4. EXECUÇÃO FISCAL
4.1. Quadro sinóptico
PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL
Legislação básica: Lei Especial (LEF) n.º 6.830, de 22.09.1980
Legislação subsidiária: Código de Processo Civil
Legislação referencial-auxiliar: Código Tributário Nacional e Dec.-Lei n.º 1.735, de 20.12.1979 (que dá nova redação ao art. 39 da Lei n.º 4.320, de 17 de março de 1964).
MARCHA PROCEDIMENTAL |
ARTIGOS |
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LEF |
CPC |
CTN |
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Fundamentação básica |
1º |
591;646 |
186;188;192 |
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Título |
2º;3º |
585,VI |
201 |
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Sujeito Passivo |
4º |
568 |
121;123 |
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Competência |
5º |
578 |
- |
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Outras ações em relação à execução |
38 |
585, § 1º |
- |
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Despesas Processuais e Sucumbência |
39 |
20, § 4º;27 |
- |
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Suspensão c/ vista à Fazenda Pública |
40 |
265;791, III |
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Arquivamento e desarquivamento |
40, §§ 2º;3º |
- |
- |
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FASE I: COERCITIVA PREPARATÓRIO-CONCILIATÓRIA |
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1º tempo: postulatório |
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Petição Inicial |
6º |
282;283/;14 |
- |
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Citação/Prazo para pagamento |
7º,I;8º,I |
222,"d";652;654 |
- |
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- |
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2º tempo: garantidor da execução e de contra-ataque |
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Nomeação de Bens |
9º;11 |
652;655;656 |
- |
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Arresto/Registro |
7º,III; 11 |
653;654 |
- |
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Penhora/Registro |
7º,IV;11;14 |
659, § 4º |
- |
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Auto de Penhora/Avaliação |
13 |
664;665 |
- |
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Depositário |
9º,I;11,§3º;32 |
666 |
- |
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Intimação da Penhora |
12 |
669 |
- |
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Remoção de bens penhorados |
11,§3º |
- |
- |
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Embargos de 1ª Fase/Prazo |
16 |
742;745 |
- |
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1ª Suspensão da Execução |
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739, I e 791, I |
- |
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Resposta dos Embargos |
17 |
740 |
- |
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Na Execução por Carta |
20 |
747 |
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FASE II: COERCITIVA ESPECÍFICA |
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3º tempo: expropriatório |
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Antecipação da venda |
21 |
670 |
- |
Leilão |
22,§ 1º; 23 |
686, § 2º;697 |
- |
Leiloeiro |
- |
705;706 |
- |
Edital/Prazo e Forma de Publicação |
22 |
686 |
- |
Arrematação |
22 |
686;687;697;704 |
- |
Adjudicação |
24 |
647,II;708,II;714/15;746 |
- |
Remissão |
- |
787 |
- |
Embargos de 2ª Fase |
- |
746 |
- |
2ª Suspensão da Execução |
- |
739,I;791,I |
- |
4ª tempo: satisfativo e de extinção |
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Expedição das Cartas |
- |
703;715;790 |
- |
Pagamento do Credor |
- |
708 a 713 |
- |
Extinção do Processo |
- |
794;795 |
- |
4.2. Notas introdutórias
Para a consecução de seus fins, a objetivar a realização do bem comum da coletividade administrada, o Estado precisa manter uma estrutura orientada para esse sentido.
Entretanto, o Estado não teria recursos para custear essa estrutura, senão pelo pagamento de tributos, realizado, por imposição, ao administrado (=contribuinte).
O financiamento dessa estrutura se dará, destarte, pelo pagamento de tributos – principal fonte supridora de recursos do Estado –, na forma de impostos, taxas e contribuições de melhoria, segundo estabelecem os arts. 5.º do Código Tributário Nacional e 145 da Constituição Federal. Elucida bem a questão, Antonio Nicacio ao esclarecer que: "O Estado, ao lado das diversas atividades que exerce, para a consecução de seus fins, desenvolve também a atividade financeira, que compreende o complexo de atos relacionados com a receita e despesas públicas. Evidentemente, as atividades estatais ocasionam despesas e para fazer face aos gastos públicos, tem o Estado necessidade de meios econômicos que, dadas as suas múltiplas funções não podem ser supridos, na época atual, exclusivamente com as rendas oriundas da exploração de seu próprio patrimônio. Para obtê-los, usa então o Estado de seu poder soberano, impondo aos particulares a obrigação de contribuir com parte de sua fortuna para o custeio dos serviços públicos. Essas contribuições, impostas coativamente, denominam-se tributos e integram a receita do Estado".
