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A crítica pós-positivista ao fundamento legal das presunções hominis na constituição do fato jurídico tributário

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Agenda 09/04/2015 às 08:50

A constituição dos fatos jurídicos tributários com as presunções legais hominis,seu fundamento legal na doutrina e a crítica das correntes pós positivistas à discricionariedade judicial sob o paradigma do estado democrático de direito.

A crítica pós-positivista ao fundamento legal das presunções hominis na constituição do fato jurídico tributário

 

 

 

 

 

Sumário. 1. Introdução. 2. Verdade material e formal no direito tributário - uma discussão vencida pelo giro linguístico. 3. A linguagem constituinte da norma individual concreta da incidência tributária. 5. As presunções legais. A presunção hominis. 6. A constituição do fato jurídico tributário com uso da presunção hominis. 7. Crítica pós-positivista ao discricionarismo do aplicador do direito. O art. 335 do Código de Processo Civil e a manutenção do seu teor no texto do art. 382, do anteprojeto do CPC. 8. Conclusões. 

 

 

                           RESUMO. Estudo acerca da propriedade da constituição dos fatos jurídicos tributários com a aplicação das presunções legais hominis, seu  fundamento legal na doutrina corrente, em uma articulação com a crítica das correntes pós positivistas à discricionariedade judicial sob o paradigma do estado democrático de direito contemporâneo, com enfoque na hermenêutica filosófica. 

 

       

1 Introdução.

 

                        O ato/procedimento do lançamento tributário foi por muito tempo objeto da discussão doutrinária acerca de sua natureza declaratória da obrigação e constitutiva do crédito tributário. A visão que entendia a ocorrência do evento previsto na norma da hipótese de incidência tributária abstrata como necessário e suficiente para o surgimento da obrigação tributária, no mundo "real", e que o lançamento declarava a sua existência e constituía o crédito tributário como entes separados e de existências independentes sofreu com a constatação da indissociabilidade entre essas figuras básicas do mundo jurídico onde os componentes da linguagem descritiva do evento, os fatos jurídicos (a articulação de textos normativos e os elementos textuais descritores do evento, na linguagem competente) são na verdade a fonte criadora das situações no mundo do direito. [1]

                        A linguagem criadora da relação jurídico-tributária é fundada no complexo probatório que denota a ocorrência do evento estabelecido na legislação como necessário para a percussão tributária ou aquele previsto como conduta antijurídica para a sanção administrativa, e esse complexo probatório segue as regras postas para sua admissão à discussão e contraditório pelas partes da relação, fazendo o movimento em direção à imputação normativa, finalidade da prova jurídica de que fala Tercio Sampaio Ferraz, porquanto a subsunção da norma não é realizada de forma automática, mas pela intermediação da prova, que liga o consequente normativo com um nexo de causalidade, algum nexo causal ao menos no dizer de Kelsen, para o qual se a relação causal é absolutamente impossível, não pode haver imputação, posto que não caracterizado o fato, menos ainda o fato jurídico.[2]

                        Ainda com os fatos descritivos postos na linguagem própria e por agente juridicamente competente, a sua articulação lógica deve ser estabelecida pelo interprete/aplicador  para que haja a produção da chamada aprovação, o entendimento convergente sobre situação descrita que constrói a incidência da norma abstrata ao evento relatado e, na criação do norma individual concreta, estipula suas consequências normativas. Essa articulação coerente é realizada por meio de uma lógica própria ao objeto. No dizer de Friedrich Muller "O que poderia ser designado lógica jurídica é lógica jurídica material, referida à matéria. Ela é um método para lidar com a matéria jurídica concreta, um elemento de ordenamento de pensamentos, não da sua geração (de pensamentos)"{C}[3]. Muller afirma ainda haver poucas possibilidades à lógica formal nas questões jurídicas   pela natureza linguística de suas normas que permitiriam poucos pontos de partidas para operações precisas de lógica.                  Sendo as normas jurídicas enunciados linguísticos, raros os casos cujas normas tenham teor essencialmente numérico, tais como prazos, quantidades, dimensões, área de predomínio incontestável da lógica formal.

                        Como os conceitos jurídicos não concretizam todos os conteúdos e matizes dos significados normativos possíveis, as operações de interligação entre os termos imprescindem de operações em que a atribuição de significados aos signos textuais sejam feitos de acordo com as regras da argumentação e demonstração juridicamente aceitas em determinado sistema jurídico.

                        Resta em seguida determinar no discurso jurídico o que é aceito como verdade e as várias concepções de verdade admitidos na epistemologia. Não será o caso aqui de se estender na discussão das correntes filosóficas sobre o tema, mas procurar oferecer entendimento funcional acerca do que será considerado verdade para as finalidades do presente trabalho.

                        A verdade operacional para a esfera da decisão jurídica é aquela produzida dentro dos limites das regras de admissão de relatos de eventos e argumentação no discurso jurídico, uma autopoiese dos elementos do direito em que produzir decisões jurídicas válidas e "verdadeiras" é o resultado da observância, cumprimento, do processo regrado pelo próprio direito, onde as partes tem ônus de produção de argumentos e provas, em espaços e tempos determinados, à autoridade indicada para a produção ou apreciação do caso concreto. Os eventos ocorridos no mundo fáticos são reduzidos à linguagem competente e se constituem em fatos jurídicos, únicos passiveis de serem apreciados e valorados nas decisões válidas.

                        É a chamada verdade lógica ou verdade jurídica e sobre essa é que se vai tratar neste artigo.

