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A sociedade que desejamos é possível sem accountability?

Agenda 08/04/2015 às 21:49

O que é Accountability? Qual seu papel em uma sociedade democrática?

Passado mais um período eleitoral, nos curamos da ressaca da (boa) discussão política, dos conceitos que imperam na reflexão mais elaborada da vida pública, tópicos como a eficiência, a participação, a corrupção, a gestão pública,  as formas de participação, a liberdade, a igualdade e tantas outras questões que se debatem em dilemas, atormentando a vida política dos cidadãos do mundo desde a Grécia antiga, nessa nossa tentativa de organizar a vida coletiva, os poderes,  as potencialidades e a vontade de se ter uma sociedade justa, ainda que o homem insista em bagunçar todo esse coreto.

Por uma questão de coerência, digo o bom, mas raro debate político amadurecido, pois infelizmente ainda observamos uma discussão empobrecida no que tange a política, presa a aspectos da vida privada, questões comezinhas e que após uma grande apoteose na eleição, volta a sua gaveta mágica, substituída novamente pelas telenovelas, futebol, mexericos e tantos assuntos que palpitam a vida nacional, patenteando a nossa grande fragilidade nesse quesito, impedindo voos mais altos como nação. Só ler os comentários dos sites jornalísticos para reforçar essa ideia.   

Entretanto, da boa discussão política, de todos estes temas citados, programáticos, que embalam os anseios sobre o futuro de nosso promissor país, continua ainda fora da pauta uma ideia central para uma sociedade democrática moderna. A accountability.

Estrangeirismo que optamos por não traduzir, em um glamour que talvez contribua para sua pouca disseminação, a ideia da accountability significa, em linhas resumitivas, no dever de prestar contas e na responsabilização dos governantes perante a população. Indica que a sociedade deve ter mecanismos que permitam, em relação aos delegados da vontade coletiva, a identificação e o acompanhamento da atuação desses prepostos, para que estes possam ser responsabilizados no processo eleitoral e em outros instâncias, pelos seus sucessos e fracassos, impedindo que se escondam em meio ao emaranhado de normas e atribuições.  

A ideia de accountability se relaciona, então, a um conceito liberal de proteção do indivíduo contra o Estado, de forma que se faz necessário manter as instituições responsáveis pelo seu desempenho, com o controle mútuo dos atores, para que sejam os representantes defensores do bem comum e dos anseios coletivos. Autores clássicos sobre o assunto, como Guillermo O’Donnell, apontam a existência de um eixo horizontal da accountability, pela interação com outros órgãos e agências estatais, e um eixo vertical, pela interação da população com o governo, pelo voto ou ainda, pelas ações definidas como controle social.

Para esse citado autor, a accountability horizontal dá-se pela existência de agências estatais que têm o direito, o poder legal e que estão de fato dispostas a realizar a supervisão dos órgãos, adotando inclusive sanções legais para garantir esse objetivo. Incluem-se nessas agências também os órgãos internos, dentro do próprio poder, além de outros externos, no desenho de pesos e contrapesos idealizado por Montesquieu e adotado até hoje.

A dimensão vertical se faz na interação com os administrados, seja no momento do voto, seja pela interação junto aos movimentos sociais, denúncias e na provocação formal dos órgãos vinculados a dimensão horizontal, para que eles atuem de maneira própria e com mais efetividade.

O que parece ser um desenho oneroso, foi o que encontramos, como civilização capitalista ocidental, para em um ambiente democrático, controlar poderes, abusos, corporations, na garantida de um Estado que reduza a desigualdade, proporcione serviços públicos de qualidade e que regule as relações de forma justa. Ainda sim, padecemos de coalizões no jogo político moderno de todas as nações, que frustram esse modelo, fazendo com que os prepostos ajam em benefício próprio, alheios as ações horizontais e verticais, resistentes a prestação de contas e a ideia de responsabilização, na preponderância de interesses econômicos diante de questões políticas.