Assinale-se, por oportuno, que os tributos contemplam fato gerador, base de cálculo, alíquota e momento próprio para o pagamento, nos moldes da legislação tributária.
Toda vez que um tributo deixa de ser pago em época própria ou não é pago na forma estabelecida em lei, o Estado deixa de recolher ao erário o que lhe é devido e, assim, precisa, em não logrando êxito na via litigiosa administrativa, valer-se da via judicial (impregnada de vis coativa) para a satisfação de seu crédito.
Para valer-se dessa via, estando devidamente legitimado para a satisfação do crédito, o Estado precisará de um título executivo, que é materializado na certidão da dívida ativa, expedida pelos órgãos administrativos do Poder Executivo (v. n.º 4.4).
Em posse da certidão de dívida ativa, legitimado que se encontra para a satisfação de seu crédito, o Estado requererá ao Poder Judiciário a tutela jurisdicional que, se procedente, coagirá o contribuinte em mora a satisfazer a obrigação tributária.
A tutela jurisdicional para a satisfação do crédito tributário será requerida em sede de execução fiscal, criada pela Lei n.º 6.830, de 22 de setembro de 1980, responsável por considerável parcela da receita pública e que constitui objeto de análise do presente capítulo, cujo contornos serão vistos a seguir.
4.3. Normas que regem a execução fiscal
A execução fiscal é regida pela Lei n.º 6.830, de 22 de setembro de 1980 (LEF*), que estabelece o procedimento para a execução judicial de título executivo consistente em certidão de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e suas autarquias.
Dessa forma, para receber os débitos inscritos na divida ativa, o Estado tem, necessariamente, que seguir o procedimento estabelecido na Lei de Execução Fiscal, com subsidiariedade do Código de Processo civil, na parte em que haja omissão da lei especial (LEF*).
As disposições contidas nessa lei tem caráter preponderantemente processual, muito embora sejam encontradas disposições de direito material. Tanto que ela define a inscrição, as preferências da dívida ativa e os privilégios do crédito fiscal (art. 2º, da LEF*).
Como se verifica da leitura e análise da Lei de Execução Fiscal, a forma pela qual ela instituiu o procedimento para cobrança de débitos inscritos em dívida ativa não é exaustiva. Em que pese sua especialidade procedimental, mantiveram-se, em caráter subsidiário, as disposições contidas no Código de Processo Civil, fundamentalmente, no que concerne ao processo de execução singular por quantia certa, baseada em título executivo extrajudicial.
Dessa forma, devem ser respeitados os limites naturais e políticos da execução, como questões pertinentes às obrigações personalíssimas e bens impenhoráveis, sem que se sacrifique o devedor em face dos objetivos que se pretende atingir. O respaldo legal para essa posição é encontrado no art. 620 do Código de Processo Civil (v. n.º 2.2).
Por essa razão, é a Lei de Execução Fiscal corolário do conjunto de normas executivas contidas no Código de Processo Civil, que lhe dão apoio e, apesar da prevalência do interesse público sobre o privado, não privilegia e nem pode privilegiar a Fazenda, pois como dizia o saudoso Rui Barbosa "presunção de ter a Fazenda razão contra o resto do mundo, lei nenhuma a reconhece".
Ainda com relação à subsidiariedade da Lei de Execução Fiscal ao Código de Processo Civil, o seu art. 598, determina que as disposições do processo de conhecimento sejam subsidiariamente aplicáveis à execução. Entretanto, há que se ter especial atenção, pois a aplicação de instituto ou regra a serem transportados devem ser informados por princípios compatíveis; do contrário a aplicação deve ocorrer subsidiariamente às normas de execução.
