a jovem União do foro verde Nil de Kalininskaia, a Casa da Amizade.
Nessas colônias Christine notou com justeza a ausência aparente de curiosidade, afora a estritamente técnica e a neutralidade política prudente dos colegas soviéticos face a nós.
Eu somente tinha suposições a fazer sobre as causas do mutismo ou do que nós entendemos como isolamento.
Paradoxalmente, esse isolamento não seria uma aberração da nossa ótica?
A forma eleitoral de seleção de juízes profissionais de primeiro grau e seu funcionamento em sistema colegiado com acessores leigos, o papel social da educação para as leis e prevenção de conflitos que eles devem cumprir com a realização de audiências nas empresas ou bairros, tudo isso os aproxima talvez da sociedade, os preserva talvez da solidão que é nosso apanágio.
Os juízes soviéticos estariam assim livres das tentações que nós conhecemos de sair da nossa solidão funcional mostrando-se para os jurisdicionados, programa das associações tais como a MEDEL, seja de se isolar na sua torre de marfim, desejo característico da aproximação corporativista.
Tem-se medo, em contrapartida, de que essa hipótese seja Angélica e que os mecanismos de "échevinage" (juizado com juízes togados e juízes leigos) e da educação não produzam os efeitos de democratização e de auto-gestão esperados. Parece que muitos cidadãos soviéticos en aient assez que l'on "fasse leur bien" malgré eux dans les bureaux, com um paternalismo autoritário que lembra determinados desvios da nossa proteção judicial da juventude.
Os juízes seriam obrigados ao silêncio pela prudência ou crença, ou seja, pelas dificuldades de analisar uma situação excepcional? Seria um silêncio temporário sobre as dimensões políticas do serviço público, deixando passar e exprimir-se a esperança de um renascimento, uma revalorização setorial, esperança corporatista no entanto legítima.
O juiz de primeiro grau, mal pago, teoricamente precário (mas agora com aumento da duração do seu mandato, na prática, raramente desmentido), parece pouco dono de uma política jurisdicional.
É necessário de início lembrar que todo setor produtivo planificado, domínio dos juristas de empresas ou escritórios, lhe é estranho e regido pela arbitragem estatal. Sua relação com a norma é muito positivista, próxima do modelo revolucionário francês da "bouche de la loi".
Sua neutralidade política é freqüentemente destacada: "submetido somente à lei o juiz não pode avaliar os eventos a não ser juridicamente, mas não do ponto de vista político". Parece que os sovietes ou os peritos leigos que são seus correligionários estejam lá para produzir a definição dos valores e a aplicação das noções imprecisas.
Debates doutrinários e repositórios de jurisprudência são raros; a jurisprudência é criada pela Câmaras reunidas (pleno) das Cortes Supremas, eventualmente após consulta a peritos não juristas e com encaminhamento aos poderes legislativos, para que os precedentes, a evolução jurisprudencial se transformem rapidamente em leis, ou sejam infirmados por ela.
Os recursos do Ministério Público no interesse da lei, as revisões e reformas à moda alemã com reenvio à mesma jurisdição de primeiro grau, agora composta por outros membros, parece perfeita para o alinhamento e uniformização da justiça de base, que se submete ao controle dos juízes de última instância.
E certamente, como todos os intelectuais não inseridos na estrutura de produção ou nos aparelhos do ex-partido único, como os professores ou artistas, o juiz de base parece estranho à classe dominante e materialmente menos bem aquinhoado que determinados trabalhadores manuais qualificados, o que pode explicar determinadas "fragilidades" excepcionais em favor dos poderosos (os quais fazem alusão aos órgãos de controle, procurador geral ou juízes das Cortes Supremas, e jornalistas; menos os juízes de base).
Com esses intelectuais que se entendem depreciados, o juiz de base partilha a esperança de que a perestroïka mudará os pólos do poder e da consideração sociais. Parece verdadeiro que o sistema reformado a valorização do papel do Direito (que não equivaleria mais a um volume de decretos dos Praesidiums formalmente apresentados como leis pelos sovietes provisórios) dará um acréscimo de importância aos juristas e portanto aos magistrados. Mas nossos juristas, os juízes de carne e osso que nós encontramos, serão ainda juízes? É isso talvez o que eles se perguntam.
A incerteza do momento político, a enorme metamorfose em curso, quando o indivíduo deve receber a proteção do Direito, quando todos os códigos sofrem modificações drásticas, quando nasce um Direito Comercial Privado, e quando ao lado da propriedade devem nascer Direitos que protegem os homens e a terra contra a exploração, a segurança social e o Direito Ambiental: tudo isso mostra ao mesmo tempo urgência e indispensabilidade de um debate sobre um Estado de Direito democrático e social e o papel da jurisdição.
Mas isso pode assustar o "petit juge" (juiz arrogante) nosso irmão, que se queixa de não ter sido consultado sobre o novo estatuto do magistrado, "insuficientemente progressista" e que gostaria que o respeito que lhe é devido fosse sancionado como a infração do ultrage, ou seja, que a crítica seja punida pelo contempt of court... Decididamente o juiz popular não fica talvez à vontade como o peixe na água.
Ao lado dos tribunais regionais e das Cortes Supremas, a dimensão política é, bem entendido, claramente palpável. Estes são designados pelos sovietes supremos (seus mandatos expirarão em março); eles não se limitam a administrar os recursos e a decidir em primeira instância casos os mais graves ou importantes (avocação). Viu-se que eles influenciavam sobre as regras. E se subordinam às contradições e tensões ao nível da dependência frente aos sovietes..
MEDEL NO TIBETE?
Em resumo, no final de uma pesquisa, por demais breve e incerta (notadamente porque a dimensão "dejusticializada", disciplinar e preventiva das "comissões de conflitos" ex-tribunais de camaradas, passou despercebida) o sistema judiciário me pareceu constituir uma autoridade (e não um poder) articulado muito hierarquicamente sobre as jurisdições superiores, vindo à pena de virar a página negra dos delitos de opinião e da presunção de culpabilidade, e ainda desprovida de iniciativa sobre as operações de produção, impotente para controlar sua ilegalidade (senão sem dúvida na medida ainda por demais fraca dos controles – repressivos? – que o Ministério Público da URSS parece em vias de instalar de forma centralizada).
[...]
Notas:
(1) – Academia de Ciências da U.R.S.S., Instituto de Direito e do Estado, sob a direção do Prof. P. Romachkine, Principes du Droit soviétique, Moscou, ed. em línguas estrangeiras, s.d. (1962 ?);
- René David, Les grands systèmes de droit contemporains, 2ª parte, Précis Dalloz, Paris 1964
- René Dekkers, Introduction au droit de l'Union soviétique et des Républiques populaires, Éditions de l'Institut de sociologie de l'Université libre de Bruxelles, Bruxelles 1971
- Monique e Roland Weyl, La part du droit dans la réalité et dans l'action Éditions sociales, Paris 1968
Revistas :
Robert Vander Gucht, Droit et libertés, La Revue Nouvelle, 1975/7-8, p.117 s.
Basile Karlinsky, Un système judiciaire pas encore digne de ce nom, Justice (revue du Syndicat de la Magistrature), n° 125-126, novembro de 1989, p. 55 s.