                        Fabiana Del Padre Tomé sintetiza, fundada no pensamento de Paulo de Barros Carvalho, o conceito dessa verdade: "A verdade que se busca no curso do processo de positivação do direito, seja ele administrativo ou judicial, é a verdade lógica, quer dizer, a verdade em nome da qual se fala, alcançada mediante a constituição de fatos jurídicos, nos exatos termos prescritos pelo ordenamento: a verdade jurídica. Daí porque leciona Paulo de Barros Carvalho que, 'para o alcance da verdade jurídica, necessário se faz o abandono da linguagem ordinária e a observância de uma forma especial. Impõe-se a utilização de um procedimentos específico para a constituição do fato jurídico, pouco importando se o acontecimento efetivamente ocorreu ou não. Havendo a construção de linguagem própria, na forma como o direito preceitua, o fato dar-se-á por juridicamente verificado e, portanto, verdadeiro."{C}[4]

                        Nessa seara de desenvolvimento, vamos analisar o papel das presunções legais na constituição do fato jurídico tributário. As presunções legais, divididas em suas espécies hominis e relativas, tem natureza jurídica controvertida, sendo no campo do direito tributário de aplicação relativamente ampla em certos aspectos tais como a presunção de liquidez e certeza da certidões de divida ativa, e também a rígida limitação constitucional, como a da impossibilidade de criar ou trazer, por meio de presunções, fatos ou circunstâncias novas às competências tributárias daquelas das materialidades constitucionalmente estabelecidas.

                        No campo probatório no entanto as presunções têm sidos adotadas na constituição dos fatos jurídicos tributários a partir de encadeamentos lógicos entre fatos indiciários provados, a verificação da inexistência de provas em sentido contrários, articulados para provar os fatos  jurídicos tributários, não possuindo um fundamento legal em proposição legal abstrata e específica, no caso das presunções hominis, e outras características que compartilham com as presunções relativas, havendo, no entanto, uma proposição geral e abstrata particular que fundamenta a presunção de ocorrência do eventos que constitui o nexo causal da obrigação tributária, nestas últimas.

                        Nesse ponto, observaremos a posição de uma parte da doutrina que busca o fundamento de validade imediato das presunções tributárias hominis no artigo 335 do atual Código de Processo Civil,: "Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.", cujo teor é repetido, no essencial, no projeto do novo Código Processual no art. 382, a saber "O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial." {C}[5]

                        A autorização legal para imputar a ocorrência do evento descrito em qualquer norma de incidência tributária individual e concreta, com base na aplicação de regras de experiência, quando provados os fatos indiciários é o que defende, por conseguinte, a doutrina que vê nas presunções hominis meios de provas concludentes para a constituição de fatos jurídicos tributários.

                        Finalmente, contra o reconhecimento de tal autorização ergue-se a chamada crítica pós-positivista das construções legais que abrem ao aplicadores do direito, sejam juízes, autoridades do executivo, ou qualquer outra capaz de, sem critérios estabelecidos no direito, mas aplicando juízos subjetivos, pessoais, atribuir efeitos jurídicos a conceitos abertos numa atuação solipsista.

                        Segundo esses pontos de vista doutrinários vamos discutir a propriedade da constituição dos fatos jurídicos tributários a partir das presunções legais hominis.

 

2 Verdade material e formal no direito tributário - uma discussão vencida pelo giro linguístico.

 

                        O princípio da verdade material é arrolado por parte da doutrina como um dos vetores do procedimento e do processo administrativo-tributário.

                        Em uma das acepções do termo, a verdade material é tida como a real enunciação do acontecimento fático, ultrapassados os limites do processo legal, obtida por meios de prova e valoração abrangentes, permitindo ilações e construções lógicas que incluiriam efeitos outros que não os jurídicos dos eventos descritos, especialmente efeitos de substrato econômico, quer pelos órgãos da administração fiscal, quer pelo sujeito passivo, que demonstrariam a realidade do evento em apreço para finalidades tributárias para provar a existência ou não da relação jurídico-tributária.

                        Este princípio, em outra acepção, é definido como guia, orientação para a valoração dos fatos trazidos ao processo de lançamento e uma autorização principiológica abrangente de busca dos meios, novamente, para o alcance do pleno conhecimento do objeto do procedimento.[6]

                        A compreensão das lacunas e inviabilidade das correntes epistemológicas que pretendiam sustentar a possibilidade do conhecimento da verdadeira essência dos objetos de conhecimento, o entendimento dos limites insuperáveis entre o ser e a sua descrição em linguagem necessária à construção do conhecimento, do esquema sujeito-objeto, findou por reconhecer na relação de conhecimento apenas como uma relação de relatos entre sujeitos[7]. Dessa forma, não sendo possível o conhecimento pleno do objeto e que os relatos em linguagem são a única forma concreta de conhecimento, a verdade obtida sobre os eventos é aquela contida pelos relatos descritivos do eventos-objeto, pelo trabalho de concatenação lógica, de inferências e de deduções sobre os elementos linguísticos, dos fatos reportados, uma verdade que não mais comporta a adjetivação de "material", na acepção de verdade obtida diretamente do conhecimento do objeto, mas sempre da linguagem articulada.

                        No caso do discurso jurídico, para as finalidades de decisão jurídica, a verdade seria construída a partir de fatos relatados relevantes para a solução do caso, trazidos e juntados de acordo com as regras do sistema e valorados com a compreensão de que a verdade alcançada é a chamada verdade jurídica, a possível e funcionalmente adequada a decisão.

