Resumo: Não obstante, a relevância do tema desdobra-se a partir do exame de que, apesar de estarmos vivendo em um Estado Democrático de Direito, escassos são os estudos existentes acerca da necessidade da efetivação do preceito constitucional, que atribui à educação a responsabilidade pela preparação para o exercício da cidadania, quiçá sobre a inserção de matérias de Direito para o seu aprimoramento. O presente trabalho lança reflexões sobre o papel da escola, do Direito e do Estado na vida do brasileiro, a partir de uma revisão bibliográfica e documental, utilizando-se o método indutivo, realçando a importância da socialização do saber jurídico para a formação de cidadãos participativos na sociedade brasileira, tornando cognoscíveis determinados direitos e deveres minimamente necessários à vivência dentro dos parâmetros da democracia. Dentro desta perspectiva de análise, foram elencadas experiências realizadas no Brasil por instituições diversas no âmbito da educação jurídica popular como um meio de demonstrar a contribuição desta proposta para o exercício da cidadania ativa. Almeja-se que os leitores repensem até que ponto a atual prática pedagógica conduz os educandos à construção e consolidação da consciência cidadã e democrática fundamental para o desenvolvimento de uma reconstrução social participativa, sedimentando as condições fundamentais a uma convivência social mais harmônica e mais solidária.
Palavras-chave: Cidadania ativa; Educação jurídica popular; Estado Democrático de Direito.
Sumário: Introdução. 1. Uma proposta diferenciada de socialização do saber jurídico. 1.1. A educação jurídica nas escolas: a formação do cidadão consciente e conhecedor de sua realidade. 1.2. Iniciativas governamentais e não governamentais na formação jurídica popular. 1.2.1. Projeto Justiça nas Escolas. 1.2.2. Projeto OAB Vai às Escolas. 1.2.3. ECA Vai à Escola: Educando para a Cidadania. 1.2.4. As Promotoras Legais Populares. 1.2.5. A capacitação jurídica de líderes comunitários. 1.2.6. Educação jurídica popular. 2. experiência da implementação da educação jurídica na escola. 3. Considerações finais.
INTRODUÇÃO
O conceito da cidadania é o ponto de partida para o desenvolvimento deste trabalho, haja vista que o cerne do estudo conduz, primordialmente, à perquirição acerca do seu exercício pró-ativo. Em seguida, realiza-se uma retomada histórica do processo de formação da cidadania, as lutas e conquistas do povo brasileiro ao longo dos diversos períodos políticos do nosso país. Na sequência, pautada em bases legais, pontua-se a necessária responsabilidade da educação pela formação cidadã, e, neste aspecto, discute-se a contribuição de matérias jurídicas para se atingir tal finalidade. Finalmente, definem-se os contornos para a socialização do saber jurídico nas instituições de ensino médio e fundamental como um meio de consolidação da consciência cidadã e, consequentemente, da participação social nos destinos do país.
Certo é que as instituições de ensino devem se responsabilizar pela educação que forma o brasileiro conhecedor dos seus deveres e direitos. Entretanto, o que se observa é que no Brasil, “a população está à margem do sistema estatal, invisível em razão do ineficaz e excludente modelo de sujeito de direitos, individual, universal e abstrato” (FEIX, 2004). Torna-se muito conveniente para o Estado pontuar as obrigações da população e adotar medidas sancionatórias a fim de efetivá-las. Mas, e os direitos? Será que o Estado também não deve se responsabilizar por compartilhá-lo junto à população?
Há de se ponderar a escassez de acervo bibliográfico acerca do tema aqui proposto, razão pela qual, tornou-se muito mais proveitoso para a discussão do tema propriamente dito, transportar as atuais experiências brasileiras de socialização do saber jurídico, ainda que em instituições diversas das de ensino formal. A partir de pesquisas em órgãos governamentais e não governamentais que aplicam a educação jurídica popular no Brasil, torna-se possível a análise dos reflexos positivos desta prática, bem como da sua influência na redução gradual e efetiva das discrepâncias sociais que limitam o desenvolvimento do país.
Destarte, as situações jurídicas intrínsecas à convivência humana justificam a qualificação dos direitos como fundamentais, os quais devem ser iguais para todos, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados (SILVA, 2006). Todavia, não basta apenas o cidadão brasileiro poder desfrutar de direitos, sem antes mesmo, compreender com clareza, quais os direitos estão sendo aplicados e por que estão sendo aplicados. Que os direitos existem, nisso a Constituição Brasileira é indubitável; que podemos pleiteiá-lo, nisso o Direito Processual é categórico. Mas, afinal, como torná-los cognoscíveis a toda a população?
