4. A QUESTIONADA ADIN Nº 2591: O DIREITO DO CONSUMIDOR E OS BANCOS
Ainda que, já julgada improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2591 pelo Supremo Tribunal Federal é de extrema importância entendermos a passagem histórica deste questionamento da aplicação ou não do CDC face aos serviços e produtos bancários e a vitória consagrante dos consumidores em face da “maldade” dos bancos.
Fora através da ADIN nº 2591, de autoria da Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF, que os bancos tentaram afastar a aplicação do CDC às relações que mantêm com os consumidores. Como já falado no parágrafo anterior, a tentativa no Poder Judiciário foi frustrada uma vez que a mesma fora julgada improcedente.
Pretendia a CONSIF que o dispositivo do art. 3º, §2º da Lei 8.078/90, que limitava o serviço como “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista” seria inconstitucional, porque estaria regulando o Sistema Financeiro Nacional (SFN), ou seja, declarada a inconstitucionalidade do parágrafo segundo não deveria ser aplicável o CDC aos serviços bancários como os depósitos bancários, os contratos de financiamento, os cartões de crédito, os contratos de abertura de crédito, contrato de seguro entre outros.
Em suma, o real interesse das instituições bancárias era deixar de fora do alcance do CDC as chamadas operações passivas e ativas, que seriam aquelas operações de empréstimos e captação de dinheiro.
4.1. A motivação da CONSIF no ensejamento da ADIN nº 2591
A CONSIF, através dos advogados Arnold Wald, Ives Gandra S. Martins e Luiz Carlos Bettiol, ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade com requerimento de medida liminar, visando:
à declaração da inconstitucionalidade formal da expressão “inclusive as de natureza bancária, financeira de crédito e securitária”, constante no art. 3º, §2º, da Lei ordinária nº 8.078/90 [...], e da inconstitucionalidade material dessa expressão diante da sua total incompatibilidade com o disposto no art. 192, caput e incisos II e IV, da Constituição Federal, que, consoante interpretação desse Egrégio Tribunal na ADIn n.º 4, reservou à lei complementar a regulação do Sistema Financeiro Nacional, abrangente daquelas atividades, e também por violar o art. 5º, LIV, da Constituição Federal, que consagra o devido processo legal em sentido substantivo [...]. (conforme petição inicial da ADIn 2591, internet)
Enfatiza ainda que a Lei n.º 8.078/90 é inconstitucional “ao criar novos e maiores encargos e obrigações e ao imputar mais responsabilidade às instituições financeiras, sendo lei ordinária, quando a Constituição Federal exige, textualmente, lei complementar.”
Tal assertiva seria correta se o Código de Defesa do Consumidor tivesse o interesse supramencionado. Na verdade o motivo de acrescentar as instituições bancárias como fornecedor de produtos e serviços, fora nada mais que ampliar o rol de proteção aos consumidores face os abusos impostos por estas instituições e não regular qualquer tipo de regramento no Sistema Financeiro Nacional.
Com este entendimento, claro que mais completo, o então Ministro Joaquim Barbosa (internet) em seu voto na ADIn nº 2591, afirmou com veemência que:
O direito dos consumidores de produtos financeiros e serviços bancários não encontra disciplina na lei que regula o Sistema Financeiro Nacional, porque outro é o objetivo desta. O locus adequado a tal disciplina é o CDC, previsto no art. 48. do ADCT, com apoio no art. 5ª, XXXII, da Constituição.
A função do CDC é a de que coibir os eventuais abusos existentes no mercado consumerista, mormente a relação jurídica consumidor e instituições bancárias, vez que em nenhum momento foi posto no referido Código qualquer intervenção no Sistema Financeiro Nacional.
Nestas linhas, o eminente Ministro Joaquim Barbosa (STF), ainda em seu voto, aduziu:
[...] cabe enfatizar que a esfera de proteção constitucionalmente garantia aos direitos do consumidor desempenha clara função inibitória, apta a desqualificar o exercício eventualmente abusivo, prejudicial e nocivo decorrente de práticas negociais ilícitas ou irregulares.