                        Fabiana Del Padre Tomé adita a seguinte lição: "Em estudo inovador, Tárek Moysés Moussallem noticia a irrelevância dessa classificação (verdade material e verdade formal), pois, considerando o caráter auto-suficiente da linguagem, toda verdade passaria a ser formal, quer dizer, verdade dentro de um sistema linguístico. Seguindo essa linha de raciocínio, porém quebrando as barreiras da tradição terminológica, é lícito afirmar que a verdade jurídica não é material, nem formal, mas verdade lógico-semântica, construída a partir da relação entre linguagens de determinado sistema."{C}[8]

                        Em outra concepção, para o direito tributário, a definição de investigação da verdade material seria aquela que propõe o exame dos efeitos subliminares dos fatos jurídicos trazidos ao processo, especialmente os efeitos econômicos, que prescreve que se investigue não a materialidade jurídica do descrito, mas que se avance na especulação sobre que repercussões econômicas emanam dos referidos atos e fatos jurídicos para a constituição ou não do crédito tributário.  Essa proposição, chamada análise econômica do direito, enfrentou e enfrenta ampla a resistência teórica dos cientistas do direito pela ingerência de outros elementos que não jurídicos na solução de questões que envolvem a segurança e certeza do direito, usando argumentos pragmáticos e de conveniência econômica sem previsão legal[9].

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                        Sem pretender sequer arranhar a superfície  da discussão da impropriedade da análise de efeitos econômicos em termos de fundamento de decisão jurídica, sendo essa vista como decisão realizada sobre princípios e regras jurídicas e não sobre o pragmatismo da utilidade da própria decisão para as partes envolvidas, a busca da verdade material no direito tributário a partir de análise de possíveis efeitos econômicos dos fatos no lançamento, é inviabilizado no direito tributário brasileiro pela tipicidade fechada das hipóteses de incidência tributária. A investigação e apreciação do material probatório do lançamento deve ater-se aos elementos jurídicos do tipo tributário para consecução de um princípio que permeia toda a atividade de exação a segurança jurídica. E a autonomia do direito no estado democrático é uma das garantias mais importantes da tributação legítima.

 

 

3 A linguagem constituinte da norma individual concreta da incidência tributária.

 

                        O processo de constituição do fato jurídico tributário, antecedente da norma tributária, individual, concreta, é descrito pela doutrina como aquele onde um agente competente verifica os elementos remanescentes do evento descrito na norma abstrata de incidência como necessário e suficiente  para a relação jurídica obrigacional tributária, articula em linguagem apropriada os elementos conectores entre os diversos aspectos da hipótese de incidência - aspectos pessoais, temporais, quantitativos - e produz a norma com o consequente tributário, constituindo o crédito em relação ao sujeito passivo ou responsável legal.

                        Todo o processo é intermediado pelo conjunto de relatos e elementos que fundamentam as alegações postas no descritor do antecedente, um esforço cumulativo de indícios que corroboram cada ponto do discurso tendente a encadear e demonstrar o mesmo raciocínio jurídico construído pelo lançador do tributo para resistir ao exame de outros aplicadores do direito tributário envolvidos na constituição definitiva do crédito tributário. Esse esforço corroborativo é sumariado pelo conjunto probatório.

                        Paulo de Barros Carvalho é conclusivo na necessidade do uso do conjunto probatório no contexto do discurso jurídico de constituição dos fatos jurídicos: "Sobre essa camada, a linguagem do direito positivo, como discurso prescritivo de condutas, vai suscitar aquele plano que tratamos como sendo da "facticidade jurídica"; fatos jurídicos não são simplesmente os fatos do mundo social, constituídos pela linguagem do dia a  dia. Antes, são os enunciados proferidos em linguagem competente do direito positivo, articulados em consonância com a teoria das provas. Quem quiser relatar com precisão os fatos jurídicos, nomeando-lhes os efeitos, que use a teoria das provas, responsável pelo estilo competente para a referência aos acontecimentos do mundo do direito."{C}[10]

 

                        Na linguagem constituinte do fato jurídico tributário interessante à temática aqui discutida o esclarecimento a respeito da prova indiciária, e sua articulação lógico-dedutiva para a prova do fato jurídico indiciado, deve ser exposto.

                        No dizer de Fabiana Del Padre Tomé " Toda relação probatória exige a presença de dois fatos: (i) o fato que se pretende provar; e (ii) o fato empregado para demonstrar a veracidade do fato probando. Ambos estão ligados por um vínculo implicacional, de modo que toda decisão fundada em provas decorre de uma presunção, que o fato provado implica logicamente o fato probando (fato presuntivo - fato presumido)"{C}[11].

                        A dicotomia entre prova direta/indireta apesar de seu uso atécnico comum tem sido desconsiderada hodiernamente. No campo técnico já é pacificado que qualquer prova, na qualidade de signo de evento não atinge o objeto  que representa, sendo sempre feita a presunção, em sentido amplo, da ocorrência do evento, sendo despicienda a classificação e valoração de provas que pretensamente provem diretamente ou indiretamente. Toda prova seria indireta.

            Diferentemente seria a questão da prova na hipótese de presunção legal de fatos jurídicos, que não se confundiria com as classificações de provas em diretas ou indiretas.

            Na constituição do fato jurídico tributário através de uma presunção legal, Maria Rita Ferragut a considera meio de prova indiciária : "Consistem em meios de prova indiciária, subsidiária, indireta, divergindo das hipóteses em que, na definição do fato jurídico ou da base de cálculo, intervêm ficções legais ou presunções absolutas, enunciados jurídicos de direito substantivo."{C}[12] Consideradas elas próprias meios de prova, as presunções são construídas por meio de estrutura de encadeamento de relatos probatórios.