1. UMA PROPOSTA DIFERENCIADA DE SOCIALIZAÇÃO DO SABER JURÍDICO
1.1. A EDUCAÇÃO JURÍDICA NAS ESCOLAS: A FORMAÇÃO DO CIDADÃO CONSCIENTE E CONHECEDOR DE SUA REALIDADE
A educação é essencial, à medida que o “homem adquire certos conhecimentos, se instrui, se educa, se modifica, vai além de si mesmo... o conhecimento intelectual é um pressuposto na formação do cidadão” (FERREIRA, 1993, p. 220). Esse é o papel do conhecimento: melhorar a vida do ser humano. Portanto, não há razão maior que justifique o compartilhamento do saber jurídico aos jovens para a sua vivência em sociedade. A escola precisa derrubar as barreiras que a separam da comunidade imediata e do mundo. Nesse sentido, o direito surge como instrumento essencial para esta logística de aprimoramento do saber imprescindível, dos conhecimentos significativos que norteiam as vidas em família e em sociedade. Assim, segundo João Silva (2010), no mundo globalizado, quanto mais pessoas tiverem acesso ao conhecimento, maiores serão suas capacidades de análise crítica e de fazerem valer seus direitos e o cumprimento de seus deveres, interferindo diretamente no mundo em que vivem.
Percebe-se que a grade curricular das escolas no Brasil, sejam elas públicas ou particulares, não contribui para a conscientização política do brasileiro, tampouco para a popularização dos direitos e deveres elencados pelo nosso ordenamento jurídico. Nessa esteira, Freire (2011, p. 01) destaca:
aprende-se nas escolas a língua portuguesa porque ela é necessária pra a comunicação, para o trabalho, para a identidade cultural. Aprendem-se conceitos elementares de matemática permitindo gerenciar as finanças pessoais, entender o sistema de preços da economia de mercado. Da mesma forma, a Geografia estuda as características dos lugares e a distribuição da população, dos fenômenos e dos acontecimentos que ocorrem na superfície da Terra, assim como a disciplina História mostra o nexo de causalidade entre os fatos históricos, ajudando a compreender o mundo, entendendo o desenvolvimento das sociedades e dos valores da humanidade.
As instituições de ensino em nosso país não desenvolvem a formação do estudante como conhecedor da realidade jurídico-política que inevitavelmente os espera. A relevância do ensino do direito aos cidadãos é indiscutível, tendo em vista as conseqüências sociais que enseja. Uma ordem jurídica somente é válida por suas realizações em termos de convívio humano, considerando-a positiva quando capaz de conduzir à justiça social. Fomentar a propagação do conhecimento jurídico essencial para as relações interpessoais da população é formar uma sociedade mais preparada para a vida. Afinal, o universo do direito é inescapável ao cotidiano de qualquer indivíduo, sendo imprescindível para o exercício da cidadania. E qual o objetivo da escola, senão formar cidadãos?
Todos sabem que a escola contribui para a socialização do educando. Ao compartilhar valores específicos do nosso país, compartilha também comportamentos, buscando a preparação do aluno para os desafios do mercado de trabalho. Portanto, é extremamente salutar que crianças e adolescentes, desde cedo, se habituem ao conhecimento dos direitos mais fundamentais do ser humano, dotando a população brasileira de certos saberes jurídicos necessários para o exercício consciente da cidadania. Refiro-me àqueles presentes no artigo 5° da nossa Constituição Federal, mas não só em relação a esses.
Acresço ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual não é apenas norma destinada a jovens que fogem dos padrões de conduta e cometem ato infracional. Não. Esse instrumento é norma protetiva, assegurador da dignidade daqueles que ainda não atingiram a maioridade, de fundamental importância para o universo dos jovens que se desenvolvem conscientes da sua realidade. Assim também o é com o Direito do Consumidor. Jovens também praticam atos de consumo, sendo, portanto, detentores de direitos e obrigações, os quais eles nem imaginam. A conscientização em relação ao Código de Defesa do Consumidor é inexistente no meio educacional. O problema se agrava ainda mais, quando jovens, pouco tempo depois, entram no mercado de trabalho, totalmente alheios em relação aos seus direitos trabalhistas. Acabam, muitas vezes, sendo explorados por seus patrões.
A educação para a cidadania não pode deixar que o jovem se feche num saber pautado em algumas noções que não têm utilidade prática para o universo que o espera. A população brasileira que assiste diariamente nos telejornais, às denúncias a respeito da política e economia poderia assumir um posicionamento muito mais consciente ao que costumeiramente exerce diante de tudo o que acontece ao seu redor. A proposta aqui é a inclusão de matérias jurídicas que fariam um apanhado geral e introdutório sobre os direitos de qualquer jovem, como os do consumidor, do trabalho, da criança e do adolescente, e, principalmente, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição. Contudo, durante a aplicação deste conteúdo não podemos admitir a prática educacional, denominada por Paulo Freire (1987) de “Educação Bancária”, em que os alunos são depósitos nos quais os professores vão despejando as informações que devem ser memorizadas e arquivadas. Como afirma Balestreri (1992, p. 11):
não se educa para a cidadania derramando retórica academicista – ainda que com pretensões a crítico-científica – sobre alunos objetos, passivos, despersonalizados, sem espaços para a liberdade, coletores de informações, repetidores de elaborações e análises alheias, alienados de qualquer auto-conceito. Se a oratória é unilateral, se os textos são direcionados e inquestionáveis, se o aprendizado foi reduzido a testes e provas, se a avaliação tornou-se apenas uma pobre medição de memória, não há ‘educação para a cidadania’. Não há sequer educação!
