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O Código de Defesa do Consumidor e os serviços públicos:

a defesa dos usuários de serviço público

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Agenda 01/03/2003 às 00:00

5. A LEI DE DEFESA DOS USUÁRIOS DE SERVIÇOS PÚBLICOS

A modificação do Estado, abandonando a função de provedor e assumindo a de fiscalizador e regulamentador, passou para a iniciativa privada a prestação de alguns serviços, exigindo que fosse vista com acuidade as relações envolvendo os usuários e os prestadores desses serviços, visto ser aquele figura central das relações que o envolvem. Neste estudo foi reconhecida a vulnerabilidade dos usuários.

O serviço público existe para satisfazer as necessidades da coletividade, visando sempre o interesse público. Portanto, no momento em que a Administração Pública deixa de prestá-los diretamente, transferindo essa função para empresas privadas, mais do que nunca faz-se necessária a criação de mecanismos protetivos para a defesa dos usuários desses serviços, resguardando os princípios constitucionais que regem a prestação dos serviços públicos. O serviço continua a ser público, as normas que se destinam a disciplinar as relações entre usuário e prestador de serviços são de ordem pública, portanto, inderrogáveis. Nessa nova concepção quanto à prestação dos serviços públicos, a participação dos usuários deverá ser muito mais efetiva, exercendo a cidadania participativa, exigindo do Poder Público cumprimento das suas funções.

Assim, em vista dessas transformações ocorridas, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional nº 19, no dia 04 de julho de 1998, trazendo várias modificações referentes à Administração Pública, entre elas, instituiu o principio da eficiência e a exigência da elaboração de lei de defesa do usuário de serviço público no prazo de 120 dias da data da promulgação desta Emenda.

Seguindo orientação da Emenda, o extinto Ministério da Reforma Administrativa - MARE, encarregou uma comissão de juristas para elaborar o anteprojeto disciplinado sobre a participação e defesa do usuário dos serviços públicos.

O citado anteprojeto encontra-se atualmente em tramitação no Congresso Nacional e, entre as várias disposições tratadas, far-se-á referência somente a algumas.

A lei visa à regulamentação da participação dos usuários no planejamento, execução e fiscalização dos serviços.

Estabelece a participação das pessoas de direito público e de direito privado para assegurar os meios necessários ao exercício da participação dos usuários, e os meios através dos quais será exercida essa participação. Além disso, admite a possibilidade do exercício dessa participação através de entidades de usuários constituídas há mais de dois anos.

Disciplina quais são os Direitos e Deveres dos Usuários e a aplicação subsidiária do Código do Consumidor, especialmente quanto aos direitos básicos do consumidor, da proteção ao consumidor e reparação dos danos, da responsabilidade do fornecedor de serviços, das práticas comerciais e cláusulas contratuais abusivas. Prevendo que a responsabilidade dos prestadores de serviços públicos é objetiva.

O anteprojeto prevê ainda a criação do Conselho Nacional de Serviço Público, um órgão apenas consultivo, com a finalidade de formular e fiscalizar as políticas gerais e setoriais de prestação dos serviços públicos.

Prevê também a criação da Ouvidoria de Defesa do Usuário de Serviço Público, subordinada ao Conselho Nacional de Serviço Público, sendo que o ouvidor será nomeado pelo Presidente da República, após argüição e aprovação pelo Senado Federal.

Ao analisar o anteprojeto verifica-se que não trouxe grandes novidades, mas inserido nos seus dispositivos há previsões contidas no Código do Consumidor, na Lei das Concessões, a Lei de Defesa dos Usuários do Serviço Público do Estado de São Paulo nº 10.294 de 20 de março de 1999, bem como nas leis que criaram as agências reguladoras de energia elétrica, de telecomunicações e de petróleo.

No que se refere ao Conselho Nacional de Serviço Público, poderiam ter ampliadas as funções deste, independente do Poder Executivo, não sendo apenas um órgão consultivo.

Quanto à Ouvidoria, esta será um órgão político e subordinado ao Poder Executivo, haja vista que competirá ao Presidente da República a nomeação do Ouvidor, tal qual ocorre atualmente nas agências reguladoras, o que de certa forma já limita a atuação do Ouvidor.