                        Nas presunções legais, indícios, vestígios permitem ao aplicador da norma a formação de convicção da ocorrência do fato indiciário, este, provada sua sempre provável existência, e através de concatenação lógica, inexistindo provas da ocorrência de outros fatos que os mesmos fatos indiciários poderiam sugerir a existência, implicam a ocorrência do fato indiciado, aquele que ocorrido é a situação prevista na norma de incidência tributária como suficiente para inaugurar a relação jurídica tributária.

                        Em outras palavras, a ocorrência/descrição do fato provado indiretamente comprova a ocorrência do fato probando,  antecedente necessário na construção da norma individual e  concreta definidora do consequente normativo, na linguagem da teorias das provas.

                        A abertura ou fechamento legal para apreciação dos indícios e vestígios na  formação do fato indiciário é a discussão seguinte das presunções legais hominis e das relativas, sendo as primeiras objeto da discussão crítica. 

             

 

5 As presunções legais. A presunção hominis.

 

                        As presunções legais de aplicação no direito tributário assumem significativa importância quando são reconhecidos e constituem meios práticos de meios de prova dos fatos jurídicos tributários. O chamado princípio da praticabilidade é vetor da normatização da atividade de tributação e corolário da atividade fiscal de lançamento. Os tributos e os meios de seus lançamentos devem passar pelo teste da praticalidade, significando que além de ostentar todas as características relativas a revelação da capacidade contributiva, perenidade de ocorrência, neutralidade econômica, generalidade e, de preferência, seletividade, as exações devem ser instituídas e cobradas de forma a impor o menos ônus possível para a administração e para o contribuinte.[13]

                        Como atuação desse princípio menor, as técnicas legais presuntivas de meios de prova atendem ao propósito de obter a revelação e comprovação de fatos jurídicos tributários prevendo as limitações do fisco em seu mister de verificar e certificar a ocorrência dos eventos tributáveis através da reunião dos indícios e vestígios desses e construir a argumentação encadeada da descrição do fato indiciário e por decorrência lógica, o fato indiciado.

                        Ferragut assim define a presunção legal: "Estaremos diante de uma presunção legal quando o nosso objeto for: (i) uma proposição descritiva, (ii) espécie de prova indireta, (iii) composta por uma fato indiciário que implique juridicamente  a existência de um outro fato, o fato indiciado, e (iv) que todos os fatos sujeitem-se à produção de provas contrárias à existência fática dos eventos nele descritos." E bem arremata, em seguida: "Disso depreendemos que a presunção denominada "absoluta"  não é verdadeira presunção por não ser espécie de prova, mas qualificação material dos fatos jurídicos." {C}[14]

                        Desse modo, temos que, para comprovar um fato jurídico por meio de uma presunção legal juris tantum, o trabalho passa pela comprovação, submetida ao contraditório, do fato indiciário, e que esse meio de prova tenha reconhecimento em texto normativo, prevendo a implicação com o possível fato indiciado. Essa última necessidade, a previsão legal em autorização aberta, vai diferenciar as chamadas presunções legais hominis das presunções legais relativas.

                        A presunções legais hominis são consideradas aquelas com basicamente as mesmas características e requisitos das presunções legais relativas com a diferença que estas derradeiras tem como fundamento legal dispositivo legal específico autorizante da relação implicacional de determinado fato indiciário com o fato indiciado, ainda que permita a prova em contrário (caso oposto e estaríamos frente a uma presunção absoluta). As hominis por sua vez, são adotadas pelo reconhecimento de que no mundo dinâmico a impossibilidade do sistema jurídico prever todas, ou mesmo a parte significativa, das situações fáticas indiretas que sendo apreciadas redundariam seguramente na conclusão de fatos indiciados de interesse de determinado ramo do direito, no nosso caso, do direito tributário, os fatos jurídicos tributários e as condutas passíveis de compor o antecedente da norma individual sancionadora. Assim, as presunções hominis têm um fundamento legal aberto, autorizante da implicação relacional dos fatos a partir do juízos subjetivos do aplicador da norma.

                        Ferragut discorre: "A presunção hominis caracteriza-se, portanto, como uma proposição individual e concreta reveladora de um raciocínio lógico presuntivo realizado pelo aplicador da norma, que, a partir do conhecimento de indícios, da inexistência de provas em sentido contrário a eles, e da relação de implicação estabelecida segundo o que ordinariamente acontece, forma sua convicção, declarando normativamente a existência do fato jurídico indiretamente conhecido."{C}[15]. Nada obstante alguns aspectos óbvios na definição como a de que o raciocínio é realizado pelo aplicador da norma, o ponto diferenciador na definição da presunção legal hominis e da relativa está em que a relação de implicação no primeiro caso é fixada segundo o que ordinariamente acontece e não por determinação normativa específica, como é o caso da presunção relativa. E o fundamento legal apresentado por Ferragut seria a autorização genérica contida no disposto no art. 335 do Código de Processo Civil: [são características das presunções legais hominis] "- Terem por fundamento de validade imediato o artigo 335 do CPC: estabelece o artigo 335 do Código de Processo Civil que 'em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial." E reforça a seguir "Este artigo estabelece o emprego das regras de experiência para a hipótese em que a lei não disciplina, de forma particular, as consequências jurídicas advindas da identificação de indícios de um fato ocultado. É, nesse sentido, enunciado prescritivo sobre prova, fundamento de validade imediato das presunções hominis."{C}[16]

                        Expostas, portanto, essas características das presunções legais hominis, seu uso na constituição do fato jurídico tributário, deve-se saber se, especialmente, o seu fundamento legal de imediato, apontado pela doutrina, apoia sua aplicação no ato administrativo de lançamento e sua apreciação judicial.