Dentre as regras gerais e institutos aplicáveis a todo o sistema processual estão aqueles pertinentes à regulamentação da jurisdição e da ação, partes e procuradores, suas responsabilidades e prerrogativas, despesas e multas, Ministério Público, órgãos judiciários e auxiliares da Justiça, juiz atos processuais, prazos, comunicações dos atos, nulidades, formação, suspensão e extinção do processo, provas e sistema recursal. No mais, são inaplicáveis as regras gerais e institutos do processo de conhecimento à execução.
4.4. Formação da certidão da dívida ativa como ato de controle administrativo de legalidade. Presunção relativa de liquidez e certeza
Para o administrativista Hely Lopes Meirelles, ato administrativo é "toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria (grifo nosso).
No que respeita à obrigação tributária, não satisfeita espontaneamente pelo contribuinte, o Estado cobrará seu crédito por meio da execução fiscal. Para instruí-la, ab initio, deverá constar da peça inaugural do processo a certidão da dívida ativa, tal como título executivo extrajudicial hábil à comprovação de existência do crédito exeqüendo (=certeza).
Milton Flacks, nos diz que o momento constitutivo da dívida ativa ocorre com o lançamento. Ainda, para José da Silva Pacheco: "é a inscrição o elemento essencial à existência da dívida ativa, ou seja, é a inscrição que faz nascer a dívida ativa". Para Luciano Benévolo de Andrade: "o que assinala a dívida ativa, sendo antes de tudo um crédito da Fazenda Pública ou pessoa a ela equiparada, é o inadimplemento do devedor seguido da inscrição".
Decorre da indigitada doutrina, que a inscrição ou lançamento configura verdadeiro ato administrativo, senão vejamos: a) é ato unilateral que emana de órgão da Administração Pública (=Poder Executivo), por sua Procuradoria da Fazenda, no que lhe foi definido como atribuição; e b) tem por fim imediato impor ao administrado (=contribuinte) o pagamento do tributo. Nosso entendimento corrobora o de José da Silva Pacheco ao dizer que: "o procedimento de apuração e inscrição constitui ato de controle administrativo de legalidade" (grifo nosso).
Dessarte, como ato administrativo que é, a inscrição ou lançamento deve atender a determinados requisitos, sob pena de nulidade, pois conforme lição de Hely Lopes Meirelles "A preterição de atos preparatórios ou a sua realização em desconformidade com a norma legal que disciplina o procedimento administrativo podem acarretar a nulidade do ato final, desde que se trate de operações essenciais ou de requisitos de legalidade do ato principal". No mesmo sentido, nos ensina Oswaldo Aranha Bandeira de Mello que "...o ato administrativo não se reduz à execução autônoma da lei, sendo que, na maioria das vezes, há largo campo de apreciação discricionária... Ora, o chamado ato administrativo, em sentido estrito e ordinário,... só pode ser praticado nos termos da lei, para realizar preceito normativo". Ainda segundo o primeiro administrativista, os requisitos de validade do ato administrativo são: a) competência (o poder atribuído ao agente da Administração para o desempenho específico de suas funções); b) finalidade (o objetivo de interesse público a se atingir); c) motivo (ou causa, que é a situação de direito ou de fato que determina ou autoriza a realização do ato administrativo); e d) objeto (in casu, a obrigação imposta ao contribuinte, por meio da coação estatal).
A Lei de Execução Fiscal prevê no § 5º, do art. 2.º, requisitos para o procedimento administrativo consistente no termo de inscrição de dívida ativa, em relação aos quais deve observância e cautela a Administração, visando à apuração da certeza e liquidez do título consistente na certidão da dívida ativa, requisitos nem sempre cumpridos, como já dissemos, devido à pretendida celeridade do procedimento administrativo e judicial para cobrança dos créditos da Fazenda.
Não obstante a celeridade pretendida no procedimento – uma das causas ensejadoras de vícios –, há outras ainda. Aldemario Araujo Castro (Procurador da Fazenda Nacional e Coordenador da Dívida Ativa da União), em artigo bastante elucidativo do ponto de vista prático, nos fornece preciosas informações a respeito. Para o Coordenador da Dívida Ativa, as condições logísticas da cobrança estão longe de definir um quadro próximo do razoável; quantifica, segundo dados de abril de 2000, uma média de 6.000 (seis mil) processos judiciais para cada procurador, aliado ao número insuficiente de servidores de apoio e ao fato desses servidores não serem organizados em carreira própria e especializada para o desempenho das atividades exigidas pelas atribuições da Procuradoria, além de carências de ordem material, tais como: ausência de instalações adequadas em inúmeras unidades, falta de armazéns para bens removidos, níveis orçamentários e fluxos financeiros inapropriados, entre outros.