Colette Begaux, Le fédéralisme dans les constitutions soviétiques, J.J.D. n° 63, maio de 1989
(2) La Part du droit dans la réalité et dans l'action, de Monique et Roland WEYL tinha em 1970 fulgurâncias que despertaram o senso crítico de numerosos juristas francofônicos. Reido em 1990, esse livro me deixa o gosto de cinza da juventude que passa e do tempo que não volta mais: tanto de maniquísmo, a desqualificação do Estado de Direito em regime capitalista e a apologia repetitiva da "boa – repressão – provisória" em regime socialista, a negação francesa da dimensão européia e dos direitos fundamentais burgueses em uma época em que a França se sustentava na jurisdição de Estrasburgo. Tudo isso não é mais suportável para mim e me deprime tanto que não teriam podido me entusiasmar essas desmistificações (sempre saudáveis) do Direito positivo que nos ensinavam as universidades.
(3) Leia-se, Le Monde diplomatique e La Revue nouvelle, certamente, mas também o Bulletin da Fondation André Renard (Les révolutions à l'Est, in n° 183, janvier-février 1990, Liège), Socialisme (n° 219, mai-juin 1990, Bruxelles), os Cahiers marxistes (n° 173, avril-mai 1990, Bruxelles), Le Monde diplomatique, Manière de voir n° 7, Du communisme réel à l'ambition démocratique (février 1990).
(4) Deveria muito ser dito sobre a noção tecnocrática sobre a sociologia, e a ideologia dessas missões de assistência oficiais que, notadamente,os Estados membros do Conselho da Europa se preparam a enviar ao Leste (v. a 17ª Conferência de ministros Europeus da Justiça, Istambul, 5-7 juin 1990, Info Cons. eur. I (90) 38; F. CERRI, "Assistance juridique" pour l'Est, jornal Libération de 9 de junho).
(5) É bom que no interior da MEDEL e da AIJD nos relacionemos com a Itália, France etc.
(6) Mas a cociedade civil soviética é atualmente trabalhada por uma necessidade de associação livre que isso não deverá tardar.
(7) Sobre a transformação dos burocratas da Nomenklatura econômica da classe burguesia capitalista, leia-se La nouvelle élite de la sociologue hongroise Erzsébet SZALAI, C.M. n°137, 7 s.
(8) É interessante notar que um início de Corte Constitucional, o Comitê de controle Constitucional da U.R.S.S. foi instalada pela Constituição de 1988... Contemporânea da recente Corte de Arbitragem belga.
5 – A HOSTILIDADE COTIDIANA DE UMA ECONOMIA EM TRANSIÇÃO: O CASO DA RÚSSIA
(Gerard R. VERNA e Annele KHAMZINA)
(http://www.fsa.ulaval.ca/personnel/vernag/PUB/EHR.html)
Somente em 1989 é que o muro de Berlim caiu, e com ele os mitos e bens dos crentes. Mas, desde essa época as coisas mudaram tão rapidamente nos diferentes países da zona de influência soviética que parece que uma eternidade decorreu e nossos estudantes falam do mundo comunista um pouco como nós falávamos, há algum tempo, no Império Romano...
Daí pensar-se num mundo novo na área dos negócios, que convém levar em conta o bem das empresas nele ingressaram ou irão ingressar. Porque, e isso é a base da noção de ambiente hostil que nós abordaremos a seguir, cada um pensa e age em função da sua experiência própria e da sua cultura. "Se a Rússia não é mais comunista, ela então é capitalista e nós podemos ali trabalhar porque o capitalismo é um sistema que nós conhecemos bem." O objetivo deste artigo é mostrar que não é nada disso e que muitos são aqueles que, na Rússia, pensam como o "Guepardo" "que é necessário que tudo mude para que tudo continue igual...". Todavia, apesar de tudo acima do caos aparente, as coisas evoluem em "um país a caminho de se modificar" (Radvanyi, 1996).
Esse estudo visa a apresentar a situação atual da Rússia, com base numa pesquisa documental profunda utilizando principalmente as fontes russas, aplicando o conceito de "ambiente hostil" à vida cotidiana das empresas estrangeiras que pretendem lá realizar projetos. Optamos por selecionar os artigos pesquisados compreendendo um período de quatro anos, de 1992 a 1995, após a extinção da União Soviética em 30 de dezembro de 1991 e o lançamento do novo plano de Egor Gaidar (a "terapia de choque" baseada na liberalização dos preços) em fevereiro de 1992.
O plano geral deste estudo será o seguinte:
1.
2.
3. A hostilidade ligada ao contexto jurídico
4.
5. Conclusão
3. A HOSTILIDADE LIGADA AO CONTEXTO JURÍDICO
Com relação às economias dos paises do Terceiro Mundo nas quais o conceito de ambiente hostil foi inicialmente definido, as economias em transição apresentam aspecto suplementar de hostilidade devido à existência de um quadro jurídico concebido para uma organização social totalmente diferente mas sempre em vigor, tanto com relação aos fatos, quanto ao que pertine às mentalidades. Isso constitui uma diferença considerável em relação à maior parte dos outros países pobres que dispõem de um quadro legal e jurídico, certamente nem sempre rigorosamente respeitado, próximo do modelo ocidental (mais freqüentemente aquele dos antigos colonizadores).
3.1. AS LEIS E A LEGISLAÇÃO
O contexto jurídico é muito móvel na Rússia. A impossibilidade de prever o que será a próxima lei, faz com que a maior parte dos investidores adote uma estratégia defensiva. Em março de 1994, os deputados da Câmara dos Deputados começaram a examinar 300 projetos de lei ligados diretamente às reformas econômicas do país. No entanto é pouco provável que sejam capazes de conclui-los. Existem então duas possibilidades: que as novas leis sejam imperfeitas ou que os empresários aguardem ainda alguns anos. Além disso, atores econômicos poderosos se aproveitam da fragilidade das leis atuais e não desejam o aparecimento rápido do novo código civil. Enquanto isso, o Presidente Boris Yeltsin administra a economia do país à sua moda, ou seja, por decretos.
O sistema legislativo russo é extremamente complexo e compreende três níveis principais (federal, republicano e regional). No curso do ano de 1992, o parlamento russo adotou mais de 100 leis, enquanto que a República autônoma da Carélia adotou 59 e a região da grande Sibéria, composta de 19 regiões, aprovou mais de 250. Naturalmente, não existe nenhuma correspondência técnica entre todas essas leis e os juristas não sabem exatamente qual lei deve ser aplicada. É então difícil encontrar um empresário que respeite todas essas leis. Em 1994, o número de crimes econômicos aumentou de mais de 50% em relação ao ano anterior. As pessoas têm um comportamento de pouco caso em relação às leis e à legislação russa. Mas é necessário dizer que não existem leis em virtude das quais os fraudadores possam ser condenados.
Assim, uma avalanche de produtos estrangeiros de qualidade medíocre inunda o país, mas a alfândega não fiscaliza sua qualidade. Tudo que ela faz é constatar os casos de apreensão coletiva quando da venda de produtos com validade vencida. Em 1994 a polícia descobriu 1,3 milhões de caixas de latas de conservas e 33,5 toneladas de outros produtos alimentícios estrangeiros que não correspondiam às normas sanitárias e fito-sanitárias. (a ponta do iceberg...) Em Nijni-Novgorod, um armeniano tentou vender uma quantidade de frangos da Hungria e da Iuguslávia de aparência duvidosa. Segundo os peritos, esses frangos tinham sido abatidos em 1986. O drama é que esse gênero de problema não interessa nem o governo, nem aos deputados, nem ao Ministério Público, mas somente à polícia. Os órgãos legislativos e governamentais justificam sua pacividade pela ausência de bases regulamentar e legislativa. Na prática, os tribunais abandonam completamente toda preocupação ligada aos problemas econômicos. E o projeto de Código Civil, publicado na primavera de 1995, não contém nenhum artigo prevendo condenação para as pessoas que exercem atividades econômicas ilegais.