 

6 A constituição do fato jurídico tributário com uso da presunção hominis.

 

 

                        Fixada a compreensão da doutrina sobre a forma da aplicabilidade das presunções legais hominis como base probatória em questões gerais, o exame se concentra para a constituição da norma individual concreta referente a relação jurídico-tributária.

                        A modalidade de lançamento tributário mais impactada pelas formas probatórias presuntivas é por homologação. Nesta, a autoridade tributária examina inúmeros elementos da documentação do contribuinte, seus registros na escrituração contábil e fiscal formada e adotada para os fatos jurídicos tributários referentes a determinada exação. De responsabilidade do contribuinte construir o próprio relato em linguagem competente para constituir o crédito tributário titularizado pelo sujeito ativo, a atividade está sujeita a divergências na aplicação da legislação entre este e a interpretação fiscal, a omissões e incorreções, a fraudes e ocultações de diversos tipos. O exame de todos os possíveis vestígios de eventos pertinentes a ocorrência do fato tributário, em sistemática ordenada e preferivelmente com observância de técnicas estabelecidas de auditoria recomendadas pela agência governamental, ampliam para além dos conjunto escriturais do contribuinte a área de interesse da auditoria. E as presunções legais hominis exercem relevante instrumento para concatenar esses vestígios a formar a relação de implicação entre os fatos indiciários provados e a conclusão pela existência do fato indiciado.

                        Mas, nesse quadrante, a fase em que a autoridade fiscal debruça-se sobre os vestígios e examina as implicações do que constatado haveria autorização do ordenamento jurídico para fixar presunção da ocorrência do fato indiciado mesmo quando inexistência de dispositivo legal específico a estabelecer o nexo implicacional? A doutrina examinada afirma a possibilidade.

                        Novamente Ferragut lança mão do disposto no art. 335 do Código de Processo Civil para buscar o fundamento de validade da operação, mesmo que realizada por outrem que não o agente político ali inscrito.

                        Repetindo o texto do dispositivo, para esclarecer a referência que segue:

Art. 335. Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.

                        Assevera a tributarista: "Finalmente, admitindo-se que o procedimento administrativo é insuficientemente disciplinado por nossa legislação, deve o termo "juiz", a que o citado artigo menciona, referir-se a todo aplicador da lei no caso concreto, incluindo-se, assim, o agente fiscal, competente para aplicar a presunção hominis na esfera administrativa."{C}[17]

                        Assim, num contexto prático, a auditoria fiscal pode examinar várias formas indiretas de manifestação de fatos tributáveis,  mas relacionadas aos fatos abstratamente insertos na legislação como hipóteses de incidência de tributos específicos e arrolá-los, conectá-los e concluir pela ocorrência do fato indiciado, ainda que a legislação substantiva não os preveja ou conclua antecedentemente, como nas presunções legais relativas.

                        O exame de registros bancários de determinado período, de despesas incorridas, os relatórios de descarte de resíduos sólidos e líquidos, o acúmulo ou registro dos vários subprodutos da produção principal, os registros de uso de determinados produtos intermediários, de uso e consumo, relatórios de horas trabalhadas de determinados empregados específicos no processo produtivo, o comportamento do consumo de energia elétrica da linha de produção, as informações indiretas obtidas de fornecedores, clientes, órgão reguladores e entidades públicas envolvidas, transportes e tipos de veículos contratados, contratos dos mais variados tipos, podem todos serem examinados e reunidos para formar o conjunto probatório, mediado pelas presunções legais hominis, para constituição dos fatos jurídicos tributários que podem, simultaneamente mesmo, atento e guardados seus aspectos materiais específicos, discriminados pela legislação de instituição e regras de competência dos agentes, basear os lançamentos do ICMS, IPI, ISS, PIS, COFINS, IRPJ, CSLL, IOF, providos que sejam os relatos coerentes, haja precisão na demonstração no encadeamento lógico entre os vestígios dos eventos e os fatos indiciários e sua implicação na demonstração do fato indiciado.

                        A advertência derradeira dada pela doutrina para os limites da articulação de uma ou várias presunção hominis nos lançamentos, vem do momento onde a discricionariedade autorizada pelo fundamento legal pode ser exercida, segundo Maria Rita Ferragut: "E nas presunções hominis cabe perguntar: não seria "dado o antecedente, pode ser o consequente", uma vez que o raciocínio lógico-presuntivo realizado pelo aplicador da norma, antes da expedição da regra individual e concreta, depende exclusivamente de sua valoração subjetiva acerca dos vestígios encontrados? Entendemos que não. Uma coisa é a convicção de que os vestígios são graves o suficiente para transformá-los em fato indiciário. Só aqui há discricionariedade, liberdade de apreciação. Outra, diferente, é promover a relação jurídica de implicação sempre que o aplicador da regra considerar que os vestígios por ele detectados configuram-se em indícios de fato de relevância jurídica. Somente esta última possibilidade é juridicamente relevante, somente ela submete-se à vinculação e à causalidade normativa, pois dado o conhecimento de indícios deve-ser o reconhecimento da existência do fato indiciado."