Conseqüência disso, por vezes ruinosa ao contribuinte, é a inscrição indevida de créditos tributários pela Fazenda, em que contribuintes de grande porte e com substancial poder de contribuição – pessoas jurídicas de direito privado, em geral – recebem, surpreendentemente, um sem número de autos de infração, contra os quais são obrigados a defender-se em vagarosos procedimentos administrativos que poderão levar à inscrição em dívida ativa e, como corolário, a infindáveis processos judiciais.
Durante essa fase, se o contribuinte – essencialmente as pessoas jurídicas de direito privado – necessita obter certidões para o fim de participar de licitações, ou mesmo realizar investimentos junto à iniciativa privada para expandir seus negócios, fica impedido, pois seu nome foi indevidamente registrado no Cadastro de Inadimplentes da Fazenda (CADIN).
Com efeito, em defesa do contribuinte, nesse particular, é curial relembrar o que dispõe o art. 151 do Código Tributário Nacional. Tal dispositivo determina a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, somente nas hipóteses em que estabelece, não prevendo, assim como não está previsto nenhum outro dispositivo do ordenamento jurídico, a exceção de pré-executividade.
Embora o rol de medidas que suspendam a exigibilidade do crédito tributário seja numerus clausus, não podemos deixar de considerar a exceção de pré-executividade como medida ensejadora de suspensão de exigibilidade do crédito tributário, pois conforme preleciona Carlos Otávio Vieira B. de Menezes "se o crédito encontra-se com sua exigibilidade suspensa, em virtude de qualquer outra das causas previstas em lei, tem o executado a possibilidade de argüir em sede de exceção a causa suspensiva, sem necessidade de garantir o juízo". Ainda diz o autor que "estando o crédito tributário com exigibilidade suspensa, não se encontram, evidentemente, presentes os pressupostos da execução".
Em termos práticos, ainda que suspensa a exigibilidade do crédito tributário por meio da oposição da exceção, não raro é o contribuinte prejudicado pela manutenção de seu nome no Cadastro de Inadimplentes da Fazenda (CADIN), o que impede a expedição de certidões negativas durante o trâmite do processo, até sentença transitada em julgado, pela qual pretende o contribuinte ver declarada improcedente a demanda executiva.
Esse entendimento de admitir a exceção como medida suspensiva da exigibilidade do crédito tributário, tem fulcro no art. 108 do Código Tributário Nacional o qual enumera os princípios da hermenêutica do direito em geral. Assim é, que o indubio pro reo do Direito Penal está subentendido no art. 112 do mesmo diploma, ainda que com parâmetros definidos para o Direito Tributário, culminando na interpretação mais favorável ao acusado (=contribuinte), muito embora, afirme Hugo de Brito Machado que "na teoria geral do Direito também se leva em conta finalidade da lei e se pode, e se deve, dar importância à realidade fática sobre a qual incide. O que não se admite é que a consideração dessa realidade conduza sempre a conclusão unilateral, constituindo-se simples mascaramento de posição apriorísticamente adotada pelo intérprete. Vemos, por isto, com simpatia, a lição de Dino Jarach, pela qual ‘a interpretação econômica é tanto em favor do fisco como em favor do contribuinte, tanto quando há intenção de evasão, como quando não haja essa intenção; tanto quando o resultado de interpretação econômica resulta num imposto maior para o contribuinte como quando resulta em imposto, ou seja, tanto em favor do contribuinte como em favor do fisco".
O art. 3º, da Lei de Execução Fiscal, reproduzindo o art. 204 do Código Tributário Nacional, prescreve que a dívida ativa goza da presunção de certeza e liquidez. O parágrafo único do dispositivo da lei especial, contudo, torna relativa a presunção, por prova inequívoca apresentada pelo executado ou terceiro.