3.2. AS CONDIÇÕES DE TRABALHO INSUPORTÁVEIS DOS TRIBUNAIS E DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A expressão tribunal foi sempre associada com a noção de ordem naquele país. Atualmente é o contrário. Os juízes trabalham em condições difíceis: penúria geral, ausência de móveis e equipamentos, falta de pessoal de apoio, etc. Existe mesmo falta de juízes! No fim de 1994, em Moscou havia 120 cargos vagos de juiz. Essa profissão não parece interessante para os especialistas do Direito, porque os vencimentos são baixos e o trabalho demanda muito esforço e tempo. Acontece freqüentemente que a sentença prolatada por um juiz não seja executada, o magistrado da Corte Superior decide parar o andamento do processo por motivos desconhecidos. Mas não devemos nos esquecer de que a maioria dos acusados por crimes econômicos têm muito dinheiro e contatos pessoais. No decorrer destes últimos cinco anos de modificações (1990-1995), a Corte Suprema da Rússia não examinou nenhum processo referente a crime econômico.
Para os membros do Ministério Público, as condições de trabalho não são melhores que aquelas dos juízes. Os procuradores têm um poder enorme dentro da estrutura judiciária e é por isso que o governo russo procura exercer uma pressão constante sobre eles. Acontece muitas vezes que as autoridades mantém ligações com os procuradores para pleitear deles a internação de uma pessoa indesejável, conseguir a prisão de participantes de uma manifestação ou fazer enviar a agentes secretos que irão participar de reuniões dentro das estruturas da oposição. Todavia, há situações mais graves. Assim, em novembro de 1993, Boris Yeltsin telefonou para Gennadij Ponomarev, procurador de Moscou, propondo-lhe sua nomeação para o posto de procurador geral da Rússia em troca de um "pequeno" serviço: ajudar a acusar de corrupção o vice-presidente Alexandre Routskoi, mas na realidade um falso do qual seria preferível que o procurador aceitasse sua validade. Ponomarev recusou e o processo ficou paralisado por insuficiência de provas. Mas o procurador Ponomarev não quis mais permanecer no cargo e, já sem algumas ilusões sobre a situação real de seu país, ordenou que se iniciasse uma investigação por calúnia e falsificação de provas. Essa investigação não foi muito longe porque daí a pouco tempo foi aposentado por "falta de assiduidade ao trabalho".
3.3. AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO REGULAMENTADORA DOS MERCADOS FINANCEIROS
Os juristas ficam incomodados pelas numerosas irregularidades nos mercados financeiros russos. Por falta de conhecimento de gestão, uma grande parte da população (sobretudo os pobres) se torna vítima dos crimes econômicos. Após os dados publicados pelo Ministério do Interior, a soma total dos prejuízos causados a mais de 3 milhões de vítimas ultrapassou 20 trilhões de rublos em 1994 (ou seja, mais ou menos 5 bilhões de dólares). A polícia tenta colocar ordem nessas práticas duvidosas, mas exclusivamente nos limites de sua competência. Conforme a legislação atual, o processo criminal se inicia unicamente se uma companhia recusa cumprir suas obrigações; mas, na maior parte dos casos, seus dirigentes já desapareceram e o dinheiro da companhia desapareceu junto com eles, quando as reclamações são feitas. Os chefes das empresas Texprogress e Impuls-investa fugiram de Moscou sem nenhum problema com alguns milhões de dólares. O presidente da companhia Vympel desapareceu um belo dia com 20 bilhões de rublos (mais ou menos 5 milhões de dólares) e o diretor da firma Multideneznyj fond fugiu com 3,4 bilhões de rublos (mais ou menos 700 mil dólares).
As companhias atraem suas vítimas com a promessa de dividendos exorbitantes. Nezavicimyj neftjanoj koncern propôs pagar a seus clientes dividendos anuais em rublos de 1.010%. Trust SLD prometeu pagar dividendos anuais em dólares de 80%. Vlastelina de Moscou prometeu aos investidores potenciais se transformarem em proprietários de apartamentos luxuosos em um prazo de 6 meses. Torgovye rjady prometeu a seus acionistas que eles se tornariam individualmente proprietários de uma área de um centro comercial em construção sobre a qual ela não tinha realmente nenhum direito. É muito perigoso comprar ações de alguma companhia em razão de sua falta de credibilidade. As firmas vendem suas ações nos mercados internos unicamente quando o desejam e, além do mais, fixam elas mesmas os preços de venda e de compra.
Entre os numerosos métodos simples que permitem ludibriar as pessoas, um consiste em encontrar um pretexto qualquer para parar de pagar os dividendos prometidos. Os acionistas podem reclamar, protestar ou se revoltar: os funcionários da segurança não lhes permitirão sequer entrar no edifício da empresa. Empresas de Moscou, como BIT, Finservis-D, Narodnaja investicionno-stroitelnaja Kompanija, adotaram essa política. Uma outra forma consiste em utilizar um intermediário:uma empresa vende suas ações a um preço muito baixo a uma companhia especializada que pertence, (pura coincidência), à esposa do dirigente da empresa que emitiu as ações. Essa companhia intermediária revende logo em seguida as ações da companhia pelo seu preço normal e adquire uma primeira vantagem. Pouco tempo após, a empresa que emitiu as ações anuncia sua falência e os compradores das ações se encontram com títulos sem nenhum valor. Na Rússia nenhuma lei protege os acionistas dessas fraudes financeiras. No projeto de Código Civil o artigo que tratava dessas situações foi excluído!...
3.4. AUSÊNCIA DE LEIS QUE PROTEGEM AS EMPRESAS ESTRANGEIRAS
O principal problema dos investidores ocidentais reside na ausência de leis que possam proteger suas empresas e investimentos na Rússia, por exemplo, contra a expropriação gradual contra o governo ou contra a possibilidade de repatriar seus investimentos e benefícios para a matriz. Todos esses aspectos, acrescidos da fragilidade das leis atuais, criam uma situação de incerteza que impede as empresas ocidentais de investir massivamente na Rússia. O governo russo não respeita as garantias dadas às empresas ocidentais. Existem mesmo circunstâncias em que as autoridades tanto do governo central quanto locais abusam de seu poder contra as empresas ocidentais. Os casos de confusão jurídica são cada vez mais numerosos. Em 1992 a editora Flammarion foi expulsa de suas instalações do centro da capital por uma decisão da prefeitura de Moscou que queria ali instalar uma família... A sociedade britânica Margo Internantional Ltd contratou uma locação de 50 anos quanto a um imóvel situado no centro de Moscou. Todos os documentos foram registrados conforme as leis russas em vigor e a empresa investiu por volta de 250 milhões de rublos (mais de 2 milhões de dólares) nessas modificações. Quando elas estavam prontas, Boris Yeltsin colocou o edifício à disposição de um comitê federal de agricultores. Margo International ajuizou uma ação contra o governo. Quando o vice-presidente Routskoi se apresentou ao tribunal para representar o governo, pediu para consultar os documentos da sociedade britânica e não os devolveu. A firma britânica, dessa forma, perdeu a causa no tribunal "por falta de provas".