                        Sobre essa relação de implicação necessária acima afirmada, cujo fundamento legal é uma norma positivada de contextura amplíssima, deferindo ao juiz/agente fiscal o uso de regras de experiências subjetivas, não elencadas, que se insurge a doutrina pós-positivista. 

                       

 

7 Crítica pós-positivista ao discricionarismo do aplicador do direito. O art. 335 do Código de Processo Civil e a manutenção do seu teor no texto do art. 382, do projeto-de-lei do CPC.

 

 

                        Para definição da doutrina pós-positivista a que se pretende expor, deve-se primeiro situar qual dos positivismos jurídicos diz esta superar e qual das correntes pós-positivistas tratou do tópico quando afirmamos relatar a sua crítica aos fundamentos legais das presunções hominis.

                        O positivismo exegético fundado na concepção de que à análise sintática dos elementos dos textos legais reduziam-se os problemas da interpretação jurídica. O corolário da concepção liberal de estado e sociedade (inclusive a cisão desses dois), onde o estado era a força a ser contida e limitada e um de seus instrumentos era a produção de normas jurídicas codificadas por corpos eletivos em processo de sufrágio universal, sendo os textos resultantes compreendidos, interpretados e aplicados em sua forma literal, sendo o juiz a 'boca da lei", sem subjetivismos ou ingerências outras, apenas a conexão rigorosa dos signos dos "códigos"[18]. Esse, o positivismo legalista, já devidamente superado (embora bem resistente) pela doutrina brasileira, mantém entretanto certos nichos no direito do país, especialmente o tributário com máximas tais como "in claris cessat interpretatio" ou a determinação de interpretações literais das normas de isenção positivadas no CTN. Contudo, esse tópicos são paulatinamente degradados e a forma superior de positivismo assume o papel de precedência.

                        Observada, portanto, a inaptidão do positivismo anterior para que dentro de fórmulas textuais inflexíveis e intérpretes manietados houvesse a açambarque  das situações sociais para as quais o direito é chamado a responder, e que a "aplicação' de normas imprescinde da interpretação dos textos, com o uso de suas várias etapas,  em especial sua conexão sistemática com o ordenamento jurídico onde inseridas, e o reconhecimento das chamadas lacunas e omissões da lei, com tentativas de remendos integrativos e aberturas do sistema pelo princípios gerais do direito, o positivismo evolui para o  positivismo normativista de Hans Kelsen.

                        Na constatação kelseniana, o problema da interpretação do direito era a semântica não a sintática. E reconhecendo que o subjetivismo é inevitável na interpretação  normativa, inclusive pela vagueza e ambiguidade inerentes dos signos textuais, e que uma atitude solipsista do aplicador da norma é impossível do controle, procura , no dizer de Streck "O único modo de corrigir essa inevitável indeterminação do sentido do direito somente poderia ser realizada a partir de uma terapia lógica – da ordem do a priori – que garantisse que o Direito se movimentasse em um solo lógico rigoroso. Esse campo seria o lugar da Teoria do Direito ou, em termos kelsenianos, da Ciência do Direito"{C}[19]

                        Em síntese precária, o positivismo normativista preconiza que a aplicação das normas jurídicas deve ser feita nos limites de uma sua moldura semântica e que o aplicador do direito, o juiz normalmente, tem discricionariedade, dentro desses limites, de encontrar a melhor resposta ao caso concreto, sem entretanto, fugir do texto da lei, da hierarquia das normas no ordenamento e com adequada fundamentação na ciência do direito. As concepções neo positivistas procuram controlar ou mesmo recusar esse protagonismo judicial com a proposição de uma hermenêutica com fundamentos em descobertas filosóficas, em especial a filosofia da linguagem .

 

                        Na corrente pós positivista, denominada hermenêutica filosófica, cujo representante mais popular na doutrina brasileira é Lenio Streck, a interpretação jurídica não "retira", "extrai" sentido dos textos normativos, algo que ele "possuiria em si mesmo". Ela os atribui, fazendo que na aplicação das normas aos casos concretos o sentido dos textos normativos são construídos, consideradas as circunstâncias concretas do caso analisado.                   Considerando a autonomia radical do direito no Estado Democrático Constitucional, não haveria espaço na interpretação/aplicação do direito para "correções" ou integrações dos conteúdos normativos dados pela política (escolhas de conveniência política), para a moral (sem desconsideração das escolhas morais já realizadas pelo corpos eletivos democráticos, mas aquela dos próprios aplicadores) ou economia. E para solução dos casos, que não são separados em casos fáceis e difíceis, o aplicador deve decidir com a resposta constitucionalmente adequada, julgando a partir das regras regentes para o caso, dos princípios constitucionais, e zelar para que suas escolhas reflitam a sua responsabilidade política de agente estatal, não permitindo que preferências subjetivas sobreponham-se às escolhas democraticamente tomadas, garantindo, no sentido dworkiano, a coerência e a integridade do direito.

                        Assim, diz Streck:" Se foi diminuída a liberdade de conformação do legislador, através de textos constitucionais cada vez mais analíticos e com ampla previsão de acesso à jurisdição constitucional, portanto, de amplo controle de constitucionalidade, o que não pode ocorrer é que essa diminuição do “poder” da legislação venha a representar um apequenamento da democracia, questão central do próprio Estado Democrático de Direito."  E mais: "Dito de outro modo, se houve a diminuição do espaço de poder da vontade geral e se aumenta o espaço da jurisdição (contramajoritarismo), parece evidente que, para a preservação dessa autonomização do direito, torna-se necessário implementar mecanismos de controle daquilo que é o repositório do deslocamento do pólo de tensão da legislação para a jurisdição: as decisões judiciais.E isso implica discutir o cerne da teoria do direito, isto é, o problema da discricionariedade na interpretação, é dizer, das decisões dos juízes e tribunais."