Não raro, demonstrado o que dissemos até aqui pela ineficiência do procedimento, é o contribuinte executado por tributo devidamente recolhido, o que comprova em termos fáticos a relatividade apontada no parágrafo acima.
Resta claro, portanto, a natureza de ato administrativo de controle da legalidade da inscrição em dívida ativa. Dessa forma, quanto à presunção de legitimidade do ato administrativo – presunção de certeza e liquidez da certidão de dívida ativa – posiciona-se o ilustre Hely Lopes Meirelles no sentido de que embora eficaz (apto a produzir efeitos finais, enquanto não for revogado), pode o ato administrativo não ser exeqüível, posto lhe faltar a verificação de uma condição suspensiva, ou a chegada de um termo, ou, ainda, a prática de um ato complementar, v.g., no caso em tela, trânsito em julgado da decisão judicial que declare nula a execução baseada em certidão de dívida ativa (ato administrativo unilateral), em relação a qual falte requisitos de constituição válida e regular.
Sem tais requisitos, o ato não pode ser posto em execução; faltam-lhe, então, a certeza e a liquidez almejadas pela Administração. Logo não há que se falar em processo judicial, muito menos em constrição patrimonial do devedor (=?) como requisito do exercício do contraditório.
4.5. Exceção de pré-executividade e execução fiscal
Assim como no Código de Processo Civil (art. 736), a Lei de Execução Fiscal determina que o executado se defenda por meio do oferecimento de embargos, que no caso do diploma especial confere ao devedor o prazo de 30 (trinta) dias (art. 16).
Como já esposado neste trabalho, requisito para o oferecimento dos embargos é a garantia do juízo e a Lei 6.830/80 a prevê no art. 16 por meio do depósito (inciso I), fiança bancária (inciso II) e penhora (inciso III).
Esculpimos toda forma de mácula de que pode padecer o título no item 3.4 da presente monografia. Assim, deve a Administração anular seus próprios atos quanto eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos.
Com efeito, deve o Judiciário, ao receber ação de execução fiscal lastreada em certidão da dívida ativa sem força executiva, declará-la nula dada a ausência de requisitos que dêem ao título força executiva e legitimem a Fazenda à cobrança do crédito constante daquele título.
Nesse contexto, aliás, o magistrado seguirá a LEF que ampara essa exegese ao prescrever que, até a decisão de primeira instância, a certidão de dívida ativa poderá ser emendada ou substituída, assegurado ao executado a devolução do prazo, com inequívoco apoio do art. 26 que autoriza a extinção da execução fiscal, até a decisão de primeira instância, se, a qualquer título, for cancelada a inscrição da dívida ativa, sem qualquer ônus para as partes.
Quanto à ausência de ônus às partes, a doutrina e a jurisprudência – acertadamente – não afastam a responsabilidade da exeqüente pelo ônus da subumbência. A respeito v. n.º 4.6 e 4.7.
Rodrigo Cesar Caldas de Sá diz que o julgador dos feitos da Fazenda Pública "não deve ter (e não tem) responsabilidade por guardar os cofres públicos, e sim a justiça, a ser concretizada por meio de processo legal (due process of law) com todas as garantias e prerrogativas asseguradas às partes". Destarte, deve o magistrado guardar imparcialidade quanto ao processo de execução fiscal, inclusive no concernente aos seus corolários, tais como a sucumbência.
Quem milita na área do Direito Tributário observa a desorganização das máquinas de arrecadação e cobrança fiscal, sobretudo em algumas partes do país, onde os órgãos não são automatizados nem harmônicos entre si.
A conseqüência negativa disso é um sem número de execuções fiscais propostas indevidamente, em que o pagamento do tributo foi realizado corretamente ou a exigibilidade encontra-se suspensa, nos moldes da legislação tributária.
Desse modo, a Administração, dadas as faltas de harmonização de sua estrutura e de comunicação de dados em razão da utilização de tecnologia obsoleta manda executar, agredindo e violando os direitos e o patrimônio do devedor (=?), num verdadeiro absolutismo que remonta aos tempos primórdios, com o agravante de fazê-lo sob a égide da Lei de Execução Fiscal, tida nesse contexto, como "mecanismo de controle jurisdicional do Fisco".
