O duplo grau de jurisdição como princípio de índole processual. Considerações introdutórias.
O duplo grau de jurisdição, como princípio de direito processual, tem por escopo assegurar à parte ou interessado, a revisão do julgado que em seu desfavor foi proferido em grau inferior. É, no dizer de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery (1), um postulado de índole constitucional, consectário do devido processo legal, consistindo na possibilidade de impugnar-se a decisão judicial, que seria reexaminada pelo mesmo ou outro órgão de jurisdição. Pressupõe, assim, a prolação de um decisum que, desagradando ou desatendendo a qualquer das partes envolvidas, enseja a possibilidade de que venha a ser por ela requerida a reavaliação das questões debatidas com vista a obter eventualmente a correção da conclusão que reputa indesejada e contrária ao seu interesse.
A teoria geral dos recursos acolhe, todavia, não só o princípio do duplo grau de jurisdição como instrumento de regulamentação das diversas espécies recursais encontradas no direito processual. Adota, outrossim, diversos outros princípios que se apresentam como fundamentais à interposição, recepção, processamento e conhecimento dos recursos nas diversas áreas e ramos do direito.
A taxatividade, delimita as espécies recursais, informando quais são os recursos possíveis. A singularidade impõe o dever de que se compatibilize a espécie recursal utilizada ao tipo e natureza da decisão prolatada. A fungibilidade possibilita que se venha a admitir como adequado o recurso interposto com diversa denominação, embora revestido dos requisitos da espécie cabível e que, por decorrência de dúvida razoável, não foi corretamente interposta. A reformatio in pejus veda a prolação de decisão desfavorável ao interesse da parte recorrente, limitando a atuação da esfera ad quem que não pode agravar a situação daquele que interpôs o recurso.
Tais princípios visam, é certo, ordenar o processamento e orientar a apreciação pela instância ad quem de recursos que eventualmente venham a ser interpostos pelos interessados no curso do processo que lhes é respeitante, devendo, justamente por isso, estenderem-se a qualquer esfera onde se deva, por meio de processo regular, deliberar acerca de interesses de terceiros imputando-lhe responsabilidade ou absolvendo-o de qualquer cominação.
Não há, pois, como negar-se a aplicação de tais princípios fundamentais, consagrados na teoria geral dos recursos, às espécies que são previstas e adotadas na esfera dos Tribunais de Contas.
Pressupostos de admissibilidade
Necessário consignar, no entanto, que o processamento de cada uma das espécies recursais, vincula-se necessariamente à observância de determinados pressupostos de admissibilidade. Observar-se-á, pois, indispensavelmente, o cabimento da espécie recursal, a legitimidade, o interesse para recorrer, a tempestividade, assim como o pagamento das custas processuais respectivas, identificadas como preparo na via recursal.
Tais pressupostos são examinados a apriori, antes mesmo de que se avalie o mérito da pretensão deduzida em sede de recurso. Não preenchidas adequadamente, exsurge, em decorrência, a inviabilidade de conhecimento do recurso e avaliação do mérito da postulação que nele se achava contida.
Ao interessado não é dado, pois, no contexto ora examinado, olvidar tais aspectos e deixar de realizar prévia verificação de que os pressupostos de admissibilidade alusivos à espécie recursal interposta foram atendidos, pena de ver precluso o seu direito.
O sistema recursal no âmbito do Tribunal de Contas da União
A Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992) reserva, a partir do seu art. 31, um conjunto de dispositivos que visam a regular, na esfera dessa Corte, os recursos que podem ser interpostos pelo interessado com o escopo de alcançar a reavaliação de decisões por ela prolatadas.
Dá início ao disciplinamento do tema, explicitando que "em todas as etapas do processo de julgamento de contas será assegurado ao responsável ou interessado ampla defesa" (art. 31), indicando, a seguir, as espécies recursais de que se pode valer a parte ou interessado para o efeito de requerer o reexame de decisões que lhe digam respeito.
Ao regular o assunto, consigna que de decisão proferida em processo de tomada ou de prestação de contas, cabem recursos de reconsideração, embargos de declaração ou de revisão (art. 32), impondo-se, em relação a todos eles, o respeito aos pressupostos básicos de conhecimento. Há, outrossim, determinação expressa quanto àquele que se refere à tempestividade da interposição, a respeito do qual se determina que "não se conhecerá de recurso interposto fora do prazo, salvo em razão da superveniência de fatos novos na forma prevista no regimento interno" (art. 32, parágrafo único).
Das espécies recursais e de seu cabimento
A Lei Orgânica do TCU, conforme anteriormente visto, contempla três espécies recursais, visando a assegurar a ampliação do direito de defesa. O recurso de reconsideração, os embargos de declaração e o recurso de revisão, cada um deles com hipóteses de cabimento delimitada pela própria norma e com efeitos – devolutivo e suspensivo - nela previstos.
Ao referir-se ao recurso de reconsideração em seu art. 33, estabelece, de início, que terá efeito suspensivo, devendo ser dirigido e apreciado por quem houver proferido a decisão recorrida, na forma estabelecida no regimento interno. Esclarece, outrossim, que deverá ser formulado por escrito e poderá ser deduzido uma só vez, pelo responsável ou interessado, ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal. O prazo para a interposição desse recurso é de quinze (15) dias, contados na forma prevista no art. 30 (2) da Lei Orgânica.