                        Neste ponto converge a crítica para o fundamento legal apontado pela doutrina como autorizador das presunções legais hominis na constituição dos fatos jurídicos tributários. A discricionariedade (judicial/administrativa-tributária) conferida pelo artigo 335, do CPC, ainda mantido na essência pelo art. 382, do anteprojeto de CPC, para que o aplicador faça uso de discricionariedade "'em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece", seria incompatível com o estado democrático de direito e com a necessidade de uma teoria da decisão jurídica apropriada a este estado tendente a controlar essa discricionariedade judicial.

                        Em trabalho específico, Lenio Streck propugna a inconstitucionalidade do dispositivo atual e do que apresentado no anteprojeto do Código de Processo Civil, a saber: "Já o artigo 335 do Código de Processo Civil, de 1973, acentua que, “em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial”. Consta que no projeto do novo CPC essa redação permanece, com pequenos ajustes gramaticais. A questão é: qual é a necessidade de um dispositivo desse jaez?

É flagrante a inconstitucionalidade e a incompatibilidade paradigmáticas ao se admitir a validade de dispositivo processual prevendo a aplicação de “regras de experiência comum subministradas pela observação...”, como se ao juiz fosse dado, em pleno Estado Democrático de Direito, o poder de suprir lacunas a partir de juízos particulares. Dizendo de outro modo, a questão, no fundo, é paradoxal: os princípios antes autorizadores do “fechamento do sistema” a partir do exercício da discricionariedade nos casos difíceis (omissão da lei, lacunas etc.), agora soçobram diante dos princípios constitucionais instituídos justamente para evitar essa “delegação” em direção ao protagonismo judicial."{C}[20]

                        O mesmo jurista ainda reforça em outro artigo "Tais dispositivos — que são tudo “farinha-do-mesmo-saco-antihermenêutico” — a par de sua inequívoca inspiração positivista (permitindo discricionariedades e decisionismos) e sua frontal incompatibilidade com uma leitura hermenêutica do sistema jurídico, mostram-se tecnicamente inconstitucionais (não recepcionados). Com efeito, com relação à LINDB, é preciso ter claro que, na era dos princípios e do Constitucionalismo Contemporâneo, tudo está a indicar que não é mais possível falar em “omissão da lei” que pode ser “preenchida” a partir da analogia (sic), costumes (quais e de quem, cara pálida?) e os princípios gerais do direito. Isso apenas demonstra um atraso epistemológico da teoria do direito." E "Portanto, a força simbólica de(sses) dispositivos (artigos 23 da LC 64, 4º da LICC, 126 e 335, do CPC e 3º do CPP) enfraquece sobremodo o valor da doutrina na construção do conhecimento jurídico, com o consequente fortalecimento do papel do aplicador da lei. Ponto para o protagonismo judicial."{C}[21] Ele aponta, portanto, que estes dispositivos seriam inconstitucionais por não terem condição de serem recepcionados pelo novo estado democrático inaugurado pela Constituição de 1988.

                        A crítica da hermenêutica filosófica ao chamado livre convencimento judicial e à possibilidade de apreciação de indícios e vestígios com critérios criados a partir de experiências subjetivas e observações pessoais para a o reconhecimento de fatos jurídicos, e no caso, dos fatos jurídicos tributários, na aplicação do direito, solapa a integridade do ordenamento e desconsidera princípios democráticos importantes como o da legalidade (estrita legalidade - tipicidade mesma, no caso tributário), do devido processo legal, quando a prova do fato indiciário é construída pela subjetividade administrativa/judicial, sem possibilidade de contraditório e ampla defesa, da imparcialidade  entre outros.

            A preocupação esposada é a da mudança da discricionariedade antidemocrática dos centros elaboradores das prescrições normativas abstratas, esta vencida pela autonomia do direito e sua teoria da decisão judicial democrática pela hermenêutica filosófica, para as emanadores das prescrições concretas - lançamentos tributários combinados com decisões judiciais terminativas - para as quais não haveria instância controladora desta discricionariedade, como aponta;

"Ocorre que, no âmbito da interpretação judicial não nós encontramos na mesma situação. Aqui não há regulamentação legal a ser discutida. Pela contrário, pressupõe-se aqui ela inexiste. Assim o júris efetivamente criara uma regra para regulamentar o caso a ele apresentado. Nesses termos, a situação de ilegitimidade muito se assemelha ao arbítrio do déspota no sistema administrativo pré Estado Liberal. Ou seja, o que se chama de discricionariedade judicial nada mais é do que uma abertura criada no sistema para legitimar, de forma velada, uma arbitrariedade, não mais cometida pelo administrador, mas pelo Judiciário." {C}[22]{C}

 

8 Conclusões.


                        O processo administrativo-tributário, como qualquer processo administrativo ou judicial, procura estabelecer uma conclusão lógico-semântica através da tensão dialética da argumentação exposta em linguagem competente, com os limites postos ao discurso jurídico para tomada da decisão jurídica, conformado pelos os relatos dos fatos jurídicos interessantes ao caso concreto, a exposição de indícios e discriminação dos vestígios de eventos, sendo considerada atingida a verdade para fins de pragmáticos da exposição, motivação e fundamentação da constituição da norma individual, concreta e pessoal da relação jurídica, tributária corolário da obrigação tributária.