Humberto Theodoro Júnior explana com habitual brilhantismo que "toda vez que, sem razão séria ou motivo imperioso, um instituto jurídico é retirado do bojo de uma codificação já estruturada (como no caso da execução fiscal, antes regulada pelo CPC) e com eficiência já comprovada, comete-se uma imprudência e realiza-se, no plano legislativo, em retrocesso" (sem parênteses no original). Mas não é só. Para o jurista: "No caso concreto da Execução Fiscal, não será difícil prever que a aplicação da nova Lei especial, incompleta como é, virá redundar num sem número de conflitos e dificuldades hermenêuticas, quando tiver de ser interpretada à margem do Código de Processo Civil" (grifo nosso).
A doutrina e a jurisprudência assim como já demonstrado na presente exposição quanto às linhas gerais da exceção de pre-executividade, tem-na acatado em sede de execução fiscal, o que corrobora nossa tese.
No processo 96.0514248-9, o Juiz da 4ª Vara Federal das Execuções Fiscais decidiu ser cabível a exceção de pré-executividade na execução fiscal. Ali, o INSS executava determinada pessoa física como responsável tributária de uma empresa que já não mais existia. O executado, todavia, não tinha sido sócio ou gerente, tendo comprovado de plano em sede de exceção de pré-executividade que era apenas contratado (empregado) da empresa. Tendo sido comprovado que a qualidade do executado não permitia encartá-lo como responsável tributário, e tendo sido alegada esta matéria em exceção de pré-executividade, o juiz acolheu os argumentos do executado e determinou a extinção da execução.
Ainda sobre as matérias passíveis de serem argüidas em exceção de pré-executividade na execução fiscal, Leonardo Greco, citado por Eduardo Arruda Alvim, conclui que: podem ser argüidas através da exceção de pré-executividade: a falta de condições da ação e de pressupostos processuais decorrentes de nulidades absolutas; os vícios do processo administrativo fiscal; nulidades relativas da execução; excesso de execução; inexistência total ou parcial do débito fiscal; qualquer outra causa extintiva da obrigação, como pagamento, prescrição ou compensação, são questões de direito material".
4.6. Honorários advocatícios e sucumbência da Fazenda Pública
Tanto o estatuto processual quanto a lei especial, se seguidas ao pé da letra, violam flagrantemente o princípio da isonomia consagrado na Constituição Federal. Isso porque o art. 20, § 4º do Código de Processo Civil determina que vencida a Fazenda Pública os honorários serão fixados de forma eqüitativa pelo juiz, o que implica haver possibilidade de a Fazenda ser condenada na verba honorária abaixo do mínimo legal que é de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Viola-se, in casu, o princípio da isonomia porquanto ambos os litigantes tiveram despesas com a contratação de advogados e devem ser ressarcidos de forma igualitária. Vencido o particular (no pólo contrário ao da Fazenda), a condenação da verba honorária deve operar-se na forma do art. 20, § 3º do Código de Processo Civil, não podendo ser inferior a 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Ora, porque poderia, então, haver condenação em percentual inferior ao legal, se vencida, na mesma causa, a Fazenda?.
Rui Barbosa, em sua afamada Oração aos Moços discorre sobre a questão dos privilégios da Fazenda Pública nos seguintes termos:
"Não vos mistureis com os togados, que contraíram a doença de achar razão ao Estado, ao Governo, à Fazenda; por onde os condecora o povo com o título de "fazendeiros". Essa presunção de ter, de ordinário, razão contra o resto do mundo, nenhuma lei a reconhece à Fazenda, ao Governo, ao Estado.
Antes, se admissível fosse aí qualquer presunção, havia de ser em sentido contrário; pois essas entidades são as mais irresponsáveis, as que mais abundam em meios de corromper, as que exercem as perseguições administrativas, políticas e policiais, as que, demitindo funcionários indemissíveis, rasgando contratos solenes, consumando lesões de toda ordem (por não serem os perpetradores de tais atentados os que os pagam), acumulam, continuamente, sobre o tesouro público terríveis responsabilidades.
(...)