Dentro dessa perspectiva, a edição do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) – considerados os valores básicos concernentes à proteção da vida, da saúde e da segurança, e relativos à liberdade de escolha, à igualdade nas contratações, ao direito à informação e à proteção contra publicidade enganosa, dentre outros – representou a materialização e a efetivação dos compromissos assumidos, em tema de relações de consumo, pelo Estado Brasileiro. (grifo original)
Portanto as alegações e motivações impostas pela CONSIF não prosperaram, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor se aplica ao Sistema Financeiro Nacional, porque se limita a defender o consumidor, não interferindo na estrutura do Sistema Financeiro.
4.2. Argumentos doutrinários que contribuíram para a improcedência da ADIn nº 2591
Desde os entendimentos consistentes do STJ em diversos julgados que materializaram na época uma jurisprudência quase que sólida, mormente através da Súmula nº 297, diversos doutrinadores corroboraram pela improcedência da ADIn nº 2591 pela CONSIF, pois facilitaram ainda mais o pensamento dos preclaros ministros do STF.
Dentre eles estão: Cláudia Lima Marques, Cristiane Derani, Antônio Carlos Efing, os responsáveis pelo Anteprojeto do CDC como Ada Pellegrine Grinover, Nelson Nery Junior, José Filomeno entre outros.
Neste contexto, para não tornar cansativo a leitura, bastemos apenas ver que:
Segundo a jurista Cláudia Lima Marques "apesar das posições contrárias iniciais, e com apoio na doutrina, as operações bancárias no mercado, como um todo, foram consideradas pela jurisprudência brasileira como submetidas às normas e ao novo espírito do CDC de boa fé 17obrigatória e equilíbrio contratual" 18. Assim, sem extreme de dúvidas aplica-se o Código de Defesa do Consumidor nas operações bancárias. Este aspecto, aliás, foi objeto de excelente estudo de Antônio Carlos Efinge de anotações de Arnaldo Rizzardo, que estabeleceram sólidas bases na qualificação consumerista da matéria bancária. (MARQUES, apud, OLIVEIRA, 2009)
Sobre isso, um dos autores do anteprojeto do CDC informou com toda clareza que:
Todas as operações e contratos bancários se encontram sob o regime jurídico do Código de Defesa do Consumidor. Não só os serviços bancários, expressamente previsto no Código de Defesa do Consumidor 3º, § 2º, mas qualquer outra atividade, dado que o banco é sociedade anônima, reconhecida sua atividade como sendo de comércio, por expressa determinação do Código Comercial em seu Artigo 119. Assim, as atividades bancárias são de comércio, e o comerciante é fornecedor conforme prevê o caput do Código de Defesa do Consumidor no 3º. Por ser comerciante, o banco é, sempre fornecedor de produtos e serviços. (NERY JUNIOR, apud, OLIVEIRA, 2009)
Em diversos pontos ficou evidenciada a aplicabilidade do CDC nos contratos bancários, vários foram os argumentos doutrinários que facilitaram ou contribuíram com o entendimento do STF quando julgado a ADIn nº 2591. É notório que o §2º do art. 3º do CDC, não entrava em conflito com o art. 192. da Carta Magna de 1988 nem com a Lei de Organização do Sistema Financeiro Nacional – Lei 4.595/64, até porque cada um possui sua limitação.
4.3. Improcedência da ADIn nº 2591 e os Direitos dos consumidores
Vários foram os benefícios consolidados aos consumidores em decorrência da improcedência da ADIn em comento, entre tantas estão:
1. A multa por inadimplência fica limitada a 2%;
2. Os juros considerados abusivos são proibidos, sendo passivo a revisão contratual pelo Poder Judiciário;
3. As cláusulas contratuais abusivas são proibidas e passíveis de nulidade total ou parcial;
4. Em caso de ocorrer problemas nas transações eletrônicas ou pela internet, o banco responde objetivamente pelo erro, ou seja, independentemente da existência de culpa;
5. Na liquidação antecipada de débito de um financiamento ou empréstimo fica obrigado a instituição financeira em retirar ou descontar demais acréscimos e os juros de forma proporcional;
6. Em caso de difícil acesso as informações ou causas de difícil comprovação de veracidade de fatos, poderá o consumidor requerer a inversão do ônus da prova para provar que a falha na relação não foi causada por ele;
7. Proibição de envio de produtos sem prévia autorização do consumidor, como por exemplo, o envio de cartão de crédito já desbloqueado;
8. Nas cobranças indevidas como por exemplo a TAC (Tarifa de Abertura de Crédito) nos contratos de financiamento de automóvel ou na emissão de boletos bancários o consumidor terá o direito à devolução dos valores pagos irregularmente de forma simples se não identificado a má-fé, e em dobro quando constatado a má-fé da instituição bancária.