6 – O MINISTÉRIO PÚBLICO
DAVID (1954:304) esclarece com uma certa defasagem em termos de época, pois que seu livro trata apenas da época soviética, mas, mesmo assim, vale a pena conhecer essas realidades, uma vez que o Ministério Público não mudou tanto de lá para cá, estando havendo algumas mudanças mais importantes somente nos últimos anos, no período federativo, ou seja, após 1991, e, principalmente após 1º/01/1994, quando entrou em vigor a nova Constituição:
O Ministério Público é definido pelos autores: "um órgão do Estado soviético que exerce a fiscalização sobre a legalidade, que supervisiona e dirige a atividade dos órgãos de instrução criminal e que sustentam, em nome do Estado, a acusação diante dos Tribunais".
Logo adiante fala das duas missões do Ministério Público: a geral e a de fiscalização da atividade judiciária. Também afirma que o Ministério Público não toma decisões por ele próprio, mas sim peticiona aos órgãos competentes para que providenciem a correção dos atos e decisões que os casos merecem.
Menciona o livro de KAREV, que aborda a história do Ministério Público soviético, destacando a lei de 28 de maio de 1922, que deu ao Ministério Público uma feição mais próxima da atual, mas afirma que somente em 1932/1933 o Ministério Público passou a ter as características que tem atualmente, adquirindo sua plena independência. A lei orgânica do Ministério Público era na época do livro de KAREV a de 20 de junho de 1933, atualizada pela lei de 20 de julho de 1936. Diz também que a Constituição de 1936, no seu capítulo IX tratou do Ministério Público.
Quanto à chefia da instituição, cabia ao Procurador Geral da URSS, a quem eram subordinados os Procuradores das Repúblicas Socialistas Soviéticas e os Procuradores Especiais (procuradores do Exército, Marinha de guerra, transportes por via férrea, transportes marítimos e fluviais). Os procuradores das Repúblicas Socialistas Soviéticas tinham sob suas ordens os procuradores das Repúblicas autônomas, das regiões e das províncias. Estes últimos tinham como subordinados os procuradores dos distritos e das cidades. Por aí se observa que o Ministério Público era hierarquizado.
A progressão funcional dos representantes do Ministério Público e seu estatuto eram tratados num decreto do Presidium do Soviete Supremo da União Soviética de 16 de setembro de 1943. Sua responsabilidade disciplinar era regulada por uma portaria do Ministério Público da URSS de 17 de outubro de 1942.
DAVID comenta que o Ministério Público soviético era muito diferente do Ministério Público francês. (p. 309)
A situação atual é a seguinte.
O Ministério Público, que tinha uma importância exagerada no período soviético, tanto nas causas criminais quanto nas cíveis em geral, e bem assim na área administrativa, a tendência é de reduzir seus superpoderes.
Vale a pena conhecer o RELATÓRIO DA COMISSÃO PARA OBEDIÊNCIA DAS OBRIGAÇÕES E ENGAJAMENTOS DOS ESTADOS-MEMBRO DO CONSELHO DA EUROPA no que pertine ao Ministério Público, que se lê no endereço de Internet: http://www.marianne-en-ligne.fr/98-07-27/e_a1a.htm:
Quando de sua adesão ao Conselho da Europa, a Rússia se obrigou a reformar seu Ministério Público que, nessa época, estava largamente embasado no modelo comunista da "prokuratura". Nenhum progresso parece Ter-se realizado nesse aspecto: o papel e as funções do Ministério Público são objeto de uma lei adotada em novembro de 1995 e não modificada depois. Na prática, isso significa que, diante de um tribunal, a igualdade das armas entre a acusação e a defesa não é sempre garantida. Fora do tribunal, isso significa que o Ministério Público dispõe de determinados poderes (controle da legalidade dos atos administrativos, seguido do respeito aos Direitos Humanos e direitos civis, função de fiscalização dos presídios e expedição de mandados de prisão) que, na maior parte dos Estados -membros do Conselho da Europa, foram transferidas a outros órgãos tais como tribunais administrativos, mediadores e juízes. Confotme p artigo 5§ 3 da Convenção Européia dos Direitos Humanos (CEDH), o projeto do novo Código de Processo Penal prevê que a expedição de mandados de prisão é uma função que incumbe aos juízes aos quais ela será finalmente transferida.
A situação é muito menos clara no que diz respeito ao direito de defesa dos direitos humanos e outros direitos dos cidadãos. Apesar da adoção da lei sobre a função de comissário dos direitos humanos, o Ministério Público entendia quando de nossa visita em novembro de 1997que ele não deveria perder seu poder de defender os direitos humanos e os outros direitos dos cidadãos, pois nesse domínio ele fornece cada ano um serviço eficaz e gratuito a milhões de cidadãos que não podem se conceder os serviços de um advogado ou pagar as despesas judiciais, ou que não querem aguardar a morosidade da Justiça. Esse serviço, o Ministério Público acredita que o comissário dos direitos humanos não estará à altura de prestar, por falta de estrutura adequada. Em princípio, é evidente que o poder de controle sobre a adminiastração deveria competir aos tribunais administrativos, mas também que o encargo de defender os direitos humanos deveria ser confiado a uma instituição independente do ministério Público, por exemplo ao comissário dos direitos, um mediador ou um órgão similar. Um órgão cuja função principal é acusar as pessoas (por exemplo, de uma infração) e que, consequentemente, se bate a priori pelos interesses do Estado, não pode ao mesmo tempo se bater contra o Estado; também, um órgão que ordena a detenção de uma pessoa possa ao mesmo tempo velar por que seus direitos, uma vez detida, não sejam violados.
O número de membros do Ministério Público ainda é excessivo, sendo atualmente de 40.000, frente aos 20.000 juízes, o que deverá ser objeto de alguma regulamentação para melhor aproveitar esse contingente excessivo de servidores públicos.