Magistrados futuros, não vos deixeis contagiar de contágio tão maligno. Não negueis jamais ao Erário, à Administração, à União, os seus direitos. São tão invioláveis, como quaisquer outros. Mas o direito dos mais miseráveis dos homens, o direito do mendigo, do escravo, do criminoso, não é menos sagrado, perante a justiça, que o do mais alto dos poderes. Antes, com os mais miseráveis é que a justiça deve ser mais atenta, e redobrar de escrúpulo; porque são os mais mal defendidos, os que suscitam menos interesse, e os contra cujo direito conspiram a inferioridade na condição de míngua nos recursos".
Ademais, o art. 26 da Lei 6.830/80 determina que se, antes da decisão de primeira instância, a inscrição de dívida ativa for, a qualquer título, cancelada, a execução fiscal será extinta, sem qualquer ônus para as partes.
Nova agressão ao litigante particular, eis que a Lei de Execução Fiscal não está em harmonia com a Constituição Federal nem com o melhor direito.
Contra esse despautério jurídico, de forma a equilibrar o procedimento da lei especial, sensatamente sumulou o assunto o Superior Tribunal de Justiça, que através da Súmula 153 estabeleceu: "A desistência da execução fiscal, após o oferecimento dos embargos, não exime o exeqüente dos encargos da sucumbência".
Há inúmeros julgados seguindo a orientação do STJ. Trazemos a lume o julgado abaixo, proferido na Remessa Ex-Ofício n.º 2000.33.00.007869-5 em julgamento do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Rel. Juiz Hilton Queiroz – 4ª Turma, DJU 16/08/2001), o qual aplica por analogia a súmula 153 à exceção de pré-executividade:
"Ementa: PROCESSUAL CIVIL E EXECUÇÃO FISCAL. DÉBITO EXTINTO POR CANCELAMENTO. PAGAMENTO ANTERIOR À INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Correta a sentença que, ao extinguir a execução, condenou a exeqüente ao pagamento de verba honorária, uma vez que a extinção do débito por cancelamento promovida pela UNIÃO decorreu da exceção de pré-executividade apresentada pelo executado demonstrando que o débito já havia sido pago antes do ajuizamento da ação.
2. Remessa oficial improvida.
Trata-se de sentença proferida pelo ilustre Juiz Federal, Dr. Avio Mozar José Ferraz de Novaes, que julgou extinta, com fundamento no art. 26 da Lei nº 6.830/80, a Execução Fiscal, sem ônus para as partes, em face da informação do credor de que procedeu ao cancelamento da respectiva inscrição da Dívida Ativa da União.
Em face da exceção de pré-executividade oposta pelo executado, demonstrando que o débito já havia sido pago antes do ajuizamento da ação, a UNIÃO foi condenada ao pagamento de verba honorária no valor de R$ 100,00 (cem reais).
Sem recurso voluntário, os autos subiram a esta Corte por força da remessa oficial.
É o relatório.
V O T O
O EXMO. SR. JUIZ HILTON QUEIROZ (RELATOR):
A UNIÃO (Fazenda Nacional) ajuizou Ação de Execução contra SAFIRA Transportes e Armazéns Ltda.
Após a oposição de exceção de pré-executividade oferecida pela executada, a UNIÃO requereu, por petição (fls. 27), o prazo de 60 (sessenta) dias para realização de diligências junto à Receita Federal a fim de verificar se o débito exeqüendo havia sido liquidado.
O processo foi suspenso, conforme decisão de fls. 30.
Em face da informação da exeqüente de que o débito, objeto da execução, havia sido extinto por cancelamento em virtude de haver o pagamento anterior à inscrição, o magistrado extinguiu o feito, e condenou a exeqüente ao pagamento de verba honorária no valor de R$ 100,00 (cem) reais.
Não merece censura a sentença recorrida.
O reconhecimento pela exeqüente de que o débito já havia sido pago antes mesmo da inscrição em Dívida Ativa, com a conseqüente extinção por cancelamento, decorreu da oposição da exceção de pré-executividade manejada pela executada, que contratou advogado para tal mister.
Em assim sendo, a verba honorária foi corretamente fixada.
Ante o exposto, nego provimento à remessa oficial.
É o voto.