Assim, diante da realidade dos serviços públicos privatizados no Brasil, a sociedade não consegue ser otimista. O povo brasileiro não acredita que mais uma lei possa realmente melhorar a qualidade dos serviços públicos prestados por concessionários privados. Propõe os formadores de opinião e os operadores do direito, a efetiva participação dos usuários e a atuação das agencias reguladoras de forma objetiva, sem paternalismo e sem proteção política, pois a sociedade não deseja, que por incúria do Poder Público, materialize-se em um futuro muito próximo a profecia que Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Plínio Branco e tantos outros fizeram na década de 40, quando afirmavam que a regulamentação e a fiscalização dos serviços concedidos no Brasil era apenas burocrática, restando tão somente a encampação ou a declaração de caducidade.

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6. AS MPs Nº 2.148-1, DE 22/05/2001 E Nº 2.152-2, DE 01/06/2001

6.1. O estado da questão

O Governo Federal, por meio da Medida Provisória nº 2.147, publicada no Diário Oficial do dia 16.05.2001, criou a chamada Câmara da Gestão da Crise de energia Elétrica (GCE), cuja atribuição primária é implementar medidas de natureza emergencial para compatibilizar as demandas e a oferta de energia elétrica, de forma a evitar interrupções imprevistas de eletricidade. Em outros dizeres, o referido órgão nasceu com a incumbência de elaborar um plano para conter o consumo de energia elétrica no Brasil, criando para isso várias resoluções dentre as quais, a de número 4, publicada em 22 de maio de 2001, que dispõe sobre os regimes especiais de tarifação, limites do uso e do fornecimento de energia elétrica e medidas de redução do seu consumo, resolução esta encampada pela reedição da Medida Provisória, a qual recebeu nº 2.148, de 22 de maio de 2001. 24

Apresentou como justificativa ao malfadado racionamento, a ocorrência de poucas chuvas nos últimos meses, fazendo com que os reservatórios das hidrelétricas diminuíssem os seus volumes de tal forma que a geração de energia será insuficiente para atender a demanda por vir.

Entretanto, esqueceu-se de participar a todos que nos últimos anos, esse mesmo governo, paradoxalmente, arrecadou a título dos mais variados tributos, cifras astronômicas e, mesmo assim, o povo encontra-se órfão de educação, saúde, segurança pública e, agora, também de energia elétrica!

6.2. A continuidade dos serviços públicos essenciais

Encontra-se na Constituição Federal, mais precisamente no capítulo referente aos direitos sociais, vê-se que o art. 9º, § 1º, assegura o direito de greve aos trabalhadores, desde que sejam respeitados os serviços ou atividades essenciais, reservando-se à lei sua definição.

Posteriormente, a Lei 7.783/89 veio ao mundo jurídico e em um de seus artigos contemplou a aludida definição:

"Art. 10. – são considerados serviços ou atividades essenciais:

I-tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis. (...)".

Nota-se claramente que a produção e a distribuição de energia elétrica é um serviço de natureza essencial, cuja prestação deve ser contínua, continuidade está assegurada pelo art. 22. do Código de Defesa do Consumidor.

Nos termos do artigo 3º do CDC, as pessoas jurídicas de Direito Público, centralizadas ou descentralizadas podem figurar no pólo ativo da relação de consumo, como fornecedores de serviços. Por via de conseqüência, não se furtarão de ocupar o pólo passivo da correspondente relação de responsabilidade.

O art. 22. faz remissão às empresas – rectius empresas públicas – concessionárias de serviços públicos, entes administrativos com personalidade de Direito Privado, mas por extensão é aplicável às sociedades de economia mista, fundações e autarquias, posto que não nominadas, sempre que prestarem serviços públicos.

É sempre complexo investigar a natureza do serviço público, o traço da essencialidade. "Com efeito, cotejados, em seu aspecto multifacetário, os serviços de comunicação telefônica, de fornecimento de energia elétrica, água, coleta de esgoto ou de lixo domiciliar, todos passam por uma gradação de essencionalidade, que se exacerba justamente quando estão em causa de serviços difusos (ut universi) relativos à segurança, saúde e educação. Parece-nos, portanto, mais razoável sustentar a imanência desse requisito em todos os serviços prestados pelo Poder Público" 25.

Diante do exposto no art. 22. do CDC, há de se concluir que todos os serviços prestados pelo poder público ou por ele concedido ou permitido, tem forçosamente natureza essencial e por essa causa, não podem sofrer interrupções, sob pena de causar graves danos aos consumidores, que por sua vez possuem o direito de os terem assegurados e até os virem a ser futuramente indenizados em casos de danos.