Segundo o supracitado autor (BALESTRERI, 1992, p. 11), “a cidadania precisa ser vivenciada em sala de aula por todo educador que se pretenda cidadão e que não queira estabelecer sua prática sobre bases esquizofrênicas”. A escola precisa ser um ambiente estimulante e acolhedor para todas as crianças e adolescentes independente de suas diferenças. Os professores devem incentivar e dar oportunidade para que todos os alunos se manifestem nas aulas, assumindo posicionamentos, de modo a evidenciar a cidadania já em sala de aula. Se os mestres deixassem de lado a pretensão e percebessem que podiam desempenhar o seu mais importante papel oportunizando aos educandos uma imersão crítica mais intensa na vida real, então, a vida real se lhe devolveria o “status” de melhor escola que a escola, de fonte mais segura para habilitar a competência, reflete o mencionado autor. A formação do educador tem grande importância, pois a sua postura frente ao mundo tem conseqüências neste processo de formação para a cidadania, para o ser cidadão. Talvez, assim, a escola pudesse dar uma efetiva contribuição para uma sociedade melhor.
Segundo Ferreira (1993, p. 221), “o conhecimento intelectual aparece como um suporte para a formação da cidadania, o instrumento básico para o salto qualitativo entre a consciência ingênua e a consciência crítica”. Assim, para poder falar em cidadania, o próprio professor precisa romper com sua leitura superficial da sociedade, mergulhando em um oceano de saberes, dentre os quais, o Direito merece destaque. Uma vez educando para a cidadania, é preciso capacitar os mestres, dotando-os de competência técnica suficiente para orientar os seus alunos. preparando-os, de fato, para a vida em sociedade. Assim, não podemos reduzir o aprendizado escolar a um saber específico, particular.
No Brasil, a leitura cruzada entre a educação, o ordenamento jurídico e as práticas e problemas sociais é ignorada, encerrando-se o aluno no mundo das ciências teóricas, pouco ou quase nunca utilizadas em seu cotidiano. O monopólio do saber jurídico acadêmico deve ceder espaço à prática pedagógica de contextualização sociojurídica. O planejamento e execução dos estudos escolares devem envolver a comunidade, articulando-os com as necessidades do grupo social, de modo a beneficiá-lo. É preciso haver um diálogo entre o conhecimento científico transmitido nas escolas e a rotina diária da população, de modo que o estudante que apreende o direito esteja existencial, ética e socialmente comprometido com a sua realidade.
A nossa meta deve ser a criação de uma cultura jurídica nas escolas que leve os cidadãos a sentirem-se mais próximos da justiça. Nas palavras de Boaventura de Sousa Santos (2007, p. 86), “não haverá justiça mais próxima dos cidadãos, se os cidadãos não se sentirem mais próximos da justiça”. Em Portugal, por exemplo, exemplifica o autor (SANTOS, 2007), fez-se uma grande reforma no sentido de criar penas substitutivas de prisão por trabalho a favor da comunidade para evitar o congestionamento das prisões, para evitar que delinqüentes primários fossem para um ambiente criminogênico. Foi feita uma avaliação e foi possível verificar, segundo o mesmo, que eram muito pouco os processos em que tinha sido aplicada a sanção de trabalho a favor da comunidade. Por que é que os juízes não aplicavam a medida? Porque não está na sua cultura não punir, não mandar para a prisão, porque aplicar uma medida alternativa é muito mais complicado, dá muito mais trabalho e, provavelmente, não contará na sua avaliação de desempenho. É que o juiz para aplicar a sanção de trabalho a favor da comunidade tem que telefonar, tem que se articular com outras organizações da comunidade. E, conclui o autor, o sistema judiciário não está habituado a falar com outras instituições.
As dificuldades encontradas para revolucionar a cultura de cidadania do nosso país têm origem histórica. Segundo Andrade (1993), durante séculos o conhecimento jurídico tinha forte apelo religioso. Em sociedades antigas cabia apenas ao alto sacerdote o conhecimento e, portanto, a interpretação do Direito, relata a referida autora. Hoje em dia, mesmo sem o seu caráter divinizado, o Direito ainda é visto como inatingível aos cidadãos comuns. Falta a consciência de que os direitos assegurados pelo ordenamento jurídico não dizem respeito apenas aos estudantes e bacharéis em direito, mas a todos indistintamente. Temos, portanto, um problema. Como se luta por algum direito se este é desconhecido pelos seus próprios destinatários? Estes devem esperar que outros lutem pelos seus direitos, em uma relação paternalista?
Segundo entendimento de Pinsky (1998), o conhecimento do direito é fator decisivo da vida coletiva democrática, do desenvolvimento de uma política forte e densa de acesso ao direito e à justiça e, consequentemente, ao exercício da cidadania. É preciso que cidadãos se capacitem juridicamente, porque o direito, apesar de ser universal, é manejado e apresentado na sociedade através de uma linguagem jurídico-técnica muito rebuscada para o cidadão comum. Afinal, se o pressuposto da existência de leis é o de que elas sejam aplicadas, pensar em leis que “não pegam” é tão sem sentido quanto imaginar automóveis fabricados para ficarem parados, lojas montadas para nunca abrirem, ou escolas criadas para não oferecerem ensino, como bem exemplificou o autor. Assim como o automóvel necessita de um motorista habilitado, a loja demanda um administrador e a escola um professor, a lei, para ser colocada em funcionamento, precisa de pessoas habilitadas e interessadas em seu cumprimento.