9. A entrega do contrato ao consumidor no ato da contratação, não ficando este obrigado a aceitar as condições impostas pela instituição, podendo inclusive interpretá-las de maneira mais favorável ao cliente/consumidor.
5. A APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS BANCÁRIOS
A Carta Magna de 1988 já previa a defesa do consumidor em seu art. 5º, inc. XXXII, ao produzir que o “Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Diante disso, não há como noticiar qualquer novidade.
Com o crescimento da sociedade criou-se, consequentemente, uma maior competitividade (concorrência) no mercado financeiro, e por tal motivo, o desequilíbrio contratual em qualquer relação consumerista, sobretudo nos contratos existentes entre consumidor e instituição financeira. Em virtude disso, o poder constituinte originário determinou, no art. 48. do ADCT (Ato das Disposições Transitórias), certa urgência na elaboração e promulgação do Código de Defesa do Consumidor.
A Constituição pátria se preocupou, augurando talvez as onerosidades abusivas impostas pelos fornecedores, de forma reiterada, a proteção e a defesa do consumidor como princípio de proteção e equilíbrio na ordem econômica, conforme eleva o art. 170, inciso V. Esta proteção do consumidor deve ser interpretada em conjunto com os princípios sociais do contrato: equilíbrio contratual, boa-fé objetiva e a função social do contrato, destarte que, todo e qualquer contrato se destina a promover a circulação de riquezas no sistema econômico, sendo esta circulação intrínseca e subordinada a Ordem Econômica.
As normas que regem o ordenamento jurídico pátrio, com mais clareza, o Código de Defesa do Consumidor trouxe uma autoridade e uma maior segurança aos consumidores em face aos contratos bancários, pois sua maneira protetiva e coercitiva reduziu os abusos das instituições bancárias.
Na legislação infraconstitucional é notável a contribuição que trouxe ao controle negocial atinente aos serviços bancários o Código de Defesa do Consumidor cujas normas são de ordem pública nos exatos termos do art. 1. do diploma consumerista: Art. 1. O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem Pública e interesse social, nos termos dos arts. 5, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48. de suas Disposições Transitórias. Muito embora seja ainda intensa a reação de setores ligados aos Sistemas Financeiro a aplicação do CDC aos contratos bancários, a verdade é que o próprio Sistema, mesmo sem o admitir, vai, paulatinamente procedendo adaptações de sua prática negocial às exigências da legislação consumerista. Por isto é que, diante da interpretação lógica e sistemática do art. 2. e do § 1 do art. 3. do CDC, não vejo como deixar de incluir o crédito bancário entre as relações por ele tuteladas. (PUGGINA, apud, OLIVEIRA, 2002)
O Código de Defesa do Consumidor no artigo 3º, §2º, alude expressamente como serviços, as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. Os bancos são prestadores de serviços cujo interesse é o exercício da atividade econômica, e, advinda desta atividade econômica a comercialização de produtos e serviços.
Fácil é a constatação da relação jurídica consumerista e sua devida aplicabilidade, de um lado encaixasse perfeitamente como um consumidor (pessoa física ou jurídica) aquele que adquire produto ou serviço como destinatário final, e do outro lado o fornecedor (as instituições financeiras), que desenvolve a atividade de comercialização de produtos ou prestações de serviços, como exemplo, os contratos bancários.
Contratos bancários é denominação que se dá a um grupo de contratos em que uma das partes é um banco ou uma instituição financeira. São contratos de entidades que neles se especializaram. Na prática e de acordo com a lei, só as instituições bancárias e assemelhadas é que realizam habitualmente tais contratos com seus clientes. (WALD, 2005, p. 653)
Os bancos, ainda que óbvio, tem como função a aferição de lucros, entretanto, infelizmente, emitem juros exorbitantes ao ceder qualquer valor de crédito ao contratante.