7 – O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
DAVID (1954) fala de início que além do Ministério da Justiça da URSS, cada uma das Repúblicas Socialistas Soviéticas tinha seu próprio Ministério da Justiça:
Aos Ministérios da Justiça (URSS e Repúblicas Socialistas Soviéticas) compete elaborar disposições que permitam o funcionamento dos tribunais, uma vez estes constituídos, e assegurar o funcionamento dos mesmos, sem se imiscuir nas funções propriamente judiciais. (p. 310)
Afirma que o Ministério da Justiça da URSS controlava a atividade dos Ministérios da Justiça existentes nas Repúblicas Socialistas Soviéticas. Controla também, por intermédio destes últimos, a atividade dos Ministérios da Justiça das Repúblicas autônomas e das diretorias da Justiça existentes nos Sovietes das regiões, províncias e cidades. A todos esses funcionários dessas administrações, o Ministério da Justiça da URSS remetia regulamentos que eram para eles, obrigatórios; podia igualmente ab rogar, ou modificar, as decisões ou diretivas dessas administrações. Aos tribunais, o Ministério podia apresentar diretivas referentes à maneira de organizar seu trabalho. Inspecionava os tribunais e verificava se a aplicação do Direito realizada por eles estava correta. Se lhe parecia que os processos estavam mal julgados, o Ministério da Justiça somente podia, todavia, informar aos presidentes das Cortes Supremas das Repúblicas Socialistas Soviéticas competentes. O Ministério da Justiça da URSS, além disso, tomava conhecimento e publicava repertórios de jurisprudências. Ao Ministério da Justiça competia fixar as circunscrições e o orçamento dos vários tribunais, analisar as questões de organização judiciária e a realização das eleições para os cargos de juiz; regulamentava o dever para os juízes de prestar contas de suas atividades aos cidadãos; dirigia os oficiais de justiça, era encarregado das estatísticas judiciárias, publicava instruções com vistas a melhor organizar o trabalho dos tribunais. O Ministério da Justiça era encarregado diretamente da organização dos tribunais de exceção. Controlava a organização e a atividade dos tabeliães e advogados. Era encarregado da preparação profissional dos juízes de todos os tipos; dirigia institutos científicos de pesquisa em matéria de Direito e exercia seu controle de forma geral sobre as faculdades de Direito e a distribuição, nas carreiras, dos estudantes que tinham terminado seus estudos jurídicos. O Ministério, enfim, se ocupava das questões de codificação das leis, decretos, ordenanças, quando se tratava de matérias legislativas da URSS, supervisionando os ministérios das Repúblicas Socialistas Soviéticas quando se tratava de legislação dessas últimas. Em cada República Socialista Soviética e em cada República autônoma existia paralelamente um Ministério da Justiça; esses ministérios se ocupavam das questões de organização, administração de finanças da Justiça, dentro da sua respectiva circunscrição. Eles eram colocados sob a direção do Ministério da Justiça da URSS e velavam pela execução das diretivas desse último. Decretos especiais regulamentavam sua organização e atividade. Os Ministérios das Repúblicas Socialistas Soviéticas controlavam a atividade dos Ministérios das Repúblicas Autônomas, onde elas existiam. Serviços do Ministério da Justiça existiam junto aos Sovietes das regiões, províncias e cidades.
O Ministério da Justiça atual tem procurado apresentar-se moderno, atendendo às idéias democráticas e trabalhando para o melhor desempenho da Justiça, procurando observar as regras estabelecidas, em última instância, pelo Conselho da Europa, do qual a Rússia faz parte.
8 – OS ADVOGADOS
TURGUENIEV (1847) diz que na sua época não haviam a profissão de advogado na Rússia.
De início devemos informar que dois políticos destacados do período socialista (Lenin e Alexandre Kerenski) iniciaram suas vidas como advogados, mas, quando assumiram o poder como políticos nada realizaram para valorizar a classe dos advogados, até porque, na época, todas as profissões eram tidas como iguais em importância, não devendo, de acordo com a ideologia socialista, umas ser mais destacadas que as outras.
DAVID (1954) traça a história da classe dos advogados na então União Soviética, afirmando que no início do regime socialista essa classe passou por muitas dificuldades pelo fato dos governantes entenderem que pessoas leigas poderiam muito bem exercer as atribuições dos antigos advogados, merecendo destaque a modificação ocorrida em 1939, segundo a qual somente poderiam exercer a advocacia as pessoas inscritas nas Ordens dos Advogados, que na época em que foi escrita a obra a que nos referimos, eram livres associações formadas por pessoas que exercem uma atividade de juristas. (p. 317) Esclarece também que as Ordens dos Advogados eram organizadas nas províncias ou territórios, nas Repúblicas Autônomas e nas Repúblicas Soviéticas.
As inscrições para ingresso nas Ordens dos Advogados eram apresentadas à Presidência das Ordens, sendo realizada uma investigação aprofundada sobre os candidatos, conforme prescrição do Ministério da Justiça. Se a decisão era de recusa, os candidatos poderiam recorrer ao Ministro da Justiça da República Socialista Soviética competente, podendo apelar contra a decisão deste último ao Ministro da Justiça da URSS. (p. 318)
Quanto aos impedimentos DAVID (1954) afirma que não podiam acumular suas funções com a de funcionário público, a não ser como atividade de ensino ou de natureza científica, podendo exercer funções eletivas nos estabelecimentos ou organizações nacionalizados ou coletivizados. (p. 318)
Quanto aos honorários advocatícios eram regulados por uma instrução do Ministério da Justiça da URSS, que fixava os honorários máximos, mas honorário efetivo é fixado por acordo com o cliente pelo diretor do Escritório de Consulta ou, se não existe tal escritório, pelo próprio advogado. No primeiro caso, é ao Escritório que o cliente paga os honorários. (p. 318)
Menciona também sobre a assitência judiciária, prevista na mencionada instrução, quando se tratava de processos sobre alimentos, indenizações por acidentes de trabalho, pensões e causas versantes sobre seguro. Esclarece que determinadas pessoas faziam sempre jus à gratuidade, sendo elas os soldados e sub-oficiais das Forças Armadas da URSS. (p. 318)
Esclarece que os Escritórios de Consulta não podiam cobrar honorários pelas informações e conselhos puramente verbais que dessem. (p. 319)
Quanto à responsabilidade disciplinar, havia uma instrução especial relativa ao processo administrativo, ali estando previsto que contra as decisões da presidência das Ordens dos Advogados podia o advogado recorrer ao Ministro da Justiça da República Socialista Soviética competente e em seguida ao próprio Ministro da Justiça da URSS, sendo de se notar que os procedimentos somente poderiam ser iniciados por iniciativa da presidência das Ordens dos Advogados. (p. 319)
A situação atual é a seguinte: há uma procura pela verdadeira independência dos advogados, que tem aumentado, seguindo os padrões vigentes nos países do Conselho da Europa, do qual a Rússia faz parte atualmente.
9 – OS TABELIÃES
DAVID (1954) afirma que a atividade dos tabeliães era dirigida pelo Ministério da Justiça da URSS no nível mais elevado e, abaixo, pelos Ministérios da Justiça das Repúblicas Socialistas Soviéticas. (p. 320)
Fala da existência de dois tipos de tabeliães:
- tabeliães-chefes (nas cidades mais importantes: nomeados, removidos, exonerados pelos Ministros da Justiça das Repúblicas Socialistas Soviéticas)
- tabeliães (para as cidades de menor importância: nomeados, removidos, exonerados pelos chefes de Departamento desses Ministérios, que oficiavam junto ao sovietes provinciais, regionais ou das cidades). (p. 320)
Eram impedidos de exercer qualquer função pública, salvo eletiva ou de ensino. (p. 320)
Eram obrigados ao dever de sigilo para os atos de seu ofício, juntamente com os seus substitutos e assessores. (p. 320)
Quanto às procurações, contratos ou transações de todos os gêneros, quando o valor era superior a 500 rublos, era obrigatório o uso do instrumento público. (p. 320)
Era prevista a gratuidade para determinadas categorias de pessoas. (p. 321)
A área do Notariado está pouco desenvolvida na Rússia.
No entanto, tem sido feito um esforço de aprendizado e desenvolvimento, inclusive com o apoio de profissionais estrangeiros. É o que se pode ver no seguinte endereço: http://www.notaires.ch/a/a.lasso:
1 - Reunidos em assembléia geral em Berna em 8 de novembro de 2002 sob a presidência de Bernhard G. Burkard, os membros da Federação Suíçal de Notários tiveram a honra de ouvir o Conselheiro Federal Pascal Couchepin, [...] Um segundo prestigioso convidado estava presente: Evgueni Kliatchin, presidente da Federação de Notários da Rússia, que conta atualmente cerca de 6.000 notários: ele relembrou nessa ocasião que a Confederação Suíça conduziu durante 5 anos um programa de cooperação e de formação de notários russos, programa que fez muito sucesso... mas que terminará em 31 de dezembro de 2002, [...]