A mudança de atitude das pessoas com relação à escola, baseada num sentimento de responsabilidade mútua, seria o ponto de partida para uma importante virada. Afinal de contas, cidadania, dentre muitas outras coisas, é participação, é ter direito e obrigações, e, ao contrário do que muitos pensam, se aprende na escola ou, ao menos, é assim que deve ser. A fim de possibilitar o progresso humano no Brasil, a prática pedagógica precisa ser intercultural, interdisciplinar e profundamente imbuída da idéia de responsabilidade cidadã. Mas, como formar cidadãos na realidade de hoje, com o ensino brasileiro na condição em que se encontra?
A revolução democrática do ensino jurídico que aqui propus é uma tarefa muito exigente, tão exigente quanto esta idéia simples e ao mesmo tempo revolucionária proposta por Santos (2007, p. 25): “sem direitos de cidadania efetivos e difundidos a democracia é uma ditadura mal disfarçada”. Se a consciência cidadã é realmente importante para uma escola, os alunos precisam estabelecer, a partir de possibilidades que essa mesma escola apresente, qualquer vínculo direto com o Direito. Como bem pontuou o autor supra, numa sociedade democrática a administração da Justiça será tanto mais legitimada pelos cidadãos quanto mais conhecida e reconhecida for por eles. Além de incluir determinadas matérias jurídicas na grade de disciplinas das instituições de ensino fundamental e médio, fomentar programas de cunho pedagógico, debates sobre temas jurídicos importantes para a sociedade e diálogos entre os órgãos da Justiça e os vários atores sociais, implica em potencializar a consciência cidadã.
Na forma do disposto no art. 1º, § 2º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96: "A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social". Torna-se necessário um restabelecimento do projeto pedagógico do nosso país para que se possa começar a pensar numa escola de e para cidadãos. Uma escola em que o aluno receba uma educação que, de fato, seja a síntese entre o patrimônio cultural da humanidade, no seu sentido mais amplo, e a realidade cotidiana que os espera; em que o professor tenha condições de tratar os alunos como seres únicos, mas não descaracterizados, realizando junto com ele, a construção do saber. A transformação passa também pelos professores, vez que determinadas matérias jurídicas não fizeram parte do seu organograma curricular acadêmico.
Jogados diante dos alunos, muitos professores não conseguem construir o conhecimento junto com o aluno e acabam por despejar o saber pronto e acabado, como bem pontua Freire (1986). Precisamos de mestres bem formados, motivados, adequadamente remunerados e com possibilidades de se aperfeiçoarem periodicamente. Informa Rocha Sobrinho (2010) que quando as escolas públicas atendiam a elite e a classe média, professores ganhavam muito mais; os antigos colégios do Estado estavam entre os melhores e mais disputados e tinham nos seus quadros mestres dedicados que conheciam todos os alunos, com quem conviviam anos a fio. Com a democratização da educação, continua o autor, os governantes não mais acharam necessário remunerar decentemente o professor, pois as escolas passaram a atender o povo. Na verdade, o que se percebe é que os governantes não demonstram nenhum interesse em relação à conscientização popular dos saberes científicos, tampouco dos direitos constitucionalmente assegurados à população brasileira. No nosso país parece que a ignorância é lucrativa para um pequeno e seleto grupo.
A educação exige a participação de todos. A mudança é possível desde que se convoquem a sociedade, professores, pais e alunos para participar efetivamente e não simplesmente para executar decisões tomadas em gabinetes, distantes das salas de aula. Educar para o reconhecimento dessa condição de sujeito de direitos e deveres, que carregamos dentro de nós, independente da raça, religião ou orientação sexual de cada um. Não podemos permitir a descrença no papel do Direito para a construção da democracia e da pacificação social. Ao Estado cabe, dentro do possível, fazer com que todos os cidadãos tenham as mesmas oportunidades. Uma política de adensamento da cidadania, pela via democrática e do acesso ao direito e à justiça, tem que se dirigir a um conjunto vasto de injustiças que ocorreram na sociedade. Tornar obrigatória a inserção de matérias jurídicas no ensino médio e fundamental seria interessante para a melhor formação do cidadão. Afinal, se nenhum cidadão pode alegar o desconhecimento das leis como álibi ao seu descumprimento, é necessário que elas sejam do conhecimento de todos e nada melhor que começar sua divulgação desde a adolescência. Quanto mais pessoas conhecerem sobre seus direitos e obrigações, melhor será a nossa convivência em sociedade e melhor será a prestação de serviços por parte do Estado, já que terá um público mais exigente.
Aqui explano uma proposta diferenciada de educação para a cidadania, muito mais próxima da realidade que espera os estudantes do ensino médio e fundamental, que, ao sair da escola, se depararão com diversas situações que envolvem os direitos e deveres de cada um. Assim, não podemos cumprir regras ou lutar por algo que ignoramos. Minimamente precisamos conhecer o Direito da Criança e do Adolescente, do Consumidor, do Trabalho e a nossa Carta Magna. Todo esse elenco precisa ser considerado quando se enfoca a formação do cidadão, aquele que precisa aprender a difícil arte de viver no espaço público atuando como protagonista e não como um mero espectador.