Como complemento, podemos definir a atividade bancária ou do banco como sendo uma empresa “cujo objetivo principal consiste na intromissão entre os que dispõe de capitais e os que precisam obtê-los, isto é, em receber e concentrar capitais para, sistematicamente, distribuí-los por meio das operações de crédito.” (MENDONÇA, apud, OLIVEIRA, 2006, p.14)
Ou de uma maneira ainda mais completa:
Considera-se bancário o contrato cuja função econômica se relaciona com o conceito jurídico de atividade bancária, preceituado no art. 17. da lei nº 4.595/64. Por atividade bancária, entende-se a coleta, intermediação em moeda nacional ou estrangeira. Esse conceito abarca uma gama considerável de operações econômicas, ligadas direta ou indiretamente à concessão, circulação ou administração do crédito. Estabelecendo-se paralelo entre a atividade bancária e a industrial, pode-se afirmar que a matéria-prima do banco e o produto que ele oferece ao mercado é o crédito, ou seja, a instituição financeira dedica-se a captar recursos junto a clientes (operações passivas) para emprestá-los a outros clientes (operação ativas). (COELHO, apud, FILOMENO et al., 2011, p.54-55)
Um dos principais produtos ou serviços que os bancos oferecem ao consumidor sem dúvidas é o crédito, que envolve uma multiplicidade de formas conhecidas como operações bancárias. Seria na verdade a abertura de créditos, os empréstimos, a captação de dinheiro, aluguel de cofre, o financiamento, custódia de valores, enfim uma série de atividades de acordo com seu fito econômico. Todas estas atividades ofertadas em grande escala pelos bancos e utilizadas pela sociedade estão submetidas ao Código de Defesa do Consumidor.
[...] é claro que, por não ser vulnerável, não pode alguém (pessoa física ou jurídica) deixar de ser considerada como “consumidora”.
Até porque quadra trata da “pessoa jurídica consumidora”, o CDC admite que “em situações justificáveis” a cláusula contratual estabeleça para esta uma determinada limitação de valores indenizandos [...] (GAMA, 2008, p. 11)
O critério basilar para a definição da aplicação do CDC face aos serviços e produtos bancários, que envolve as operações bancárias, por exemplo, não é o tipo de contrato, mas sim a caracterização do cliente ou usuário como destinatário final, analisando sua vulnerabilidade não como exigência fundamental para a configuração como consumidor.
O que temos em mente enquanto sociedade é que o dinheiro é um instrumento cujo interesse de tê-lo é de satisfazer as necessidades financeiras de cada indivíduo, e não como um produto fim. Entretanto os bancos consideram dinheiro e o crédito como produtos, este crédito pode ser um produto que dá acesso direto e imediato aos bens de consumo de massa, seja a pobres ou a ricos. Este serviço ofertado pelos bancos ou instituições financeiras, mediante as mais variadas formas de contratos, atuam diretamente no mercado de consumo o que os caracterizam como fornecedores, conforme leciona o art. 3º caput do Código de Defesa do Consumidor.
Faz jus o cliente ou usuário bancário ser protegido pelo CDC face aos abusos impostos pelos bancos ou instituições financeiras, vez que o poderio existente nestes fornecedores de produtos e serviços antigamente era quase que intocável e inquestionável. Com o CDC o governo coibiu de forma pura e simples o abuso do poder econômico por parte destes.
Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor partilhou o conceito de se tratar da pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, daí porque a importância do governo na dinâmica de normas que visam evitar o abuso do poder econômico, no panorama da concorrência e do grau de concentração que fere as leis de mercado. (MARTINS, 2005, p.456, grifo nosso)
O Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), por exemplo, que tem como função financiar a graduação na educação superior dos estudantes por não deterem de condições para arcar com os custos em faculdades não gratuitas é um incentivo do governo a educação. Neste caso, de forma lacônica, o estudante é o consumidor, por tratar-se de destinatário final fático e econômico do dinheiro usado no intuito de concluir sua formação.
Assim define o site do Ministério da Educação, no acesso do dia 03 de setembro de 2011:
Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) é um programa do Ministério da Educação destinado a financiar a graduação na educação superior de estudantes matriculados em instituições não gratuitas. Podem recorrer ao financiamento os estudantes matriculados em cursos superiores que tenham avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação.
