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Terceirizados: os novos semi-escravos das multinacionais

Agenda 09/04/2015 às 09:49

A privatização e a terceirização da atividade legislativa aos empregadores é apenas parte do problema do Brasil.

Advogado há 1/4 de século, estou acostumado a atender terceirizados. Eles são, em geral, os trabalhadores em situação mais vulnerável e os que mais sofrem em razão da peculiar situação a que são submetidos. Mencionarei abaixo alguns casos em que advoguei:

 1- No Carrefour/Osasco apenas os terceirizados eram obrigados a tirar as botas, abrir ou levantar a camisa e a abaixar as calças para sair do depósito. Eles eram tratados como“presumivelmente ladrões”. O dano moral que eles sofriam era evidente e potencialmente ampliado em razão dos empregados do próprio Carrefeour não serem submetidos ao mesmo tratamento. As indenizações foram fixadas entre 30 mil e 8 mil reais; após dezenas de condenações a empresa parou de revistar ofensivamente os empregados terceirizados. Em três casos o TRT/SP inocentou a empresa ofensora com base numa Convenção Coletiva assinada pelo Sindicato dos Comerciários. 

2- Na Coca-Cola uma empregada de segurança terceirizada foi sistematicamente assediada sexualmente pelo encarregado da segurança contratado por outra terceirizada. Ele a chamava de “bucetão”, “gostosa”, “loira burra”, ofensas confirmadas pela testemunha da ofendida. Segundo ela, o ofensor chegou a tirar o pênis para fora a fim de excitá-la num local onde não havia câmeras ou testemunhas. A Justiça do Trabalho inocentou as empresas terceirizadas e a Coca-Cola com base no depoimento do ofensor, que em Juízo negou tudo que lhe foi imputado. O TRT/SP confirmou a sentença e o caso foi objeto de Recurso de Revista, pois o depoimento do ofensor não poderia ser considerado prova uma vez que ele era suspeito e poderia ser pessoalmente responsabilizado a pedido das empresas em caso de condenação destas. O TRT/SP impediu o processamento do recurso e o Agravo de Instrumento aguarda julgamento no TST.  

3- É comum alguns encarregados e chefes de seções do Carrefour/Osasco tratarem mal e ofensivamente empregados terceirizados. Já atuei em casos de graves violações morais. Num deles o encarregado de um setor acusou o terceirizado de roubar objetos do Depósito, chamou a polícia e o rapaz foi levado algemado para a Delegacia. Ao registrar a ocorrência o próprio encarregado disse que não havia visto o rapaz roubando objetos. Os policiais não encontraram nada com o acusado ou no armário pessoal dele.  

4- Há alguns anos, em diversas farmácias existentes em Osasco era comum a contratação de mão de obra terceirizada/cooperada para realizar atividades essenciais ao funcionamento das mesmas. Uma fraude evidente à legislação do trabalho. Na maioria das vezes as contratações mascaravam relações diretas com os empregadores e eram lesivos aos empregados, isentando a Farmácia de pagar piso, efetuar o registro, recolher FGTS, etc... Os terceirizados supostamente cooperados nem mesmo tinham direito à jornada de trabalho de 44 horas. Em todos os casos que atuei os contratos terceirizados/cooperados foram anulados, sendo os empregadores obrigados a pagar o piso da categoria, a fazer os registros e a recolher FGTS e INSS (caso dos fraudulentamente cooperados).

5- O Condomínio onde eu resido em Osasco contratou seguranças terceirizados. A empresa era inidônea e lesou os empregados. Após o rompimento do contrato de locação de mão de obra os vigias foram demitidos sem receber o que lhes era devido, o FGTS deles não foi depositado. Fui contratado por um deles e consegui fazer com que o meu próprio Condomínio fosse responsabilizado pelos prejuízos trabalhistas do rapaz. O fato que não me granjeou muita popularidade entre meus vizinhos, pois recusei uma proposta de acordo ridícula e obtive a penhora em conta-corrente do valor total do crédito com juros e correção monetária.