Desse modo, pode se ter, por exemplo, no federalismo de cooperação, de responsabilidades comuns entre os entes, na hora dos sucessos uma maximização da paternidade, que pode se transformar em evasivas no momento do escândalo. Da mesma forma, a participação social pode ser ver encilhada pela supremacia da democracia representativa, em um processo que sujeita a escolha a oferta de candidatos disponíveis. O poder, em suas diversas manifestações, pela sua natureza, vai tentar encontrar formas de burlar os mecanismos de sua mitigação em relação aos anseios coletivos. É a famosa briga do rochedo contra o mar...

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Esse é o dilema político moderno das sociedades democráticas. Vivemos uma crise desse modelo representativo, engolido pela complexidade de forças e relações, regadas de múltiplos atores e formas de se comunicar. A burocracia, o “gaming” de atores econômicos, políticos e geopolíticos faz com que esse sistema oneroso de controles mútuos apresente episódios de fracasso retumbante, que nos conduzem a um vazio paradigmático no contexto da ciência política.

Paira então no ar a pergunta título do presente artigo: a sociedade que desejamos é possível sem accountability? Bem, acredito que o problema não resida na accountability em si e sim na necessidade dessa se reinventar, buscando incorporar uma melhor interação entre as suas dimensões verticais e horizontais.

Sim, pois a realidade do mundo nos mostra que apenas a ação de poderes se controlando entre si não é o suficiente. Falamos de um mundo de poderes políticos que são objeto de captura por grandes interesses econômicos... Como saída a curto prazo, percebe-se a necessidade do cidadão fortalecer a sua dimensão participativa, de envolvimento com as questões coletivas, de acompanhamento cotidiano de seus mandatários e para isso ele conta com dois recentes e poderosos aliados: a valorização da transparência e na democratização do acesso à tecnologia da informação.

Pois é, hoje o cidadão pode pesquisar e construir informação e ainda que exista muita inverdade na internet, as múltiplas fontes permitem ao cidadão analisar dados públicos e confrontar com a realidade vivenciada e isso o fortalece no seu processo avaliativo em relação a governos e seus agentes.

Impossível responsabilizar, formar opinião sem conhecer o que é feito pelos governos. Aí, entram em campo discussões modernas que se somam a essa, no fortalecimento da comunicação social dos governos e nos avanços nos processos macro avaliativos, na busca dos próprios governos procurarem, para si e para a população, diagnósticos que permitam expressar uma opinião sobre suas ações, opiniões estas que balizam, inclusive, processos eleitorais. Entre transparências e informações disponibilizadas, o cidadão pode, com auxílio da imprensa, de movimentos sociais organizados, do sistema partidário, construir um processo de responsabilização de seus prepostos.

Entretanto, para isso, faz-se necessário um avanço no patamar da discussão política. Quando vejo um programa de governo sendo discutido em uma campanha eleitoral, ali vejo um avanço. A discussão avaliativa deve entrar na pauta, para o fortalecimento da democracia, estendendo-se, inclusive, a atuação de poderes que não se submetem ao processo eleitoral. A população precisa amadurecer no processo político de identificar avanços, sucessos, suas causas e ainda, ter mecanismos próprios de verificação dessas informações. E assim, abastecer os mecanismos horizontais de atuação, no fortalecimento de um jogo político de qualidade.

A accountability, então, necessita de uma dimensão vertical pujante, que conte com incrementos no campo da transparência e do fortalecimento de uma cultura avaliativa pública, com um indispensável amadurecimento político dos atores. Assim, é possível a sociedade   que desejamos, reduzida a corrupção, com serviços que atendam às necessidades da população beneficiária e com a mitigação de abusos e aviltantes desequilíbrios.

Trilhamos bons caminhos, mas para que se concretize a sociedade desejada, por fim  a discussão da Educação é chamada a mesa, como aquela que forme, sim, o bom profissional, que gerará riqueza, mas que também produza o bom cidadão, que redundará em uma vida de qualidade para todos. O desafio está posto, para a nossa e para as futuras gerações!

Sobre o autor
Marcus Braga

Doutorando em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pela UFRJ (GPP/PPED/IE/UFRJ). Auditor Federal de Finanças e Controle. CV em http://lattes.cnpq.br/6009407664228031

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