A relação jurídica entre as instituições de ensino bem como os que financiam no todo ou em parte os cursos de graduação estão submetidas também às disposições do CDC, isso, pois tem sido reconhecido pelo Poder Judiciário que a aquisição de serviços educacionais é uma relação jurídica consumerista.
APELAÇÃO CÍVEL. ENSINO PARTICULAR. AÇÃO DE COBRANÇA. INADIMPLEMENTO DAS MENSALIDADES. VÍCIO NO SERVIÇO E CANCELAMENTO DE MATRÍCULA NÃO COMPROVADOS. 1.Preambularmente, é preciso consignar que os serviços educacionais estão submetidos às disposições do CDC, enquanto relação de consumo. 2.A utilização dos serviços de educação prestados pelo instituto autor e a inadimplência do aluno são pontos incontroversos da lide, a teor do que estabelece o art. 334, II, do CPC. 3.Não há qualquer adminículo de prova a demonstrar que o curso não refletiu a publicidade veiculada pela autora, sendo inaplicável o disposto no artigo 20, III, do Código de Defesa do Consumidor. 4.Ademais, não foi comprovado o cancelamento de matrícula por parte do aluno, ônus que lhe cabia e do qual não se desincumbiu, a teor do que estabelece o art. 333, II, do CPC. 5.O pedido de cancelamento ou de trancamento da matrícula deve atender a determinadas formalidades, a fim de garantir a autenticidade da manifestação de vontade exarada pelo estudante, ato formal, cuja prova é pré-constiuída. 6.Desta forma, demonstrado que o demandado não requereu a desistência ou cancelamento do curso oportunamente, o réu deve ser condenando ao pagamento da contraprestação impaga, acrescida dos encargos contratuais. Dado provimento ao apelo.
(Apelação Cível Nº 70040745051, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 27/04/2011, Publicação no Diário da Justiça do dia 03/05/2011, grifo nosso)
É majoritária a jurisprudência a cerca do posicionamento da aplicação do CDC aos contratos bancários, basta apenas a comprovação da hipossuficiência e da vulnerabilidade, ainda que o contratante seja pessoa jurídica, para que seja possível e passivo a aplicação do CDC.
O problema sobre a aplicação do CDC ou não, esta ligada ao conceito de destinatário final, que como já analisado, é aquele que adquiri produto ou serviço para o interesse próprio, sem intuito comercial ou lucrativo.
O que ainda se debate é que há autores que concordam plenamente com a aplicação do CDC a todos os contratos bancários independentemente se o consumidor é pessoa jurídica, independente de sua vulnerabilidade e ainda que não destinatário final. As empresas, como clientes das instituições financeiras estariam enquadradas na extensão conceitual de consumidor prevista pelo art. 29. do CDC. (EFING, 1994)
É passiva sim a pessoas jurídicas a aplicação do CDC, ou seja, a possibilidade de empresas ou empresário individual serem acobertados pela proteção do Código de Defesa do consumidor, quando realizar qualquer operação creditícia oferecida pelas instituições financeiras ao mercado de consumo, basta que sejam destinatárias finais e vulneráveis.
[...] se tratar de contrato bancário com um exercente de atividade empresarial, visando ao implemento de sua empresa, deve-se verificar se este pode ser tido como consumidor. Se o empresário apenas intermedia o crédito, a sua relação com o banco não se caracteriza, juridicamente, como consumo, incidindo na hipótese, portanto, apenas o direito comercial. (COELHO, 2001, p. 166)
Ainda que confuso e estranho, a inclusão de pessoa jurídica no conceito de consumidor, no art. 2º do CDC, fora uma estratégia para eliminar as resistências dos empresários quanto à aprovação da Lei Federal nº 8.078/90 e para acelerar a aprovação da lei.
Em palestra ministrada em 18 de outubro de 2004 na 100ª Subsecção da OABSP/Ipiranga, [...], o jurista José Geraldo Brito Filomeno mencionou o fato de que a inserção da pessoa jurídica como consumidora teve seu voto contrário na comissão que elaborou o anteprojeto, mas que tal inserção decorreu de uma estratégia para eliminar resistências empresariais à aprovação de uma lei de defesa do consumidor. (MORATO, 2008, p. 284)
Pelas inúmeras leituras, entende-se cabível a aplicação do CDC aos contratos bancários a pessoa física ou jurídica desde que, sejam analisados a vulnerabilidade e a hipossuficiência do cliente ou usuário bancário.
