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Justiça tributária e a Emenda Constitucional nº 39/2002

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Agenda 01/03/2003 às 00:00

5. Justiça Tributária e Transformação: o Princípio Constitucional do Justo Gasto do Tributo Afetado.

Pensar a Justiça Tributária no campo das contribuições sociais, é desenvolver e vivenciar a realidade de uma justiça tributária transformadora, isto é, observar no plano da realidade social, a aplicação do Princípio Constitucional do Justo Gasto do Tributo Afetado. Portanto, todas as normas veiculadoras de contribuições sociais estão subordinadas a este princípio constitucional sob pena de eiva de nulidade.

O princípio do justo gasto do tributo afetado aplicado às contribuições sociais, quer chamar a atenção, para o fato de que a afetação é do tributo e não só da receita como quer a doutrina tradicional, com isto une-se o direito tributário ao financeiro com o fito de criar-se mecanismo de controle e validação das normas tributárias.

Sobremais, a justiça tributária, em especial no campo das contribuições sociais, traz em si uma mensagem de valores jurídicos que impregnam o mundo à nossa volta, esta mensagem é de um Justo Gasto do Tributo Afetado. A justiça tributária não é um monopólio das leis escritas, nem da conformidade formal e material de uma Emenda Constitucional (EC nº 39/2002) para com o Texto Constitucional; a justiça tributária é um valor, um princípio jurídico - espraiado de diversas maneiras pela Carta Magna; ora ela se apresenta explícita em um enunciado constitucional (art. 3º, inciso I), ou noutro modo, implícita, e.g, art. 5º, parágrafo 2º (da CF) -, razão pela qual podemos afirmar que a justiça tributária é uma dimensão humana que cada um de nós, operadores do direito, vivenciamos num diálogo com o outro, na construção de uma sociedade mais justa, livre e solidária consoante quer o art. 3º, inciso I, da Constituição Federal.

Pugnarmos pela aplicação do Princípio do Justo Gasto do Tributo Afetado, no campo das contribuições sociais, em especial é entendermos que na pós-modernidade o destino dos recursos tributários não pode mais ficar à margem de um sério questionamento jurídico, seja ele tributário ou financeiro, a alcunha é o de menos, o importante é o instrumental a ser colocado à disposição da sociedade, através de seus operadores jurídicos. Tributo afetado e mal aplicado, é tributo injustamente arrecadado, portanto, tributo passível de devolução, bem como, de punição dos responsáveis pela malversação dos recursos públicos das contribuições sociais, eis aí uma questão que merece ser dita e redita para que sejam afastados, os preconceitos arraigados pela aplicação de uma ciência jurídica exclusivamente positivista e infensa à realidade social subjacente ao jurídico.

Não podemos mais, a qualquer pretexto, ainda que ‘jurídico’ seja, deixarmos de extrair todas as conseqüências jurídicas da "afetação" dos valores atinentes às contribuições sociais. A dicotomia meramente didática, tão sabiamente alertada por Alfredo Augusto Becker [29], entre o direito financeiro e o tributário, não pode ser discurso suficiente a impedir um aprofundamento dos debates a respeito dos valores arrecadados a título de tais contribuições.

Fujamos de uma discussão unicamente estrutural a respeito de fatos geradores, bases de cálculos e etc, e enfim, enfrentemos de vez a questão funcional do Justo Gasto do Tributo Afetado! Como controlar os recursos arrecadados a título de tais contribuições? Pense caro leitor, o problema não é só o fato de que se cria mais contribuição social, mas, sim, de que se cria e mal se aplica o dinheiro arrecadado! Então, o problema do Justo Gasto desses recursos é nosso (operadores do direito financeiro e tributário) ou não é? Se não é nosso quem então vai orientar os contribuintes brasileiros sobre a legitimidade ou não destes novos recursos arrecadados? O economista? O criminalista? O sociólogo? Claro que não só eles. Temos que ter sensibilidade para revermos nossos conceitos de direito tributário e financeiro, para assim, criarmos novos instrumentais de diálogo entre os contribuintes e o Fisco brasileiro, não podemos mais fugir desta convocação que nos impõe a pós-modernidade.