Tratando-se de serviços prestados sob o regime de remuneração tarifária ou tributária, incorrendo mora ou inadimplemento, não há como lhe negar, principalmente a título coercitivo e punitivo, o seu desfrute. 26 É o que pretende o governo ao prever que os consumidores serão punidos com o corte da energia por três dias, e se reincidentes, até seis dias, caso não venham a economizar 20% (vinte por cento) do seu atual consumo.

Essa conduta está em desacordo com os princípios democráticos, além de violar expressamente o artigo ora comentado. Afronta a continuidade e a adequação dos serviços indispensáveis, suprimindo o direito básico da eficaz prestação dos serviços públicos em geral (art. 6º, X, CDC).

A correta prestação de serviços públicos em geral, como direito básico do consumidor, vem reafirmada em diversos artigos do Código.

Dessa forma, os serviços públicos estão plenamente sujeitos às normas do Código do Consumidor implicando que, não sendo adequada e eficaz a prestação destes serviços, responde a Administração Pública nos termos da lei protetiva do consumidor.

Na Medida Provisória nº 2.152-2, de 01 de junho de 2001, pelo seu art. 26, "não se aplicam as leis nºs. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e 9,427, de 26 de dezembro de 1996, no que conflitem com esta Medida Provisória e com as decisões da GCE."

Ora ambas Medidas Provisórias (a de nº 2.148-1, de 22/05/2001, bem como a 2.152-2, de 01/06/2001) ferem, não só a Constituição Federal, como também dispositivos da legislação federal ordinária.

É nítida o intento do chefe do Executivo ao vedar a aplicação da Lei nº 8.987/95, o qual em seu artigo 6º zela pelo serviço público adequado e eficaz. Assim reza o artigo mencionado: "Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas". Com a edição da Medida provisória de 01 de junho de 2001 (M.P., nº 2.152-2), todos princípios que obrigam a prestação de serviços públicos adequados, eficientes e seguros (essenciais e contínuos) foram observados. 27

Outra questão a ser suscitada como arbitrária consiste em privar a necessidade de figurarem a União e a ANEEL como litisconsortes passivos, alterando, com isso, a competência para as eventuais ações, desaforando-as à Justiça Federal, justiça esta que na maioria dos estados da Federação só possui seções judiciárias nas capitais e que apresenta, na atualidade, um quadro de carência profissional, em face dos baixos salários e a um número de ações exacerbadas advindas do próprio governo, tal como as referentes ao INSS, aos planos econômicos, aos impostos, a correção do FGTS, etc.

6.3. Os danos no fornecimento de serviços

O artigo 14, do CDC, disciplina a responsabilidade por danos aos consumidores em razão da prestação de serviços defeituosos, em exata harmonia com o art. 12. do mencionado diploma legal.

Leciona Zelmo DENARI 28 que a responsabilidade se aperfeiçoa mediante o concurso de três pressupostos:

Ainda destaca, dentre os acidentes de consumo mais freqüentes, o defeito nos serviços de comunicação e transmissão de energia elétrica.

Vê-se, pelo caput do art. 14, que a responsabilidade do fornecedor de serviços prescinde a extensão da culpa, acolhendo, juntamente com todo o microssistema do CDC, os postulados da responsabilidade objetiva.

Esta responsabilidade estende-se, conforme o art. 22. do CDC, aos órgãos públicos, vale dizer, aos entes administrativos centralizados ou descentralizados. Além da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, estão envolvidas as respectivas autarquias, fundações, sociedades de economia mista, empresas públicas, inclusive as concessionárias ou permissionárias de serviços públicos.

Repise-se: todas essas entidades são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Por todo o exposto, o ente público não se furtará a reparar os danos causados aos consumidores, quando incorrerem:

Como se nota a intenção na Medida Provisória nº 2.148-1, de 22/05/2001, foi, dentre outros objetivos, afastar o disposto nos artigos 12 e 14 do CDC, visando a se furtar de reparar os danos causados aos consumidores pelo malfadado racionamento.

Ainda, está consignado que, caso o consumidor não venha a economizar alcançando a meta prevista, terá a sua energia cortada após 48 horas da sua notificação.