                        Com o reconhecimento e adoção pela teoria jurídica contemporânea das conclusões da filosofia do conhecimento da superação do esquema sujeito-objeto para a construção do conhecimento, para uma forma onde a linguagem é único meio possível de trabalhar com os objetos de conhecimento e que a intersubjetividade  dos relatos linguísticos de determinado sistema produz, de acordo com as regras desse sistema, a chamada verdade lógico-semântica possível, o objetivo de alcançar a chamada verdade material no caso concreto, fica sem sentido, posto que haveria apenas a possibilidade do atingimento de uma verdade reconhecida pelo sistema, uma verdade necessariamente formal.

                        A verdade material tomada como aquela cuja persecução é feita de ofício, considerados os esforços das partes na formação do conjunto probatório e de argumentação sobre este, mas julgados insuficientes, contraditórios, omissos ou tendenciosos, onde de acordo com o princípio da oficialidade imporia ao aplicador do direito a obrigação de estender a atividade probatória para além dos prazos e de normas  de distribuição dos ônus pela lei, exigiria a iniciativa do aplicador, ele mesmo, investigar diretamente os vestígios dos eventos, determinar a produção de novas diligências e perícias e superando o conjunto limitado trazido pelas partes.

                        O julgador, em seguida produziria decisão a partir desse novo conjunto, com argumentação ad hoc, sem possibilidade de contradita das partes, mas ainda fundado num princípio da busca da verdade material do caso. A oficialidade do processo levada esse extremo, contrariaria os ditames do devido processo legal e da ampla defesa sem no entanto chegar a idealizada verdade material, reconhecida já como inalcançável e prejudicando a conclusão pela verdade jurídica possível.

                         Nas regras de argumentação do processo judicial e administrativo por vezes são admitidas as presunções legais, que, quando não se constituem em prescrições substantivas e vinculantes sobre fatos ou situações hipoteticamente previstos, que indiretamente implicam em determinada qualificação jurídica de outros fatos, as chamadas presunções absolutas, as presunções hominis e as relativas são/podem ser consideradas meios probatórios e admitem a oposição de provas em contrário ao que aquelas encaminham e tem sua admissão fundada no ordenamento jurídico por dispositivos legais.

                        Na constituição dos fatos jurídicos tributários no ordenamento brasileiro, quer realizados pelas autoridades fiscais, quer apreciadas em sua legalidade pelas judiciais,  as presunções hominis são admitidas, de acordo com segmento da doutrina, pela abertura do sistema jurídico para colmatar as lacunas e omissões da lei. São estas as presunções onde não existe fundamento legal expresso, como ocorre nas presunções legais relativas, para que seja feita a implicação entre o fato indiciário provado e o fato indiciado que se quer provar pela presunção, este consistente no antecedente posto na norma abstrata como o evento necessário do mundo real para a subsunção na regra-matriz de incidência.

                        Para essa presunção haveria uma fundamento legal amplo, aberto à discricionariedade do aplicador da norma, quer o agente fiscal, quer o juiz, atualmente consignada no art. 335, do Código de Processo Civil, que estariam aqueles autorizados a usar, na ausência de normas particulares, de regras de experiência guiadas pela observação pessoal do que ordinariamente aconteceria na constituição dos fatos jurídicos tributários.

                        Opondo-se a esta discricionariedade, a corrente pós-positivista denominada "hermenêutica" filosófica, que concebe o direito como fenômeno complexo, conceito interpretativo emanado das instituições jurídicas do estado democrático de direito, essa discricionariedade autorizada pelo dispositivo do CPC, invalida o novo paradigma do neoconstitucionalismo, transferindo a propensão à arbitrariedade, já controlada pelo direito, especialmente pela jurisdição constitucional, do legislador e do executivo para o judiciário, cuja atividade estaria infensa ao próprio controle pelo direito.

                        O dispositivo legal em si, o artigo 335 do CPC, concretiza um pensamento que não teria vencido o positivismo normativista kelseniano que defere ao judiciário uma liberdade de conformação da decisão dentro das muitos possibilidades semânticas do texto normativo, mas a esse limitado, mas resultando ao final num ato de vontade do aplicador na escolha da melhor decisão dentro dessa moldura.

                        Ainda que inexistente, ou modificado o texto autorizador do art. 335, do CPC, como ocorrerá com a eventual promulgação do projeto de lei de Código de Processo Civil, em tramitação no Congresso Nacional, o conceito de direito e a teoria da decisão jurídica que esse encerra, estaria em descompasso, ainda assim, com o  paradigma contemporâneo do direito democrático constitucional, que determina a produção da decisão judicial dentro dos parâmetros da coerência e integridade do direito, de acordo com os princípios jurídicos consagrados de determinada comunidade política e da forma como essa mesma comunidade pondera objetivamente esses princípios, considerados os precedentes jurisprudenciais estabelecidos, como resultado de um ato de responsabilidade política do agente estatal, em contraposição a um ato de vontade ou escolha política do aplicador da norma, considerando suas preferências pessoais e subjetividades indetermináveis em meio a uma discricionariedade judicial positivada.

 

REFERÊNCIAS

 

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XAVIER, Alberto. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

 

             

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Sobre o autor
Alberto da Câmara Lima Falcão

Especialista em Direito Empresarial pela UFPE. Auditor-Fiscal do Tesouro Estadual do Estado de Pernambuco.

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