6- Empresas de segurança, geralmente terceirizadas, tem sido uma fonte constante de problemas. Advoguei em diversos casos de uma que desapareceu, deixando 150 empregados sem emprego, sem verbas rescisórias e sem FGTS. As condenações somente foram pagas pelos tomadores do serviço deles, pois nem a empresa de segurança nem seu dono puderam ser localizados pela Justiça do Trabalho.

Citei apenas alguns casos para demonstrar como os exploradores de mão de obra terceirizada fazem fortunas desrespeitando os direitos dos empregados que contratam e cedem aos tomadores de serviço. Pisos salariais não são pagos, direitos básicos (como o depósito do FGTS) raramente são respeitados. Antes da nova Lei aprovada pela Câmara entrar em vigor (se e quando a mesma entrar em vigor) a responsabilização dos tomadores de serviço era possível, mas dependia de prova de que o trabalhador prestou serviço para os mesmos. Esta prova não é difícil, mas se torna complicada quando o terceirizado foi cedido a diversos empregadores num curto período de tempo (caso em que cada tomador só é responsável pelos direitos relativos ao período em que locou a mão de obra daquele trabalhador).

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Os tomadores de serviço terceirizado e seus prepostos geralmente tratam mal os terceirizados, quer porque acreditam que são irresponsáveis pelas consequencias dos seus atos, quer porque fazendo isto os utilizam como exemplo diante de seus empregados. Os próprios empregados do tomador de serviço discriminam e tratam mal os terceirizados, despejando encima deles as frustrações cotidianas.

Em geral, o intermediário do terceirizado é um vampiro. Ele lucra com a super-exploração dos empregados que cede a terceiros e,na maioria das vezes, evapora quando a empresa dele perde os lucrativos contratos de locação de mão de obra. No Brasil, o locador de mão de obra encontra seu paradigma mais antigo no transportador de escravos.  

Certa feita, antes do início da audiência num dos processos por dano moral decorrente de revista abusiva, a advogada do Carrefour me disse o seguinte quando a cumprimentei:

“- O colega vai ficar rico, pois inventou uma indústria de indenizações.”

Eu ri e lhe dei a seguinte resposta:

“- O Carrefour trata seus empregados franceses na França como trata os seus terceirizados no Brasil? Pelo que sei, o sindicalismo francês é combativo e não permitiria que a empresa cometesse lá os mesmos abusos que comete aqui. Se o Carrefour fizesse seus empregados abaixarem as calças, levantarem as camisas e tirarem as botas para sair de seus depósitos na Europa certamente o Sindicato faria uma greve. Na pior das hipóteses as indenizações exigidas seriam maiores e fixadas em euro.”

Os tomadores de serviços são piores do que os vampiros que contratam para intermediar mão de obra. Em nosso país até mesmo empresas imensas que teriam condições de contratar seus próprios empregados utilizam a locação de mão de obra para rebaixar seus gastos com empregados e/ou aumentar os lucros que enviam para suas matrizes no estrangeiro. O resultado desta prática se reflete no mercado interno, pois empregados com menor poder de compra consomem menos produtos reduzindo o crescimento do comércio e, por via indireta, da própria indústria. As multinacionais que locam mão de obra no Brasil raramente submetem seus empregados ao mesmo tratamento vil, ofensivo, discriminatório e vexatório que impõe aos terceirizados brasileiros.

Cá, entretanto, as multinacionais que contratam terceirizados também financiam campanhas eleitorais e sustentam as empresas de comunicação com generosos orçamentos publicitários. A consequencia disto é que raramente o que ocorre no chão das empresas chega ao conhecimento do grande público. A facilitação da contratação de terceiros com base no Projeto de Lei aprovado no Congresso Nacional é apenas parte de um problema maior. Nossos problemas só poderão começar a ser discutidos quando as campanhas eleitorais tiverem financiamento público e as empresas de comunicação forem reguladas. A criação de um sistema público e estatal de comunicação também é essencial para que o povo brasileiro fique sabendo o que todos os advogados sabem: que a terceirização aprovada por este Congresso Terceirizado às Multinacionais acarretará a redução dos brasileiros à condição de semi-escravos de seus patrões estrangeiros.

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

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