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Sócrates e os maus boieiros que querem reduzir a maioridade penal

Agenda 14/04/2015 às 06:15

A expansão da irracionalidade evangélica no Parlamento é o maior problema a ser enfrentado pelo Brasil.

Deputados evangélicos querem reduzir a maioridade penal. Se conseguirem, eles certamente tentarão legalizar a pena de morte. O próximo passo lógico dos mesmos será transformar a vida no privilégio dos “filhos de deus”, todos os outros (que eles chamam de “criaturas de deus”) poderão ser exterminados pelo Estado. É aí que o problema político começará a ficar difícil de resolver de maneira civilizada.

As primeiras vítimas do genocídio desejado ou planejado pelos deputados evangélicos serão os membros dos cultos africanos. Aterrorizados, eles apelarão para a piedade da maioria católica, cujos deputados e senadores ficarão tentados a propor o extermínio da minoria religiosa irritante e gananciosa que acredita em a missão de purificar o Brasil. A sanguinária tirania do templo poderá, então, acabar se voltando contra os próprios pastores. Tragados pelo virulento clima político criado por evangélicos no Parlamento, os frustrados tucanos tentarão aprovar o genocídio dos petistas e estes irão se defender nas ruas onde são muitos.

Nenhum país heterogêneo pode ser construído com purificações religiosas, limpezas étnicas ou genocídios políticos. Estamos condenados a viver todos juntos. Nenhum grupo político, social, religioso ou racial conseguirá exterminar o outro. Se tentar o resultado previsível será uma guerra civil em que todos perdem, inclusive os evangélicos que querem prender crianças e negar o direito à vida àqueles que eles julgam ser indesejáveis.

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No auge das perseguições impostas aos atenienses pelos 30 tiranos, Sócrates foi chamado á presença dos mesmos. Segundo Platão, o filósofo havia se recusou a participar da prisão de Leão de Salamina, um amigo dos democratas exilados. Xenofonte (Memoráveis) relata que:

“O que aconteceu   é que na época em que os Trinta condenavam à morte muitos dos homens da cidade, e não os menos importantes, e encorajavam muitos outros a agir de modo injusto, Sócrates observou que lhe parecia extraordinário que, se um boieiro deixasse enfraquecer e definhar os seus bois , pudesse não concordar que era um mau boieiro. Ora - continuava - mais extraordinário ainda lhe pareceria que, se um estadista deixasse enfraquecer e definhar os seus cidadãos não se envergonhasse nem se julgasse um mau estadista. ”  https://bdigital.sib.uc.pt/jspui/bitstream/123456789/16/3/memoraveis.pdf

Em razão desta e de outras supostas ofensas (que foram negadas por Xenofonte), Crítias e Cáricles aprovaram uma Lei proibindo o ensino da "arte de discursar". Foi com base nesta Lei que Sócrates acabou sendo condenado por perverter a educação dos jovens.

A “arte de discursar” é exatamente o que está faltando na Câmara dos Deputados. A irracionalidade evangélica, contudo, não adentrou no Parlamento por obra de uma tirania. Ela tem sido diariamente exercitada nos templos evangélicos e nos palanques jornalísticos, radiofônicos e televisivos ocupados por pastores e jornalistas comprometidos com a transformação do Direito Penal em tirania policialesca e teocrática. É impossível combater a expansão da irracionalidade religiosa e expandir a “arte de discursar” sem regular a mídia, sem reprimir economicamente o mau uso dos espaços públicos e publicados.

Sócrates foi condenado por uma Lei injusta aprovada por governantes injustos. Alguns deputados querem impor ao nosso país Leis igualmente injustas que resultarão em condenações inevitavelmente injustas. Se não forem detidos, os pastores evangélicos acabarão provocando uma matança semelhante àquela que foi imposta a Atenas por maus boieiros.

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

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