Em nossos escritórios, em nos nossos gabinetes de trabalho podemos ser cínicos, podemos acreditar ou desacreditar na tributação e no dever fundamental de pagar tributos. Mas não podemos negar que eles, tributos, estão aí, e aos borbotões! Podemos desprezar a aurora da pós-modernidade, mas não podemos desfazer o sentimento de que o problema não é somente (ainda que grave!) de nossa carga tributária ser sobremais pesada, é mais do que isto, é saber para onde vão os recursos que são constitucionalmente afetados? O que se esconde por detrás das ‘mágicas’ contribuições sociais? É certo, que temos em nós um sentimento forte de que as "taxas" foram substituídas vantajosamente (para o fisco) pelas contribuições sociais, todavia, o que nos deve chamar a atenção, é que em sendo substituídas, para onde estão indo estes recursos? Estamos menos pobres, estamos fazendo mais justiça social? Se estivermos, o tributo ademais de legal é justo. Se não estamos, como então fiscalizarmos a utilização destes recursos? Como pleitear administrativamente e judicialmente o retorno dos recursos malversados pelo Fisco? Como o direito financeiro e tributário pode criar instrumentos legitimadores ou não destes gastos?

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Na pós-modernidade não há mais espaços para afirmações como de outrora, e.g, o direito tributário tem como limite de seu campo de especulação, o pagamento do tributo, tributo pago torna-se recurso público, portanto, matéria de direito financeiro, infensa à inconstitucionalidade, sujeita tão somente à fiscalização dos Tribunais de Contas quanto à responsabilidade do gestor da res publica. Não e não. Na pós-modernidade prevalece o complexo, o híbrido, o plural, logo, tanto o direito tributário quanto o financeiro dialogam entre si, para juntos, declararem a justeza ou não dos valores arrecadados e gastos a título de contribuições sociais. Daí porque ressai forte no pós-positivismo o Princípio Constitucional do Justo Gasto do Tributo Afetado, princípio este que transita à vontade em ambos ramos do direito, sem qualquer pretensão a exclusividade de ramo, senão apenas o forte desejo de dar eficácia ao princípio maior da Justiça Tributária.

Quando nós operadores destas áreas do direito, nos abrirmos para esta aurora de vida, orientando nossas interpretações nas diversas direções acima postas, certamente, teremos em mãos, a possibilidade criativa de elaborarmos instrumentais poderosos à disposição de todos contribuintes, e assim transformaremos nossa sociedade e nós mesmos, produzindo assim aquela chama típica da Justiça Tributária, fonte de permanente abundância de vida e luz.


6. Síntese das idéias expostas.

A Justiça Tributária no campo das contribuições sociais, se materializa na vivência de uma justiça tributária transformadora, isto é, observando-se no plano da realidade social, a aplicação do Princípio Constitucional do Justo Gasto do Tributo Afetado, logo, a nova contribuição social a ser criada pelos municípios com base na Emenda Constitucional nº 39/2002, estará indelevelmente subordinada a este princípio constitucional sob pena de eiva de nulidade.

O estudo da contribuição social a ser criada com base na Emenda Constitucional nº 39/2002, há de ser feito no seio da pós-modernidade, onde não há mais espaços para afirmações como de outrora, e.g, o direito tributário tem como limite de seu campo de especulação, o pagamento do tributo, tributo pago torna-se recurso público, portanto, matéria de direito financeiro, infensa à inconstitucionalidade, sujeita tão somente à fiscalização dos Tribunais de Contas quanto à responsabilidade do gestor da res publica.

Na pós-modernidade prevalece o complexo, o híbrido, o plural, logo, tanto o direito tributário quanto o financeiro dialogam entre si, para juntos, declararem a justeza ou não dos valores arrecadados e gastos a título de contribuições sociais. Daí porque ressai forte na interpretação da Emenda Constitucional nº 39/2002, o Princípio Constitucional do Justo Gasto do Tributo Afetado, princípio este que transita à vontade em ambos ramos do direito, sem qualquer pretensão a exclusividade de ramo, senão apenas o forte desejo de dar eficácia ao princípio maior da Justiça Tributária.

Tributo afetado e mal aplicado, é tributo injustamente arrecadado, portanto, tributo passível de devolução, bem como, de punição dos responsáveis pela malversação dos recursos públicos das contribuições sociais a serem adotadas pelos municípios brasileiros a partir da Emenda Constitucional nº 39/2002, eis aí uma questão que merece ser dita e redita para que sejam afastados, os preconceitos arraigados pela aplicação de uma ciência jurídica exclusivamente positivista e infensa à realidade social subjacente ao jurídico.