“Educar nessa direção é compreender que direitos humanos e cidadania significam prática de vida em todas as instâncias de convívio social dos indivíduos”, esclarece Silva (2001, p. 01). É decifrar cada brasileiro como um agente de transformação. É desenvolver a formação de hábitos, com base nos valores da pacificação, da solidariedade, da justiça e do respeito mútuo, em todos os níveis e modalidades de ensino. Educar para cidadania é educar às nossas crianças e jovens não apenas ensinando-os a ler e a escrever, mas direcionando-os a olhar o mundo a partir de novas perspectivas, viabilizando, assim, a formação do cidadão completo, humanista e transformador.
Educar cada um para a crença no próprio potencial, como agente de transformação qualitativa da própria vida e do mundo onde está inserido. Educar para a luta contra toda a estrutura que negue a quem quer que seja o direito de ser cidadão. Enquanto houver na terra um só sem posse plena desse “status”, os demais só se justificam pela luta. O Estado deve se responsabilizar pela geração de uma juventude mais sadia, mais plena, detentora de ideais sólidos. Não é tarefa tão difícil. Basta o conhecimento, um pouco de ousadia e muita consciência de cidadania.
1.2. INICIATIVAS GOVERNAMENTAIS E NÃO GOVERNAMENTAIS NA FORMAÇÃO JURÍDICA POPULAR
Observamos hoje a existência de inúmeras experiências construindo uma nova possibilidade de formação cidadã. Apesar destas práticas não defenderem a implementação da educação jurídica nas escolas, são iniciativas de grande valia para a sociedade, as quais demonstram a necessidade de se tornar obrigatória a socialização do saber jurídico a todo e qualquer brasileiro como forma de se obter um grande avanço cultural da população, observando, assim, o exercício efetivo da cidadania.
A capacitação jurídica como forma de colaborar para a pacificação social torna-se possível a partir do momento que a população percebe que poderia manusear o direito e dele obter benefícios não só para si, mas para a coletividade. Segundo Boaventura de Souza Santos (2007, p. 30), penetra-se, deste modo, no:
campo dos cidadãos que tomaram consciência de que os processos de mudança constitucional lhes deram direitos significativos – direitos sociais e econômicos – e que, por isso, vêem no direito e nos tribunais um instrumento importante para fazer reivindicar os seus direitos e as suas justas aspirações a serem incluídos no contrato social. Porque o que eles vêem todos os dias é a exclusão social; é a precarização do trabalho; é a violência que lhes entra pela porta nos seus bairros. O que eles vêem todos os dias é o facismo social, criado por um sistema social muito injusto e muito iníquo que deixa os cidadãos mais vulneráveis, pretensamente autônomos, à mercê de violências, extremismos, e arbitrariedades por parte de agentes econômicos e sociais muito poderosos. Mas hoje esses cidadãos tem consciência de que tem direitos e de que esses direitos devem ser respeitados pela sociedade. Começaram a surgir processos judicias em que o MST saiu vencedor, e determinadas ocupações foram legalizadas. Esta circunstância ajudou a que germinasse a idéia de que afinal o direito é contraditório e pode ser utilizado pelas classes populares... E as classes populares que se tinham habituado a que a única forma de fazer vingar os seus interesses era pela ilegalidade, começaram a ver que, organizadamente, poderiam obter alguns resultados pela via da legalidade. E é a aí que os movimentos começam a utilizar o direito e os tribunais como arma.
Nesse sentido, destacam-se algumas experiências, apresentadas a seguir.
1.2.1. Projeto justiça nas escolas
Conforme observa-se no sítio eletrônico do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)1:
Com o objetivo de aproximar o Judiciário e as instituições de ensino do país no combate e na prevenção dos problemas que afetam crianças e adolescentes, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) coordena o Justiça nas Escolas em parceria com as Coordenadorias de Infância e Juventude dos Tribunais de Justiça de todo o país, associações de magistrados e órgãos ligados à educação,
O programa tem como proposta o debate de temas como combate às drogas, bullying, violência nas escolas, evasão escolar, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e cidadania, com a participação de juízes, professores, educadores, técnicos em psicologia e serviço social, alunos e pais e demais interessados. Busca-se, conforme se observa em sua página eletrônica, por meio dessas discussões, estimular o trabalho articulado entre as instituições de Justiça e de Educação.
Destaca-se ainda neste projeto, a importância de se estabelecer um ambiente harmonioso nas escolas para promover a educação, através, por exemplo, da Justiça Restaurativa – que é um método de solução de conflitos que conta com a participação não apenas dos envolvidos, mas da comunidade e demais interessados na questão, como colegas de classe, professores e diretores, como instrumento de pacificação nas escolas.
1.2.2. Projeto OAB vai às escolas
“OAB Vai à Escola” é um projeto que objetiva explicitar, através de palestras e debates, noções jurídicas que envolvem direitos básicos e garantias fundamentais sobre diversos temas, tendo como material didático uma cartilha. Ressalve-se a obrigatoriedade do artigo 5º, da Constituição Federal em todas as palestras e temas que constam nas cartilhas. Esta ação conta com o empenho e união dos participantes para aumentar a conscientização da população e com isso transformar a vida das pessoas nas comunidades, possibilitando a transformação social diretamente com a juventude, que por meio das palestras conhecem os seus direitos e deveres.