Além de analisar a vulnerabilidade e a hipossuficiência do cliente ou usuário bancário, se faz necessário também que o mesmo seja destinatário final do serviço ou produto, utilizando-o para si. Com esta identificação torna-se fácil caracterizar o cliente/usuário bancário como consumidor. O problema encontra-se nos negócios bancários em que figura de um lado um profissional liberal que contrata um financiamento para reformar seu escritório ou sua clínica, e do outro um agricultor que realizada um contrato para comprar um saco de sementes para plantar.
Objetivando uma melhor definição no escólio da professora Marques "destinatário final é o consumidor final, o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo [...], aquele que coloca um fim na cadeia de produção e não aquele que utiliza do bem para continuar a produzir na cadeia de serviço". (2006, p. 83, grifo nosso)
Nem sempre são passíveis de serem resolvidos questionamentos como esse apenas utilizando a lei, papel importante que faz as jurisprudências e os precedentes dos tribunais superiores. O sistema protetivo do Código de Defesa do Consumidor é amplo e trabalha no interesse de proteger e coibir o desequilíbrio contratual e a vulnerabilidade (técnica, jurídica ou fática) do cliente bancário ao contratar junto ao banco ou a instituição financeira.
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, a cerca da aplicação ou não do CDC quando figurado como contratante o produtor rural, entendeu não ser cabível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Segundo a preclara relatora Min. Nancy Andrighi, ao julgar o Recurso Especial nº 977.077/GO, decidiu no dia 29 de novembro de 2009 não se aplicar o Código de Defesa do Consumidor na hipótese em que o produtor agrícola pretender revisão do contrato de compra e venda de safra futura, alegando onerosidade excessiva, pois o produtor não é considerado consumidor, segundo entendimento do STJ. Já o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entendeu cabível a aplicação do CDC quando o financiamento fora dado por uma Cooperativa de Crédito Rural.
APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO ORDINÁRIA. CÉDULA DE PRODUTO RURAL - CPR. AGRAVO RETIDO. PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. Não há cerceamento de defesa no indeferimento de prova inútil ao deslinde da controvérsia. Hipótese em que nenhum efeito prático haveria na produção de prova pericial, pois o fato que pretendia comprovar o embargante por meio da prova indeferida (simulação do negócio jurídico) restou suficientemente esclarecido, tornando dispensável a perícia pretendida. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. COOPERATIVA DE CRÉDITO RURAL. Tratando-se de relação jurídica mantida entre cooperativa de crédito rural equiparada à instituição financeira e cliente, o qual se utiliza dos serviços prestados como destinatário final, plenamente aplicáveis as normas do Código de Defesa do Consumidor (art. 2º do CDC). Caso em que não há duvidas de que a Cooperativa figurou como entidade financiadora da aquisição de insumos para a produção agrícola, equiparando-se a instituição financeira. NULIDADE DO TÍTULO. SIMULAÇÃO. VÍCIO NÃO DEMONSTRADO. Nada há de irregular na emissão de CPR em favor de Cooperativa Rural como forma de pagamento de insumos adquiridos de terceiros fornecedores. Emitente da cártula plenamente ciente das condições do negócio, inexistindo qualquer indício de que tenha havido simulação, a qual, aliás, se tivesse ocorrido, teria contado com a participação do agricultor, hipótese em que não poderia invocá-la ao efeito de nulificar a transação. REVISÃO DO CONTRATO. ONEROSIDADE EXCESSIVA NÃO EVIDENCIADA. Contratação de risco, em que a variação do preço do produto é da essência do negócio, não alterando, assim, os deveres assumidos pelas partes contratantes. Ausente, ademais, comprovação acerca da alegada discrepância entre o valor original da dívida e o preço estipulado em produto, na medida em que não há informação do preço da saca de soja na época da contratação. Ônus do autor, nos moldes do art. 333, inciso I, do CPC. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.