Notas

01. Dentre outras, duas indagações chaves se destacam nos estudos à respeito de uma Filosofia da Tributação: por que pagar tributos ? Para que pagar tributos ?

02. "Um Discurso sobre as Ciências na transição para uma ciência pós-moderna". Revista do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo - USP. São Paulo. V. 3. p. 71.

03. Cf. por todos, Marco Aurélio Greco, "Contribuições (uma figura ´sui generis´)" São Paulo. Dialética. 2000.

04. Cf. Roberto Wagner Lima Nogueira, "Ética Tributária e Cidadania Fiscal". Revista de Estudos Tributários. Porto Alegre. Síntese. Ano V. Nº 27. set-out de 2002. p. 20-40.

05. Cf. "Teoria de la Acción Comunicativa:Complementos y Estudos Previos." Madrid. Cátedra. 2001.

06. Cf. "Direito Tributário - Fundamentos Jurídico da Incidência" São Paulo. Saraiva. 1998.

07. "Os sete saberes necessários à Educação do Futuro" 4 ed. Cortez. São Paulo. 2001. p. 38.

08. "Nova fase do Direito Moderno" 2ª ed. rev. São Paulo. Saraiva. 1998. p. 144.

09. Pobreza é definida como a condição daqueles cuja renda não é suficiente para cobrir os custos mínimos de manutenção da vida humana: alimentação, moradia, transporte e vestuários. Isso num cenário em que educação e saúde são fornecidas gratuitamente pelo governo. Outra é a linha da miséria (ou de indigência), que determina quem não consegue ganhar o bastante para garantir aquela que é a mais básica das necessidades: a alimentação. No caso brasileiro, há 53 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza. Destas, 30 milhões vivem entre a linha da pobreza e acima da linha da miséria. Cerca de 23 milhões estão na situação que se define como indigência ou miséria. Ricardo Mendonça e Luís Henrique Amaral. "O paradoxo da miséria". Revista Veja. Edição 1.735. 23.01.2002. p. 84.

10. In prefácio de Margarida Maria Lacombe Camargo, "Hermenêutica e Argumentação - Uma contribuição ao Estudo do Direito" 2ª ed. amp. Rio de Janeiro.Renovar. 2001.

11. Luís Roberto Barroso, "Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro". Revista da Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. nº 54. 2001. p. 77.

12. Ver nosso desenvolvimento teórico adiante.

13. Cf. Klaus Tipke e Douglas Yamashita, "Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva" São Paulo. Malheiros. 2002.

14. Leciona Ricardo Lobo Torres: "A transparência fiscal é um princípio constitucional implícito. Sinaliza no sentido de que a atividade financeira deve se desenvolver segundo os ditames da clareza, abertura e simplicidade. Dirige-se assim ao Estado como à sociedade, tanto aos organismos financeiros supranacionais quanto às entidades não-governamentais." In "O princípio da Transparência Fiscal". Publicação da Conferência pronunciada em 27.10.200 no XIV Congresso Brasileiro de Direito Tributário, promovido pelo IGA/IDEPE em São Paulo. Malheiros. São Paulo. Revista de Direito Tributário. v. 79. p. 9

15. Cf. Klaus Tipke, "Moral Tributaria del Estado y de los Contribuintes" Madrid. Marcial Pons. 2002.

16. É Ricardo Lobo Torres quem pondera: "A idéia de solidariedade se projeta com muita força no direito fiscal por um motivo de extraordinária importância: o tributo é um dever fundamental. (sic) (...) Ora, se a solidariedade exibe primordialmente a dimensão do dever segue-se que não se encontra melhor campo de aplicação que o direito tributário, que regula o dever fundamental de pagar tributo, um dos pouquíssimos deveres fundamentais do cidadão no Estado Liberal. (...) A solidariedade entre os cidadãos deve fazer com que a carga tributária recaia sobre os mais ricos, aliviando-se a incidência sobre os mais pobres e dela dispensando os que estão abaixo do nível mínimo de sobrevivência; é um valor moral juridicizável que fundamenta a capacidade contributiva e que sinaliza para a necessidade da correlação entre direito e deveres fiscais". "Solidariedade e Justiça Fiscal", in, "Estudos de Direito Tributário em homenagem à memória de Gilberto de Ulhôa Canto" [coord] Maria Augusta Machado de Carvalho. Rio de Janeiro. Forense. 1998. p. 301 e 303.