2 - Rússia: um simpósio internacional de notários de 16 a 19 de maio de 2002 ocorreu em Moscou reunindo mais de 120 participantes provenientes de 22 países principalmente do leste europeu (presidentes de notariatos e representantes de Ministério de Justiça) sobre o tema "O PAPEL SOCIAL DO NOTARIATO NOS PAÍSES DO LESTE EUROPEU, DA FEDERAÇÃO DA RÚSSIA E DA CEI", organizado pela Câmara Federal Notarial da Rússia.
A situação atual é a seguinte: os parâmetros impostos pelo Conselho da Europa vão moldando todos os institutos jurídicos russos, inclusive a profissão dos notários.
10 – OS OFICIAIS DE JUSTIÇA
DAVID (1954) afirma que o trabalho dos oficiais de justiça acontecia nos Tribunais populares, Cortes provinciais (das regiões ou cercles, Cortes das Províncias autônomas, Cortes Supremas das Repúblicas Socialistas Soviéticas e Cortes Superiores das Repúblicas Autônomas. (p. 321)
Eram nomeados pelos Ministros da Justiça das Repúblicas Socialistas Soviéticas ou das Repúblicas Autônomas, ou, na RSFSR e Ucrânia, pelos órgãos locais dos Ministérios da Justiça. (p. 321)
Eram submetidos à supervisão direta dos Tribunais e o controle em última instância de suas atividades era exercido pelo Ministério da Justiça da URSS. (p. 321)
A situação atual é mostrada pela entrevista do Ministro da Justiça:
Em sua fala à imprensa em Moscou, o Ministro da Justiça da Rússia Iouri Tchaïka declarou que a criação de um sistema processual eficaz é uma das prioridades do seu Ministério. Informou sobre a adesão que seu Ministério tinha conseguido de 35 partidos políticos, 160.000 entidades sociais e cerca de 21.000 organizações religiosas. Tratando do sistema de oficiais de justiça, Iouri Tchaïka disse que está se desenvolvendo "normalmente". RIA "Novosti", edição de 2 de outubro de 2002.
11 – O ENSINO JURÍDICO
Inicialmente deve ser esclarecido que o Direito na época soviética tinha três funções, conforme afirma DAVID (1996:174), que são: a segurança nacional: deve-se consolidar e aumentar o poder do Estado para desencorajar os inimigos estrangeiros do ataque ao regime soviético e para assegurar a coexistência pacífica entre as nações; a ordem econômica: é o desenvolvimento da produção, com base nos princípios socialistas, de modo a criar a riqueza que permitirá satisfazer a cada um "segundo as suas necessidades"; a educação do povo: destruir no homem as tendências anti-sociais que são herança de séculos da má organização econômica.
Vale a pena ver alguma coisa sobre essa terceira função, que parece ter sido muito valorizada naquele período, procurando-se dar a todos os cidadãos oportunidade para a maior participação possível no mundo jurídico, cujo objetivo era de cunho muito mais político.
DAVID (1996)ressalta que:
Todos os cidadãos são chamados a participar da elaboração das leis importantes, sugerindo modificações que lhes pareçam convenientes aos projetos estabelecidos. [...] o Tribunal soviético é concebido como uma escola. Adverte, encoraja, dá conselhos, tal como a própria lei muitas vezes o faz. A sua composição, a sua forma de atuar, a sua existência são justificadas pelo papel educador do direito soviético. É um malogro se o condenado não aprova a sentença que o pune, se os adversários não se reconciliam ao reconhecerem o caráter justo de uma decisão tomada na aplicação da lei socialista. Através de toda esta obra persuasiva, toda a repressão se tornará pouco a pouco inútil; em suma, o Direito poderá assim perder o seu caráter sancionador para passar a ser um simples ordenador. (p. 174)
DAVID (1954:322) esclarece que existiam na época socialista dois tipos de ensino jurídico, que resumimos assim:
a) o ensino médio, sobre o qual afirma que tinha duração de dois anos e destinava-se aos juízes leigos, aos representantes do Ministério Público de bairros e seus substitutos e bem assim aos funcionários da polícia judiciária, sendo admitidos como alunos os canditados com idade igual ou superior a 23 anos e com pelo menos sete anos de estudos em um estabelecimento de ensino secundário, equivalendo à nossa "licenciatura curta", acrescentando que escolas especializadas se dedicavam a esse tipo de ensino do Direito.
b) o ensino superior, sobre o qual afirma que era colocado à disposição dos cidadãos através de:
- Faculdades de Direito (com duração de quatro anos, sendo dividido em dois ciclos de dois anos, observando-se um detalhe importante que eram obrigatórios aos alunos o aprendizado de pelo menos uma língua estrangeira e a participação em estágio prático a partir do segundo ano).
- Institutos de Direito: DAVID menciona 9 Institutos patrocinados pelo Ministério da Justiça (os de Leningrado, Moscou, Alma-Ata, Kazan, Minsk, Saratov, Sverdlovsk, Tachkent, Kharkov), 1 Instituto Federal de Ensino Jurídico por correspondência (contando 6.500 alunos em 1945/1946), outros Institutos patrocinados por outros Ministérios, 1 Academia Jurídica Militar (que preparava para a carreira de juiz ou procurador dos Tribunais Militares), 1 Instituto do Comércio Exterior, 1 Instituto de Relações Internacionais (patrocinado pelo Ministério das Relações Exteriores), 1 Escola Diplomática Superior (na época inacessível às mulheres). (p. 324/325)
- Institutos Superiores: DAVID (325/327) destaca o Instituto de Direito da Academia de Ciências da URSS (localizado em Moscou, que tinha uma excelente biblioteca, com cursos e pesquisas de alto nível, ali os estudantes permanecendo durante 3 anos, após os 4 anos normais da faculdade, preparando-se para se tornarem professores de Direito, podendo igualmente preparar uma tese mais importante de doutorado. Observa DAVID que naquela época havia poucos doutores em Direito na URSS, menos de cinqüenta, esclarecendo também que a maior parte dos professores nomeados pelo Ministério da Educação para as faculdades de Direito não eram doutores. Menciona também um outro Instituto destacado, ou seja, o Instituto Federal de Ciências Jurídicas do Ministério da Justiça da URSS, que publicava periodicamente as suas pesquisas, mas suas missões principais eram redigir manuais de Direito para utilização no ensino jurídico, além da elaboraração dos novos Códigos.
A situação atual é a seguinte.
A "reforma jurídica e judiciária", em que um dos ítens é justamente a melhoria do ensino jurídico, está sendo implementada na Rússia principalmente graças a um grande empréstimo aprovado em 13 de junho de 1996 pelo Banco Mundial no valor de US$58 milhões, conforme se vê em http://www4.worldbank.org/legal/publications/initiativesFinalFrench.pdf, isso apesar de outro fato expressivo noticiado no endereço http://www.radixonde.com.br:
Outro setor bastante afetado com a crise econômica é o da pesquisa científica, que foi um dos pontos altos do período socialista. Os baixos salários e os cortes de verbas têm causado um êxodo cada vez maior de cientistas russos para países ocidentais em busca de melhores condições de vida e de trabalho, causando uma verdadeira "evasão de cérebros".