(Apelação Cível Nº 70041114737, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 28/04/2011, Publicação: Diário da Justiça do dia 06/05/2011, grifo nosso)
Apesar destas divergências de interpretações, é pacífico o entendimento acerca da aplicabilidade do CDC aos contratos bancários, mormente de créditos, independente da figura da pessoa que adquire tal bem indispensável na sociedade de hoje, basta apenas que o aderente adquira o produto ou serviço como destinatário final, súmula 297 do STJ “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
A Súmula em epígrafe é resultado do entendimento do STJ, basicamente em 05 (cinco) julgamentos, que reproduziram em diversos outros (RESP 476.428, rel. Min. Nancy Andrighi, 19.04.2005, DJ 09.05.2005; RESP 106.888, rel. Min. César Asfor Rocha, DJ 5.8.2002; RESP 175.795, rel. Min Waldemar Zveiter, DJ 10.5.1999; RESP 298.369, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 25.8.2003; RESP 57.974, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 29.5.1995, entre outros).
O que se pode concluir é que, os contratos entre instituições financeiras ou bancos junto aos grandes empresários, nos quais os créditos são utilizados como meio para exercer atividade profissional a aplicação deverá ser, em regra, pelo direito civil e empresarial. Todavia, poderá ser aplicado o CDC que dependerá do caso concreto, onde será analisada a vulnerabilidade, a hipossuficiência do contratante e a situação por equiparação do consumidor strictu sensu. (art. 29. do CDC)
As instituições financeiras e os bancos são passivos de aplicação do CDC, mormente nas operações bancárias como a abertura de crédito, os depósitos bancários e os empréstimos. Boa parte destes, senão todos são contratos de adesão, contratos dispostos ao consumidor com condições gerais e que não dão margem para qualquer questionamento pela parte contratante.
Contratos estes que muitas vezes precisam ser reformados em razão da abusividade impostas pelos bancos por meio de juros absurdos e sem coerência com a realidade econômica do país.
Nestes termos, o julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INVALIDADE DAS PARCELAS ACESSÓRIAS ABUSIVAS. A invalidade parcial das cláusulas contratuais que fixaram as parcelas acessórias decorre da inobservância do disposto no artigo 52 da Lei nº 8078/90, entendido o credor fiduciário como fornecedor, já que a atividade bancária/fiduciária integra o conceito de serviço, nos termos do artigo 3º, parágrafo 2º, daquele diploma legal (Código de Defesa do Consumidor). RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. Tratando-se de nulidade de pleno direito, diante do que dispõem as normas do Código de Defesa do Consumidor, impõe-se o reconhecimento pelo juiz, independentemente de alegação das partes, como preceitua o parágrafo único do artigo 146 do Código Civil, afastando-se, de ofício, a abusividade da cláusula. Precedentes do STJ. JUROS REMUNERATÓRIOS. Reduzidos a 12% ao ano. CAPITALIZAÇÃO. Vedado o anatocismo. Disposição de ofício. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. Descabimento. CORREÇÃO MONETÁRIA. Na decisão singular, adotou-se o IGP-M como indexador monetário somente na fase de inadimplemento, já que excluiu a comissão de permanência. Cabe, porém, também, a adoção do IGP-M na fase de execução negocial, em função da redução dos juros remuneratórios embutidos nas parcelas e da vedação da capitalização, evitando o enriquecimento sem causa dos segundos apelantes/apelados. MORA. Pela cobrança de parcelas acessórias abusivas, descaracterizada a mora solvendi. ENCARGOS MORATÓRIOS. Descaracterizada a existência de mora solvendi, descabe a cobrança dos encargos dela decorrentes, como multa e juros moratórios. Quando houver mora, devem ser limitados os juros moratórios a 1% ao ano (Disposição de ofício) e a multa contratual a 2% sobre o valor das parcelas efetivamente devidas, pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor. CADASTRAMENTO EM BANCOS DE DADOS. Na exata interpretação do parágrafo 1º do artigo 43 da Lei nº 8078/90, existente discussão judicial quanto ao débito, mostra-se incabível a inscrição de sua existência nos órgãos cadastrais de crédito, servindo dito registro como mero elemento de coerção à cobrança. O tema foi, inclusive, objeto da conclusão nº 11 do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. DEPÓSITO INCIDENTAL. Estando em curso a relação negocial, de trato sucessivo, há de ser admitido o depósito incidental das prestações em vencimento, no valor em que o pretendente à revisão entenda devido, afastando-se o inadimplemento até a decisão da causa, sendo, inclusive, objeto da conclusão nº 13 do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça. EFEITO RESTITUTÓRIO. Redefinidos os critérios de cálculo das parcelas acessórias, a restituição dos valores eventualmente pagos a maior é efeito decorrente da decisão. PLUS PETITIONIBUS. Descabida a repetição dobrada dos valores, devendo os mesmos serem restituídos modo simples. COMPENSAÇÃO. Pela aplicação do princípio da restituição integral, cabe, na hipótese, a compensação, a ser efetivada entre as parcelas prestadas ineficazmente pelo consumidor e o eventual débito pendente em razão dos negócios jurídicos celebrados com o fornecedor. CONSIGNAÇÃO DAS PARCELAS DEVIDAS. Consignados os valores eficazmente devidos há que se reconhecer a legitimidade do pagamento, com extinção quantum satis da obrigação. Primeiro apelo desprovido e segundo apelo parcialmente provido, com disposições de ofício.