17. A relação jurídica tributária que se estabelece entre o fisco e o cidadão deve ser hodiernamente pensada, sob dois prismas. Do ponto de vista dos efeitos desta relação jurídica podemos dizer que ela é unilateral porquanto o cidadão-carente é protegido neste liame pela intributabilidade do mínimo existencial, isto é, o cidadão-carente na cidadania fiscal unilateral tem unicamente a posição de sujeito credor da solidariedade do Estado e o Estado tem unicamente a posição de sujeito devedor desta solidariedade. Já na cidadania fiscal bilateral a relação jurídica entre Fisco e cidadão-contribuinte quanto aos seus efeitos é bilateral, ou seja, há obrigação para ambas as partes, deveres e direitos do Fisco, ética tributária, deveres e direitos dos cidadãos-contribuintes, ética fiscal privada. Cf. nosso, Ética Tributária e Cidadania Fiscal, op. cit. p. 28-31.

18. Cf. nosso Ética Tributária e Cidadania Fiscal, op. cit. p. 27-28.

19. Cf. Ricardo Aziz Cretton, "Os Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade - e sua aplicação no Direito Tributário". Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2001. p. 1032-147. Cf. também Ricardo Lobo Torres, "A Legitimação dos Direitos Humanos e os Princípios da Ponderação e da Razoabilidade" in "Legitimação dos Direitos Humanos" Rio de Janeiro. Renovar. 2002. op cit. p. 397-450.

20. Cf. Helenílson Cunha Pontes, "O Princípio da Proporcionalidade e o Direito Tributário" São Paulo. Dialética. 2000.

21. "Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário - O Orçamento na Constituição" 2ª ed. Rio de Janeiro. Renovar. V. 5. 2000.

22. "Pequeno Tratado das Grandes Virtudes". São Paulo. Martins Fontes. 1996. p. 70.

23. Miguel Reale ponitifica:"O homem não é "ser histórico" em razão da história vivida, mas o é mais pela carência de história futura. É preciso, em verdade, atentar ao significado pleno de minha afirmação de que o homem é o único ente que é e deve ser, no qual "ser" e "dever ser"coincidem, cujo ser é o seu dever ser. Se o ser do homem é o seu dever ser, é sinal de que sente em sua finitude algo que o transcende, que o seu valer e o seu atualizar-se como pessoa implica o reconhecimento de um valor absoluto, que é a razão de ser de sua experiência estimativa; valor absoluto que ele não pode conhecer senão como procura, tentâmen, renovadas atualizações do plano da história, mas sem a qual a história não seria senão uma dramaturgia de alternativas e de irremediáveis perplexidades". "Teoria Tridimensional do Direito" 5ª ed. rev. e reest. Saraiva. São Paulo. 1994. 138.

24. "Ética é Justiça" 6ª ed. Petrópolis. Vozes, 2001. 13

25. "Ética é Justiça" op. cit. p. 9.

26. Cf. Álvaro L. M. Valls. "O que é Ética" São Paulo. Brasiliense. 1994. p. 56

27. Cf. sobre o sentido da expressão ‘transformação’, Leonardo Boff, "Espiritualidade - Um caminho de transformação". 2ª ed. Rio de Janeiro. Sextante. 2001.

28. Aristóteles, "Ética a Nicômaco" São Paulo. Martin Claret. 2002. p. 48-49.

29. Apud, Roberto Wagner Lima Nogueira, "Fundamentos do Dever Tributário" op. cit. p. 10/11.

Sobre o autor
Roberto Wagner Lima Nogueira

mestre em Direito Tributário, professor do Departamento de Direito Público das Universidades Católica de Petrópolis (UCP) , procurador do Município de Areal (RJ), membro do Conselho Científico da Associação Paulista de Direito Tributário (APET) é autor dos livros "Fundamentos do Dever Tributário", Belo Horizonte, Del Rey, 2003, e "Direito Financeiro e Justiça Tributária", Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004; co-autor dos livros "ISS - LC 116/2003" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto e Ives Gandra da Silva Martins), Curitiba, Juruá, 2004; e "Planejamento Tributário" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto), São Paulo, Quartier Latim, 2004.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Justiça tributária e a Emenda Constitucional nº 39/2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3840. Acesso em: 23 dez. 2024.

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