4.7. O artigo 940 do Código Civil e o fundamento da indenização em execução fiscal
Prescreve o art. 940 do Código Civil: "Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição".
Conquanto o Supremo Tribunal Federal tenha sumulado a matéria, pela Súmula 159, in verbis: "Cobrança excessiva, mas de boa fé não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil" – art. 940 do novo Código Civil (Lei n.º 10.406, de 10/01/2002) –, reputamos, no mais das vezes, de má fé o ajuizamento de execuções fiscais, como no caso de matéria do Jornal Valor Econômico, de 20 de janeiro de 2002, que na seção Legislação & Tributos, em artigo intitulado "Receita cobra impostos já pagos", informou que somente na cidade de São Paulo, a Secretaria da Receita Federal autuou 14 mil contribuintes e gerou mais de 29 mil autos de infração, devido a problemas no sistema e pelo medo de perder o prazo para cobrar os tributos próximos de prescreverem. Dessa forma, a Receita optou por cobrar a todos, mesmo de quem ela não tinha certeza que devia, expediente que vem se tornando comum, segundo Isabel Vieira (diretora adjunta de assuntos técnicos do Sindicato nacional dos Auditores Fiscais da Receita – Unafisco).
Decorre dos dados acima apontados na matéria daquele jornal especializado que ocorreu patente má-fé da Fazenda. Ora, como pode a Fazenda cobrar aqueles que ela sabe terem pagos seus tributos, incuindo-os temerariamente numa verdadeira "massa devedora", sob a justificativa de não perder o prazo para a cobrança ou de não saber, ao certo, quem deve e quem não deve?
Entendemos, dessarte, comprovada a má-fé da Fazenda, como nos casos apontados acima, em que ela deve indenizar o particular pois, nos dizeres de Rui Barbosa: "Não se pode conceder privilégio às pessoas de direito público perdoando seu equívocos enquanto que aos particulares se impõem o dever de indenizar. É preciso que seja respeitado o princípio da isonomia, para que neste julgamento não haja distinção entre pessoas, e a observância da legalidade, por vivenciarmos um Estado Democrático de Direito".
Tércio Sampaio Ferraz Júnior, lembrado por Alexandre Santos de Aragão, diz que "a ordem econômica autônoma introduz uma aceleração dos processos sociais, que não podem ser resolvidos à luz de mecanismos de controle, como, por exemplo, os direitos individuais...". Tal pensamento está na contramão do que se denomina, modernamente, Ação Afirmativa, consistente na luta pelos direitos civis, movimento há muito propugnado nos Estados Unidos da América e que hoje encontra guarida nas constituições da maioria dos países do mundo, inclusive a brasileira (art. 5º, CF/88).
Questão que se suscita acerca da cominação do art. 940 do Código Civil, em sede de execução fiscal, é a via procedimental adequada para tal.
Embora a jurisprudência dominante entenda que a via procedimental seria a da reconvenção ou da ação autônoma, concordamos com o entendimento da 12ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, pelo qual verifica-se que quando se constata a reprovabilidade da conduta do autor nos próprios autos da ação por ele ajuizada, não há porque abrir-se novo procedimento judicial. Novamente, aqui, atenta-se para o princípio da economia processual.
Mas não é só.
Além da condenação da Fazenda à sanção imposta pelo art. 940 do Código Civil, não pode ela se furtar a responder à sanção decorrente do art. 186 do mesmo diploma, o qual dispõe: "Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência violar direito, ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito", devendo, por conseqüência, indenizar..
Como já se demonstrou, poderão ser inúmeros os danos causados ao contribuinte, indevidamente executado, tais como: a não obtenção de certidões negativas para a participação em processos de concorrência (públicos ou privados), a indevida inscrição nos órgãos de negativação de crédito (incluindo-se o da própria Receita – o CADIN), a não aprovação em planos de financiamento e investimento que impeçam, no caso de pessoa jurídica de direito privado, a expansão do negócio etc.
Tais danos, da mesma forma e pela mesma via procedimental que a cominação do dano processual (ex vi do art. 940 do Código Civil), podem e devem ser pleiteados em juízo contra a Fazenda Pública, por medida de Justiça e como forma de desmotivar procedimentos abusivos da Administração Pública.