Essa determinação além de violar disposição expressa no CDC, pois colocarão os consumidores em situações vexatórias, o que é expressamente vedado pelo seu artigo 42, aplicado aqui de forma analógica, os submeterão ao despreparo dos funcionários das fornecedoras de energia elétrica, que sequer estão prontas para atender o contido nas normas governamentais.

A Medida Provisória nº 2.152-2, de 01.06.2001, em seus arts. 25. e 26, vela a inconstitucionalidade da Medida anterior, vale dizer, exclui a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e outras leis ordinárias federais, permitindo a aplicação das disposições do Código Civil e do Código de Processo Civil. Assim em seu art. 26, especifica qual legislação é aplicável, excluindo dentre estas, a Lei 8.078/90.

Os artigos 31 da atual Medida Provisória, o qual revogou a anterior (M.P. nº 2.148-1, de 22/05/2001), apenas deu nova roupagem à inconstitucionalidade contida em ambas medidas.

6.4. Das inconstitucionalidades da Medida Provisória nº 2.148-1, de 22./05/2001 e Resolução nº 04, da GCE

O artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal determina que o Estado deve promover a defesa do consumidor, na forma da lei. Todavia, a supra citada Medida Provisória, em seu artigo 25, nega vigência ao dispositivo constitucional, (art. 5º, inc. XXXII) ao impedir a qualquer cidadão que invoque a tutela jurisdicional do Estado, pugnando pela observância da lei protetiva do consumidor, que em outra gênese na Lei Maior da Nação e colocada à disposição da sociedade para dirimir as questões relativas à prestação de serviços de energia elétrica.

Ainda, o dispositivo constitucional é, sem qualquer dúvida, considerado cláusula pétrea, hospedado que se encontra no Capítulo concernente às garantias individuais. Vale examinar, ainda, a regra contida no artigo 60, § 4º, inciso IV, da CF, que é taxativo ao afirmar que "nem mesmo por meio de emenda à Constituição Federal os Direitos Individuais e Coletivos disciplinados no artigo 5º podem ser alterados".

Conforme já exposto, o CDC foi editado com base nas normas constitucionais retro expostas que encerram, além de determinações princípios que permeiam nossa Constituição Federal.

O inciso XXXVI, do art. 5º, da CF, foi igualmente desrespeitado, uma vez que a Medida Provisória desconsiderar, fez tabula rasa da relação contratual existente entre os consumidores e as empresas distribuidoras de energia elétrica, com o que desrespeitou o direito adquirido e o ato jurídico perfeito.

De modo igual, a Medida Provisória 2.148-1, ao impor "sobretaxa" (multa disfarçada), adotando critério unilateral, lastreado e média de consumo de três meses do ano de 2.000, além de ameaças de cortes de energia, sobre agredir o princípio da isonomia, vulnera o princípio do contraditório e da ampla defesa, posto que sequer viabiliza aos consumidores, o sacrossanto direito de se valerem de um princípio de direito natural: sustentar as ilegalidades da pena aplicada.

O art. 170, inciso V, da Constituição Federal, eleva a defesa do consumidor ao patamar de princípio da ordem econômica. Esta, por sua vez, encontra-se fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, objetivando assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da Justiça Social, observados dentre outros princípios, o da livre concorrência e da defesa do consumidor.

Esses pontos foram afastados, acarretando a grave situação retratada, com o recrudescimento da questão social, posto que atingirá frontalmente a relevante questão de criação de novos pólos de emprego, atividade essencial prevista no VIII do art. 170, da CF, a qual será indubitavelmente sacrificada.

No mais, verifica-se infração ao artigo 175, parágrafo único, incisos I e IV, da Constituição Federal, que incumbe ao Poder Público diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, observando sempre o procedimento licitatório, a prestação de serviços públicos, mas jamais com afronta ao direito dos usuários (inciso II), a uma justa política tarifária (inciso III) e a obrigação de manter serviço adequado.

Sobre o autor
Rodrigo Alves da Silva

mestre e doutor em Direito. É pesquisador e parecerista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Advogado,regularmente inscrito na OAB/SP (204.358), docente da Escola Superior de Advocacia (ESA) e Professor Universitário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Rodrigo Alves. O Código de Defesa do Consumidor e os serviços públicos:: a defesa dos usuários de serviço público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. -123, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3830. Acesso em: 22 nov. 2024.

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