1 Aqui, se usa o conceito analítico do crime: é o fato típico, ilícito e culpável (Greco, 2010). Segundo Capez, “constatando-se a presença de alguma das causas de exclusão da ilicitude, faltará uma condição da ação penal, pois, se o fato, que deve ser narrado com todas as suas circunstâncias (art. 41 CPP), não constitui crime, autorizados estarão o MP a pedir o arquivamento ou o juiz a rejeitar a denúncia ou queixa (art. 43, I, CPP). Contudo, essa hipótese somente ocorrerá se a existência da causa justificadora for inquestionável, ou seja, estiver cabalmente demonstrada, já que na fase do oferecimento da denúncia vigora o princípio in dubio pro societate” (Capez, 2003, p. 52).
2 O Direito Penal defende apenas os bens mais gravosos, sob efetiva situação de risco e que não estejam suficientemente tutelados por outros ramos do Direito; excluindo a tutela de bens valorados moralmente, incluindo os bens valorados sob o aspecto ético-social.
3Há uma corrente minoritária, segundo Cezar Roberto Bitencourt, Fernanda Alves de Oliveira que é necessária haver, apenas, o elemento objetivo.
4 Direito de punir. A possibilidade de punir de forma justa, que é exclusivo do Estado. Evita a “justiça privada”; “justiça com as próprias mãos”. Refere-se tanto ao poder de criar leis para punir, quanto sua aplicação (que está condicionada a legislação). Aqui, compreende-se a ius puniendi como uma delegação subsidiária do cidadão ao Estado, no sentido de que a titularidade do direito à segurança, em última análise, é do ser humano, em respeito à vida, à dignidade. Este direito deve ser exercido nos limites do Direito, da ética e dos princípios do direito penal. Assim essa permissão não se trata de ato volitivo do Estado, mas das premissas de justiça.
5 Há discussões filosóficas e doutrinárias acerca desta questão. Sob o olhar contratualista, há uma delegação do poder de agir pelo Estado ao cidadão, como se o mesmo não fosse o titular do Direito, pois, outrora, o cidadão passara ao Estado. Sob considerações ético-sociais, a titularidade do direito é do cidadão, contudo, ele deve ser limitado, remediado pelo Direito, pois não há um Direito Natural imanente e próprio a todos os homens, pois se manifestam e se exercem no meio social, nesse sentido, deve haver um equilíbrio que permita a convivência ética dos cidadãos.
6 Essa necessidade é considerada como pertencente ao Direito Natural, lato senso, especialmente nos casos de legítima defesa da vida. A tese central é: “Do ato de defesa pode seguir um duplo efeito: um é a conservação da própria vida; o outro é a morte do agressor (...) só um esteja na intenção, estando o outro para além da intenção” (S. T. Aquino apud Cruz, 2009, p. 25). Não obstante, Nelson Hungria relata a existência das teorias morais, políticas e filosóficas acerca da legítima defesa, que sintezamos: 1) teoria do instinto de conservação (garantir a própria existência, porém não cabe, pois poderia afetar a agressão lícita), 2) teoria da perturbação do ânimo e da coação moral a teoria da inutilidade da lei penal (ambas podem afetar a agressão física, e não explicam a vedação ao excesso ou aplicação a qualquer pessoa, independente das características emotivo-subjetivas de cada um); 3) teoria de retribuição do mal pelo mal (geraria um ciclo vicioso), teoria da colisão de direitos (porque a agressão ilícita é um não direito, e a colisão aplica-se apenas ao casos de estado de necessidade, além do problema da escala de valores dos bens tutelados), 4) teoria da defesa pública subsidiária ou da cessação do direito de punir (pois a defesa seria tão somente do indivíduo naquele momento, portanto não caberia ao estado condenar o excesso), 5) ou teoria da moralidade determinante (não se aplica porque deixaria de ser crime, quando houvesse motivo louvável). No campo jurídico, Nelson Hungria relacionou: a) teoria da legitimidade absoluta (não prospera porque o agressor deveria se submeter a toda agressão em legítima defesa, portanto não se aplica a vedação ao excesso), b) teoria do direito público subjetivo (haveria harmonização entre a legítima defesa e o poder de política, contudo o poder de polícia implica o dever de obediência, enquanto a legítima defesa não tem essa natureza) e, por fim, c) teoria da ausência de antijuricidade da ação defensiva, adota e exposta no corpo do texto (Hungria, 1978, p. 283 a 286)
7 Em contraposição às excludentes de culpabilidade. Apesar de ter citado algumas teorias na nota anterior, é importante repisar sobre a questão subjetiva da legítima defesa. De fato, estas diferenciações não são inúteis ou puramente abstratas, pois são fundamentais para se considerar a problemática do excesso, da análise da culpa e dolo, ou seja, encontram guarita na exclusão da culpabilidade. Para Bitencourt, a teoria subjetiva afirma que a ameaça, o perigo ou a lesão ao bem jurídico tutelado afeta, direta e inegavelmente, a formação da vontade e a finalidade da ação do agente, portanto, excluiria o dolo e a culpa. Ou seja, tem alguma relação com o conceito neoclássico de delito, pois antijuridicidade seria ponderada sob o prisma material (afetação ao bem, objetivamente/concretamente considerado), enquanto a culpabilidade está vincula tanto a formação da vontade e, principalmente, na finalidade (teleológica). Ora, se afeta tão fortemente a ponto de excluir a culpabilidade, decorreria a inexistência de excesso.