12 – OS JURISTAS MAIS IMPORTANTES
12.1 – ALEXANDRE RADICHTCHEV (1749-1802)
LAMARE (1997:127) fala sobre o corajoso historiador e jurista:
[...] pertencia às hostes da aristocracia e se posicionou contra a Rússia de Catarina através de uma crítica política e social. De pajem da corte se transformou, depois de vários postos de prestígio no governo imperial, em chefe da alfândega de São Petersburgo. Produto do iluminismo pregado por sua imperatriz, desde cedo tentou temperá-lo com críticas ao absolutismo e sobretudo à instituição da escravidão. Em 1790 conseguiu publicar, às suas próprias expensas, o famoso "Jornada de São Petersburgo a Moscou", onde a voz da aristocracia se posicionava contra a ordem estabelecida. O tom era moralista e o estilo pretensioso. O tempo em que foi publicado não poderia ter sido pior: apareceu sem a chancela imperial no primeiro ano da revolução francesa. [...]
Aleksandr Radichev esboçou uma constituição republicana para a Rússia [...]
12.2 – NIKOLAI MIKHAILOVITCH KARAMZINE (1766-1826)
Era historiador e homem de grande cultura, foi um verdadeiro precursor da Escola Histórica, assumindo papel proeminente pelo questionamento que apresentou às idéias de Speranski, defendendo a tese de que as leis deveriam coincidir com os costumes populares e que deveriam ser acomodadas às circunstâncias particulares de cada país.
O debate entre os dois grandes juristas foi extremamente importante, fazendo com que o Zvod Zakonov não fosse nem uma legislação importada, nem também um mero reflexo dos costumes e leis que vigoravam na Rússia, os quais poderiam ser aperfeiçoados com o enxerto de normas mais avançadas que eram aplicadas em outros países. O bom senso acabou prevalecendo e a nova Compilação ficou sendo um meio termo entre as tendências nacionalistas e globalizantes e entre o passado e o futuro, tanto que conseguiu essa Compilação resistir a 82 anos de vigência.
Escreveu um livro famoso intitulado A História da Rússia.
DAVID (1954:44) o chama de verdadeiro precursor da Escola Histórica. (11)
VON GRUNWALD (1978:75) transcreve uma citação de Karamzine, de 1810, que mostra a sua mentalidade um tanto reacionária:
O nosso país é composto por tantos elementos variados, que só pode ser governado de modo absolutista, pois só essa forma de governo lhe pode imprimir uma orientação uniforme.
12.3 – MIKHAIL SPERANSKI (1772-1839)
O conde Mikhail Speranski foi realmente a maior expressão jurídica de toda a história da Rússia. Além do seu trabalho de organizador da importantíssima legislação que foi o Zvod Zakonov, que vigorou de 1º de janeiro de 1835 até a Revolução Russa de 1917, também escreveu obra de doutrina intitulada Manual das Noções Históricas sobre a formação do Corpo de Leis Russas, publicada em 1833, e uma Introdução ao Projeto de Organização Constitucional do Estado, publicada em 1832.
Era entusiasta do Direito francês e pretendeu implantá-lo na legislação russa, mas não alcançou muito êxito, devido à forte corrente nacionalista que passou a vigorar a partir do reinado de Nicolau I, contrariando a tendência do antecessor czar Alexandre I.
Houve um verdadeiro debate que envolveu a classe dos jursitas da época entre Speranski e Karamzine, este último que defendia intransigentemente as idéias nacionalistas. No final das contas acabou prevalecendo a idéia nacionalista, pelo menos aparentemente, pois o czar Nicolau I exigiu que a Compilação editada (Zvod Zakonov) nada contivesse de novidade e apenas reunisse as leis em vigor num só texto, mas, Speranski acabou ultrapassando essa limitação e introduziu interessantes novidades inspiradas no Direito estrangeiro.
SPERANSKI realmente é um marco dentro do Direito russo, mas o que nos interessa são suas propostas para a estrutura judiciária, que transcrevemos do livro de TURGUENIEV (1847:461/466):
1º grau de jurisdição: Tribunal Comunal
O papel do Tribunal Comunal é de examinar, através de árbitros, os questionamentos que surjam entre particulares, tentando conciliar as partes. Para as contravenções penais, devem empregar um procedimento sumário ao invés de um procedimento formal e escrito, que não deve ser aplicado aos processos de sua competência.
O Tribunal Comunal é composto de um juiz, do seu adjunto, e de juízes delegados dos diferentes setores da comunidade, residentes nos diferentes pontos da comunidade.
A lei especificará determinados processos, determinados delitos e crimes sobre os quais o juiz comunal não poderá decidir sem a participação do Conselho Comunal através de dois cidadãos escolhidos que exercerão as funções de jurados. O juiz será o presidente do júri.
Esses jurados serão escolhidos na classe à qual pertence o acusado. Em sua falta, ele será julgado pelo Tribunal do Distrito.
A competência e a forma de atuação dos Tribunais Comunais serão determinados em lei especial.
2ª grau de jurisdição: Tribunal do Distrito
Esse Tribunal constitui a primeira instância do procedimento judiciário.
Divide-se em duas seções: seção civil e seção criminal.
O número de membros desse Tribunal será fixado por um regulamento especial conforme o número de habitantes do Distrito.
Cada seção terá seu presidente.
As funções do presidente não serão de julgar, mas sim aquelas de regulador das formalidades e dos procedimentos legais.
O presidente será escolhido numa lista de 20 pessoas notáveis do Distrito e sua nomeação deverá ser confirmada pelo Ministro da Justiça.
A lei determinará os casos em que o Presidente será obrigado, particularmente na seção criminal, a convocar os escolhidos pelo Conselho do Distrito para formar o júri.
Esses jurados deverão pertencer à mesma classe do acusado.
A competência e a forma de atuação desse Tribunal serão determinados pelo regulamento geral do setor judiciário.
3º grau de jurisdição: Tribunal do Governo
Esse Tribunal será estabelecido sobre as mesmas bases que o Tribunal do Distrito. Os presidentes escolhidos da lista das Assembléias do Governo serão nomeados pelo Ministro da Justiça e confirmados em suas funções pelo Governo de Estado.
4º grau de jurisdição: O Senado
O Senado formará o Tribunal superior para todo o Império.
Terá quatro seções, dos quais duas para área cível e duas para a criminal, divididas em número igual entre as duas capitais do Império.
O Senado se compõe de um número determinado de membros.
Em caso de falecimento ou aposentadoria de algum membro, o Poder Supremo o substitui por uma das pessoas que compõe as listas das assembléias dos governos, que formam a lista eletiva geral do Império, cuja guarda fica confiada ao Ministro da Justiça.
A cada três anos, cada seção do Senado escolhe três canditados, dos quais um é nomeado presidente do Senado.
A atuação de cada seção tem duas partes:
1 – o procedimento (informatio);
2 – o julgamento (judicium).
Para julgamento dos processos, haverá junto a cada seção um determinado número de membros do Ministério Público, dirigidos pelo Procurador Geral (Ober-Procuror); eles serão todos nomeados pela presidência do Senado, por indicação do Ministro da Justiça.
Os membros do Ministério Público preparam os processos que serão submetidos à decisão dos Senadores. Eles devem inicialmente informar as partes interessadas sobre seus relatórios, para que elas deles tomem conhecimento.
Se as partes acham que seus processos não estão expostos como deveriam, podem reclamar sobre isso ao Ministro da Justiça.
Se o Ministro entende que a reclamação tem fundamento, procura suprir a falta do membro do Ministério Público; em caso contrário, determina que prossiga o processo.
O relatório, assim preparado, é impresso, e o Procurador Geral entrega a cada Senador uma cópia.
As seções do Senado são públicas.