O convênio que originou o projeto "OAB vai à Escola", conforme endereço eletrônico2, foi assinado no dia 18 de julho de 2008 entre a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia e a Secretaria Estadual de Educação. De acordo com o protocolo, a OAB-BA indicará advogados para ministrar palestras aos estudantes, em salas de aulas de diversos estabelecimentos de ensino objetivando demonstrar a importância dos direitos e deveres do cidadão aos milhares de jovens do Ensino Médio da Rede Estadual. O projeto viabiliza a distribuição de cartilha que aborda temas como o meio ambiente, patrimônio público, direitos fundamentais, Estatuto da Criança e do Adolescente, direito do idoso, direito de família, direito penal, entre outros, com o objetivo de levar aos jovens o conhecimento dos direitos e deveres estabelecidos no país.
Após mais de um ano do seu lançamento, a cartilha já foi distribuída para mais de 1.000 estudantes, 800 educadores e centenas de advogados e profissionais da área de educação para cidadania. Segundo Dr. Michel da Silva Alves, presidente da Comissão de Cidadania e Ação Social e conselheiro da OAB-SP3:
O projeto foi inspirado na certeza de que o exercício consciente da cidadania pelos brasileiros é um antídoto eficaz e de caráter permanente contra a cruel relação existente entre a classe dominante e o povo [...] Não basta ter "uma gente brasileira", é preciso ter "um povo brasileiro"!
1.2.3. ECA 4 vai à escola: educando para a cidadania
Segundo sítio eletrônico da Universidade Federal de Minas Gerais5:
O projeto “ECA Vai à Escola” nasceu de um diagnóstico dos Conselhos Tutelares, realizado pelo ICA, que apontou para a existência de uma relação conflituosa entre estes e as Escolas na implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Na opinião dos conselheiros, de uma maneira geral, ocorria por parte dos professores não só o desconhecimento sobre o Estatuto, mas também uma resistência à sua aplicação, gerada, entre outros motivos, pelo entendimento de que esse ameaçava a sua autoridade. Por outro lado, observava-se também a falta de uma maior preparação e discernimento por parte dos Conselheiros Tutelares para desempenhar suas funções adequadamente junto à escola.
Ponderando os motivos acima expostos, o Conselho Técnico do ICA6 resolveu confeccionar um projeto com o objetivo de difundir o ECA nas escolas, trabalhando os cinco direitos fundamentais, postulados na lei, relacionados à noção de dever, junto aos vários segmentos: professores, alunos, funcionários e famílias, visando à formação de uma cultura cidadã. Tomando como pressuposto que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e, portanto, capazes de elaborar seu próprio conhecimento, tal projeto considerou necessário relevar as significações pessoais que os alunos constroem sobre suas vivências de direitos e deveres, elaboradas nas diversas relações que estabelecem com familiares, na sociedade e no próprio ambiente escolar, para, então, criar e recriar procedimentos pedagógicos, através das oficinas, que tornasse possível a reflexão dessa experiência, desencadeando em novos processos de aprendizagem ético-moral.
Vale salientar a demonstração de que as instituições de ensino em nosso país não colaboram com a educação para a cidadania, defendida em nossa Carta Magna, tanto que, a título de exemplo, este projeto, não surgiu de uma demanda da própria Escola e sim de ser uma proposta do ICA/PROEX/ PUC Minas7 com o objetivo de difundir o conhecimento da lei, como informa o endereço eletrônico8. Assim, segundo informações elencadas nesse site, possibilitou-se um processo de aprendizagem da lei abrangendo diferentes segmentos da Escola: professores, alunos, funcionários, famílias; além de produzir metodologias relativas à aprendizagem de valores que fundamentam a concepção da criança e do adolescente como sujeitos de direitos
A partir da percepção sobre o conteúdo da lei, as crianças se expressam, refletem e dialogam com colegas sobre valores, princípios éticos e morais que formam a consciência sobre direitos e deveres humanos; a forma de exporem suas vivências de respeito e desrespeito à lei. Observe-se que o projeto torna possível ainda a perquirição acerca da importância da cooperação entre eles para um melhor enfrentamento dos problemas vivenciados por todos nas suas atividades cotidianas. Segundo pesquisa extraída do endereço eletrônico, que teve como ponto de partida a análise de questionários aplicados a todos os segmentos:
A superação do desconhecimento da Lei, por parte deles, teve como conseqüência: a identificação das possibilidades e limites da Lei; o esclarecimento sobre o papel do Conselho Tutelar; a identificação do lugar da Escola no texto da Lei; o conhecimento dos direitos das crianças e adolescentes em relação à Escola; o esclarecimento a respeito do papel/dever da família, da comunidade, da Escola e do Estado para com as crianças e adolescentes. Avaliaram positivamente as oficinas: afirmaram a importância de conhecer a Lei para sua vida pessoal e profissional. Entendimento do papel do Conselho Tutelar. Crianças: após a realização das oficinas, de maneira geral, observou-se que boa parte das crianças compreenderam o significado do ECA, assimilando e/ou ampliando noções de direito, de respeito e de dever/obrigações. (p. 05)
1.2.4. As promotoras legais populares
Em observância ao sítio eletrônico9 do projeto Promotoras Legais Populares, verificamos que o mesmo nasceu de um esforço conjunto do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública (IBAP), da União de Mulheres de São Paulo e do Movimento do Ministério Público Democrático, para desenvolver a cidadania e a igualdade de direitos.