8 Refere-se, com alguma analogia, aos princípios limitadores do poder repressivo estatal, ou seja, o Estado deve ser limitado na sua função de punir, privilegiando os direitos humanos fundamentais (ou seja, evita-se a “vingança” punitiva do Estado ou mesmo da sociedade), isto em respeito a juridicidade do Direito Penal.
9 Fundamenta-se a partir do dever de informar-se, implicitamente incluído no Art. 21/CP, que traz implicações para os erros de tipo ou de proibição, que se manifestam, no caso da legítima defesa, nos casos de excesso e da legítima defesa putativa. Por outro lado, ancora-se na relação objetiva da legítima defesa: “Nada a tem a ver estes [requisitos] com a opinião ou crença do agredido ou agressor. Devem ser conhecidos sob o ponto de vista estritamente objetivo” (HUNGRIA, 1978, P. 289)
10 Na ausência dos requisitos, caberá exclusão ou redução de culpa, que é o caso da legítima defesa putativa.
11 Tipifica-se uma conduta para evitar que o cidadão a cometa. Essa função preventiva pode estar contida em outros direitos que não o penal. Tem por objetivo motivar o cidadão a agir nos limites sociais estabelecidos, para garantir a paz social, a convivência harmoniosa (função ético-social apresentada abaixo).
12 Será melhor abordado no item 2.3.2, a seguir.
13 Bitencourt, fazendo referência a Marauch e Zipf, afirma “É irrelevante que a agressão não constitua um ilícito penal; deverá, contudo, constituir, necessariamente, um fato ilícito, caso contrário não seria injusta” (Bitencourt, 2011, p. 375).
14 Não há erro de pessoa, pois a legítima defesa não recaiu sobre terceiro.
15 Segundo Capez, há de se verificar, no caso concreto, se a provocação configura, em si mesma, uma agressão. A conclusão lógica é que, havendo agressão, caberá legítima defesa. “a provocação, segundo a sua intensidade e conforme as circunstâncias, pode ou não ser uma agressão... Se, contudo, a provocação constituir uma mera brincadeira de mau gosto, não passar de um desafio, geralmente tolerado no meio social, não se autorizará a legítima defesa (...) Quanto ao provocador, em regra, também não pode invocar legítima defesa, já que esta não ampara nem protege quem dá causa aos acontecimentos. Admitir-se-á, no entanto, a excludente contra o excesso por parte daquele que foi provocado” (Capez, 2003, p. 56, grifo no original). Greco completa: “A defesa contra uma provocação não deve ultrapassar o mesmo nível e grau da mesma. Uma provocação verbal pode ser razoavelmente repelida com expressões verbais, e não como um tiro, uma facada” (Greco, 2010, p. 97).
16 À época, Hungria não considerava aplicável legítima defesa, contudo, dada a inteligência do Art. 73, CP, e demais doutrinadores (Greco, 2010; Capez, 2003), considera-se legítima a defesa caso afete outrem inocente.