Os embargos de declaração, como ordinariamente são previstos na lei processual civil, cabem nesse âmbito para permitir a correção de obscuridade, omissão ou contradição da decisão recorrida (art. 34).
O prazo de interposição que em lei se prevê é de dez (10) dias, devendo ser deduzidos por escrito. Tanto podem ser opostos pelo interessado, como pelo Ministério Público junto ao Tribunal (art. 34, § 1°). Defere a lei a essa espécie recursal o efeito suspensivo tanto em relação ao cumprimento da decisão atacada, quanto em relação ao prazo para a interposição de outros recursos eventualmente cabíveis na situação examinada.
O recurso de revisão, destina-se a atacar decisão definitiva (3) e deve ser dirigido ao Plenário da Corte, não detendo efeito suspensivo (art. 35). A sua interposição, pelo interessado ou por membro do Ministério Público junto ao TCU, dar-se-á por escrito, por uma só vez, observando-se, para esse fim e efeito o prazo de cinco (5) anos. As matérias que por meio dele podem ser debatidas são: I - em erro de cálculo nas contas; II - em falsidade ou insuficiência de documentos em que se tenha fundamentado a decisão recorrida; III - na superveniência de documentos novos com eficácia sobre a prova produzida.
Ainda cuidando do recurso de revisão, estatui a norma em comento que da decisão que der provimento a recurso de revisão ensejará a correção de todo e qualquer erro ou engano apurado (art. 35, parágrafo único).
Estas são, pois, as espécies recursais que a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União individualiza, em um primeiro momento, em seção específica, onde concentra a regulamentação que a elas é aplicável. Mas não se esgotam nelas os recursos previstos na aludida norma, como se perceberá a seguir.
Do Pedido de Reexame
Em capítulo voltado a regular o exercício da fiscalização a cargo do Tribunal, inscreve a Lei Orgânica mais uma espécie recursal a ser utilizada em situações específicas. Trata-se do pedido de reexame, regulado no art. 48 da norma em referência.
Tem cabimento esse recurso quando se pretender atacar decisões relacionadas a atos sujeitos a registro (4) perante aquela Corte de Contas, assim como quando se referirem à fiscalização de atos e contratos (5).
A esse recurso se confere efeito suspensivo, recomendando seja processado conforme as regras fixadas para o recurso de reconsideração (art. 33). Deve, portanto, ser interposto por escrito no prazo de quinze (15) dias, pelo interessado ou membro do Ministério Público.
É, portanto, mais uma hipótese de recurso que cabe na esfera da Colenda Corte de Contas, embora, de forma pouco didática, esteja regulado em capítulo e seção diversos daquele destinado à regulamentação das espécies recursais anteriormente examinadas.
RECURSOS CABÍVEIS PERANTE O TCU
Recurso de Reconsideração
15 dias – art. 33
Embargos de Declaração
10 dias – art. 34
Recurso de Revisão
5 anos – art. 35
Pedido de Reexame
15 dias – art. 48
Notas
01. "Código de Processo Civil Comentado" – 3ª ed. – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997 – p. 712.
02. "Art. 30. Os prazos referidos nesta lei contam-se da data: I - do recebimento pelo responsável ou interessado: a) da citação ou da comunicação de audiência; b) da comunicação de rejeição dos fundamentos da defesa ou das razões de justificativa; c) da comunicação de diligência; d) da notificação; II - da publicação de edital no Diário Oficial da União, quando, nos casos indicados no inciso anterior, o responsável ou interessado não for localizado; III - nos demais casos, salvo disposição legal expressa em contrário, da publicação da decisão ou do acórdão no Diário Oficial da União."
03. "Art. 10. A decisão em processo de tomada ou prestação de contas pode ser preliminar, definitiva ou terminativa. (...) § 2° Definitiva é a decisão pela qual o Tribunal julga as contas regulares, regulares com ressalva, ou irregulares."
04. "Art. 39. De conformidade com o preceituado nos arts. 5°, inciso XXIV, 71, incisos II e III, 73 in fine, 74, § 2°, 96, inciso I, alínea a, 97, 39, §§ 1° e 2° e 40, § 4°, da Constituição Federal, o Tribunal apreciará, para fins de registro ou reexame, os atos de: I - admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público, executadas as nomeações para cargo de provimento em comissão; II - concessão inicial de aposentadoria, reformas e pensões, bem como de melhorias posteriores que tenham alterado o fundamento legal do respectivo concessório inicial."
05. "Art. 41. Para assegurar a eficácia do controle e para instruir o julgamento das contas, o Tribunal efetuará a fiscalização dos atos de que resulte receita ou despesa, praticados pelos responsáveis sujeitos à sua jurisdição, competindo-lhe, para tanto, em especial: I - acompanhar, pela publicação no Diário Oficial da União, ou por outro meio estabelecido no regimento interno: a) a lei relativa ao plano plurianual, a lei de diretrizes orçamentárias, a lei orçamentária anual e a abertura de créditos adicionais; b) os editais de licitação, os contratos, inclusive administrativos, e os convênios, acordos, ajustes ou outros instrumentos congêneres, bem como os atos referidos no art. 38 desta lei; II - realizar, por iniciativa própria, na forma estabelecida no regimento interno, inspeções e auditorias de mesma natureza que as previstas no inciso I do art. 38 desta lei; III - fiscalizar, na forma estabelecida no regimento interno, as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo; IV - fiscalizar, na forma estabelecida no regimento interno, a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município."