Na defesa da valorização da figura feminina, em seu aspecto humano, social, econômico e político, tão importante quanto à do homem, e buscando realizar a cidadania na prática, a denominação Promotoras Legais Populares é utilizada em diversos países e significa mulheres que trabalham a favor dos segmentos populares com legitimidade e justiça no combate diário à discriminação, conforme leitura do sitio eletrônico acima exposto. Assim, as promotoras orientam, aconselham e promovem a função instrumental do Direito na vida cotidiana das mulheres. Segundo relato da União de Mulheres de São Paulo – SP, extraído de dito eletrônico10:
Gostamos da proposta. Isto porque, nós militantes do movimento de mulheres, já tínhamos participado das lutas por conquistas de leis, particularmente no processo constituinte. Chegava, então, o momento de promover o conhecimento das leis e dos mecanismos jurídicos possíveis de acessar e viabilizar.
Boaventura de Sousa Santos (2007) informa que o programa teve a primeira experiência na cidade de Porto Alegre, seguida de outras cidades no Estado de São Paulo, como Taubaté, São José dos Campos e São Paulo. A metodologia consiste em socializar, articular e capacitar mulheres nas áreas de direito, da justiça e nomeadamente no combate à discriminação de gênero. Para tanto, segundo o autor (2007, p. 49), são organizados cursos que orientam as mulheres participantes a:
1 conhecer os direitos que têm assegurados juridicamente, 2 e reconhecer as situações em que ocorrem as violações desses direitos e quais os mecanismos disponíveis para pleitear sua reparação”. Os conteúdos dos cursos incluem a introdução ao estudo do Direito, o conhecimento e normas e politicas de direitos humanos, do sistema de proteção internacional, do direito constitucional, dos direitos reprodutivos, aborto e saúde, dos direitos de família, trabalhista, previdenciário, penal, e, ainda, dos direitos contra a discriminação racial e do consumidor. Outros temas podem ser sugeridos pelas participantes.
O programa inclui ainda visitações as instituições relacionadas com a justiça, como os tribunais, juizados, fóruns, etc. Segundo Santos (2007), a principal característica dessa iniciativa é a ênfase que dá à questão de gênero, ao direito das mulheres, partindo do pressuposto que o conhecimento da lei e dos mecanismos que orientam a atuação do judiciário possibilita às mulheres lutar contra uma situação de desvantagem inicial diante de instâncias públicas e privadas que tendem a oferecer tratamento desigual a homens e as mulheres. É a socialização do saber jurídico contribuindo para a cidadania, pois na medida em que as mulheres tomam conhecimento dos seus direitos e sabem a quem apelar, ficam menos suscetíveis à violência e à discriminação. O objetivo principal, conforme leitura da obra do autor supra, é que as participantes, ao fim do curso, estejam preparadas para orientar outras pessoas, em especial, outras mulheres.
1.2.5. A capacitação jurídica de líderes comunitários
Existem alguns programas governamentais e não governamentais com a finalidade de preparar os integrantes da comunidade como mediadores na solução dos conflitos locais. Os tribunais de justiça estaduais no Brasil capacitam os membros das localidades mais pobres a prestar orientação jurídica e dar solução a problemas que não poderiam ser solucionados devidamente no judiciário, ora porque não se adequam às exigências formais, ora porque na justiça oficial não obteriam uma resposta imediata, discorre Boaventura de Souza Santos (2007). Os agentes comunitários se utilizam da mediação como meio de solução de conflitos. A formação do agente comunitário é contínua, conjugando um período de formação teórica inicial com a prática dos casos que aparecem no cotidiano.
No campo das iniciativas governamentais, por exemplo, temos o trabalho que a juíza Glaucia Falsarella Foley, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, vem fazendo através do programa “Justiça Comunitária”, o qual, segundo Boaventura Santos (2007), é extraordinário. Este programa, relata o referido autor, conta com dois escritórios, nas cidades satélites de Ceilândia e Taguatinga e 40 agentes comunitários; as estatísticas de quatro anos de execução do projeto indicam 11.136 pessoas atendidas diretamente; acrescentando, ainda, que, a partir da experiência do Distrito Federal, a iniciativa tem se estendido para outros Tribunais, como é o caso do programa de “Justiça Comunitária Itinerante”, levado a cabo pelo Tribunal de Justiça do Acre.