17 Podemos afirmar, portanto, que esta é uma exceção à análise objetiva da legítima defesa.
18 “A legítima defesa deve ser objetivamente necessária e subjetivamente orientada pela vontade de defender-se” (Bintencourt, 2011, p. 377). Retomaremos esta questão nos tópicos futuros;
19 Persecução penal – relaciona-se a pretensão punitiva da vítima e do Estado, a capacidade de agir para punir, perseguir o agente para puni-lo é competência do Estado, por força de Lei. No sentido filosófico, o Estado é instrumento da persecução penal da vítima e da sociedade, pois não é tolerável a violação dos bens jurídicos sem nenhuma forma de controle social, exercido para garantir a sociabilidade, da segurança, da confiança e fidelização ao Direito, por meio do Estado Democrático de Direito.
20 Direito de acusar, ou seja, momento que se inicia a pretensão punitiva (persecutio criminis). No Brasil, admitem-se ações privadas, ou seja, aquelas que dependem de queixa formal. Estas ações visão inibir o poder punitivo do Estado. Nas ações públicas, o Estado tem o dever de iniciar a persecução penal, sendo, contudo, autorizado o cidadão o início, caso a denúncia-crime não seja oferecida no prazo legal. Em todos os casos, processualmente, o Ministério Público que inicia a ação (ver Art. 100, CP).
21 Não há dúvida quanto a possibilidade em crime permanente, pois a agressão se perdura enquanto o delito se protrair no tempo.
22 “Assim, não se pode reconhecer a legítima defesa no caso de quem, já ferido, consegue ferir, por sua vez, o agressor fugitivo; nem do de quem comete o injuriador que já se calou; nem do emprego de força contra ladrão, para rever a res furtiva já transportada para sua esfera de posse” (HUNDRIA, 1978, p. 292)
23 Ao tratar do direito próprio ou alheio, contudo, afirma que podem ser direitos disponíveis ou indisponíveis. Porém, esta afirmação não é plenamente satisfatória.
24 Este cita: “Alguns autores afirmam que os bens jurídicos comunitários não podem ser objeto de legítima defesa” (GRECO, 2010, p. 96).
25 “A defesa privada é uma colaboração prestada a defesa pública e, como tal, não podia deixa de ser ampliada à tutela de direitos de terceiros” (HUNGRIA, 1978, p. 300).
26 “Em outras palavras, a lei brasileira não exige a obrigatoriedade de se evitar a agressão (commodus discessus)” (Capez, 2003, p. 56).
27 Capez afirma: “O STF já decidiu que o modo de repelir a agressão também pode influir decisivamente na caracterização do elemento em exame. Assim, o emprego de arma de fogo, não para matar, mas para ferir ou amedrontar, pode ser considerado meio menos lesivo e, portanto, necessário” (Capez, 2007, p. 57).
28 “Não se pode tomar como critério para a averiguação da moderação do meio a simples quantidade de golpes, ou de tiros, ou seja lá do que se tratar. Pode ocorrer, por exemplo, de o agressor, ainda que levando 5 tiros, continue caminhando em direção ao ofendido, e só venha a parar com o disparo do 6o tiro. Nesse caso, não se pode dizer que houve excesso. É preciso, portanto, que haja um marco, qual seja, o momento em que o agente consegue fazer cessara a agressão que contra ele era praticada. Tudo o que fizer após esse marco será considerado excesso” (Greco, 2010, p. 97).
29 “O excesso culposo só pode decorrer de erro, havendo uma avaliação equivocada do agente quando, nas circunstâncias, lhe era possível avaliar adequadamente” (Bitencourt, 2011, p. 384)
30 Os doutrinadores não são uníssonos quanto a estas espécies. Empregamos as espécies universalmente aceitas pelos doutrinadores. Vale destacar, contudo, que já tivemos a oportunidade de excluir a legítima defesa recíproca, tendo em vista que há agressão recíproca. Excluímos também a legítima defesa subjetiva, pois, na realidade, existe a legítima defesa com excesso exculpante. E, por fim, a legítima defesa sucessiva, pois não há uma natureza imanente, mas uma classificação considerando que há, previamente, uma legítima defesa putativa ou uma legítima defesa acompanhada de excesso.
31 Para Aníbal Bruno seria exercício regular de direito, para Assis Toledo, Nelson Hungria e Magalhães Noronha fariam parte da legítima defesa (Bitencourt, 2011, p. 383).