(Apelação Cível Nº 70005814942, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Armando Bezerra Campos, Julgado em 24/04/2003)
Dentre os contratos bancários, não há duvidas que os mais procurados ou de maior reincidência nos bancos ou instituições financeiras são os empréstimos e financiamentos bancários. É em virtude deste crescimento notável de procura que os bancos usurpam os consumidores.
Contrato de financiamento bancário é aquele pelo qual um banco adianta ao cliente recursos necessários a certo empreendimento, normalmente destinados à aquisição de bens, mediante cessão ou caução de créditos ou com outras garantias. (WALD, 2005, p. 661)
O crescimento e a procura da sociedade nesses tipos de contratos surgem em decorrência das necessidades e dos sonhos – da necessidade em decorrência da falta de emprego, ou de uma doença grave e da busca de sonhos, como a casa própria, o carro zero quilometro, a abertura do próprio negócio entre outros. É devido a isto que o cliente bancário acaba por manter um vínculo contínuo e duradouro por anos com as instituições financeiras ou bancos.
São estes contratos bancários, normalmente de adesão, que se apresentam ou aparentam vantajosos e com muitas facilidades de pagamento quando na verdade escondem as cobranças indevidas ou juros exorbitantes. Neste momento, é que a intervenção do Estado nos negócios privados, mediante a Lei Federal nº 8078/90, que tem a finalidade de proteger e coibir as ações desta natureza. Entretanto, quando os bancos não acatam a norma infraconstitucional faz jus o cliente bancário, consumidor, através do Poder Judiciário a busca pelo equilíbrio contratual do contrato, eliminando as cláusulas e cobranças abusivas trazendo ao mesmo uma obrigação justa e coerente com os parâmetros sociais, cumprindo devidamente a função social do contrato.
Sem mais delongas, é aplicável o CDC as instituições financeiras, sendo tal decisão materializada com maior anuência em decorrência da improcedência da ADIn nº 2591, que entendeu cabível a aplicação do CDC nas relações de consumo nas atividades bancárias, com a seguinte votação: pela improcedência do pedido formulado pela CONSIF os ministros Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Marco Aurélio, Celso de Mello, Ellen Gracie, Sepúlveda Pertence, Eros Grau (aposentado), (aposentado) e Néri da Silveira (aposentado). Ficaram parcialmente vencidos os ministros Carlos Velloso (aposentado), relator, e Nelson Jobim (aposentado).
Com esta decisão, os bancos não podem mais se abster da obrigação de cumprir as normas do Código de Defesa do Consumidor e a sociedade está protegida contra os abusos praticados pelas Instituições Financeiras, sendo as principais: a falta de informações claras e objetivas; a publicidade enganosa; a vantagem manifestamente excessiva; a cobrança de mora não pode ser superior a 2%; a prática de venda casada; devolução de produto sem ônus ao consumidor quando forem compras realizadas pela internet ou por telefone; inversão do ônus da prova, quando identificados os requisitos do art. 6º, VIII CDC, entre outras proteções contra os diversos abusos existentes na relação consumerista.