As decisões do Senado serão impressas.
Serão cumpridas nas formas prescritas.
O procedimento será o mesmo para os processos criminais.
Todavia em determinados crimes, como de alta traição, e mesmo nos crimes cometidos por membros do Conselho de Estado, Assembléia Legislativa, Senado, por Ministros, chefes da administração, governadores gerais e simples governadores, o julgamento competirá a uma jurisdição especial.
Para esse fim, será estabelecido, no interior do Senado, um Tribunal Criminal Superior.
Esse Tribunal será convocado por iniciativa do Presidente do Senado, deliberado no Conselho de Estado.
Será composto de um terço dos Senadores das duas seções, de todos os membros do Conselho de Estado, de todos os Ministros, e de determinado número de deputados da Assembléia Legislativa.
12.4 - NIKOLAS TURGUENIEV
Turgueniev foi um dos juristas mais idealistas da Rússia do século XIX, expondo no seu livro La Russie, Les Russes (1847), excelentes inovações, frequentemente baseadas no Direito e na Justiça da França.
Vale a pena conhecer suas excelentes propostas:
1) quanto ao Direito:
- não tendo nenhuma das tentativas de codificação (Códigos Civil, Comercial e Penal) dado certo até a época em que escreveu seu livro (1847), o autor afirma que o Zvod Zakonov atende bem as necessidades, mas deve ser condensados até para facilidade de consulta
- as penas corporais devem ser abolidas e a pena de morte não deve ser reeditada na Rússia
- devem ser criadas condições melhores nos presídios
2) quanto à Justiça:
- a eleição dos juízes garantirá sua independência em relação ao Executivo
- devem ser criados Juizados de Paz nas vilas, compostos pelos proprietários, como presidentes, e, como conselheiros, os representantes das populações, para julgamento de causas mais simples envolvendo proprietários de terras e colonos, além de serem encarregados da polícia dentro da sua circunscrição, sendo as decisões tomadas por maioria
- os recursos contra os julgamentos dos Juizados de Paz serão dirigidos aos Tribunais do Distrito e daí aos Tribunais do Júri ou às autoridades administrativas superiores, de acordo com o caso
- os Juizados de Paz poderão ser renovados a cada 3 anos, sendo os cargos de juiz de paz remunerados
- os Adjuntos de Procuradores velarão pela regularidade processual dos casos submetidos aos Juizados de Paz
- quanto ao Judiciário todo deve ser independente, completamente separado do Poder Executivo, não podendo as autoridades administrativas interferir em nenhuma hipótese
- as funções judiciárias devem ser confiadas somente às pessoas versadas em Direito, devendo ser criadas Escolas de Direito e permitido o aprendizado prático de estagiários nos Tribunais
- devem os processos na 1ª instância ser conhecidos e julgados por Tribunais do Júri, separados em câmaras civis e criminais, sendo os processos de natureza comercial julgados por Tribunais especiais com regras processuais próprias, consagrando-se o princípio da celeridade
- os jurados são eleitos, sendo suficientes 3 por cada câmara (em nota, diz que melhor seria se cada causa fosse julgada por um único juiz)
- o procedimento é oral e público, sendo periódicas as sessões de julgamento
- os julgamentos pelo Tribunal do Júri não podem admitir recurso quanto ao mérito, mas somente com relação à regularidade processual ou aplicação errõnea da lei (recurso de cassação)
- quanto aos processos não julgados pelo Júri (julgados pelas autoridades administrativas) os recursos serão de apelação, com possibilidade de reanálise do mérito
- os membros do Ministério Público não devem ser acusadores, mas sim fiscais do cumprimento da lei
- todos os funcionários da Justiça devem ser remunerados, menos os jurados
- os quadros dos funcionários da Justiça não devem ser organizados em sistema de níveis
- os que não pertençam à nobreza devem ter acesso aos cargos da Justiça
- deve ser incentivado o contato dos operadores do Direito com seus colagas de outros países
- deve-se criar a profissão de advogado e a de defensor público
- a divulgação do Direito e sua compreensibilidade devem fazer chegar ao ponto de cada cidadão possa ser seu próprio advogado ou poder atuar seguramente como juiz eleito ou jurado
- o procedimento civil do Tribunal do Júri deve ser o seguinte:
iniciando-se pela petição inicial, o réu é citado para comparecer, as partes apresentam suas alegações preliminares escritas com apresentação de documentos, relatório escrito do Tribunal mencionando o resumo do processo, os advogados das partes verificam a regularidade do relatório, o processo é encaminhado ao Tribunal do Júri, na audiência o presidente lê o relatório para os jurados, os advogados das partes fazem suas alegações orais, o Ministério Público emite seu parecer, o presidente resume verbalmente o processo para os jurados e explica-lhes as quiestões de direito, pergubta aos jurados se decidem a favor do autor ou do réu e, após a resposta deles, redige a sentença baseado no voto da maioria
- em causas em que se exigem conhecimentos especiais dos jurados, forma-se o corpo de jurados com pessoas que tenham esses conhecimentos especiais
- o procedimento criminal do Tribunal do Júri deve ser o seguinte:
- inicia-se o processo pelo inquérito elaborado por um juiz de instrução cuja última peça é o relatório sem entrar no mérito, o inquérito é enviado à câmara criminal, o acusado é interrogado pelos juízes, o presidente faz um relatório verbal sem analisar o mérito, o representante do Ministério Público pode verificar a regularidade do relatório, na audiência o acusado tem de estar presente e o presidente lê para os jurados o relatório do processo, o acusado é interrogado,, as testemunhas são inquiridas pelo presidente e pelo advogado do réu, a defesa faz suas alegações orais, depois o Ministério Público faz suas alegações orais, o presidente faz para os jurados um resumo oral do processo, presta-lhes esclarecimentos e pergunta aos jurados se votam pela absolvição ou condenação, o juiz dá a sentença de acordo com a decisão da maioria dos jurados.
12.5 - NIKOLAI VASILYEVICH KRYLENKO
(1885-1938)
Revolucionário russo e jurista soviético. Em novembro de 1917, Trotsky promoveu-o a comandante-em-chefe das Forças russas para a proposta de abertura das negociações de paz com os Poderes Centrais. Krylenko foi designado em 1918, vindo a ser mais tarde membro do Ministério Público e Comissário da Justiça. Foi condenado (1938) no processo do expurgo partidário promovido por Stalin e executado. (The Columbia Encyclopedia, Fifth Edition 1995 Columbia University Press)
Notalibilizou-se por ter, em 1930, apresentado um projeto de Código Penal da União Soviética, que aliás recebeu seu nome, em que era totalmente afastado o princípio da reserva legal, ou seja, do nullum crimen nulla poena sine lege, sendo abolida a parte especial e também não havia nesse projeto a dosimetria da pena, podendo o juiz condenar qualquer pessoa que fosse reputada perigosa para o meio social, sem nenhuma garantia para os acusados e podendo-lhe aplicar a pena que entendesse mais conveniente.
Esse precedente acabou sendo adotado pela Alemanha nazista, esta que transformou os Tribunais em verdadeiros órgãos de perseguição contra pessoas que não aprovavam a ideologia do governo naquele momento, restando da iniciativa de Krylenko apenas a observação de que, se a intenção do famoso jurista foi nobre, os resultados práticos teriam sido os piores possíveis porque utilizados pelo menos em alguns casos como meio de condenar simplesmente com base em subjetivismos extremamente questionáveis.