No âmbito das iniciativas não-governamentais de resolução de conflitos dirigidas para a capacitação de líderes comunitários e criação de escritórios populares de mediação, o mesmo autor citou a atividade da Organização Não Governamental Jus Populi Escritório de Direitos Humanos, na Bahia. Como se observa em seu sítio eletrônico11, fundada em 2001, em Salvador-BA, a missão desta ONG é contribuir para a efetivação dos direitos humanos e fortalecimento da cidadania, através da democratização do Direito e da promoção do acesso à Justiça. Dentre outros objetivos, observa-se:
Organizar e realizar cursos, seminários e outros eventos educativos sobre temas de direitos humanos e interesses sociais difusos e coletivos; prestar assessoramento a organismos públicos, organizações privadas, e entidades sociais que atuem na defesa dos direitos humanos e interesses difusos e coletivos; promover e assessorar a implantação de serviços de orientação jurídico-social em comunidades populares e acompanhar o seu desenvolvimento; realizar estudos e pesquisas sobre direitos humanos, interesses sociais difusos e coletivos, e formas de implementação desses direitos; editar resultados de pesquisas e outros documentos na sua área de atuação.
1.2.6. Educação jurídica popular
Como se observa em seu sítio eletrônico12, a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR), associação civil sem fins lucrativos e econômicos, reconhecida como de utilidade pública estadual pela lei n.º 7.289/98, tem como finalidade prestar assessoria jurídica popular às organizações e movimentos sociais no estado da Bahia, em especial aos movimentos do campo, e incidir na formação crítica e socialmente comprometida dos profissionais do Direito, fortalecendo duas dimensões presentes em sua atuação: uma dimensão associativa e outra de assessoria popular.
No campo da assessoria popular, a AATR atua através de quatro eixos: Educação Jurídica Popular, Políticas Públicas e Participação Popular, Reforma Agrária e Direitos Territoriais, Desenvolvimento, Trabalho e Justiça Ambiental. A linha de ação que aqui nos interessa é a formação e educação jurídica popular, a partir de quatro elementos estruturantes que permeiam transversalmente toda a atuação da AATR: classe, raça, gênero, etnia. Consoante constata-se no endereço eletrônico dessa associação13:
A Educação Jurídica constitui linha principal de atuação da AATR, tendo como referência básica a concepção do programa Juristas Leigos, partindo da perspectiva de que o Direito e a restrição de seu conhecimento constituem mecanismos efetivos do aparelho de repressão das elites dominantes e do próprio estado sobre os movimentos e classes populares. Assim, a educação jurídica busca promover o acesso a informações sobre direitos e estímulo à sua reflexão crítica, quebrando o monopólio acadêmico do conhecimento jurídico.
A AATR vem atuando através de ações de educação jurídica popular desde o ano de 1992, quando foi iniciado o curso Juristas Leigos, que busca a socialização e o “desencastelamento” do saber jurídico a partir dos marcos metodológicos da educação popular, auxiliando esses atores sociais a assumirem o protagonismo na construção de seus próprios direitos, difundindo, principalmente, noções fundamentais sobre o saber jurídico e que contribuam nas lutas dos movimentos populares do campo. Já foram realizadas e concluídas 24 turmas, abrangendo todo o Estado da Bahia. Observa-se que o curso é construído a partir de quatro pilares14:
1) A socialização do saber jurídico: mais do que oferecer informações sobre normas e leis como se tratassem de verdades incontestáveis, procuramos discutir o Direito de maneira crítica, refletindo a sua própria origem e seus fundamentos sociais, econômicos , políticos e culturais. 2) O desencastelamento do monopólio jurídico: “desencastelar” o saber jurídico significa retirá-lo do âmbito exclusivo das universidades e dos bacharéis em Direito, legitimando seu uso pelo cidadão comum. Significa também desmistificar a linguagem jurídica, tradicionalmente usada como mecanismo de distanciamento, poder e dominação. Assim, buscamos investir no Direito uma linguagem mais comum, simples, cotidiana, que possa ser apropriada pelos grupos populares e assim compreendida, refletida, questionada. 3) A formação política: a reflexão política sobre o Direito busca desmascarar a pretensa imparcialidade e “verdade” do Direito, destacando-o como espaço de disputa de interesses diversos, determinado por fatores históricos, sociais e culturais, que pode servir tanto quanto instrumento de manutenção das relações de dominação quanto instrumento das lutas emancipatórias; 4) A emancipação popular: a informação e a reflexão sobre o Direito torna-se uma possibilidade para que os movimentos e as comunidades possam, se assim quiserem, desenvolver as ações políticas e jurídicas necessárias à satisfação dos anseios, ao reconhecimento de novos pleitos (novos direitos) e à não aplicação de normas opressoras (direito de resistência).
A metodologia adotada nas atividades do Programa Juristas Leigos é denominada de “educação jurídica popular”, construída a partir da Educação Popular esboçada por Paulo Freire. Assim, o processo dialógico de construção do conhecimento, o cuidado com a linguagem, com a postura do monitor (nunca professor), o diálogo com o saber popular e com as experiências dos participantes são procedimentos cotidianos, e busca aliar esta concepção com a utilização de recursos técnico-pedagógicos como vídeos, músicas, teatro e dinâmicas. O material didático utilizado abranges matérias como a Teoria Geral do Estado/Teoria Geral do Direito, Direito Civil, Direito Penal, Direito Agrário, Direito Ambiental, Direito do Trabalho, Seguridade Social, Direito Étnico Cultural: Povos e Comunidades Tradicionais, Direito Eleitoral e participação política e Associativismo e Cooperativismo.